Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 9 de junho de 2010
Guiné 63/74 - P6569: Notas de leitura (120): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (1) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Era inevitável fazer-se uma referência à obra de José Freire Antunes que bem precisada está de continuação.
Não discuto a importância dos depoimentos, mas eles carecem do contraditório, de outros aclaramentos e da reposição factual.
Seja como for, há aqui substância que não pode ser ignorada.
Um abraço do
Mário
A Guerra de África, 1961 – 1974, Volume I, por José Freire Antunes
por Beja Santos
O Círculo de Leitores publicou em 1995 dois pesados volumes de um projecto coordenado por José Frei Antunes. As observações que se seguem circunscrevem-se ao primeiro volume. José Freire Antunes apresenta assim o seu trabalho: “O meu principal objectivo foi dar a palavra, registar, enquadrar o percurso de dezenas de personalidades que tiveram uma acção relevante nas várias áreas, em Portugal e em África. Para isso recorri sobretudo à metodologia da história oral, desenvolvida a partir de 1948 na Universidade de Colúmbia (Nova Iorque) e que trouxe uma evolução qualitativa à historiografia”. Sabe-se agora que não é tão verdade o que José Freire Antunes exalta, esta metodologia tem inúmeras fragilidades quando não é combinada com outras. O que para o caso interessa é que o autor introduz uma tábua cronológica com acontecimentos encarados como determinantes nesse período de treze anos e depois dá a voz a um conjunto de personalidades e operações militares das quais vamos reter as que têm a ver com a guerra da Guiné, a saber: Bethencourt Rodrigues, Silva Cunha, Spínola, Carlos Fabião, Operação Mar Verde, Luís Cabral e Marcelino da Mata.
Bethencourt Rodrigues, o último governador e comandante-chefe da Guiné dá um testemunho sereno sobre os meses em que presidiu aos destinos da mais tumultuosa província em chamas: “Em 1973, existiam 225 guarnições ocupadas por tropas da Marinha, do Exército e milícias. Em grande parte imposto por uma progressiva adaptação à manobra socioeconómica que vinha sendo conduzida, este dispositivo apresentava, a meu ver, inconvenientes de dispersão e de vulnerabilidade que se tornava necessário corrigir. Contava-se fazer tal remodelação na época das chuvas, quando se verificava uma diminuição drástica do número e intensidade das acções do PAIGC. Estava também a ser ponderado um certo retraimento do dispositivo, afastando da fronteira as guarnições militares. Deste modo, para as flagelações, o PAIGC teria de instalar os seus meios em território da província. Nas suas acções, o PAIGC demonstrava uma certa capacidade de comando e de organização. O PAIGC recebia material de guerra moderno e eficiente em quantidades vultosas, destacando-se nesse material os foguetes terra-ar que determinavam alterações na conduta das operações”. Em linguagem eufemística, o general subentendeu que estava em marcha a estratégia aprovada por Costa Gomes, a que Spínola inicialmente deu concordância e depois repudiou: o progressivo abandono de todos os destacamentos de fronteira, adaptando o dispositivo militar a uma concentração susceptível de poder intimidar o PAIGC. Tratava-se de algo mais sério que ocorrera nos primeiros meses do comando de Spínola, em que se retirou da região do Boé e de outros pontos com ou sem população e onde a capacidade defensiva já não permitia mais do que resistir.
O depoimento do último ministro da Defesa é de uma enorme importância, paradoxalmente há nele informações que não se vêm utilizadas nas análises referentes aos últimos meses da guerra. Ele diz claramente: “Tive conhecimento dos contactos com o PAIGC em Roma e em Londres”. Isto é importante, ainda há gente que nega que o governo de Marcelo Caetano tivesse procurado negociar com o PAIGC. Rui Patrício irá também dizê-lo claramente no volume II desta obra. Silva Cunha revela-se desapontado com o comportamento de Spínola, sobretudo a propósito da criação do que ele designa por “mito da impossibilidade da defesa militar da Guiné”. Silva Cunha alega que tinha reforçado certos meios de defesa, designadamente baterias anti-aéreas para proteger o aeroporto de Bissau. A propaganda fazia esconder o que em meios militares se sabia que era inevitável: o PAIGC ia ter aviões sofisticados, ultimava-se os preparativos dos seus pilotos. Silva Cunha declara: “A África do Sul tinha comprado duas baterias de mísseis terra-ar Crotale em França – eu consegui que eles desistissem de uma, e comprámo-la nós, directamente aos franceses. A bateria dos Crotale era para proteger o aeroporto de Bissau. Conseguimos artilharia em Israel, porque uma das coisas de que se queixavam na Guiné era de que a artilharia deles tinha alcance superior ao da nossa. Conseguimos os Red Eye, mísseis terra-ar individuais, na Alemanha. Não sei quem os vendia, só sei que eles nos forneciam 500 Red Eye americanos”.
O que o livro do Freire Antunes publica sobre Spínola é, em termos históricos, indescritível, incompreensível: pega num conjunto de directivas de 1968 e procede a uma síntese, como se fosse possível no contexto destas directivas iniciais encontrar todo o pensamento e acção que Spínola desenvolveu ao longo de cinco anos. O que as directivas iniciais exprimem são a remodelação dos dispositivos, retiradas e reajustamentos; enunciam novos princípios doutrinários para o teatro de operações, como seja o comando unificado, a preparação das tropas recém-chegadas, a passagem de testemunho nos aquartelamentos, a definição de uma política intitulada “Por uma Guiné Melhor”. Muito mais coisas havia a dizer, deve ter faltado tempo para investigar, assim se ludibria o leitor (e se isto é história oral...).
De grande importância é também o testemunho de Carlos Fabião, um militar com elevados conhecimentos sobre a Guiné. Considera que no essencial Spínola estava a ganhar tempo para se encontrar uma solução política e que a africanização da guerra da Guiné obedecia à lógica de animosidades entre etnias: os fulas do lado da bandeira portuguesa, os balantas a apoiar o PAIGC. Fabião recorda que a situação na Guiné descambou perigosamente de 1965 a 1967, o PAIGC implantou-se de pedra e cal em santuários como o Morés, Sara-Sarauol, Boé, Quitafine e Cantanhês. Era um adversário muito melhor equipado que as tropas portuguesas. E declara: “A certa altura começou a haver uma grande falta de moral nas nossas tropas e a todas as regiões onde íamos levávamos pancada. Tite começou a ser uma desgraça. Depois ocupámos Jabadá, em frente a Tite, mas tivemos mais de 100 ataques fortes da Jabadá no espaço de um ano. Eram ataques pequenos mas consecutivos. No Cantanhês houve dois desastres. No Quitafine houve também mais do que um desastre. O moral da tropa era baixo e vivíamos a tentar aguentar aquilo... Spínola chegou à Guiné e correu com todos os incompetentes... passado um tempo, a situação tornou-se muito crítica na parte Leste do Norte da Guiné e foi necessário fazer uma operação para derrotar um efectivo muito numeroso que estava lá instalado... o PAIGC tinha foguetões terra-terra de 122 mm, que faziam fogo a 17 quilómetros, enquanto a nossa arma mais importante só fazia fogo a 10 quilómetros... se me disserem que a guerra colonial estava perdida na Guiné, eu digo que estava. Se me disserem que a guerra colonial não estava perdida na Guiné, eu digo também que não estava. E não estava a que preço? O regime mandava para lá aviões, helicópteros mas também homens não sei onde é que os iria buscar. Um dia passou por mim um soldado que não me fez continência. Chamei-o e perguntei-lhe se ele não me tinha visto. Ele disse-me que sim, que me tinha visto e deu-me um papel do seu comandante de companhia que dizia “Atesto que o soldado tal é paralítico do braço direito”.
Falta-nos falar da Operação Mar Verde e dos depoimentos de Luís Cabral e de Marcelino da Mata. Ficam para o próximo post. A equipa do Freire Antunes procurou-me na época, facultei-lhes material, decidiram arbitrariamente por um texto distraído do relatório de uma operação que comandei “Rinoceronte Temível” e por um poema de Ruy Cinatti que ele me dedicou. Vem tudo na página 51 deste volume.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6551: Notas de leitura (119): Uma Campanha na Guiné, 1965/67, de Manuel Domingues (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6568: Convívios (250): XVII Encontro da CCS/BCAÇ 2912, ocorrido dia 5 de Junho em Pedrógão Grande (António Tavares)
Caro Vinhal,
Graças à Tabanca Grande - P6355(1) - encontramos, ao fim de 38 anos, o ex-Fur Mil TRMS Lopes.
Também reencontramos - última vez em 1972 - os ex-condutores auto Matias e Brito.
Conversa não faltou… porém permitam lembrar:
O Matias, condutor auto de GMC, recordou que esteve destacado no Saltinho - CCAÇ 2701 - mais de um mês sem receber correspondência dos familiares… psicologicamente cansado, pediu licença ao ex-Capitão Clemente para regressar a Galomaro… este, estupefacto com o pedido anuiu ao mesmo, longe de pensar que o Matias faria a viagem de regresso à sua unidade sozinho com a GMC.
O certo é que o Matias conduziu a sua GMC rumo ao Xitole-Bambandinca-Galomaro.
Percurso dificílimo em 1970/72. Ainda hoje não sabe como chegou são e salvo a Galomaro!
Eram as saudades familiares e a sua força dos 21/22 anos - a melhor força de todos nós - em acção…
O Brito, emigrado em França, há mais de 40 Anos, veio fazer o Serviço Militar Obrigatório a Portugal, foi o Homem que “levou” o Gen. Spínola a Galomaro - P6332(2).
Prometeu trazer, no próximo encontro, a cópia da carta que escreveu a S.Exa. O COMCHEFE Gen. António Spínola.
O Lopes, felicíssimo com o seu neto, presente, recordou passagens interessantes desde Santa Margarida e comentou alguns dos meus anteriores escritos. Obrigado, amigo!
Lembro as dezenas de crianças que já nos acompanham nestes sãos Convívios. É bom verificar o seu crescimento de ano para ano. Felizmente não passarão pelas dificuldades de seus avôs… ex-combatentes da Guerra Colonial, de 1970 a 1972, na Guiné.
O Antunes, organizador deste convívio, em Galomaro, o que gostava era de nos trazer, com o seu Unimog e atrelado, a água das duas Fontes/Bangacia mesmo após a brutal emboscada de 01 de Outubro de 1971!
Era preciso mandá-lo parar… arranjava uma desculpa e continuava a sua nobre missão de aguadeiro!
O Antunes na fotografia, inclusa, quis lembrar aos seus ex-colegas condutores auto do BCAÇ 2912 o tempo da especialidade, recebida por eles, em Elvas. Eram todos do mesmo turno.
Os condutores auto da CCS tinham a particularidade de serem/são Beirões.
Na escadaria da Capela do Calvário, no Jardim de Devesa, Pedrógão Grande, podemos ver da Esquerda/Direita no terceiro degrau o Brito, de branco, no meio do Abílio e do Cunha; O Matias, de azul, é o primeiro do quarto degrau; o Lopes, de amarelo, é o quarto do sétimo degrau e o primeiro da Direita do oitavo degrau é o Antunes.
Mas como a Vida e o Peso - moeda da Guiné - tem anverso e verso recordemos os nossos mais recentes falecidos Ribeiro e Flores.
O Júlio Oliveira Flor, ex-carpinteiro do BCAÇ 2912, era o Homem que fazia e vendia as malas, de boas madeiras guineenses, que transportaram os nossos parcos haveres/recordações, no meu caso, nos porões do navio T/T Cabo Verde, no dia 20-02-1972, até Lisboa, conforme o anexo n.º 2 da O.S. n.º 23, do BCAÇ 2912, de 28JAN72.
As suas exímias mãos profissionais eram muito requisitadas pelos comandos do BCAÇ 2912.
O nosso estimado ex-Alferes SGE Vitorino - actual TCor. na Reforma - esteve presente acompanhado por uma das filhas… a sua Companheira faleceu.
A toda a nossa família - BCAÇ 2912 - de ex-camaradas combatentes falecidos o eterno descanso!
Aos nossos editores do blogue o nosso bem-haja por nos terem permitido este reencontro, com 38 anos de intervalo, de amigos, ex-camaradas naquelas cruéis matas do Leste da Guiné de 01-05-1970 a 23-03-1972.
Para todos os meus ex-camaradas combatentes da CCS e seus familiares um abraço e até 2011 na Maia.
António Tavares
Ex-Fur Mil SAM
Foz do Douro, 06 de Junho de 2010
Notas de CV:
(1) Vd. poste de 9 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6355: Convívios (149): XVII Convívio da CCS do BCAÇ 2912, no dia 5 de Junho, em Pedrógão Grande (António Tavares)
(2) Vd. poste de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6332: O Spínola que eu conheci (18): O COMCHEFE de visita a Galomaro (António Tavares)
Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6554: Convívios (164): XVI Convívio da CCAV8350 “PIRATAS DE GUILEJE”, 5 de Junho de 2010 em Águeda (José Casimiro Carvalho)
Guiné 63/74 - P6567: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (IV Parte)
Lisboa> Curso finalista da Escola do Exército (hoje, Academia Militar) do ano de 1955, do qual faziam parte, além do George Freire, de 77 anos de idade, membro da nossa Tabanca Grande, residente nos EUA, antigo comandante da 4ª CCAÇ - Fulacunda, Bissau, Nova Lamego Bedanda, Maio de 1961/ Maio de 1963 - , os seguintes oficiais reformados do exército português: Generais Hugo dos Santos, António Rodrigues Areia, Adelino Coelho e António Caetano; coronéis João Soares, Costa Martinho e Maurício Silva, entre tantos outros.
De acordo com o nosso camarada e amigo Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Cripto da CCAÇ 12, Bambadinca, 1979/71), o terceiro elemento da foto, a contar da direita (e assinalado por nós com um rectângulo a vermelho), seria o futuro Cap Inf Carlos Brito, hoje coronel, residente em Braga. Ainda não conseguimos obter a confirmação por parte do autor da foto, George Freire.
Foto: © George Freire / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados
Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Outro capitão miliciano, o Jorge Picado, natural de Ílhavo, membro da nossa Tabanca Grande (mas temos mais, do Vasco da Gama ao Carlos Nery, a última entrada de um Cap Mil para o nosso blogue...). Eis como o Jorge nos contou a sua história:
(...) Cheguemos então ao CPC/QC que me transformou em Capitão, não de qualquer navio como as dezenas de conterrâneos meus, mas do Exército.
Aquilo porque esperava há mais de um ano, aconteceu nos finais de Junho de 1969, quando recebi a convocatória para “frequentar o CPC/QC-2.º T.º/69, com início em 25/8/69, na EPI, nos termos da nota n.º18211-P.ºHC, de 27/6/69, da 2.ªSec. da RO/DSP/ME”.
Tinha: (i) 32 anos; (ii) cumprido o serviço militar obrigatório há 9; (iii) feito o 5.º ano do ISA [ Instituto Superior de Agromomia] há 10; (iv) sido convocado para prestar novamente serviço militar de 30/8/61 a 6/2/62 e de 18/8/62 a 17/10/62 duas situações que me inutilizaram 2 anos de ensaios de campo necessários para o meu trabalho de final de curso tendo como consequência apenas ter defendido a minha Tese do Final de Curso em Julho de 1963 (então já sem arriscar mais ensaios de campo), quando todos os meus colegas de curso já tinham 1 ou 2 anos de exercício profissional; (v) casado (até este acto esteve quase para ser impedido pela Instituição Militar) há 8; (vi) 4 filhos e (vii) trabalhava na Direcção Geral dos Serviços Agrícolas [DGSA] , mais exactamente com sede em Aveiro. (...)
Fonte: Vd. poste de 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)
O Morais da Silva teve a gentileza de nos facultar, em pdf e em word, um exemplar do seu estudo, de 30 pp., sobre a "Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate" (Março de 2010), que circulou internamente, na nossa Tabanca Grande, através da nossa rede de emails. Está agora a chegar a um público mais vasto, através do nosso blogue (*).
A existência de um elevado número de gráficos e quadros obrigou-nos a digitalizar todo o relatório que está a ser publicado, no nosso blogue, sob a forma de imagens, por partes. Esta é a IV parte, correspondente às pp. 18-22.
O nosso camarada Jorge Canhão (ex-Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74) encarregou-se dessa diligente tarefa. Aqui fica a expressão do nosso agradecimento público, pelo empenho e pela competência com que levou a cabo a digitalização do documento, de 30 páginas.
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Nota de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores da série:
31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6507: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (I Parte)
6 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6541: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (II Parte)
8 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6560: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (III Parte)
Guiné 63/74 – P6566: Efemérides (45): XXVII Encontro Nacional de Combatentes, 10 de Junho em Belém/Lisboa
1. Amanhã, dia 10 de Junho, festeja-se o XXVII Encontro Nacional de Combatentes, como habitualmente frente ao magnífico e majestoso Monumento Evocativo aos ex-Combatentes da Guerra do Ultramar, que se situa na margem direita do Rio Tejo, junto ao Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa.
Aos tertulianos da Tabanca Grande que se queiram encontrar, aqui fica a sugestão para que tal como ano passado nos concentremos em frente ao portão principal do dito Forte, a partir das 12h00.
Lembro que a organização dispõe, no mesmo local da realização das cerimónias, para quem assim o pretender, de serviço de refeições a preços económicos, o que permitirá almoçarmos em amena confraternização por mais uns bons momentos, cavaqueando e convivendo.
Sobre o evento recebemos a seguinte mensagem, que pela sua importância passamos a publicar.
A todos os Patriotas, Combatentes e suas Famílias.
Torna-se imperativo passar a mensagem, não só aos Combatentes mas a todas as Famílias Portuguesas que mantêm vivos os Valores Patrióticos. Para isso basta que, quem receber, sinta a responsabilidade de cooperar, reenviando a todos os seus endereços com pedido de reenvios sucessivos.
Será seguramente uma bonita e muito digna cerimónia, celebrando VALORES que o nosso Portugal de hoje tanto necessita.
Lá vos esperamos!
Francisco de Bragança v. Uden
Comissão Executiva
24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6238: Efemérides (44): Dia do Combatente. Comemorações do 9 de Abril em Lagoa (Arménio Estorninho)
Guiné 63/74 – P6565: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (38): A guerra marcou-nos para sempre (Mário G R Pinto)
1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 38ª mensagem, em 6 de Junho de 2010:
Camaradas,
Ao aproximar-se o dia 10 de Junho, com tudo o que esta data representa para nós os ex-Combatentes e capitalmente pela homenagem anual aos nossos saudosos Camaradas mortos na guerra, a nossa adrenalina e nostalgia aumentam para altos índices de intensidade.
Além de recordarmos, justamente, aqueles que pereceram, não nos podemos alhear, seja a que título for, à injustiça de que são vítimas, por esta sociedade cruel, selvática e amorfa, grande parte dos que ainda permanecem vivos e afectados pelos graves problemas que, infortunadamente, os traumatizaram tanto ao nível psíquico como fisico.
Estamos todos no último terço das nossas vidas, por isso já pouco tempo nos resta para deixarmos todos os sinais possíveis, claros e inequívocos às gerações vindouras, através os nossos melhores e mais fiéis testemunhos, por todos os meios possíveis, do nosso descontentamento e revolta.
É os devastadores efeitos psicológicos da guerra nas nossas mentes de ex-Combatentes que importa combater! Alguns conseguem-no com ajuda de familiares e amigos, mas a que custos? E os outros, aqueles que apenas contam com eles próprios, quem os ajuda?
Sob uma capa polida com mais ou menos brilho e sob os adornos com que nos ataviamos às vezes parecemos como que meretrizes de feira, e continuamos tão “nus” e tão “brutos” como os homens que nós combatemos nas matas, nas bolanhas e nos aquartelamentos da Guiné.
A GUERRA MARCOU-NOS PARA SEMPRE
Numa época de suposto progresso industrial, as populações da Guiné vivem quase primitivamente e em paupérrimas instalações. São preparados para a ausência de felicidade e de bens materiais e isso levou-os á descrença total nas diversas políticas adoptadas pelo poder instituído, e à constatação mais que evidente que o desenvolvimento contínuo não passa de uma ilusão utópica.
Se a selvajaria, a brutalidade e a barbaridade populares, próprias dos instintos nativos e tribais, com resquícios de eras ancestrais se confundiram, muitas além do nosso entendimento racional europeu, tais sentimentos deveriam ter sido esbatidos pela sociedade agora livre, em prol de um futuro melhor e mais promissor.
O domínio “bestial” continua hoje activo e em força, fazendo questão de irromper nas veias do ser étnico, dilacerado pela fome, pela miséria, pelo tratamento diferente entre sexos, pelo segregacionismo, pelo ódio, pelos combates mortíferos, etc.
Raros são os mais pacíficos que continuam como sempre frágeis face à força bruta e primitiva. O progresso quase não existe ou nada representa.
Enquanto combatentes experimentámos o terror sob diversas perspectivas: O terror de morrer, o horror dela matar, a tensão nervosa permanente, a cedência psíquica perante a adversidade, dias e dias sem dormir, as horríveis visões de camaradas e amigos estropiados, mortos e feridos, etc.
Com o decorrer do tempo vamos ficando indiferentes e insensíveis ao terror e aos horrores recorrentes das vicissitudes da guerra.
A violência provocada pelos combates poderia, nas retaliações vingativas, originar nos seus protagonistas alguma espécie de “prazer” instintivo, sádico e desumano, mas como é óbvio isso só poderia ser resultado de desgostos, revolta, angústia, dor e sofrimento.
Os aquartelamentos eram as muralhas ou bastiões de refúgio dos que combatiam, mas não só, pois eram também lugares de tensão e locais perfeitamente localizados e identificados, tornando-se alvos fáceis, pela sua estaticidade, cada vez batidos pelo fogo atacante e retaliador do PAIGC, para desespero dos seus “enjaulados” ocupantes.
A guerra é tão velha como a humanidade. Pelo que temos vindo a constatar ao longo dos séculos, até aos dias de hoje, a barbárie primitiva e inerente é algo instintivo que não desaparece do peito do ser humano, sejam eles muito ou pouco desenvolvidos intelectual ou cientificamente.
Por incrível que pareça, os instintos dos homens do século XXI, quando espicaçadas a digladiarem-se entre si, continuam tal como o teriam sido na época pré-histórica, primitivas e selváticas.
Lembro-me bem que no conflito que vivi em Mampatá, em nome da minha própria sobrevivência, só pensava em: ”Viver e matar!"
Eram os impulsos naturais interiores que, tendo começado por ser irracionais, foram ganhando forma consciente e me levavam a responder à violência de que éramos vítimas por parte do IN, com uma violência idêntica que eu desconhecia em mim.
No auto-domínio pessoal dessa violência interna, é que eu notava a superior estatura moral e categórica dos nossos militares, relacionando-os intestinamente.
Pelo que me foi dado testemunhar e acabo de vos tentar relatar, concluo que a paz é um sonho irreal e inatingível nos tempos mais próximos.
Os homens são por natureza violentos e as suas origens, quer queiramos, quer não, remontam a tempos muito primitivos, onde sempre se matou e, quase sempre, pelos motivos mais fúteis.
Por isso não nos devemos admirar com o que se passa na Guiné, é o destino dum povo com usos e costumes ancestrais, divididos por cerca de 30 etnias diferentes, que só poderá mudar com a alteração das mentalidades e esforços concertados, sérios e respeitados mutuamente, que obrigatória e necessariamente terão que partir de exemplos concretos e firmes dos seus actuais líderes.
Não haverá futuro para os guineenses enquanto não houver união e trabalho de todos para o desenvolvimento e criação de riqueza.
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
3 de Junho de 2010 >
Guiné 63/74 - P6564: Estórias do Jorge Fontinha (11): Um soldado pediu-me que o matasse
Carlos Vinhal:
Esta é a História da minha guerra, publicada na revista Domingo, do Correio da Manhã, em 19 de Outubro de 2008.
Neste relato, o jornalista que o compôs, entrelaçou as duas realidades da minha História de vida, Estórias essas que eu já contei no blogue.
Em pesquisa de blogues sobre o Ultramar Português, descobri que alguém aproveitou e muito bem, o meu contributo, então para a referida revista.
Se achares oportuno e não repetitivo, gostaria que publicasses no Blogue, esta versão dos mesmos factos.
Um abraço.
Jorge Fontinha
Outubro 19, 2008
'Um soldado pediu-me que o matasse'
Jorge Ventura Fontinha, esteve na Guiné, em 1970/72 e diz na Revista do «Correio da Manhã» deste domingo:
- “O Ultramar, para mim, divide-se em duas partes: quando lá vivi e o meu irmão mais velho foi assassinado pelos guerrilheiros, e depois, quando regressei para combater por Portugal.”
Eu vivi as duas faces da guerra. Primeiro em Angola, onde o meu irmão, mais velho seis anos, foi assassinado em 1961, durante um ataque dos guerrilheiros à nossa fazenda, em Nambuangongo. Nove anos e meio mais tarde, após ter passado por Portugal como refugiado, fui enviado para a Guiné-Bissau pelo Exército, onde voltei a ver a morte e procurei defender os interesses do País.
Como cabo miliciano, fui integrado na Companhia de Infantaria 2791 e embarquei a 19 de Setembro de 1970, no paquete ‘Carvalho Araújo’, com destino a Bula e ao Batalhão de Caçadores (BCAÇ) 2868. O meu baptismo de fogo começou a desenhar-se às 02h00 de 17 de Novembro de 1970, quando já era furriel. Da parada do quartel de Bula partimos para Chochmon. A minha secção ia completa: na primeira equipa, o Celestino, o Azevedo e o Monteiro olhavam, de vez em quando, para trás. Os restantes, que seguiam atrás de mim (o Romão, o Cavaco, o Matos, o Pinto e o Nunes) iam como uma sombra, a uma distância considerável. Um problema atormentava-me: antes de partirmos, o Nunes havia-me pedido que o ‘desenfiasse’, porque pressentia que lhe ia acontecer alguma coisa. Fiz--lhe ver que tudo não passava de mania mas no meu lugar (o 5.º na progressão em relação ao grupo de combate) não parava de pensar no seu caso.
Eram 03h30 e eu seguia embebido nestes pensamentos, quando, de súbito, ouvi um estrondo e uma chuva de estilhaços caiu sobre alguns de nós. Depois, foi o silêncio. Pensei logo tratar-se de uma mina e, quando olhei para trás, vi o pessoal abrigado, à excepção de um soldado que, no caminho, gemia e rebolava-se no chão. Corri para ele, que, de barriga para baixo, com a mão esquerda a procurar na perna do mesmo lado o pé perdido, suplicava: – Meu furriel, mate-me, acabe comigo! Meu furriel, tenha dó de mim!
Olhei para ele, emocionado, quando o homem das Transmissões e o enfermeiro corriam para o soldado. Virei as costas, para que me não vissem chorar. Chorei, sim, de raiva, de impotência e de ódio. Era o Nunes! E porquê ele, meu Deus? Antes de sairmos do quartel, bem me tinha dito que ia acontecer alguma coisa! E, afinal, não fora um ataque, apenas um acidente: o Nunes, apontador da bazuca, deixou cair uma granada no chão que, ao rebentar, lhe ceifou um pé e parte de uma perna. Outros soldados e o alferes comandante ficaram com ferimentos menos graves e tiveram de ser evacuados. Mais tarde, a coluna pôs-se em marcha e caminhou para a conclusão da operação, que culminou com grande sucesso, apesar de mais alguns soldados terem sofrido ferimentos ligeiros.
A 27 de Setembro de 1972, a companhia regressou a Lisboa, de avião; mas esta era apenas uma parte da minha vida no Ultramar que terminava e a outra, vivida nove anos e meio antes, no início de 1961, em Angola, fora ainda mais dolorosa. Eu tinha 12 anos e havia nascido em Ambriz. O meu pai era guarda-fiscal e, no início da década de 1950, adquiriu uma fazenda. Eu encontrava-me em Luanda, no colégio da Missão de S. Paulo, onde sempre residi quando não estava com o meu pai e o meu irmão. A minha mãe morrera em 1953, vítima de ‘biliosa’. Apenas a 20 de Março de 1961 soube do ataque que tinha havido à fazenda, cinco dias antes, quando chegaram os primeiros sobreviventes. Entre eles o meu pai, meio despido e descalço, na altura com 51 anos, desfigurado e desfeito no seu íntimo. Esteve agarrado a mim uma eternidade a chorar.
Soube então o que tinha acontecido. Eram 16h00 e o meu pai encontrava- -se a descansar no quarto quando se apercebeu de que algo se passava lá fora. Levantou-se e deparou-se com alguns empregados e familiares barricados atrás da porta, que era violentamente empurrada e cortada à catanada. O meu pai verificou de imediato a ausência do seu filho Fernando. Um dos empregados enfrentou os atacantes e decepou um deles à catanada, pondo os restantes em fuga, dando tempo a que todos fugissem em direcção a uma camioneta. Foi aí que meu pai deu com o meu irmão a agonizar na cabina, com uma catanada na testa e outra no peito! Algum tempo antes, quando o meu irmão, diminuído fisicamente dos membros inferiores, estava por perto, a governanta apercebeu-se de uma certa movimentação junto ao capim e foi ver o que se passava. De imediato, um grupo compacto de guerrilheiros da UPA (de Holden Roberto), de catana em punho, dirigiu-se aos trabalhadores, pondo-os em fuga. Houve, no entanto, um que não pôde locomover-se com tamanha rapidez: o meu irmão, que tentou proteger-se na cabina da camioneta, onde viria depois a ser assassinado.
Os sobreviventes fugiram na camioneta em direcção a Nambuangongo. Como já estava ocupada, dirigiram-se para Onzo, aonde foi inviável chegar. A única saída foi largar a viatura e fugir para a mata. Por lá andaram três dias e três noites, até receberem ajuda militar. Quando voltaram à camioneta, para recolher o meu irmão, tinha sido incendiada e o corpo havia desaparecido.
UMA VIDA DIVIDIDA ENTRE ANGOLA, GUINÉ E PORTUGAL
Nasci em Angola, na vila piscatória de Ambriz, onde o meu pai era chefe da Guarda Fiscal. O meu falecido irmão nasceu em Castedo da Vilariça, Torre de Moncorvo, terra da minha mãe, falecida em Nambuangongo em Outubro de 1952. O meu pai era de Alijó, Vila Real, e faleceu em Junho de 1975. Após o falecimento da minha mãe, dividia a vida entre Nambuangongo, nas férias, e Luanda, durante as aulas, quando ficava em casa de uns tios. Vim para Portugal refugiado e fui viver para Alijó, onde estudei até ser incorporado no Exército, em Outubro de 1969. Fui militar até Setembro de 1972.
Entrei para um banco em Maio de 1972 e casei-me em 1973. Do casamento nasceram dois rapazes. O mais velho ainda em Luanda, em Agosto de 1975, e o mais novo em Alijó, em 1978. Sou reformado da banca.
(In Revista «Domingo» do Correio da Manhã)
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Notas de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6302: Estórias do Jorge Fontinha (10): Uma noite muito mal passada
Guiné 63/74 - P6563: Banco do Afecto contra a Solidão (11): Vamos telefonar ao Victor Condeço (que vive no Entroncamento)
Fotos (e legendas): © Vítor Condeço (2006). Direitos reservados
1. Mensagem do Alcides Silva (*) [, foto à esquerda]:
Assunto: Solidariedade
Amigo Luís Graça, li a mensagem referente ao Victor Condeço (**), é triste saber estas notícias, nestas circunstâncias é muito difícil dizer alguma coisa.
[Comentário de L.G.: Benito, obrigado pela tua gentileza e pela tuainformação sobre o concerto na tua terra, que eu desconhecia. Não, não irei atéaí... Vou estar para o sul. Se puderes, dá ao João - o rapaz do violino -um abraço da malta toda, que está atabancada. Bom concerto, boas festas, diverte-te!]
A meu convite tem participado nos almoços de confraternização da minha Companhia,que esteve adida ao Batalhão do Victor, embora não eu fizesse parte doBatalhão. Era uma Companhia independente que esteve em Catió em intervenção aoSector.
Entre muitas vezes que nos encontramos, em finais de Abril estive com o VictorCondeço na festa de aniversário do meu "cabo pastilhas" e nada faziaprever que 30 dias depois se viesse a revelar a doença [que ele tem].
Desde que nos reencontrámos há uns anos - e foi através do blogue - que temoscontactado e privado com frequência. Tornámo-nos mais amigos.
Ontem voltei a telefonar ao Victor. Atendeu-me o genro (o Victor sóesporadicamente atende o telefone). O Victor apercebeu-se de que era eu e quisfalar comigo (...).
Um camarada nosso, ex-Fur Mil da minha CCav 1484, é médico homeopata e tambémtem estado a acompanhar o Victor com a ajuda possível (...).
Há alturas na vida muito difíceis, tanto mais quando temos apenas palavras parapoder dar força num sofrimento que quereríamos ver atenuado.
Estou triste mas a acompanhar a situação muito de perto e a dar a ajudapossível. No meu intimo temo perder um amigo que ao mesmo tempo é um homem bom,mas ao mesmo tempo quero acreditar em milagres.
Desculpa este meu desabafo, mas sei que gostas de saber o que se passa com opessoal da tua Tabanca Grande.
Um abraço
Benito Neves
A Tabanca Grande é também um grupo de amigos e de camaradas que estão aqui para ajudar, apoiar, aconselhar, animar... Vamos torcer pelas melhoras do Vitinho. Vamos fazer-lhe sentir, de preferência de viva voz, por telemóvel (963 139 769) ou telefone fixo (deixei escapar o nº dele....), ou passando pela casa dele, no Entroncamento, que ele não está sozinho, neste momento difícil. (...)
(...) Mensagem do Benito Neve, com data de 14 de Março de 2007, com o pedido formal de entrada na nossa tertúlia. Começo por lhe pedir desculpa, a ele e ao seu padrinho, o Victor Condeço, pelo atraso. Houve uma engarrafamento de trânsito nas minhas caixas de correio. Ou melhor: tem havido muito embrulhanço, no meu sector...A explicação, um pouco tosca e esfarrapada, está dada e é sincera.
O Benito já é dos nossos há muito. Só espero que por cá se sinta bem. Para já adorei as tuas palavras de grande camarada: que o blogue é mato e bolanha por onde te metes todos os dias, não já com o coração em sobressalto, mas com a emoção do reencontro, da redescoberta, da memória... Espero poder abraçar-te em breve, a ti e ao Condeço. Em Pombal ou noutro sítio. L.G. (...)
(...) Posto > Ex-Furriel Mil Atirador de Cavalaria: nUnidade > Companhia de Cavalaria 1484 - Guiné 1965/67 (Nhacra e intervenção ao Sector de Catió de 8/6/66 a finais de Julho/67).
Referências ao blogue... quase me dispenso de as fazer. Mas digo que é mata e bolanha onde me meto e atasco todos os dias (com a melhor boa vontade), não por vício mas para continuar a sentir os sons, as cacimbadas, os medos e tudo o mais que faz parte das nossas recordações de há 40 anos. E é também a saudade das gentes, das tradições, dos usos e costumes que nos acicatam a vontade de voltar um dia. (...)
terça-feira, 8 de junho de 2010
Guiné 63/74 - P6562: Contraponto (Alberto Branquinho) (10): Grafia do crioulo da Guiné-Bissau
Karo Karlos Winhal
Não fiques peocupado, não ensandeci. Quando leres o texto que vai junto, entenderás a razão.
Um abraço do
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (10)
GRAFIA DO CRIOULO DA GUINÉ-BISSAU
Não tenho conhecimento que exista grafia oficial ou oficiosa do Crioulo da Guiné-Bissau.
Por outro lado, ninguém põe em dúvida que a sua língua-base é o Português, apesar de encontrarmos vocábulos que são de origem francesa devido ao facto de a Guiné-Bissau estar cercada por dois países francófonos.
Então, porquê escrever o Crioulo da Guiné-Bissau com letras que, na pureza da sua origem, não são do alfabeto português?
Porquê escrever “kriol” e não “criol”? Porquê escrever “ká” e não “cá”? Porquê “kurpo” e não “curpo”, “macaco-kom” e não “macaco-com”? Porquê usar kk e ww?
Será que é para dar um aspecto exótico à escrita? Por serem letras usadas em outras escritas africanas ou com influência anglófona?
Se é o exotismo que se procura, sugiro, então, que se escreva “makako-kom”, que, além do mais, transmite, também, um aspecto “amacacado”.
Apesar de, por força das circunstâncias (terminologia científica e outras), termos sido obrigados a receber esses caracteres para escrevermos algumas palavras, não queiramos ser ortógrafos “avant-la-lettre” com respeito à forma de escrever num espaço geográfico que não é o nosso. Deixemos as autoridades guineenses decidir sobre a grafia do seu crioulo e não comecemos já a “estrangeirar” essa miscigenação linguística que pode continuar fiel à sua origem.
Ainda recentemente pudemos ver, aqui no blogue, uma fotografia de uma mulher guineense (com uma criança às costas) escrevendo no quadro preto de uma escola. Escreveu “Candê”, “Calissa” e não “Kandê”, “Kalissa”. Assim, também, ”Camará” e não “Kamará”.
Claro que convém ter presente que muitos apelidos são comuns à Guiné-Bissau e à Guiné-Conacri e ao Senegal. Nas nossas movimentações dos tempos da guerra, encontrámos muitas vezes cidadãos com “dupla cidadania” (quero dizer, com documentos de identificação de dois países). E, nesses casos, o atrás mencionado apelido “Candê”, estaria, francofonamente escrito, “Candé” ou “Kandé”. Aí está, também, outra diferença – como passar à escrita o som “ê”.
De qualquer modo, a última palavra será da própria Guiné-Bissau.
Convém lembrar que o(s) crioulo(s) de origem portuguesa falado(s) na parte ocidental de África (Guiné, Cabo Verde, São Tomé) deu(deram) origem a um “papiamento” falado em ilhas da América Central (que contém, também, palavras de origem holandesa e espanhola) e que tem estatuto de língua oficial. Tive oportunidade de o ouvir falar em Curaçau há poucos anos, durante um Carnaval. Este caso será, talvez, o único que beneficiou desse estatuto, mas muitos outros existem em outros lugares do mundo onde o Português foi falado por navegadores e comerciantes.
Alberto Branquinho
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6430: Contraponto (Alberto Branquinho) (9): Eutanásia?
Guiné 63/74 - P6561: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (3): Fui o criador do emblema da Companhia, e gosto
Divisa: "Por estradas nunca picadas, Por picadas nunca estradas"
Foi o Alf Curado e Silva quem me disse: "Capitão, a rapaziada gostava de ter um emblema que pudesse pôr sobre o bolso da camisa da farda e que identificasse a Companhia..."
Eu era alérgico a grandes aparatos assumindo falsos "espíritos de corpo" mas naquele momento senti que, no nosso caso, havia já bastante união e camaradagem para podermos usar algo que nos identificasse. Entrei no meu gabinete, puxei pelo meu velho jeito para a bonecada e, durante umas horas daquela noite de Buba, lá estive, de esferográfica em punho, puxando pela imaginação.
Achei que devia homenagear o soldado comum, possuidor daquela sagacidade, coragem e suficiente boa disposição que lhe permitiria voltar aos braços dos seus pais, das suas noivas, dos seus familiares, terminados os cerca de dois anos de Guiné. Fiz o desenho sem uma emenda, acho que estava inspirado... Depois foi encomendar os guiões, crachás e emblemas e... Creio que foi um sucesso!...
Quando aguardávamos embarque, em Brá, ainda apareciam militares de outras unidades, que eu nem conhecia, pedindo-me, por tudo, um guião! Chegaram-me também alguns reparos: parece que eu não havia respeitado as regras de heráldica militar! Claro que isso foi o que menos me preocupou... O engraçado é que descobri, recentemente, que a maioria da rapaziada nem sabia que tinha sido eu o autor do desenho... Tudo bem!... Gostaram, não foi? Era o mais importante...
Este foi o comentário que deixei no Poste 2791 do Furriel Manuel Traquina da CCAÇ 2382. Repararam no minha satisfação? Mas há certos assuntos, próprios da intimidade da caserna, que ficam por lá... O Capitão é o último a saber... Alguns só me foram contados há pouco tempo quando já se não receava a "minha justa ira", para usar a expressão tão ao gosto de Carlos Fabião...
Vem isto a propósito do distintivo da CCAÇ 2382, desenhado por mim numa serena noite de Buba...
O assunto assemelha-se a uma cebola a que se vão tirando camadas para surgirem outras mais profundas...
Primeiro descobri que muitos militares, o Traquina, por exemplo, não faziam ideia de quem tinha sido o autor do desenho... Mas logo esclareci o assunto. O Traquina ainda teve tempo de modificar o texto do Capítulo "O Distintivo da Companhia" do seu livro Os Tempos de Guerra, dando o "seu a seu dono" no que respeita à autoria do Distintivo... Confesso que fiquei mais sossegado... E logo me agarrei a outra tábua de salvação que volto a transcrever: "Tudo bem!... Gostaram, não foi? Era o mais importante..."
O pior, amigos, é que já não estou tão confiante...
Vou contar:
Este ano, no almoço que reuniu as CCAÇ 2381 e CCAÇ 2382, eis-me a falar com o Cancela, soldado da minha companhia e membro da Tabanca Grande... A conversa andou por estes temas, o Cancela entusiasmado com o nosso blogue e entusiasmando-me a colaborar também nele. Não sei porquê falo no distintivo... Que pensava escrever qualquer coisa sobre ele... Na expressão do Cancela passa uma nuvem de desagrado... "Aquele emblema"... E num trejeito desagradado: "Os Palhaços"...
Como podem calcular, isto é demais para um homem só... Afinal nem toda a gente gosta da minha obra-prima... Claro... Afinal o não cumprimento das regras e do espírito da heráldica militar tem o seu preço...
Olho melhor para o distintivo... Bem... De facto aquilo tem pouco de marcial... "Por Estradas Nunca Picadas"... "Por Picadas Nunca Estradas"... Uma gracinha nada mobilizadora de uma atitude bélica... E a figura central? O tal "Zé do Olho-Vivo"? Um boneco engraçado, talvez... Mas não teria sido preferível colocar ali um bicho? Um Leão, uma Pantera ou um Tigre? Ou até um Gato, de preferência Negro? Olha, uns camaradas nossos optaram por ser os "Morcegos de Nhala"... Bom, também... Quanto aos amigos da CCAÇ 2381 são os "Maiorais"... Que tal?... Há um sugestão de autoridade, no Oeste... Outros levam lenços de côr mal embarcam: "Os lenços Vermelhos, Azuis, Verdes, sei lá... Côr-de-rosa, acho que não"...
Mas essa do Zé do Olho Vivo... Ainda por cima ostentando um nariz redondo e vermelho... Sim... Eu estava a pedi-las naquela noite, em Buba...
Bem, a idéia era ir buscar uma inspiração talvez ao Bordalo, à figura do Zé Povinho... Que se identificasse com o Zé Soldado, de olho alerta, atento, corajoso, capaz de passar além das minas e armadilhas existentes nas picadas da vida...
Olha: Eu gostei... E gosto... E aqui já não há mais camada que me incomode... Desculpa lá, ó Cancela, soldado amigo... Eu gosto!
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6489: (Ex)citações (63): A minha homenagem à enfermeira pára-quedista Ivone Reis que ficou connosco, em Contabane, a cuidar dos feridos graves (Carlos Nery)
Vd. poste de 23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina)
Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6479: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (2): Noite longa em Contabane