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quinta-feira, 23 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21193: PAIGC: quem foi quem ? (14): Julião Lopes, ex-craque da seleção nacional de futebol, comandante da base central do Morés, comandante da Marinha de Guerra até ao golpe de Estado do 'Nino' Vieira, em 14 de novembro de 1980




1. Mensagem, a partir de Abu Dhabi, enviada pelo nosso coeditor Jorge Araujo, em 3 do corrente:


Caro Luís,
 Bom dia.
Envio a foto de "família" do grupo que estagiou em Praga, em 1961, onde consta o Julião Lopes. (*)

Até breve.

Jorge Araújo.


2. Comentário do editor LG:

Este Julião Lopes, comandante da base central do Morés, será o futuro comandante da Marinha de Guerra da Guiné-Bissau, depois da independência e até ao golpe de Estado de ‘Nino’Vieira, em 14 de novembro de 1980, altura em que foi preso.

Era, no final dos anos 50/princípios de 60, um craque da seleção nacional guineense... Passou à clandestinidade, fugindo para Conacri em finais de 1960, com outros futebolistas conhecidos, populares na época, como o Bobo Keita, o Lino Correia (, da UDIB), o João de Deus, e outros, jovens que viviam no bairro do Pilão (ou Pilum, ou Cupelom) (**).

Recorde-se que o Bobo Keita pertencia, na temporada de 1960/61, à equipa da primeira divisão do Sport Bissau e Benfica, embora ele fosse "sportinguista".

 No seu livro de memórias (, resultante de entrevistas com Norberto Tavares de Carvalho, publicado em 2011), relata este episódio da fuga, de vários grupos de futebolistas, de Bissau até Conacri. Diz ele que "de janeiro a outubro de 1961 , estivemos em Conacri a receber aulas do [Amílcar] Cabral" (p. 67). Foi nessa altura [, ou mais tarde, 215/11/1962] que morreu o Lino Correia, num acidente estúpido: "ao executar um salto mortal, caiu e quebrou o pescoço"... 

Em outubro de 1961, "fomos destacados para a mobilização no Leste"... Bobo Keita não faz referência ao grupo que, entretanto,  partira para Praga (capital da antiga Checoslováquia), onde se incluía o Julião Lopes (foto acima).

Há, no livro do Bobo Keita (ou melhor, do Norberto Tavares de Carvalho) , mais algumas breves referências ao Julião Lopes: 

(i) na base de Kumbagnhor / Kumbamori, no Senegal, numa casamento de um camarada (p. 108); 
(ii) como comandante da base central do Morés (em 7 de novembro de 1967) (p. 120); 
(iii) na discussão sobre a atribuição de patentes de comandante (p. 200); 
(iv) em Sambuiá, em 1968, quando foi planeado atacar o aeroporto de  Bissau (p. 206), operação essa levada a cabo pelo André Gomes e sua equipa de 7 homens (p. 206);
(v) há ainda uma foto de grupo (p. 210).

E é tudo o que sabemos sobre o "homem da bola"...que chegou a comandante da guerrilha, tal como o Bobo Keita. Ambos, apesar de tudo, tiveram sorte de chegar vivos à independência. E ambos chegaram ao topo da hierarquia da guerrilha: foram "comandantes", independentemente de outros aspetos controversos do seu percurso e do seu comportamento. Ao Julião Lopes, nomeadamente, são atribuídos, durante e depois da luta pela independência,. comportamentos típicos do sociopata.



PAIGC > s/l > s/ d> [posterio a 25 de Abril de 1974] > Da esquerda para a direita: Comandantes Abdulai Bari, João da Silva, Julião Lopes, Armando Soares da Gama, André Gomes, um elemento não identificado,  e de perfil  Bobo Keita, em companhia da sra. Maria Augusta Saúde Maria.

Foto: arquivo de Bobo Keita (2011) (cortesia de Norberto Tavares de Carvalho - De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes.

De qualquer inporta recordar que o futebol foi um viveiro de militantes do PAIGC: Bobo Keita, que nasceu no Cupelom [ ou Pilão] de Baixo, em Bissau, jogava na equipa do bairro, o Estrela Negra... Dela faziam parte futuros militantes nacionalistas como o Umaro Djaló, Julião Lopes, Corona, Ansumane Mané (outro que não o brigadeiro), Lino Correia (que era de Mansoa)...

Keita, miúdo de rua, não tinha botas... As primeiras que teve foram-lhe emprestadas (e depois dadas) pelo Sport Bissau e Benfica. Jogou com elas em Mansoa. Jogará depois nos juniores do Benfica e, dada o seu talento, chega rapidamente à seleção provincial.

Tinha então 17 anos. Como a idade mínima legal eram os 18, à face das normas internacionais do futebol, tiveram que lhe fazer uma "nova" certidão de nascimento (sic)... A partir daí,  conforme as circunstâncias ou convienências, passou "a exibir dois bilhetes de identidade, um com dezassete anos e outro com dezoito anos", confidencia o Bobo Keita (1939-2009) ao seu biógrafo (p. 31), o Norberto Tavares de Carvalho (, vítima, ele próprio,  do 'spinolismo' e do 'ninismo'). (****): estudante de liceu, preso na Ilha das Galinhas, e  libertado com o 25 de Abril de 1974, esteve, depois com a golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, nas masmorras de 'Nito' Vieira, até maio de 1983.

3. Nota do Jorge Araújo, em Abu Dhahi (em comentário posterior a este poste):
Reportando-me em particular à "foto de família" acima [Praga, 1961,] , e para contextualização da mesma, acrescento:

(i)  com excepção do Amílcar Cabral, os restantes dez elementos foram os eleitos que seguiram para a Checoslováquia, em Setembro de 1961, para aí cumprirem um estágio de três meses;

(ii) a deslocação a Praga deste grupo é, pois, consequência de um convite (oferta) formulado ao PAIGC de igual número de "bolsas";

(iii)  este assunto é apresentado e analisado na reunião do Secretariado do Partido, realizada em casa de Amílcar Cabral [Conacri], em 20 de Setembro de 1961.

(iv) - Na acta, escrita em francês, consta o seguinte:

Tradução: 

(...) “Estamos num caminho que ninguém na África jamais seguiu: ter estruturas antes da independência. Também tenho o prazer de vos informar que a Checoslováquia nos oferece mais 10 quadros [bolsas de estágio] que devemos enviar o mais rapidamente possível, tais como: Mecânica e Electricidade, Agricultura (máquinas), Estradas, Construções, Administração Interna, Planeamento Económico, Higiene e Acção Social, Distribuição de bens de consumo, Restaurantes e hotéis. Temos que pensar cuidadosamente sobre quem são as pessoas que devem ir para este estágio.” (...)

Citação: (1961), "Acta da Reunião do Secretariado do PAIGC", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34129

___________

Notas do editor:


(...) Diz o relatório (p. 18):

"Por informações colhidas na base Central sobre este camarada [Julião Lopes], soube que num ataque [realizado em Outubro de 1963] do grupo por ele dirigido, em Encheia, contra o Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras] e não contra a tropa colonial, que numa rajada da sua metralhadora matou três camaradas, a saber: Luís Mendes "Mambará", João Balimbote e Joãozinho Amona, ficando ele, Julião, ferido com uma bala de um dos camaradas daqueles que morreram, que o atingiu propositadamente com a intenção de o matar, procurando assim vingar-se por si e seus companheiros, tendo nesta altura também ficado ferido, e ainda pelo camarada Julião Lopes, o camarada Paulo Santi

Depois de arrebentada a porta da residência do Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras], para ser liquidado, o respectivo chefe, o camarada Julião Lopes, impediu os seus companheiros de o fazerem, alegando bastar já o mesmo ter uma perna quebrada [balas nas pernas].

O Cmdt deste ataque, Julião Lopes, foi depois transportado para o Hospital de Ziguinchor, a fim de ser intervencionado, onde se manteve até ao dia 09 de Janeiro de 1964, 5.ª feira, data em que deu início ao seu regresso à base Central do Morés. (..:)



(**) Vd. poste de 29 de outubro de  2011 > Guiné 63/74 - P8961: Notas de leitura (296): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte IV): Os 'Portuguis Nara' de Boké e de Conacri (Luís Graça)

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21130: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio-Morés em 1963/64 (Jorge Araújo) - II (e última) Parte


Foto 4 – Cutia (Região do Óio) - "Ronco" da CART 564 [Out63-Out65]. (Foto do álbum do fur mil Leopoldo Correia, da CART 564), com a devida vénia. In: https://rumoafulacunda.wordpress.com/mansoa/cutia/


Foto 5 – Cutia (Região do Óio) - Estrada principal para Cutia. (Foto do álbum do fur mil Leopoldo Correia, da CART 564, 1963/65), com a devida vénia. In: https://rumoafulacunda.wordpress.com/mansoa/cutia/


Foto 6 – Mansoa (Região do Óio) - Dois elementos da CCAÇ 413 (1963/65), junto à placa toponímica que indicavam algumas das localidades mais próximas para Oeste (Nhacra, a 28 km e Bissau, a 49 km. Para Leste: Enxalé, a 50 km; Bambadinca, a 65 km e Bafatá, a 93 km. – Foto do livro «Nos celeiros da Guiné», de Albano Dias Costa e José Sá-Chaves, com a devida vénia – P3066.



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada e da Tabanca dos Emiratos; tem 256 registos no nosso blogue.


MEMÓRIAS CRUZADAS
NAS 'MATAS' DA REGIÃO DO ÓIO-MORÉS EM 1963-1964
- O CASO DE ENCHEIA -

II (e última) PARTE


Mapa da região do Óio, com indicação de alguns dos locais de "memórias cruzadas".
Em todos eles, e em todas as gerações de combatentes, com início em 1963, ocorreram factos marcantes para o resto da vida… (de todas as vidas)… em que alguns não tiveram direito a "viagem" de regresso... Lamentavelmente!

► Continuação do P21095 (21.06.20) (*)

3.   - AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOS COMANDANTES DE BASES

Os objectivos da missão realizada por Bebiano Cabral d'Almada, dirigente do Bureau de Dakar, entre 12 de Janeiro e 05 de Fevereiro de 1964, incluía contactos com as estruturas partidárias organizadas em território da República do Senegal, na região de Casamansa, e um melhor conhecimento sobre o desenvolvimento da luta no interior da Guiné, através da visita a algumas das bases existentes na região do Óio-Morés.

No entanto, um outro propósito intrínseco aos objectivos supra, passava pela avaliação do desempenho versus comportamento dos diferentes comandantes das bases visitadas, que o relatório dá conta. A justificação para esse desiderato é explicada pelo autor do documento nos seguintes termos:

"Sem qualquer ideia de crítica ou espírito de maldade, mas na obrigação estrita do cumprimento do dever, cumpre-me deixar aqui escrito, certas informações sobre alguns responsáveis, colhidas nas bases visitadas." (Op. Cit., p. 16)

3.1         - INFORMAÇÕES SOBRE DIVERSOS CAMARADAS

● Camarada Mamadu Indjai – responsável da base de Fajonquito [Óio] e da recente base criada em Maqué [viria a morrer em 1973, na região do Boé, fuzilado pelos seus camaradas, por estar envolvido, em Conacri, na conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral (1924-1973)].

Não só na organização dos grupos de rapazes e raparigas existentes nas suas bases, como ainda pela muita coragem que tem sempre demonstrado em constantes combates travados contra os colonialistas portugueses, não parando além disso inactivo na sua base, sempre à procura de entrar em acção, quer em terra, como ainda procurando inutilizar as vedetas inimigas em fiscalização no rio, tendo ainda agora, permanecido durante cinco dias vigiando o rio Cacheu, perto de Iador, para ver se conseguia neutralizar a acção duma vedeta que ultimamente tem rondado aquelas paragens, não tendo infelizmente de satisfazer o seu desejo.

Camarada Leandro Vaz – responsável da base de Dando

Tem uma boa organização na sua base, mas isso não é suficiente, em virtude de não se deslocar da base para procurar entrar em acção contra o inimigo e nem sequer em serviço de rotina de ronda.

Camarada Augusto Pique

Encarregado duma base nova a poucos quilómetros de Dando, sob a responsabilidade do camarada Leandro Vaz, tem demonstrado sempre muita coragem e a melhor vontade no desempenho do seu cargo.

Camarada Paulo Santi I (1º)

Encarregado duma base recentemente formada, sob a responsabilidade do camarada Leandro Vaz e situada entre Mansoa e Dando, tem desempenhado as suas funções a contento do seu responsável.

Camarada Corca Só – responsável da base de Sansabato

Demonstrou a sua coragem no ataque no dia 01 do corrente mês (Fev'64), contra os colonialistas, forças terrestres e aéreas que tentaram atacar a sua base, tendo mesmo defendido corajosamente, somente com seis camaradas na ocasião na base, em virtude dos dois pelotões armados terem saído de ronda, tendo-se valentemente aguentado, dando assim tempo à chegada de reforços saídos da base Central. Merece as melhores referências [morreu em combate, na base Guerra Mendes (Óio-Morés), em 08Out72].

Camarada Inocêncio Kani – responsável da base de Mansodé [, futuro assassino de Amílcar Cabral, em Conacri, em 20 de Janeiro de 1973]

É um incansável e corajoso combatente, tendo ainda há dias, depois de bombardeada a central eléctrica de Farim, assaltado de surpresa uma povoação de fulas, ligados aos colonialistas e dali retirou mais de quarenta cabeças de gado bovino e milho, que servirá para a alimentação das bases.

Camaradas João da Silva e Quintino Robalo – encarregados da base Central, na ausência do camarada Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira)

Durante a minha estadia na base Central, nunca se deslocaram da base para qualquer acção ou simples serviço de ronda, a não ser o camarada Quintino Robalo, quando me acompanhou de visita às bases a cargo dos camaradas Inocêncio Kani e Corca Só.

Camarada Agostinho da Silva "Gazela" – responsável da base de Biambe

Não visitei esta base, não só pela longa distância, como me encontrei com o respectivo responsável na base Central, quando ali fora pedir reforço de material para enfrentar os constantes ataques aéreos e terrestres de tropas colonialistas portuguesas, vindas de Bula, Bissorã, Mansoa e Canchungo. 

Informou-me não ter raparigas na sua base mas que está em vias de as ter dentro em breve, e que a organização da massa se encontra normal. Desse camarada tive a informação que o camarada Marcelino da Mata, é muito cobarde, procurando fugir sempre a qualquer contacto com as tropas inimigas.

Camarada Caetano Semedo – responsável da base de Cubajal (Porto Gole)

Também não visitei esta base, pela sua longa distância, mas fui informado pelos camaradas Maximiano Gama e Irénio Lopes, que por lá passaram, que nessa base existem grande número de raparigas e rapazes bem organizados, apesar também de sofrer constantes ataques terrestres, aéreos e navais. Este camarada, por informações obtidas na base Central tem desempenhado corajosamente as funções do seu cargo, mostrando muito brio e competência.

Camarada Hilário Rodrigues "Lolo"

Segundo informações colhidas na base Central, tem-se desviado de constantes ataques, tanto assim que o camarada Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira) resolveu destacar-lhe em serviço de mobilização e propaganda, o que demonstra não ter o mesmo condições militares. 

Foi depois colocado, como Cmdt da "Zona 3" (Canquelifá - Buruntuma - Piche e Nova Lamego), onde o vamos encontrar em Abril de 1965. Passados cinco meses (Set'65), Amílcar Cabral toma a decisão de o transferir para a Frente Sul, como prisioneiro do Partido, ficando à guarda de "Nino" Vieira, com a seguinte justificação:



Citação: (1965), Sem título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35336, com a devida vénia.

Camarada António Embaná

Encontra-se na base de Fajonquito a trabalhar com o camarada Mamadu Indjai, tendo este realçado as suas qualidades, dizendo ser o seu braço direito e que tem desempenhado as suas funções com competência e coragem, tendo no seu regresso, deixado o camarada António Embaná, incumbindo pelo camarada Mamadu Indjai, em Iador a escolher um local seguro, para uma nova base que pretendem criar, tendo nesse mesmo dia reunido o camarada Embaná, numerosas pessoas para explicar-lhes a necessidade da criação daquela base, em virtude da povoação estar agora livre do traidor Braima Cutô, que servindo de Pide, vinha extorquindo a população, e que foi pessoalmente preso por ele Embaná e executado na base Central por ordem do camarada Mamadu Djassi.

Camarada Julião Lopes
O parecer sobre o Cmdt Julião Lopes será analisado no contexto do ponto seguinte.

Foto 7 – Citação: (1963-1973), "Reunião de combatentes do PAIGC e população em Morés", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43456, com a devida vénia.

4.   - A SITUAÇÃO MILITAR EM ENCHEIA

4.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE ARTILHARIA 564 =
NHACRA - QUINHAMEL - BINAR - TEIXEIRA PINTO - ENCHEIA - MANSOA E CUTIA (1963-1965)

4.1.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG
Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP 2], de Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, a Companhia de Artilharia 564 [CART 564] embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 08 de Outubro de 1963, 3.ª feira, sob o comando do Cap Mil Art Rodrigo Claro de Albuquerque Menezes de Vasconcelos, seguindo viagem a bordo do N/M «ANA MAFALDA», tendo chegado a Bissau em 14 do mesmo mês, 2.ª feira.

4.1.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

Após a sua chegada ao CTIG, a CART 564 [14Out63-27Out65] rendeu a CART 240 [30Jul61-19Out63, do Cap Art Manuel Fernando Ribeiro da Silva], ficando colocada no sector de Bissau, com Grs Comb destacados em Nhacra e Quinhamel, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65, do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], com vista a garantir a segurança das instalações e das populações da área. 

A partir de 24 de Dezembro de 1963, um Gr Comb foi destacado para Binar e seguidamente para Teixeira Pinto, a fim de reforçar a actividade do BCAÇ 507 [20Jul63-29Abr65, do TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas], enquanto outro Gr Comb se instalou em Encheia, na zona de acção do BCAÇ 512 [22Jul63-12Ago65, do TCor Inf António Emílio Pereira de Figueiredo Cardoso], a fim de ocupar aquela povoação. 

Em 12Mai64, assumiu a responsabilidade do subsector de Nhacra, então criado, na zona de acção do BCAÇ 600, continuando, no entanto, a manter o pelotão destacado em Encheia até 01Jul64.

Nesta data, por rotação com a CCAÇ 413 [09Abr63-29Abr65, do Cap Inf Júlio Eugénio Augusto Viegas de Almeida Pires], assumiu a responsabilidade do subsector de Mansoa, ficando integrada no dispositivo do BCAÇ 512 e depois do BART 645 [10Mar64-09Fev66, do TCor Art António Braamcamp Sobral], sendo utilizada, cumulativamente, na função de força de intervenção do sector, de 12Set64 a Fev65, actuando nas regiões de Santambato, Cubonge e Mantefa, em 13Abr65, voltou a ter um Gr Comb em Encheia, tendo ainda mantido efectivos em Cutia, por períodos variáveis. 

Em 27Out65, foi substituída no subsector de Mansoa pela CART 644 [10Mar64-27Jan66, do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (1.º), Cap Art Nuno José Varela Rubim (2.º) e Cap Art José Júlio Galamba de Castro (3.º), tendo seguido para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso. p 440.

4.1.3 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL EM ENCHEIA

A chegada de um Gr Comb da CART 564 a Encheia, verificada em 24 de Dezembro de 1963, 3.ª feira, é a resposta do comando militar do Sector C, da responsabilidade do BCAÇ 512 [22Jul63-12Ago65, do TCor Inf António Emílio Pereira de Figueiredo Cardoso], ao crescendo das hostilidades na região do Óio iniciadas no mês de Junho de 1963, a partir da base central do Morés, "santuário" dos guerrilheiros do PAIGC.

Em relação a Encheia, merecem destaque, como fonte de informação privilegiada, as referidas pelo Chefe Administrativo do Posto local, José Cerqueira Leiras, ex-militar da CCAÇ 153 (1961-1963), retiradas do seu livro «Memórias de um esquecido», edição de 2003, já referenciado na Parte I deste trabalho – P21095 –, onde o camarada Beja Santos faz a apreciação crítica da narrativa do autor, a quem agradecemos, e que aproveitamos para citar algumas ocorrências – P16503.

São exemplos: 

"Numa coluna para Bissau [provavelmente em Outubro'63], entre Encheia e Binar há uma emboscada, um camião civil carregado de arroz e mancarra saltou pelos ares com o rebentamento de uma mina".

 Passado algum tempo, regressa a Encheia, "e pela estrada de Bissorã, via Mansoa, depara-se um camião civil a arder. Dez quilómetros à frente, duas árvores atravessadas e mais adiante uma grande vala cortando por completo a estrada". (…) 

Este quadro adverso e de terror, onde diariamente assiste à fuga da população para o mato, leva José Leiras a deslocar-se a Bissorã para falar com o Administrador local e pedir reforços, mas tudo lhe é recusado. "No regresso, escapa por um triz a uma saraivada de balas".

A este conceito de "sorte", juntou-se um outro algum tempo depois, provavelmente em meados de Outubro de 1963, durante um ataque à povoação de Encheia.

O ataque teve como consequências a destruição, pelo fogo, de muitas moranças, o comércio saqueado, todo o gado roubado e pessoas levadas para o mato. O comerciante Francisco Beira Mar é assassinado. José Leiras consegue chegar ao Posto Administrativo e resiste ao fogo dos guerrilheiros, apesar de ferido, pois no jipe onde se fazia transportar foi atingido por várias balas numa perna. José Leiras arranja um voluntário para ir a Bissorã avisar a tropa. Esta levou cinco horas para fazer 24 kms, pois na estrada havia dezenas de árvores atravessadas para além das valas.

Ferido, José Leiras é levado para o hospital (?), nessa altura as cuidadoras são religiosas. São-lhe extraídas as balas e algum tempo depois vai de avioneta até Bissorã. Aí passará a noite de Natal de 1963, e no dia seguinte segue para Encheia, onde vai encontrar o Gr Comb da CART 564.

O responsável por este primeiro ataque a Encheia foi o Cmdt Julião Lopes, vindo da base Central do Morés. Quem o afirma é Bebiano Cabral d'Almada no seu relatório, no ponto reservado às informações sobre diversos camaradas (ponto 3.1 desta narrativa).

=> Diz o relatório (p. 18):

"Por informações colhidas na base Central sobre este camarada [Julião Lopes], soube que num ataque [realizado em Outubro de 1963] do grupo por ele dirigido, em Encheia, contra o Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras] e não contra a tropa colonial, que numa rajada da sua metralhadora matou três camaradas, a saber: Luís Mendes "Mambará", João Balimbote e Joãozinho Amona, ficando ele, Julião, ferido com uma bala de um dos camaradas daqueles que morreram, que o atingiu propositadamente com a intenção de o matar, procurando assim vingar-se por si e seus companheiros, tendo nesta altura também ficado ferido, e ainda pelo camarada Julião Lopes, o camarada Paulo Santi

Depois de arrebentada a porta da residência do Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras], para ser liquidado, o respectivo chefe, o camarada Julião Lopes, impediu os seus companheiros de o fazerem, alegando bastar já o mesmo ter uma perna quebrada [balas nas pernas].

O Cmdt deste ataque, Julião Lopes, foi depois transportado para o Hospital de Ziguinchor, a fim de ser intervencionado, onde se manteve até ao dia 09 de Janeiro de 1964, 5.ª feira, data em que deu início ao seu regresso à base Central do Morés.


4.2 - ANTECEDENTE DESTE ASSASSINATO COLECTIVO

Segundo os factos narrados no ponto anterior, procedemos ao seu aprofundamento realizando nova pesquisa onde encontrámos um registo datado de 25 de Setembro de 1962. Trata-se de uma carta escrita em Zinguinchor, em "linguagem codificada", dirigida a Amílcar Cabral, onde constam alguns nomes dos que foram assassinados pelo Cmdt Julião Lopes, em Encheia, e que seguidamente se transcreve o conteúdo e se reproduz o documento original.

=> Ziguinchor, 25 de Setembro de 1962 (3.ª feira).

Camarada Cabral,

Esta tem por fim pedir-lhe o envio urgente, caso seja possível, de 4 bonecas daquelas que trazem sapatos e roupa sobressalente pois que tenho que ir presentear pessoas da minha estima.

Seria conveniente enviar-me também o mapa e croquis do número 10 [Zona 10? - Bula a Teixeira Pinto] porque faz muita falta na conclusão do trabalho que tenho entre mãos.

Não se esqueça também de algumas caixas de supositórios para levar aos meus doentes bem como os respectivos suportes suplementares.

Cito-lhe o nome de alguns doentes: - Augusto da Costa, William Tubman, Luís Mendes e João.

O amigo Brauner [Braima Camará?] pediu-me um pé suplente para a boneca da sua filha porque só veio com um pé. É das bonecas maiores, conforme ficha de recebimento.

Receba cumprimentos do camarada sempre ao dispor,
Julião Lopes.

Citação: (1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37368, com a devida vénia.
Concluído.
► Fontes consultadas:

Ø  CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07071.123.011. Título: Relatório do Bureau de Dakar sobre a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné. Assunto: Relatório enviado a Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, por Bebiano Cabral de Almada, Membro do Bureau de Dakar, sobre a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné Bissau. Data: Sábado, 15 de Fevereiro de 1964. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios IV 1963-1965. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde… sem ajuntamentos.

Jorge Araújo.
21JUN2020
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 21 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21095: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio-Morés em 1963/64 (Jorge Araújo) - Parte I

domingo, 21 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21095: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio-Morés em 1963/64 (Jorge Araújo) - Parte I


Foto 1 – Bissum-Naga (Região do Óio) - Tabanca reordenada. (Foto do álbum de Aníbal Magalhães, da CCAÇ 2465, 1969/70), com a devida vénia. - P10427.
Foto 2 – Mansoa (Região do Óio) – Mulheres a lavar. (Foto do álbum de César Dias, do BCAÇ 2885, Mansoa e Mansabá, 1969/71), com a devida vénia. - P3066.

 
O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada e da Tabanca dos Emiratos; tem 256 registos no nosso blogue.


MEMÓRIAS CRUZADAS
NAS 'MATAS' DA REGIÃO DO ÓIO-MORÉS EM 1963-1964
- O CASO DE ENCHEIA -
PARTE I 
 
Mapa da região do Óio, com indicação de alguns dos locais de "memórias cruzadas".
Em todos eles, e em todas as gerações de combatentes, com início em 1963, ocorreram factos marcantes para o resto da vida… (de todas as vidas)… em que alguns não tiveram direito a "viagem" de regresso... lamentavelmente!


1.   - INTRODUÇÃO

Em teoria, e na prática, aceita-se que a documentação histórica expressa-se e manifesta-se de diferentes modos ou formas, onde a sua consulta, análise e divulgação, permitem que ela deixe de estar em silêncio nos arquivos, em vez de ficar por conta do passado, caso não seja usada ou recuperada.

Foi exactamente isso o que aconteceu a mais um documento que recuperámos dos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), existentes na CasaComum, Fundação Mário Soares, este elaborado por Bebiano Policarpo Cabral d'Almada (Farim; 02.12.1915 / Senegal; 22.07.1970), datado de 15 de Fevereiro de 1964, com o título: «Relatório do Bureau de Dakar sobre a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné».

As dezanove páginas que dão forma ao corpo deste relatório, na sua globalidade considerado como mais um "estilhaço" da "historiografia" do conflito armado em análise, serão cotejadas com outras fontes bibliográficas com elas relacionadas, por se "encaixarem" no primeiro objectivo da «Tabanca Grande», enquanto espaço de partilha, que é (e continuará a ser): "ajudar os ex-combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial, na Guiné", daí a razão de ser do título escolhido.

Esse grande "puzzle" (ou pequenos "puzzles", se o dividirmos por marcadores) é constituído, passe a imagem metafórica, por um número indeterminado de "peças" desiguais recortadas segundo a dimensão da imagem ou do quadro (temático), onde se verifique o seu encaixe com as restantes, que no presente caso aborda a temática da «actividade operacional desenvolvida na região do Óio-Morés» (de cada um dos lados do combate), durante o período identificado abaixo.

Recordamos que não se pretende fazer o "culto do passado", nem tampouco fazê-lo reviver, pois o primeiro já não existe mais e os seus observadores e actores já não estão disponíveis para outros "ensaios". O que se pretende é, tão só, relembrar que a estrutura deste documento (de todos os documentos anteriores e os que se seguirem), consciente ou inconscientemente, é/são produto do contexto onde foi/foram elaborado/s, ainda que saibamos que não existem documentos inocentes.

2.   - A VIAGEM À REGIÃO DE CASAMANSA E ÀS BASES DO NORTE DA GUINÉ: - MISSÃO ATRIBUÍDA A BEBIANO POLICARPO CABRAL D'ALMADA, EM JANEIRO/FEVEREIRO DE 1964

Um ano depois do início da luta armada, levada à prática por um grupo de guerrilheiros do PAIGC, em 23 de Janeiro de 1963, com o ataque ao aquartelamento de Tite, onde se encontrava estacionado o Batalhão de Caçadores 237 [BCAÇ 237], e um mês antes do início do "I Congresso", realizado entre 13 e 17 de Fevereiro de 1964, em Cassacá (Frente Sul), coube a Bebiano Cabral d'Almada cumprir uma outra "missão", esta reservada, agora, para a Frente Norte.

Bebiano Cabral d'Almada, "braço direito" de Pedro Pires na direcção do "Bureau Político" em Dakar, filial do PAIGC criada a partir de Outubro de 1960, foi incumbido de realizar esta "missão" dividia em duas partes: a 1.ª a ter lugar em território da República do Senegal, na região de Casamansa, entre 11 e 21 de Janeiro de 1964;  e a 2.ª, no interior da Guiné, entre 22 de Janeiro e 05 de Fevereiro de 1964.



Citação: (1964), "Relatório do Bureau de Dakar sobre a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41387, com a devida vénia.

2.1 - PRIMEIRA PARTE: CIRCUITO NA REGIÃO DE CASAMANSA

A análise do documento referente à primeira parte da viagem será superficial, na medida em que muitos dos assuntos tratados em cada etapa (paragem nos principais locais situados na linha da fronteira Norte da Guiné, onde existiam responsáveis por grupos de militantes do partido), não são relevantes para a presente questão de partida.

Ainda assim, e como mera informação/curiosidade, daremos conta de alguns pormenores desta primeira parte da viagem, tipo "legendas de curta-metragem".

◙ 11-01-1964 (sábado) – Partida de Dakar

Sendo portador do bote que me deve servir para a viagem de deslocação no interior do País [Guiné] e levando em meu poder os respectivos documentos, referentes ao mesmo bote, passados pelo Ministério das Finanças e pela Direcção dos Serviços Aduaneiros da República do Senegal, iniciei nesta data a missão que me foi superiormente incumbida.

◙ 12-01-1964 (domingo) – Reunião em Ziguinchor

Reunião para apuramento de responsabilidades dos factos ocorridos em Ziguinchor, entre os membros do Bureau daquele Comité, com a presença de Lourenço Gomes e todos os membros do referido Bureau composto por Indjaibá Lamine, Malan Nanqui, Djau, Apolinário da Costa e Aniceto Lima da Costa, tendo assistido os camaradas, Samba Djaló, Lassemá Silá e José Évora Ramos. (…)

◙ 13-01-1964 (2.ª feira) – Viagem a Sedhiou

Acompanhado dos camaradas Lourenço Gomes e Yaya Koté, segui nesta data para Sedhiou, tendo logo após a chegada, discutidos com eles, assuntos concernentes à nossa luta e a actos que o camarada Saido Baró tem vindo a praticar, desorganizando todo o trabalho e causando perturbações entre os fulas (…).

◙ 14-01-1964 (3.ª feira) – Viagem a Kolda

Com os camaradas Yaya Koté e Duarte da Mota, segui para Kolda a fim de procurar regularizar a situação dos nossos militantes que o Saldo Baró, fomentando um racismo, tem procurado desmobilizar, incitando-os a não acatarem as instruções do Yaya Koté.

◙ 15-01-1964 (4.ª feira) – Convocação dos responsáveis

Por falta de transporte, não foi possível deslocar-me pessoalmente a Sintchã El Hadje, como era meu desejo, tendo contudo para lá seguido o camarada Yaya Koté. (…)

◙ 16-01-1964 (5.ª feira) – Reunião em Kolda

Nada se fez neste dia digno de menção, aguardando-se somente a chegada dos responsáveis.

◙ 17-01-1964 (6.ª feira) – Reunião

Com o fim de procurarmos uma solução para as divergências surgidas entre o camarada Yaya Koté e os outros responsáveis, reunimo-nos nesta data, com a presença do referido camarada Yaya Koté, e dos outros responsáveis, Maunde Embaló, Boncó e Saido Baró, tendo também ainda assistido o camarada Duarte da Mota. (…)

◙ 18-01-1964 (sábado) – Partida para Ziguinchor

Partida de Koldá para Ziguinchor, escalando Sedhiou, onde não encontrei o camarada Lourenço Gomes, que se deslocara a Samine para preparar a minha viagem a Óio, quer dizer, mandar fazer reconhecimento do caminho e do rio Farim, para efeitos de travessia.

◙ 19 e 20-01-1964 (domingo e 2.ª feira)

Aguardo em Ziguinchor a chegada do camarada Lourenço Gomes, que aqui deixou um recado pedindo para o esperar, a fim de combinarmos melhor a nossa viagem.

◙ 21-01-1964 (3.ª feira) – Partida para Samine

Partida de Ziguinchor, acompanhado dos camaradas Lourenço Gomes e Marcelino Indi, este último encontrava-se em tratamento em Ziguinchor, ferido na base do camarada Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira). Já restabelecido,  vai regressar à base.

◙ 22-01-1964 (4.ª feira) – Em Samine - viagem a Sanú

Esperando em Samine o regresso do guia, que foi fazer o reconhecimento do caminho, aproveitei a oportunidade de deslocar-me à povoação de Sanú na fronteira de Barro, acompanhando os camaradas Lourenço Gomes e Biagué, que tinham combinado ali uma reunião para este dia, de acordo com o comerciante António Jamil Sarr, filho de pai libanês e mãe caboverdeana, que nesta fronteira tem desempenhado bons serviços em prol da nossa luta. 

No caminho e já perto daquela povoação, veio ter connosco um portador vindo de Samine, para nos comunicar que o guia já tinha vindo do interior, "trazendo nove feridos evacuados da base de Morés".

# «MC [Memóras Cruzadas]» ▼ A referência a este caso é descrita na bibliografia Oficial, nos seguintes termos: 

"Em 20Jan64, dois Grs Comb da CCAV 567 e duas Sec PCaç 857 (ambas aquarteladas em Binar) bateram a região de Umpabá, armadilhando caminhos. Tendo sido emboscados, reagiram energicamente causando baixas ao In e sofrendo 4 feridos (um dos quais veio a falecer: o fur mil Eurico de Jesus Augusto, natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa)" (Ceca; Vol VI, p.191).

■ Reunião em Sanú

No marco 132, que delimita a fronteira do Senegal com a Guiné, foi efectuada esta reunião, na presença do Chefe daquela povoação de nome Issife Mançal e dos grandes de morança, Dembel Djata, Quebá Mançal, Assià Mané, Beber Mançal, Kussá Djata, Adulai Mançal, Comissere Mançal, Finca Mançal e Infali Mançal, e ainda do responsável do nosso Partido, Poncinho Djata, estando ainda presente Mamadu Biai da povoação de Geba, que esteve preso em Farim, por suspeitas de colaboração com os nacionalistas. 

(…) No mesmo dia passei pela povoação de Sadjuna, onde fotografei o responsável do nosso Partido, Tombom Fati, que ali vive com a sua mulher Imbrunha Sedi, também conhecida por Salimata Sedi e que, desde Bissorã, tem vindo a trabalhar para o nosso Partido.



Foto 3 – Citação: (1963-1973), "Combatentes do PAIGC durante a refeição, base no interior da Guiné", Fundação Mário Soares / DAC – Documentos Amílcar Cabral, Disponível http:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43222, com a devida vénia.


◙ 23-01-1964 (5.ª feira)

Vindos do interior do nosso País em fuga, passou hoje por Samine um numeroso grupo de habitantes da povoação de Bironque, no Óio, que foi incendiada pelos nossos camaradas, em virtude de ter sido lá instalada, a seu pedido, uma base de tropas coloniais. As tropas foram atacadas pelos nossos guerrilheiros e expulsas.

2.2 - SEGUNDA PARTE: CIRCUITO PELAS BASES DA REGIÃO DO ÓIO

Neste ponto, procuraremos aprofundar cada um dos eventos assinalados, cotejando-os com outras fontes bibliográficas, entre oficiais e particulares.

◙ 24-01-1964 (6.ª feira) – Viagem ao interior da Guiné

Em virtude do camarada Lourenço Gomes ter resolvido seguir para Dakar, não fixando data certa do seu regresso, resolvi arranjar um outro guia para não demorar mais a missão que me foi incumbida. Mandei chamar o Augusto Indam, que imediatamente acedeu a servir de guia, tendo sido marcada a partida para a base Central na noite desse mesmo dia, via Bigene.

Fizeram parte da caravana, além de mim e do guia Augusto Indam, um pequeno grupo de camaradas militantes, constituído por Bela Camará, Marciano Djata, Embatate Bessama, Iaia Seidi, Paulo d'Almada e Quebá Mané, que vão ficar na base. 

De Samine para o rio Farim que atravessámos, gastámos cinco horas. Em virtude da escuridão da noite o guia desorientou-se, perdemos o rumo e tivemos de passar a noite no tarrafe.

◙ 25-01-1964 (sábado)

Só hoje de manhã nos foi possível prosseguir a viagem, devido ao facto que atrás referi, o guia ter-se desorientado, tendo por isso dormido alguns camaradas numa margem e outros noutra.

Chegamos à povoação de Iador, onde fomos recebidos pelos camaradas Infamará Sedi e Imbulo Dafé, que nos conduziu a local seguro no mato, onde almoçámos e descansámos. O citado Infamará Sedi, desde há muito que tem vindo a facilitar aos nossos camaradas a travessia do rio Cacheu. 

Partimos de Iador às seis horas da tarde, altura que assim acharam por mais conveniente para prosseguirmos a viagem, evitando que viessem a surgir dificuldades pelo caminho por parte das autoridades coloniais. Chegámos à povoação de Banculém perto da meia-noite, onde pernoitámos. (…)

◙ 26-01-1964 (domingo)

De manhã e antes de partimos de Banculém, reuni-me com o Chefe e "grandes" da morança, aos quais, em nome do Secretário-Geral do nosso Partido, apresentei cumprimentos. (…) 

Finalmente às 08,30 horas, partimos de Banculém com destino a uma nova base recentemente criada pelo camarada Mamadu Indjai e que ficava no nosso caminho junto à povoação de Maqué. 

Esta base foi criada com o fim de serem defendidas as povoações de Gam-Uale, Canjogude e Maqué, situadas na estrada Bissorã-Olossato, ameaçadas de serem incendiadas pelas tropas coloniais portuguesas. Antes de chegarmos ao local onde está instalada a nova base, passámos pela povoação de Bissajar que visitámos e que fica também próxima da base. (…)

À chegada na base de Maqué, apresentaram-me guardas de honra um grupo de militantes, constituído por dois pelotões, um de raparigas e outro de rapazes, chefiados pelo camarada Quebá Mussá Seidi, que desfilaram perante mim, demonstrando o maior garbo e disciplina, tudo orientado pelo camarada responsável da base, Mamadu Indjai. (…) 

O camarada Mamadu Indjai, disse-me não puder na altura acompanhar-me pessoalmente à sua base principal, em virtude de ir partir para Iador, a fim de preparar uma emboscada a uma vedeta portuguesa que tem estado a fiscalizar ultimamente o rio Cacheu, junto ao porto de Iador, onde atravessei no início da minha vagem.

Parti pelas cinco horas da tarde, tendo chegado a Fajonquito já de noite, pernoitando ali, onde encontrei o camarada António Embaná, que dirige a mesma na ausência do camarada Mamadu Indjai.

◙ 27-01-1964 (2.ª feira)

(…) Pelas 11,45 horas, parti deste acampamento, agora interinamente e na ausência do camarada Mamadu Indjai, chefiado pelo camarada António Embaná, a caminho da base principal em Morés, aonde cheguei pelas 16,20 horas. Não fui encontrar o camarada Osvaldo Vieira, que segundo me informaram, tinha seguido para Cubajal [área de Gampará], onde foi chamado, para além do mais, transportar material para a Zona Norte, que se encontra na base do camarada Rui Djassi [onde morreu em combate em 24Abr64].

◙ 28-01-1964 (3.ª feira)

Neste mesmo dia, e já depois de se encontrar no Morés, na base Central, chegou o camarada Agostinho Silva, mais conhecido por "Gazela", vindo da base de Biambe de que é responsável, com o fim de pedir mais munições ao camarada Osvaldo Vieira, pois tem sofrido constantemente ataques das forças coloniais portuguesas, vindas de Bissorã, Bula, Bissau, Canchungo e Cacheu, escoltadas por aviões de reconhecimento, bombardeiros e jactos. 

Recebeu do Encarregado do Material [Manuel Azevedo], tudo o que requisitou excepto balas para metralhadoras "Pachangas", por não existirem em depósito na altura. Reclamou o mesmo responsável, armas anti-aéreas, em virtude dos insistentes ataques de aviação, pois quanto a ataques terrestres, embora seja sempre atacado por forças superiores às suas, isso não lhe preocupa muito. Disse-me ter trazido quatro comunicados de acções empreendidas, que foram entregues ao camarada Quintino Robalo.

Aproveitei o resto do dia para descansar.

◙ 29-01-1964 (4.ª feira)

Na madrugada deste dia, saí de Morés para Dando, a fim de visitar aquela base, de que é responsável o camarada Leandro Vaz. (…) 
Nesta base, existem 700 militantes, sendo aproximadamente 600 rapazes e 100 raparigas. Acabada a visita da base do camarada Leandro Vaz, visitei em seguida uma nova base recentemente criada, situada a poucos quilómetros de Dando e de que é responsável o camarada Augusto Pique. (…) 

Encontrei ainda naquela base, um prisioneiro de nacionalidade espanhola, de nome Benigno Gonzalez, que comprava peles de lagarto na Guiné, para a firma Samuel Amram & Filhos, que vinha de Mansoa para Bissorã, numa carrinha por ele mesmo conduzida, quando foi atacado por nacionalistas que lhe destruíram a carrinha, retirando primeiramente toda a ferramenta. O mesmo declarou que fugiu para a Guiné, por ter sido chamado para o serviço militar em Espanha, e que para aqui veio, por saber que a mãe que ele não conhecia ainda, se encontrava na nossa Guiné, onde vivera em tempos com o falecido Frederique da Policia. Diz que não quere voltar para a Terra e que prefere ficar em Conacri, se a Direcção assim o entender. Disse ter dois anos na Guiné. 

Ainda neste mesmo dia, chegaram à base Central os camaradas, enfermeiro Maximiano Gama e Irénio Nascimento Lopes, este último vindo a acompanhar o material destinado à base Central, vindo do Sul do País, notícia de que tive conhecimento, quando me encontrava ainda na base do camarada Leandro Vaz [Dando], tendo nessa altura seguido imediatamente para a base Central, o camarada Agostinho Silva "Gazela", para receber material, tendo-lhe sido fornecido dez carabinas "Mauser", algumas minas e balas de "pachanga".

# «MC» ▼ No dia seguinte ao levantamento do material requisitado pelo Cmdt "Gazela" (nome de Guerra de Agostinho Silva), responsável pela base de Biambe, encontramos referência, na bibliografia Oficial, à realização da «Operação Biambiloi» na região do Óio, onde participaram as seguintes forças: "CCAV 567 (aquartelada em Binar), 1 GC/CART 527 (aquartelada em Pelundo), 1 Pel Sap (?), 1 GC/CCAÇ 413 (aquartelada em Mansoa) e 2 GC/CCAÇ 556 (aquartelada em Porto Gole). Durante a operação foram destruídas 11 casas de mato, apreendido muito armamento e documentação". (Ceca; Vol VI, p. 195).

▬ Será que o material e documentos apreendidos se referem ao material levantado na base Central (Morés) pelo Cmdt "Gazela", referido anteriormente?
Não podemos confirmar!

◙ 30-01-1964 (5.ª feira)

Depois de descansar na tarde deste dia, contactei com alguns "grandes" das povoações em redor, que tendo sabido da minha chegada, me vieram cumprimentar e com os quais conversei demoradamente sobre assuntos concernentes à nossa Luta de Libertação Nacional. Nesta mesma data regressei à base Central.

◙ 31-01-1964 (6.ª feira)

Cerca das nove horas da manhã cheguei à base de Mansodé acompanhado do camarada Quintino Robalo. (…) 

Em seguida o camarada Inocêncio Kani agradeceu em nome de todos as palavras proferidas, passando a fazer-me a apresentação dos camaradas, entre eles a camarada responsável das mulheres, Sanú Sedi, e o responsável dos homens Cedi Seidi. Ainda fui também informado pelo camarada Inocêncio Kani, que formou um campo de instrução em Canjajá, perto do rio Cacheu, com a intenção de cortar a fiscalização da vedeta que aí faz serviço de vigilância, impedindo os nossos militantes de atravessarem o rio.

◙ 01-02-1964 (sábado)

Por iniciativa dos camaradas João da Silva e Quintino Robalo, que ficaram encarregados da base de Morés, na ausência do camarada Osvaldo Vieira e ainda do encarregado do depósito de material, munições e outros artigos, camarada Manuel Azevedo, foi-me prestada carinhosa recepção. (…) 

Ainda no período da manhã e a partir das dez horas do mesmo dia, sentimos tiros na direcção da base do camarada Corca Só, em Sansabato, saindo dois pelotões da base Central em seu reforço. 

Mais tarde ouvimos ruído de aviões que passaram por cima da base de Morés em direcção a Sansabato, verificando tratar-se de 2 jactos, 2 bombardeiros e 2 aviões de reconhecimento, que passaram a bombardear e a fazer rajadas de metralhadoras, com grande intensidade. Este combate prolongou-se até às 4,30 horas da tarde, tendo as tropas coloniais sofrido pesadas perdas [?], tendo os mortos e feridos retirados por helicópteros, sendo um deles atingido pelos nossos guerrilheiros. Da nossa parte temos somente a lamentar a morte dos camaradas António Colbert e Armando da Costa.

# «MC» ▼ Encontrámos na bibliografia Oficial uma referência, não aquela que acima é narrada, mas uma outra, relacionada com o rebentamento de uma mina anti-carro accionada por uma viatura na estrada de Bissorã, durante uma coluna da CCAÇ 413 (aquartelada em Mansoa). 

Esta ocorrência causou a explosão do depósito de gasolina da viatura, que ficou destruída, sofrendo as NT 3 feridos graves (dois vieram a falecer: Albano Ferreira Lourenço, natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, e Joaquim Maria Lopes, natural de Castanheira de Pera. Os seus corpos foram inumados no cemitério de Bissau, campas 675 e 676, respectivamente. (Ceca, Vol VI, p. 195).

◙ 02-02-1964 (domingo)

Vindos do Regulado de Encheia, apresentam-se na base Central os chefes das povoações de Uenkes, Fajá Intumba; de Tinka, Imbunhe Palna; de Cumbulé, Fona Sime; de Untche, Nhatche Emboca; de Quinaqué, Bernardo Sanhá e de Tchombé, Incussa Matché, que vieram avisar que foram chamados para o pagamento do imposto de capitação dentro do prazo de 20 dias, a contar daquela data. Também pediram pelotões armados, para defenderem as populações do regulado de Encheia. 

(…) Em resposta ao pedido de pelotões armados, ficou assente pelos responsáveis interinos da base, que o assunto seria tratado, logo após a chegada do camarada Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira), que no seu regresso esperam traga material suficiente para a criação duma base em Encheia.

# «MC» ▼ Quanto ao "pagamento do imposto de capitação" trata-se de uma decisão levada à prática pelo Chefe Administrativo do Posto de Encheia, à data, José Cerqueira Leiras, ex-militar da Companhia de Caçadores 153 (1961-1963), sendo este um dos temas abordados no seu livro «Memórias de um esquecido», edição de autor, 2003… agora lembrado!

A este propósito é importante destacar o facto de José Leiras não ter embarcado com a sua CCAÇ 153, de regresso ao Continente, viagem iniciada em 24 de Julho de 1963, a bordo do N/M «Niassa», tendo passado à disponibilidade em Bissau. É nessa qualidade que decide deslocar-se ao palácio para falar com o Governador Peixoto Correia [António Augusto Peixoto Correia (1913-1988)], pois que já lhe tinha destinado o comando do Posto de Encheia.

Na qualidade de administrador local, inicia a sua missão com o recenseamento das 30 tabancas existentes, cobra impostos, manda efectuar a plantação de dezenas de mangueiros à beira da estrada principal e trata de reparar o posto sanitário. Neste âmbito escreve: 

"Com a mão-de-obra negra, orientei os trabalhos e então construiu-se uma pequena pista que lá pudesse ir uma avioneta levar correio. Pelos trabalhos efectuados, éramos muito queridos lá na terra só que o terrorismo naquela zona começava também a dar sinal de vida e em pouco tempo alastrou". (P16503).

Sobre a importância deste documento histórico, escrito na primeira pessoa pelo seu autor, natural do Alto Minho, já o camarada Beja Santos nos apresentou, no P16503 acima citado, a sua apreciação crítica. Aconselha-se, pois, a sua consulta para uma melhor compreensão do contexto da fase inicial da luta armada, ainda que tenhamos de a ela voltar na segunda parte deste trabalho.

◙ 03-02-1964 (2.ª feira)

Manhã muito cedo parti em visita à base do camarada [Mamadu] Corca Só ansioso de saber o resultado da luta ali travada no [sábado] dia 01Fev64.

Vim a saber que os portugueses pretendiam atacar aquela base de surpresa, mas que felizmente um grupo de nossos militantes, que tinham partido em serviço de ronda, avistou-os numa campada de mancarra, aproximadamente a cem metros da base, e apesar da grande desproporção numérica a nosso desfavor, procuraram a melhor posição possível e abriram fogo, enquanto mandaram um camarada avisar na base o que se passava. Isso deu tempo que se preparasse melhor a defesa, dando tempo a que dois pelotões saídos da base Central fossem em seu socorro, sendo um pelotão comandado pelo camarada António Colbert e o outro pelo camarada Domingos Catumbela, não tendo este último chegado a entrar em luta, preferindo esconder-se.

Conforme fui informado pelo camarada Corca Só, responsável da base, que lamentou vivamente emocionado a perda dos camaradas, António Colbert e Armando da Costa, que morreram como dois verdadeiros heróis, pois o primeiro tendo sido avisado por um mouro, que deveria ser gravemente ferido em combate, não se conformou e alheio a todo o perigo prontificou-se imediatamente a seguir em reforço, corajosamente se expõe à luta e tendo despejado todo um carregador da sua metralhadora, voltou-se para pedir um outro carregador ao seu municiador, mas este fugiu levando as munições, pegou então numa "Mauser" que se encontrava em poder de um outro camarada, e abrigado por detrás do tronco de uma palmeira, continuou a fazer fogo, tendo sido então infelizmente atingido por uma bala inimiga que perfurou o tronco que se encontrava podre e se foi alojar no seu ombro esquerdo, conduzido ainda com vida para a base Central veio a morrer momentos depois. 

O camarada Armando da Costa, que lançava granadas, causando enormes perdas ao inimigo [?], entusiasmado com o calor da luta, levantou-se e avançou destemidamente dando vivas ao PAIGC [?], quando foi atingido por uma bala na garganta que o matou. Morreram como dois grandes heróis, estes bravos companheiros de luta, que em todos os camaradas, deixaram uma imensa saudade e a maior admiração por seus actos de valentia.

Sinceramente emocionado pelo que ouvira, soube que os nossos guerrilheiros da base do camarada Inocêncio Kani (Mansodé) tinham apreendido a ambulância do concessionário Manuel Saad, donde retiraram as malas de correio, encomendas postais, diversas mercadorias e alguns livros de instrução primária, que vão ser distribuídos por diversas bases a fim de serem leccionados aos nossos militantes: Incendiaram em seguida o carro, prendendo quatro professores de adaptação, um auxiliar da campanha antituberculosa e um pedreiro da Administração de Bafatá, cujas guias vão anexas ao presente relatório. 

Na mesma data foi ainda apreendido o camião industrial da aguardente e comerciante, de nome Simões [, seria o Manuel Simões, de Jugudul, (1941-2014) ?], estabelecido em Cutanga, área do Posto Administrativo de Nhacra, que também foi incendiado, tendo sido preso o motorista Alberto Buássi, de raça mancanha, bem como o seu ajudante.

▬ Sobre estas últimas ocorrências, não conseguimos obter informações.

◙ 04-02-1964 (3.ª feira)

De regresso à base de Morés, tive ocasião de visitar o depósito geral de material e de diversos artigos apreendidos pelos nossos guerrilheiros, constatando a existência de muitos artigos de uso corrente, conforme o original do balanço, que me informaram ter sido enviado para a Direcção do Partido em Conacri e que se encontram bem arrumados e devidamente conservados. 

Notei também com agrado a rigorosa conservação das armas e munições, a cargo do referido encarregado do Depósito, camarada Manuel Azevedo, que no desempenho das suas funções tem todo o material muito limpo e em devida ordem, notando-se o melhor controlo e limpeza das armas também distribuídas ao pessoal. 

De tarde chegou-nos a notícia, por um camarada vindo da base de Biambe, da prisão do camarada Rafael Barbosa, que tendo vindo até Nhacra, escondeu-se ali numa casa, cujo proprietário, traiçoeiramente, o foi denunciar às tropas colonialistas. (…)

Notei que a melhor eficácia das acções dos nossos guerrilheiros, se deve à utilização de minas nas estradas, que muitas baixas têm causado aos inimigos, tanto em veículos, material e vidas, e de que resulta verificar-se ultimamente raro movimento de carros, nas estradas sob o controlo dos nossos militantes.

◙ 05-02-1964 (4.ª feira)

Iniciei nesta data a viagem de regresso, acompanhado de dois feridos, um rapaz e uma rapariga, por acidente na limpeza e manejo de armas sendo remetidos para o hospital de Ziguinchor.
Continua…
► Fontes consultadas:

Ø  CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07071.123.011. Título: Relatório do Bureau de Dakar sobre a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné. Assunto: Relatório enviado a Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, por Bebiano Cabral de Almada, Membro do Bureau de Dakar, sobre a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné Bissau. Data: Sábado, 15 de Fevereiro de 1964. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios IV 1963-1965. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).
Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde
Jorge Araújo.
21MAI2020
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