Muitos dos nossos amigos e camaradas da Guiné, dos nosso tertulianos, não têm suficiente informação sobre a ofensiva do PAIGC, a partir de 1973, e que se traduziu na utilização, pela primeira vez, em 25 de Fevereiro de 1973, dos mísseis terra-ar Strella, e em Maio/Junho num tremenda ofensiva contra três aquartelementos nossos, fronteiriços, Guidaje, norte, e Guileje e Gadamael, no sul. É por isso que publicamos hoje, na série Antologia, um texto dos conhecidos especialistas da guerra colonial, Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (autores do livro Guerra Colonial, publicado pelo Diário de Notícias, Lisboa, 1999). Esse texto é sobre Guidaje, o inferno que foi o mês de Maio de 1973, tanto para as NT como para o PAIGC... Pelo lado português, a batalha de Guidaje traduziu-se em quatro dezenas de mortos e e mais de 120 feridos... Matos Gomes, capitão comando na altura, participou na Op Ametista Real, já aqui evocada pelo seu comandante, Almeida Bruno, também em texto antológico (1).
Guiné Maio de 1973 – O Inferno
por Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes
Extraído, com a devida vénia, do sítio da A25A - Associação 25 de Abril. Os links são da nossa responsabilidade.
No início de 1973, o ano decisivo da guerra na Guiné, o Comando-Chefe contava assim com forças de modo geral mal preparadas, mal equipadas e mal comandadas, que se procuravam defender nos seus aquartelamentos e, como unidades de manobra e de reserva, dispunha apenas das tropas especiais: um batalhão de pára-quedistas com três companhias, um batalhão de comandos com cinco companhias, sendo três delas africanas, e cinco destacamentos de fuzileiros especiais, dois deles também africanos.
É neste pano de fundo que os mísseis Strella começam a abater aviões a hélice e a reacção, provocando sérias limitações ao emprego dos meios aéreos e ao seu apoio às forças de superfície. Este apoio dizia respeito a três áreas fundamentais: a evacuação sanitária de feridos retirados por helicóptero dos campos de batalha; o apoio aéreo próximo, que permitia às tropas portuguesas realizarem rupturas de contacto em situação vantajosa, e que era efectuado por aviões Fiat G-91 e T-6 e o transporte logístico de artigos críticos, como medicamentos, soro, pilhas para equipamentos de comunicação. Os helicópteros, em Maio, deixaram de realizar evacuações, pois seriam facilmente abatidos (voltariam a voar, mas com outros perfis de voo, a muito baixa altitude), os Fiat G-91 tiveram de adaptar os seus procedimentos de voo à nova ameaça, o que demorou algum tempo, e os T-6, a hélice, foram retirados das missões, reduzindo a disponibilidade de meios aéreos para apoio às tropas. Por fim, os transportes aéreos só voltaram a realizar-se, e com grandes limitações, após um período de estudo, voando os aviões acima dos 6.000 pés e operando em número muito reduzido de pistas.
São casos de ansiedade e desespero por ausência de evacuação de feridos que precipitam as situações das tropas quer em Guidaje, quer em Guileje.
Maio de 1973 constituiu a prova mais dura a que as forças portuguesas foram sujeitas nos três teatros de operações.
Com efeito, o PAIGC, revelando notável capacidade de manobra e tirando partido do extraordinário acréscimo de potencial de combate, alterou profundamente o seu conceito de manobra, passando da actuação dispersa, em superfície, para a concentração maciça sobre objectivos definidos.
Neste contexto, desencadeou poderosas e prolongadas acções de fogo ajustado sobre as guarnições fronteiriças de Guidaje, Guileje e Gadamael, as quais conjugou com acções terrestres de isolamento, que efectivamente conseguiu, durante alguns dias, em Guidaje. Nestas acções, intensificou o emprego de mísseis Strella e fez uso sem restrições de armas pesadas de longo alcance e elevado poder de fogo, com a colaboração de observadores avançados na regulação do tiro, que atingiram notável grau de eficácia. Esta actividade do PAIGC alcançou valores que são os mais altos de sempre desde o inicio da guerra – 220 acções durante o mês –, o mesmo sucedendo em relação as baixas causadas as tropas portuguesas – 63 mortos e 269 feridos.
Na Zona Oeste/Norte, o PAIGC exerceu o seu esforço na área de Bigene/Guidaje, concentrando três corpos de exército, dois grupos de foguetões, um grupo de morteiros 120 mm e um grupo especial de sapadores, num total de cerca de 650 elementos, na região do Cumbamori, no Senegal, flagelando Guidaje 43 vezes e Bigene 21.
Na Zona Sul, desencadeou uma acção de moldes clássicos sobre Guileje, conjugando acções terrestres de isolamento com maciços de fogos de artilharia, com pleno êxito, obrigando a retirada da guarnição portuguesa, e transferindo depois esforço para Gadamael.
Estas operações, a que o PAIGC deu o nome de «Amílcar Cabral», integraram-se no processo de reconhecimento internacional das capacidades do partido para inverter a seu favor a situação militar no terreno, culminando com a declaração da independência, em Setembro desse ano.
Como manobra, a tenaz com as pontas Guidaje e Guileje, revela a elevada capacidade do Estado-Maior do PAIGC para controlar grandes efectivos e coordenar os seus movimentos, o que implicou transferir unidades que se encontravam interior do território para o exterior, balancear meios entre o Norte e o Sul, acção efectuada através do território dois países, e realizar acções conjuntas com grandes volumes de efectivos de infantaria, de artilharia e de unidades de armas antiaéreas. Embora pudesse não ser essa a intenção dos estrategistas do PAIGC, o seu ataque à posição portuguesa de Guidaje, executado ao longo de vários dias com grande violência, obrigou o comando português a concentrar ali a quase totalidade das unidades de intervenção e de reserva, e veio a funcionar como acção de diversão, que permitiu atacar Guileje, a sul, sem que houvesse possibilidade, da parte portuguesa, de dar a mesma resposta que em Guidaje.
O ataque e o cerco a Guidaje constituíram alteração profunda na manobra do PAIGC, o qual tivera sempre algumas limitações aos seus movimentos no Senegal. Um ataque desta envergadura quer em duração, quer em violência significava que o movimento dispunha agora de apoio total e de facilidades idênticas às que recebia da Guiné-Conacri. Naquele país, a base de Cumbamori, a curta distância de Guidaje, desenvolveu-se apoiada pelas bases de Zinguichor e de Kolda, sendo a partir dela que se desenhou toda a operação, embora grupos de antiaéreas e bigrupos de infantaria se tenham posicionado entre Guidaje e Binta, na região de Cufeu, de modo a cortar esse itinerário que constituía o cordão umbilical de Guidaje.
O cerco de Guidaje
No início de Maio de 1973, a guarnição militar de Guidaje era constituída por uma companhia de caçadores do recrutamento local, a Companhia de Caçadores 19, e pelo Pelotão de Artilharia 24, equipado com obuses de 10,5 cm.
Guidaje estava sob o comando operacional do COP3, que tinha sede em Bigene. Com o agravamento da situação, o comandante, tenente-coronel Correia de Campos, deslocou-se para Guidaje em 10 de Maio, com o seu posto de comando avançado, onde se manteve até 12 de Junho.
O PAIGC dispunha, concentradas, as seguintes forças na região de Cumbamori:
Corpo de Exército (CE) 199/B/70, com quatro bigrupos de infantaria e uma bateria de artilharia;
Corpo de Exército (CE) 199/C/70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bateria de artilharia;
Grupo de Foguetes da Frente Norte, com quatro rampas;
Três bigrupos de infantaria, um grupo de reconhecimento e uma bateria de artilharia do CE 199/A/70, deslocadas de Sare Lali (Zona Leste).
Foram ainda referenciados em Cumbamori um pelotão de morteiros de 120 mm, um grupo especial de sapadores e diversos elementos recém-chegados do estrangeiro.
Em termos de efectivos, a guarnição portuguesa teria cerca de 200 homens, na maioria do recrutamento da província, com as suas famílias, existindo em redor do quartel uma pequena aldeia com cada vez menos habitantes.
Do lado do PAIGC estimavam-se em cerca de 650 a 700 os efectivos que empenhou nesta operação, comandados por Francisco Mendes (Chico Te) e pelo comissário político Manuel dos Santos, que era o responsável pelos mísseis em todo o território.
O primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, cuja localização era excelente, situada em cima da fronteira, o que diminuía a frente de um possível contra-ataque ou de um reforço. Dada a inibição das forças portuguesas em manobrar pelo território do Senegal, elas só poderiam vir de sul, ou seja de Binta e de Cufeu. Nesta zona, sensivelmente a meio caminho entre as duas localidades, o PAIGC havia instalado forças significativas e lançado vasto campo de minas. O ataque a Guidaje por norte garantia contínuo fluxo de reabastecimento de munições e efectivos, dado que podiam efectuar-se por viatura a partir de Zinguichor, Cumbamori, Yeran ou Kolda, o que permitia manter o cerco durante largo período de tempo.
Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strella. O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anticarro e foi emboscada, sofrendo 12 feridos. Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas.
A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje.
Em 10 de Maio, no deslocamento de Binta para Guidaje, o conjunto de unidades envolvidas, sob o comando do comandante do batalhão de Farim, sofreu mais um morto e dois feridos e encontrou a picada cortada por abatises. Entretanto, as forças da CCaç 19, saídas de Guidaje para proteger o itinerário na sua zona de acção, tiveram cinco contactos, sofrendo oito mortos e nove feridos.
No relatório desta acção, o seu comandante descreve assim a violência do contacto de fogo: «... em relação às NT, o IN estava de frente, dos dois lados da picada, e foi impossível fazer uma reacção conveniente pelo fogo. A primeira sessão pelo fogo causou-nos imediatamente três mortos (..) o IN voltou à carga com maior ímpeto, mas as NT já estavam preparadas para o receber e aqui teve as primeiras baixas.
Estando um cabo gravemente ferido com um estilhaço no pescoço, o soldado auxiliar de enfermeiro correu para junto dele a fim de o socorrer. Estando ajoelhado a seu lado foi atingido por uma rajada que lhe provocou a morte. Começavam a escassear as munições e foi dada ordem para fazer fogo de precisão, tanto quanto possível. Quando o fogo parou por escassos segundos um dos furriéis tentou chegar junto dos mortos para recuperar os corpos. Quando se levantava para realizar esta acção, pela terceira vez o In atacou as nossas posições. Notando a impossibilidade de recuperar os corpos dos mortos e porque a falta de munições era quase total, o comandante viu-se coagido a ordenar a retirada».
Em 12 de Maio, chegou a Guidaje uma coluna de reabastecimentos constituída pelos destacamentos de fuzileiros especiais 3 e 4. Em 15, no regresso a Farim, accionaram duas minas e sofreram dois feridos graves e, numa emboscada entre Guidaje e Binta, cinco feridos.
Uma coluna que entretanto saiu de Binta alcançou Guidaje no mesmo dia. Contudo, em 19, no regresso, accionou várias minas e sofreu emboscada violenta. Teve um morto e sete feridos, esgotou as munições e regressou a Guidaje.
Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70 elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje.
Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois mortos e vários feridos.
Em 30 de Maio, em virtude da informação de agravamento da situação no Sul (Guileje), estas forças regressam às suas bases para serem de novo empregues.
Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.
Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973:
Mortos 22
Feridos 70
Viaturas destruídas 6
Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação. Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29 de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8 esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9 sofreu quatro ataques, em 10 três, e até ao final todos os dias foi atacada. No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, 30 feridos militares e 15 entre a população civil. Foram causados estragos em todos os edifícios do quartel.
Munições consumidas pela Companhia de Caçadores 19:
- 7,62 mm (espingarda) 32000;
- Granadas de mão ofensivas e defensivas 40
- Granadas de morteiro 760;
- Granadas-foguete 6 cm 120;
- Granadas-foguete 8,9 cm 50;
- Munições de artilharia disparadas no dia 17 (10,5 cm) 43
Operação Ametista Real – a resposta
O nítido agravamento da situação em Guidaje, que era particularmente nítido a partir de 8 de Maio, as notícias de grandes movimentações de tropas do PAIGC junto à fronteira com o Senegal, a dificuldade de reforçar e apoiar por terra aquela guarnição, dada a resistência encontrada pelas colunas que ali se dirigiam, e a existência de vários feridos que não podiam ser evacuados para os hospitais pelas limitações de emprego de meios aéreos, levaram o comandante-chefe a lançar uma operação de grande envergadura para envolver as forças do PAIGC que atacavam Guidaje e aliviar a pressão sobre aquela guarnição militar que permitisse reabastecê-la, retirar os feridos e substituir pessoal.
Esta tarefa foi atribuída ao Batalhão de Comandos da Guiné, que recebeu a missão de «aniquilar ou, no mínimo, desarticular a organização IN na região de Guidaje-Bigene». As forças executantes, num total de cerca de 450 homens, foram assim organizadas:
Comandante da operação: major Almeida Bruno.
Agrupamento Romeu: 1.ª Companhia de Comandos; capitão António Ramos.
Agrupamento Bombox: 2.ª Companhia de Comandos; capitão Matos Gomes.
Agrupamento Centauro: 3.ª Companhia de Comandos; capitão Raul Folques
As forças do batalhão de comandos saíram em 18 de Maio de Bissau numa LDG, apoiadas por duas LFG, e desembarcaram em Ganturé nessa tarde, depois de um briefing em Bigene, saíram pelas 23 e 50 para norte, pela seguinte ordem: agrupamentos Bombox, Centauro e Romeu.
Pelas 5 e 30 de 19 de Maio, a testa da coluna alcançou o itinerário que apoiava a base de Cumbamori, objectivo principal da operação. O agrupamento Bombox passou para norte da estrada, o agrupamento Centauro ocupou posições a sul e o agrupamento Romeu instalou-se à retaguarda, numa pequena povoação.
Ás 8 e 20 iniciou-se o ataque aéreo com aviões Fiat G-91, que destruíram os paióis da base, tendo as munições explodido durante algum tempo.
Às 9 e 05 o agrupamento Bombox executou o assalto inicial, provocando o primeiro contacto com as forças do PAIGC. Estes combates desenrolaram-se até às 14 e 10, quando o comandante da operação deu ordem para o agrupamento Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as suas forças e as do PAIGC. Foi uma operação de grande dificuldade, porque os combatentes de um e outro lado se encontravam muito próximos. O comandante do agrupamento Centauro foi ferido, mas conseguiu realizar essa separação
Às 14 e 30 o batalhão de comandos iniciou-se o movimento para a base de recolha e às 18 e 20 os seus primeiros elementos chegaram a Guidaje. Em 20 de Maio, o mesmo batalhão saiu de Guidaje para Binta, a pé, deixando ali os seus feridos e os militares que não se encontravam em condições de prosseguir a marcha. Em Binta, embarcou numa LDG de regresso a Bissau
Nesta operação, o batalhão de comandos sofreu dez mortos, 22 feridos graves e três desaparecidos, estimando ter causado 67 mortos, entre os quais, segundo informação mais tarde obtida no Senegal, uma médica e um cirurgião cubanos e quatro elementos mauritanos.
Durante a acção, as forças do batalhão de comandos consumiram as seguintes munições:
- 7,62 mm (G-3) 26.700
- 7,62 mm (Kalash) 4600
- Granadas de lança-granadas foguete de 6 e 8,9 em 292
- Granadas de RPG-2 e RPG-7 71
- Granadas de morteiro 195
- Granadas de mão ofensivas e defensivas 268
A situação melhorou durante algum tempo, até porque o esforço do PAIGC se passou a concentrar na frente sul, sobre Guileje e Gadamael.
Nestes 20 dias do mês de Maio e nesta região em torno de Guidaje, as forças portuguesas sofreram 39 mortos e 122 feridos.
___________
Nota de L. G.:
(1) 16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (JOão Almeida Bruno)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 21 de outubro de 2006
Guiné 63/74 - P1197: Ameira: Operação Almançor, ou paródia aos nossos planos de operações (Aires Ferreira)
Montemor-O-Novo> Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > O Aires Ferreira, ao centro, ladeado pelo Manuel Perereira, à sua direita, e pelo Vitor Junqueira, à sua esquerda. Na segunda fila: Vacas de Carvalho, Neves (amigo de Julião Martins, emoresário com negócios na Guiné-Bissau) e Humberto Reis.
Foto: David Guimarães (2006) (pormenor)
I. Texto que já circulou pela tertúlia e que se julga oportuno e interessante divulgar no blogue, porque dá um toque de saudável humor e irreverência a este grupo de cotas que recusam ser um clube de qualquer coisa (ex-combatentes, saudosistas, últimos soldados do Império, heróis ou vilões, vítimas de stresse pós-traumático ou títulos quejandos). O autor é o Aires Ferreira. A peça é um paródia, logo, uma homenagem (aos nossos majores de operações, aos nossos planos de operações, às nossas operações)...
Amigos & camaradas (e em especial os que foram à Ameira, em Montemor-O-Novo, no dia 14 de Outubro de 2006):
Lamentavelmente só agora li esta mensagem do Aires Ferreira. As minhas desculpas, camarada!... O texto fazia todo o sentido ser divulgado no contexto do nosso encontro na Ameira, no dia 14 passado... Estive lá com com ele (um bocadinho...), e nem sequer me passou pela cabeça que ele pudesse ser uma pessoal com um sentido de humor tão especial, muito fino...
Antes de a publicar no blogue, achei que a nossa tertúlia merecia conhecer, em primeiro mão, esta peça, de fino humor e recorte literário, de mais um valoroso (e valioso) tertuliano...
II. Peça (humorística) do Aires Ferreira (ex-alf mil, CCAÇ 1686 / BCAÇ 1912; Mansoa, 1967/69) (1):
LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ > OP ALMANÇOR I (2)
ORDEM DE OPERAÇÕES Nº 01
Ref: Carta 1/50.000 Évora / Montemor
1. Situação
a) Força IN
(1) Localização: - Informações de detidos, referem a existência do Acampamento da Ameira, localizado em Montemor 9 N 40 E e vários anexos com população desarmada.
(2) Efectivo do Acampamento: - Cerca de 20 homens e 15 mulheres.
(3) Armamento: - 6 espingardas aut. FN cal. 20, 2 pistolas cal. 6.35mm, 2 Esp. de pressão de ar, 13 fisgas e 12 arcabuzes.
(4) Constituição: Edifício térreo, piscina, campo de jogos, picadeiro e arrecadações diversas.
(5) Segurança: - Um posto de sentinela com 2 elementos, junto ao caminho novo que vai dar ao acampamento principal.
(6) São de admitir as seguintes possibilidades ao IN, por ordem de prioridade:
(a) Furtar-se ao contacto, após curto período de resistência no acampamento. (Fuga para Évora).
(b) Emboscar as NT no regresso da acção.
(c) Emboscar as NT na sua progressão para o objectivo.
(d) Desenfiar todas as garrafas com mais de 15 anos.
b) Forças Amigas
- Nada
2. Missão
- Fomentar a amizade entre os camaradas da tertúlia.
- Realizar acções ofensivas a fim de capturar elementos rebeldes, aniquilando as suas instalações e meios de vida, nomeadamente despensas e garrafeiras.
- Pesquisar informações tendo em vista a realização de novas operações.
3. Execução
- As forças envolvidas, progridem separadamente até ao CAFÉ DO MONTE e após a reunião de todo o efectivo, serão constituídos três destacamentos, Alfa e Beta e Gama. O dest. Gama procede à picagem da estrada entre a EN 114 e a entrada do acampamento, em H-1 e integra-se no dest. Beta. O Dest. Alfa lança de imediato um golpe de mão sobre o objectivo e faz um prisioneiro que entrega ao dest. Beta. O prisioneiro conduz, voluntariamente ou não, de imediato, ambos os destacamentos ao bar do acampamento, que será obviamente tomado com pouca resistência por parte do IN.
Segue-se o almoço até às 5 da tarde, hora a que se verificará o " Toque de Ordem" e parte das forças envolvidas regressarão às suas Unidades.
O dest. Alfa (-) pernoitará no acampamento principal e assegurará a sua ocupação até 14h/15 Out.
4. Instruções de Coordenação:
- Designação da Operação: Almançor 1
- Dia D: 2006.10.14
- Hora H: 12.00
- Carregadores: Não permitido. GNR/BT
- Alimentação: Feijoada de Lebre, tipo III
- Transmissões: Telemóvel
Quartel em Lisboa, 11.10.2006
O Of. Operações
________________
O Comandante
______________
Cumprimentos
Aires Ferreira
_____
Nota de L.G.
(1) Vd. posts de:
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1002: Um novo recruta, Aires Ferreira (BCAÇ 1912, CCAÇ 1686, Mansoa, 1967/69)
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1075: O soldado desconhecido de Mansoa (Aires Ferreira, CCAÇ 1686, BCAÇ 1912)
2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1139: A fantástica estória do soldado Fernandes, da CCAÇ 1686, Mansoa (Aires Ferreira)
(2) Referência a Al-Mansur, o poderoso califa de Córdova (c. 948-1002), recordado em Montemor-o-Novo, pelo Rio Almançor, que atravessa o concelho, e o Café Almansor... O próprio Paulo Raposo costuma usar, por graça, o pseudónimo Rei Almançor...
Foto: David Guimarães (2006) (pormenor)
I. Texto que já circulou pela tertúlia e que se julga oportuno e interessante divulgar no blogue, porque dá um toque de saudável humor e irreverência a este grupo de cotas que recusam ser um clube de qualquer coisa (ex-combatentes, saudosistas, últimos soldados do Império, heróis ou vilões, vítimas de stresse pós-traumático ou títulos quejandos). O autor é o Aires Ferreira. A peça é um paródia, logo, uma homenagem (aos nossos majores de operações, aos nossos planos de operações, às nossas operações)...
Amigos & camaradas (e em especial os que foram à Ameira, em Montemor-O-Novo, no dia 14 de Outubro de 2006):
Lamentavelmente só agora li esta mensagem do Aires Ferreira. As minhas desculpas, camarada!... O texto fazia todo o sentido ser divulgado no contexto do nosso encontro na Ameira, no dia 14 passado... Estive lá com com ele (um bocadinho...), e nem sequer me passou pela cabeça que ele pudesse ser uma pessoal com um sentido de humor tão especial, muito fino...
Antes de a publicar no blogue, achei que a nossa tertúlia merecia conhecer, em primeiro mão, esta peça, de fino humor e recorte literário, de mais um valoroso (e valioso) tertuliano...
II. Peça (humorística) do Aires Ferreira (ex-alf mil, CCAÇ 1686 / BCAÇ 1912; Mansoa, 1967/69) (1):
LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ > OP ALMANÇOR I (2)
ORDEM DE OPERAÇÕES Nº 01
Ref: Carta 1/50.000 Évora / Montemor
1. Situação
a) Força IN
(1) Localização: - Informações de detidos, referem a existência do Acampamento da Ameira, localizado em Montemor 9 N 40 E e vários anexos com população desarmada.
(2) Efectivo do Acampamento: - Cerca de 20 homens e 15 mulheres.
(3) Armamento: - 6 espingardas aut. FN cal. 20, 2 pistolas cal. 6.35mm, 2 Esp. de pressão de ar, 13 fisgas e 12 arcabuzes.
(4) Constituição: Edifício térreo, piscina, campo de jogos, picadeiro e arrecadações diversas.
(5) Segurança: - Um posto de sentinela com 2 elementos, junto ao caminho novo que vai dar ao acampamento principal.
(6) São de admitir as seguintes possibilidades ao IN, por ordem de prioridade:
(a) Furtar-se ao contacto, após curto período de resistência no acampamento. (Fuga para Évora).
(b) Emboscar as NT no regresso da acção.
(c) Emboscar as NT na sua progressão para o objectivo.
(d) Desenfiar todas as garrafas com mais de 15 anos.
b) Forças Amigas
- Nada
2. Missão
- Fomentar a amizade entre os camaradas da tertúlia.
- Realizar acções ofensivas a fim de capturar elementos rebeldes, aniquilando as suas instalações e meios de vida, nomeadamente despensas e garrafeiras.
- Pesquisar informações tendo em vista a realização de novas operações.
3. Execução
- As forças envolvidas, progridem separadamente até ao CAFÉ DO MONTE e após a reunião de todo o efectivo, serão constituídos três destacamentos, Alfa e Beta e Gama. O dest. Gama procede à picagem da estrada entre a EN 114 e a entrada do acampamento, em H-1 e integra-se no dest. Beta. O Dest. Alfa lança de imediato um golpe de mão sobre o objectivo e faz um prisioneiro que entrega ao dest. Beta. O prisioneiro conduz, voluntariamente ou não, de imediato, ambos os destacamentos ao bar do acampamento, que será obviamente tomado com pouca resistência por parte do IN.
Segue-se o almoço até às 5 da tarde, hora a que se verificará o " Toque de Ordem" e parte das forças envolvidas regressarão às suas Unidades.
O dest. Alfa (-) pernoitará no acampamento principal e assegurará a sua ocupação até 14h/15 Out.
4. Instruções de Coordenação:
- Designação da Operação: Almançor 1
- Dia D: 2006.10.14
- Hora H: 12.00
- Carregadores: Não permitido. GNR/BT
- Alimentação: Feijoada de Lebre, tipo III
- Transmissões: Telemóvel
Quartel em Lisboa, 11.10.2006
O Of. Operações
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O Comandante
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Cumprimentos
Aires Ferreira
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Nota de L.G.
(1) Vd. posts de:
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1002: Um novo recruta, Aires Ferreira (BCAÇ 1912, CCAÇ 1686, Mansoa, 1967/69)
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1075: O soldado desconhecido de Mansoa (Aires Ferreira, CCAÇ 1686, BCAÇ 1912)
2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1139: A fantástica estória do soldado Fernandes, da CCAÇ 1686, Mansoa (Aires Ferreira)
(2) Referência a Al-Mansur, o poderoso califa de Córdova (c. 948-1002), recordado em Montemor-o-Novo, pelo Rio Almançor, que atravessa o concelho, e o Café Almansor... O próprio Paulo Raposo costuma usar, por graça, o pseudónimo Rei Almançor...
sexta-feira, 20 de outubro de 2006
Guiné 63/74 - P1196: Rios: o Geba e o seu afluente, o Udunduma (Carlos Marques dos Santos)
Como devem imaginar, o problema depois era subir a rampa de acesso ao quartel... O major Cunha Ribeiro, o nosso querido major eléctrico acabou, precoce e ingloriamente, a sua comissão na Guiné (e porventura a sua carreira militar), nesta rampa, ao volante do seu jipe, debaixo de toneladas de toros de madeira (cibes), destinados ao reordenamento de Nhabijões... (LG).
Arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006)
Post original, de 9 de Março de 2006, publicado no Blogue-fora-nada > Guiné 63/74 - DCXXI: Os rios (e os lugares) da nossa memória (3): Geba, Undunduma (Carlos Marques dos Santos)
Em tempos cometi um erro e um lapso: um erro, ao escrever Undunduma, e que passei a replicar sistematicamente; ora o Rio chama-se Udunduma; aí passei/passámos (eu e o resto dos meus camaradas da CCAÇ 12, da CART 2339, da CCS do BCAÇ 2852, do Pela Caç Nat 52, do Pel Caç Nat 63 e outros) muitos dias e muitas noites...
Resolvi, por isso, repescar este post e (re)publicá-lo no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné... com outro título, mas com algumas alterações no conteúdo e ilustrações... De futuro, será mais fácil fazer pesquisas sobre o famoso destacamento da ponte do Rio Udunduma, e não Undunduma. Por aqui passavam milhares de homens e toneladas de material, desembarcados das LDG que aportavam ao Xime, a caminho da Zona Leste (Baftá e Nova Lamego). (LG).
Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Texto do Carlos Marques dos Santos, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), afecta ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70).
Guiné > Rio Geba, junto ao Xime > Travessia de canoa para o Enxalé (1969),
Foto: © Carlos Marques Santos (2005), Direitos reservados.
Guiné > Rio Geba > Cais (1969)
Foto: © Carlos Marques Santos (2005). Direitos reservados.
Luís:
1. O tema do rio Geba levou-me a ir repescar estas velhas fotos. A qualidade não é famosa, mas apesar de tudo é o rio Geba retratado.
E eu que estive muitas vezes perto dele, vigiando a passagem dos barcos vindos de Bissau. Finete, os seus mangais e cajueiros. A Bor e o macaréu. Som impressionante da água, em força, a lutar contra aquilo que era natural.
Os rios correm para o mar. Este não! Ciclicamente corre contra o seu rumo natural. E as suas margens enlameadas, onde, enterrados até à cintura, recolhíamos os tão saborosos camarões (1).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > Rio Udunduma, afluente do Rio Geba >
Foto: © Carlos Marques Santos (2005). Direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > SEctor L1 > Bambadinca > 1969 > Rio Udunduma > Pôr do sol.
Foto: © Carlos Marques Santos (2005). Direitos reservados.
2. Já agora e porque não, outro pequeno rio, o Udunduma, também motivo de memórias (2). O nascer e o pôr do sol serão inesquecíveis, apesar das condições em que vivemos neste cenário. Memórias de um tempo vivido e que passou.
Um abraço.
CMS
_______
Notas de L.G.:
(1) Eu a pagá-los a 50 pesos, o quilo, na tasca do Zé Maria, à saída de Bambadinca!...
(2) Vd. posts de:
2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1019: O ataque a Bambadinca (28 de Maio de 1969) (Carlos Marques dos Santos)
29 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1130: A CART 2339, em socorro de Bambadinca, e na defesa da ponte do Rio Udunduma (Carlos Marques dos Santos)
29 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1131: Um dia (feliz) na ponte do Rio Udunduma, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Luís Graça)
30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1132: Spínola e os seus 'Cães Grandes' na ponte do Rio Udunduma (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P1195: Ameira: O nosso encontro fez-me bem à alma (Fernando Franco)
Montemor-o-Novo > Ameira > Ameira da Herdade > 14 de Outubro de 2006 > O Fernando Franco (sentado) e o António Baia (de pé), camaradas que percenteram ao Batalhão de Intendência de Bissau, ouvindo deliciados o Zé Luís Vacas de Carvalho. Por detrás do Fernando Franco, vê-se o José Casimiro de Carvalho. Em frente ao nosso músico e cantor, a Maria Alice, esposa do editor do blogue.
O Fernando Franco, que mora na Amadora, foi 1º Cabo, do BIG - Batalhão de Intendência de Bissau (1973/74). E a propósito, é altura de evocarmos, no nosso bloguie, o trabalho hercúleo dos nossos intendentes levando o arroz, a farinha, as batas, o bacalhau, a cerveja e os bidões de vinho a toda a parte da Guiné, por terra e sobretudo utilizando os múltiplos braços de mar e rios da Guiné... A gente sabe quanto os comes e bebes eram importantes para aumentar em alta o moral da tropa... Na Guiné em qualquer outro teatro de guerra. Num exército convencional ou ou organização de guerrilha... Eis aqui um tema para próximas intervenções.
Montemor-o-Novo > Ameira > Ameira da Herdade > Restaurante Café do Monte > 14 de Outubro de 2006 > O António Baia e a esposa, sentados à mesa, à hora do almoço. O Baia foi 1º cabo enfermeiro e pertenceu também ao BIG – Batalhão de Intendência da Guiné, tendo estado integrado num Pelotão de Intendência, o PINT 9288 (Cufar, 1973/74). Mora na Amadora e é um dos nossos mais recentes tertulianos.
Fotos: © Fernando Franco (2006) . Direitos reservados.
Mensagem do Fernando Franco:
Luís Graça, camaradas e respectivas (os) acompanhantes :
Quero agradecer em primeiro lugar, aos mentores, Luiís Graça, Paulo Raposo e Carlos Marques e restante pessoal, por este fim-de-semana tão agradável em vivência, camaradagem e de tanta cumplicidade em algo que nos une com muitas saudades, GUINÉ .
Em segundo lugar, agradecer a todos os presentes, sem nunca deixar de pensar em todos os ausentes, que por diversos motivos não puderam comparecer, a alegria de lembrar alguns momentos, que há 32 anos revivia na minha memória com muita saudade, de choros, medos, coragem, felicidade, etc., etc.
Andava mesmo a precisar deste encontro, em que muitos dos meus companheiros em meu redor sentissem o mesmo que eu. Mais uma vez obrigado, pois vim de peito cheio.
Agradecer também a todos acompanhantes, esposas, filhas e amigos, pois também elas (eles) nos deram muita força e algumas, como a minha mulher, ficaram a saber mais sobre o conteúdo muitas conversas que por vezes temos em família... sem contudo apriofudnarmos muito as coisas... No sábado, deu para desabafar muito mais, naquele convívio fraternal entre todos e praticamente sem nos conhecermo-nos fisicamente. A minha mulher também gostou imenso e, como tal, podem desde já contar connosco para o próximo encontro em Pombal.
A minha máquina fotografia também tirou algumas fotos de alguns momentos, mas acreditem é mais por mérito da máquina do que do fotógrafo. Esses fotos podem ser vistas em: http://pwp.netcabo.pt/fasfranco.
Um forte abraço
Fernando Franco
O Fernando Franco, que mora na Amadora, foi 1º Cabo, do BIG - Batalhão de Intendência de Bissau (1973/74). E a propósito, é altura de evocarmos, no nosso bloguie, o trabalho hercúleo dos nossos intendentes levando o arroz, a farinha, as batas, o bacalhau, a cerveja e os bidões de vinho a toda a parte da Guiné, por terra e sobretudo utilizando os múltiplos braços de mar e rios da Guiné... A gente sabe quanto os comes e bebes eram importantes para aumentar em alta o moral da tropa... Na Guiné em qualquer outro teatro de guerra. Num exército convencional ou ou organização de guerrilha... Eis aqui um tema para próximas intervenções.
Montemor-o-Novo > Ameira > Ameira da Herdade > Restaurante Café do Monte > 14 de Outubro de 2006 > O António Baia e a esposa, sentados à mesa, à hora do almoço. O Baia foi 1º cabo enfermeiro e pertenceu também ao BIG – Batalhão de Intendência da Guiné, tendo estado integrado num Pelotão de Intendência, o PINT 9288 (Cufar, 1973/74). Mora na Amadora e é um dos nossos mais recentes tertulianos.
Fotos: © Fernando Franco (2006) . Direitos reservados.
Mensagem do Fernando Franco:
Luís Graça, camaradas e respectivas (os) acompanhantes :
Quero agradecer em primeiro lugar, aos mentores, Luiís Graça, Paulo Raposo e Carlos Marques e restante pessoal, por este fim-de-semana tão agradável em vivência, camaradagem e de tanta cumplicidade em algo que nos une com muitas saudades, GUINÉ .
Em segundo lugar, agradecer a todos os presentes, sem nunca deixar de pensar em todos os ausentes, que por diversos motivos não puderam comparecer, a alegria de lembrar alguns momentos, que há 32 anos revivia na minha memória com muita saudade, de choros, medos, coragem, felicidade, etc., etc.
Andava mesmo a precisar deste encontro, em que muitos dos meus companheiros em meu redor sentissem o mesmo que eu. Mais uma vez obrigado, pois vim de peito cheio.
Agradecer também a todos acompanhantes, esposas, filhas e amigos, pois também elas (eles) nos deram muita força e algumas, como a minha mulher, ficaram a saber mais sobre o conteúdo muitas conversas que por vezes temos em família... sem contudo apriofudnarmos muito as coisas... No sábado, deu para desabafar muito mais, naquele convívio fraternal entre todos e praticamente sem nos conhecermo-nos fisicamente. A minha mulher também gostou imenso e, como tal, podem desde já contar connosco para o próximo encontro em Pombal.
A minha máquina fotografia também tirou algumas fotos de alguns momentos, mas acreditem é mais por mérito da máquina do que do fotógrafo. Esses fotos podem ser vistas em: http://pwp.netcabo.pt/fasfranco.
Um forte abraço
Fernando Franco
Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
Foto:© A. Marques Lopes (2006). Direitos reservados.
Texto de um novo tertuliano, o Joaquim Luís Mendes Gomes, com quem falei ontem pelo telefone, e que a partir de agora vai começar a contar-nos as suas memórias de canário de caqui amarelo. O Mendes Gomes foi Alf Mil da CCAÇ 728 (Catió, 1964/66), companhia de intervenção com o nome de guerra Os Palmeirins. Em termos de antiguidade, reportada ao período à Guiné, passa a ser um dos nossos veteranos, a par do Mário Dias e de poucos mais. Fico a aguardr que ele me mande algumas imagens desse tempo, incluindo o emblema de Os Palmeirins. Independentemente disso, vamos recebê-lo de braços abertos na nossa caserna virtual... Sê bem-vindo, grande Palmeirim de Catió! (Ele hoje vive entre Lisboa e Aveiro, reformado de uma instituição bancária, a cujos serviços jurídicos pertencia, como advogado). (LG)
Caro Luís Graça,
Há uns meses descobri, por mero e feliz acaso, o teu Blogue. Muito rico. Em todas as várias facetas. As do homem e as do tertuliano. Fiquei preso. Pela qualidade e pelo interesse que despertam. Para além do mais, sobretudo a quem andou pelas bolanhas da Guiné, há umas dezenas de anos.
Fiquei à espera que aparecesse alguém pertencente às comissões anteriores às dos Periquitos, os que, entusiasmadamente, têm vindo a participar. Mas, dos Canários, os velhos de caqui amarelo, não vi ninguém. À parte as alusões, muito controversas, sobre a famosa guerra da Ilha do Como, das tropas que lá estiveram, antes, desde 63 a 68, os de caqui amarelo, eu nada vi. Talvez os mais desiludidos ou...já perderam o pio ? Bom tema para um sociólogo...
Coube-me permanecer, no Cachil, melhor dizendo, incubar no ventre da CCAÇ 728, uns nove meses, logo a seguir à famigerada companhia 555 (ou 556?) aquela que ali ficara, jazente, no rescaldo da tal batalha na ilha do Como (1)
Depois é que foi pior. Foi o parto da Companhia. Vieram uns 13 ou 14 meses, Companhia de intervenção, em Catió.
E tivemos a dita de, em todas as operações que fizemos, termos sido ajudados e aliviados por um pelotão de indígenas, comandados pelo valoroso e destemido capitão João Bacar Jaló. A minha Companhia, a CCAÇ 728, conheceu-o, de perto e muito bem. Daí que, o meu testemunho seja totalmente avesso, nem imagino que tenha sido possível, aquela pessoa tornar-se no que se disse dele aqui no Blogue. Por mim, rendo-lhe a mais viva e sincera admiração e homenagem.
Apesar de tudo, de 63 a 66, a guerra, para sorte nossa, convenhamos, ainda era uma criança...A superioridade bélica pendia para o nosso lado. Quando zarpámos para Lisboa, pareciam bem negros os tempos que estavam para vir...e assim foi.
Por isso, este é o modesto contributo de um combatente da Guiné, um canário de caqui amarelo, nos anos 64-66. É a minha perspectiva pessoal e muito restrita. Feita de memória, e por isso, sem pretensões de exactidão histórica.
A primeira parte sai dum texto romanesco, em que quero homenagear a memória do meu camarada alferes Mário Sasso.
A segunda é extraída duma rudimentar autobiografia, que eu já tinha escrevinhado para os meus netos.
Aqui to deixo com os meus parabéns, um abraço de amizade e admiração.
Mendes Gomes
Primeira Parte > 1.1. A origem do nome da Companhia de Caçadores 728: os Palmeirins
Os Palmeirins foi o nome de guerra que a Companhia de Caçadores 728 aprovou e aplaudiu, perfilada no sítio habitual do quartel da Ilha do Como, diante do comandante.
Cerca de 200 homens, na flor da juventude, a maioria, alentejanos, alguns beirões e uns minhotos, viviam, ali, dentro das 4 paliçadas, que formavam o quartel em quadrilátero, com uns duzentos metros por duzentos, em toros de palmeira, ao alto, carcomidos pelos 2 anos de exposição ao rigor tropical dos elementos, já quase reduzidos à carcaça exterior.
Serviam mais de confortável albergue às possantes ratazanas que giravam abundantes, à vista e céu aberto e de cortina, muito frágil, p´ra tapar as vistas, do que de desejado fortim protector para a metralha que, a qualquer hora, poderia chover, grossa e medonha, a partir das matas espessas, lá ao fundo.
A companhia já ia, quase, no final do primeiro ano da comissão. Era preciso arranjar-lhe um nome de guerra, como tinham as mais antigas. Deveria ser um nome que, por si, sugerisse ou tivesse alguma coisa a ver com a companhia, em concreto.
O capitão Silva lançara o repto, de um modo especial, aos 18 sargentos e 5 alferes, como era de esperar. Era pena. Mas, nos demais, ainda havia muitos analfabetos.
Ao fim de uns dias, o comandante do 2º pelotão, o alferes Mendes Gomes, por sinal e feitio, o alferes que já se tinha revelado mais virado para essas questões, - passava a maior parte do tempo livre, a mexer e remexer livros, de história, literatura ou de direito, tinha andado no seminário até muito perto do fim, dera aulas de português aos voluntários, da companhia - apresentou ao capitão o nome de Palmeirins...
O capitão riu…Nem sim, nem não… E ficou à espera da explicação. Nunca tinha ouvido falar na novela de cavalaria do Palmeirim de Inglaterra, famosa, pelo menos, para quem tenha estudado história da literatura portuguesa. Conta a história de uma figura da cavalaria inglesa na Idade Média, semelhante ao nosso lendário, herói e aguerrido cavaleiro, Nuno Álvares Pereira.
Esta relação histórica com o herói de Aljubarrota e a conotação natural da companhia com o mundo das palmeiras, omnipresentes, transformadas na matéria-prima por excelência para tudo que era essencial à segurança e ao conforto, conquistou, logo, a simpatia do comandante, dos alferes e dos sargentos.
- Vamos reunir a companhia, a ver o que eles pensam. Palmeirins é um nome que até soa bem ao ouvido, acrescentou.
Momentos depois de acabar o bem conhecido toque de corneta, os duzentos homens, tresmalhados pelo universo variado daquele mundo, pequeno mas completo, começaram a formar a companhia, em tronco nú e de chicatas de esponja, nos pés - o traje habitual que se imponha a toda a gente- , apreensivos com o motivo daquele toque inesperado.
Chegou o último soldado, - era sempre o mesmo, o castiço e pacholas soldado Maria, parecia um pouco atrasado da bola, mas não, era assim mesmo, um ensonso, com a sua regra muito pessoal e sem remédio, por mais que o comandante o repreendesse.
- Ó meu comandante, eu estava a dar de cadeiras quando ouvi o toque a corneta…e não podia…- atalhou ele com a habitual inocência.
Uma gargalhada geral. Agora toda a gente sabia o que era isso de dar de cadeiras…como se dizia no Alentejo…
E o Capitão começou a falar:
- Meus senhores. A nossa companhia já não é maçarica. Também não é velhadas…Ainda vai ter de aguentar mais uns anitos, por estas bandas…
Ouviu-se um urro geral, respeitoso, em uníssono, saído daqueles pulmões bem puxados e bravios…
- Anos?… Nunca. Só uns mesitos. Sim… - gritou um dos mais atrevidos, como os há sempre.
E o capitão continuou. Todas as companhias precisam de um nome de guerra, em vez do número que lhe deram.
- 728 é lá para os mangas da CCS (Os serviços administrativos)
- É verdade - acrescentou alguém, lá do meio.
Aqui, o nosso alferes Mendes Gomes pensou num nome que me parece bem. Vamos ver o que é que vós pensais dele. Ele vai explicar.
- Então qual é?… - gritou um dos tais que nunca conseguem conter-se.
O alferes Mendes Gomes avançou para a frente da companhia, postada, de olhos arregalados e orelhas arrebitadas…
- O nome que encontrei é OS PALMEIRINS.
Uma risada geral, entrecortada de um nervoso miudinho, logo interrompida, para ouvirem bem a explicação. O nome soava bem mas não lhes dizia nada. Ainda se fosse o nome de algum animal feroz, de meter medo ou respeito a toda a gente… Os Leões…Os Lacraus…Os Panteras…
- Palmeirins, que é isso?…Deve ter alguma coisa a ver com palmeiras, mas mais nada… - Foram as interrogações que o alferes começou a avançar como sendo as que lhes estava a ler na cara deles.
Começou então a contar os traços essenciais da época famosa da cavalaria, nos tempos recuados da Idade Média, em todos os países da Europa e, principalmente, na Inglaterra e Portugal .
Citou o exemplo conhecido da maioria, apesar dos muitos analfabetos que havia, do nosso D. Nuno Álvares Pereira, o vencedor da Batalha de Aljubarrota. Via-se que as coisas já estavam a ganhar algum sentido.
Pois bem, quem estudou a História da Literatura Portuguesa, ouviu falar dum romance famoso que conta história de um guerreiro inglês, chamado O Palmeirim de Inglaterra. Foi um livro tão famoso e lido pelas pessoas daquele tempo, como agora se lê a história do Tio Patinhas (1)…
De novo, uma gargalhada rebentou. Bom sinal…
Esse Palmeirim era um guerreiro terrível para conquistar castelos. Nem um só lhe resistiu. O simples boato de que o Palmeirim e o seu pelotão de cavaleiros andavam, por perto, era o bastante para toda a gente fugir dos campos e aldeias e se fechar a sete chaves nas muralhas do castelo, até a onda de terror passar.
- Era um gajo fodido, meu alferes.
E avançou, inesperadamente, de forma interrogativa e a resumir, bem à sua moda, aquela lengalenga duma cavalaria, atrasada, movida a fardos de palha que já não dizia nada a ninguém - um dos habituais soldados, desavergonhados, mas com a malandrice toda deste mundo metida na cabeça.
O alferes, que ainda continuava a ser, um tanto, púdico, demais para a maioria, apenas esboçou um ligeiro sorriso, o bastante para se peceber o seu acordo, parcial e continuou a descrever as virtudes daquele energúmeno, inglês, na tentativa de conquistar não só a simpatia como a admiração e orgulho do novo patrono de guerra…
Diga-se que sentiu medo de o não vir a conseguir e, no seu íntimo, chegou a arrepender-se de o ter indicado. Mas quando se lembrou, sentiu tanta alegria e certeza que nunca imaginaria que não fosse aceite. Se o não fosse, seria porque não tinha sido capaz de o apresentar à rapaziada.
- O capitão gostou logo - lembrou-se, de si para si, num esforço íntimo de se mostrar mais convincente.
De repente, uma salva de palmas irrompeu inesperada e estrepitosa. Estava consagrado o acordo de toda a gente. Nem era preciso mais histórias.
Que alívio invadiu o alferes Mendes Gomes, já quase a esgotar as ligeiras recordações que ainda se encontravam na memória. Não tinha ali um só livro de literatura, onde pudesse ir beber qualquer coisinha.
Pronto. Agora, havia que desenhar o emblema para a bandeira dos Palmeirins.
Desenho, isso, já não era para a sua mão pesada e cegueta… Alguém haveria de arranjar um desenho. E arranjaram. A tempo de o nosso famoso Primeiro Sargento, de carreira, levar consigo, para mandar fazer na metrópole, quando fosse de férias…em Julho seguinte.
Um fundo preto. Duas palmeiras, feras, altas e esguias, ao centro de um quadrilátero em movimento . Uns traços sugestivos, a amarelo e vermelho e ali estava o futuro símbolo daqueles guerreiros, com muito sangue na guelra, mas que, - a verdade é para se dizer- ainda não tinham tido o seu baptismo de fogo !…
Mais uns tempos e já era corrente o uso fraternal de palmeirim, no trato
matinal e saudação de cada novo encontro dentro da companhia.
A ideia do alferes fora um sucesso.
__________
Notas de L.G.
(1) Sobre esta região e sobre a Batalha da Ilha do Como, vd. posts de:
17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964) (Carlos Fortunato / Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)
(2) Palmeirim de Inglaterra é uma narrariva ou uma novela, tardia, de cavalaria escrita em 1567 por Francisco de Morais, sob a inspiração do famoso Amadis de Gaula (Séc. XIV)... Era uma género popular na Baixa Idade Média mas que chegou inclusive aos inícios do Séc. XVII... Em 1604, foi publicada a Crónica de Palmeirim de Inglaterra, da autoria de Diogo Fernandes .
Vd. a publicação da Fundação Calouste Gulbenkian, História e Antologia da Literatura Portuguesa, Século XVI, HALP nº 26. Lisboa: FCG. 2003. (Disponível formato.pdf).
Vd. ainda artigo, disponível na Net, de Jorge A. Osório - Um 'género' menosprezado: a narrativa de cavalaria do Séc. XVI. Mathésis.10.2000.9-34.
Guiné 63/74 - P1193: Estórias avulsas (4): O fantasma-cagão da 3ª Companhia do COM, EPI, Mafra, 1966 (A. Marques Lopes)
Guiné > Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 O ex-alferes miliciano Lopes, com o seu guarda-costa, balanta, de seu nome Bletche-Intete. "Grande amigo. Um dia deu-me um grande empurrão durante um tiroteio... é que eu tinha-me virado de costas para o local de onde o IN estava a disparar (fiquei mal dos ouvidos desde que fui ferido em Geba)". Pela foto, verifica-se que o guarda-costa era também o apontador de diligrama do Grupo de Combate. E que o Marques Lopes usava duas granadas defensivas, bem juntinhas ao coração...
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.
Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba; e CCAÇ 3, Barro) > Série Estórias Avulsas (1).
O fantasma-cagão
por A. Marques Lopes
Num dia do primeiro semestre de 1966 (não me lembro qual, já lá vão tantos anos...), o faxina da caserna 3 da EPI [Escola Prática de Infantaria], ocupada por parte da 3ª do COM [ Curso de Oficiais Milicianos], foi, logo de manhã, fazer a limpeza aos chuveiros pegados a essa caserna. Os nossos cadetes já tinham marchado para a instrução, era a altura desse trabalho. Quando levantou uma das grades de madeira de um dos chuveiros olhou horrorizado para as mãos: estavam cheias de trampa.
- Filhos da puta, cagaram no chuveiro!... - E foi fazer queixa ao comandante da Companhia, o Capitão Caramelo (é Coronel reformado, há-de lembrar-se disto).
A Companhia foi reunida à hora de almoço.
- Um dos nossos cadetes fez uma coisa muito grave, e há que encontrar o culpado. Se não, ninguém vai a casa neste fim-de-semana! - ameaçou o comandante.
Um sussurro perpassou por entre a formatura. Que terá sido? Alguém se meteu com alguma das mulheres ? (Vários oficiais e sargentos viviam com as mulheres nos quartos da zona das casernas)...
- É que alguém fez as necessidades nos chuveiros da caserna 3. É uma vergonha! Não pode ser! Fico à espera que o culpado se acuse!
A malta relaxou, pôs-se à vontade e riu à fartazana: pudera, as casas de banho estão ao fundo do corredor e, quando um gajo está à rasca, não há alternativa...
No dia seguinte, apareceu nas paredes dos chuveiros da caserna 3 uma inscrição:
- O fantasma cagão ataca novamente! Cuidado faxina!
E, dessa vez, o faxina teve cuidado, mas fez novamente queixa ao comandante da companhia.
No dia seguinte, face a isto, e como o cagão não se tivesse apresentado, a companhia foi novamente formada. Mas, desta vez, foi o Tenente Chung, que era o 2º Comandante, quem se dirigiu à formatura:
- O nosso capitão está tão envergonhado que não quis dirigir-se a vocês. Quer que o culpado se manifeste. Diz que não o vai castigar, quer, apenas, que ele ponha um bilhete na caixa da companhia a dizer que foi ele.
Muito enfiado, o bom do Tenente Chung mandou dispersar. Mas lá ficou a caixa da companhia sem nada. E foram todos de fim-de-semana, e nunca se soube quem era o cagão...
Abraços
António Manuel Marques Lopes
Soldado-Cadete nº 214, da 3ª do COM,
punido com 19 dias de detenção (10 averbados na Folha de Matrícula, e 9 não averbados, porque dados a título particular, por amabilidade do Coronel Ribeiro de Faria, o pai, então Comandante da EPI - o filho também foi, há poucos anos).
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Nota de L.G.:
(1) Vd. estória anterior > post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)
quinta-feira, 19 de outubro de 2006
Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri
Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > O Paulo Santiago tomando banho no Corubal, tendo a seu lad0 o Alf Julião, o Fur Josué, o Alf Mota e 1º Sarg Picado, pertencentes à CCAÇ 2701.
Foto: © Paulo Santiago (2006) . Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Guiné-Bissau > Zona Leste > Rio Corubal > Saltinho > 1996: "Rápidos do rio Corubal, na zona do Saltinho, e a ponte na estrada que continuava para Aldeia Formosa (no nosso tempo era intransponível e até me lembro que o aquartelamento tinha no enfiamento da ponte um abrigo com uma metralhadora pesada)".
Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.
Continuação da publicação das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) (1)
Chegou ao quartel do Saltinho, em 21 de Novembro de 70, mensagem do Com-Chefe, informando a possibilidade muito forte de haver ataques a quartéis do sector L5 [Zona Leste, Galomaro], nos dias 22 e 23.
Pelas 17.00 horas de 22, o Pel Caç Nat 53 saiu do Saltinho atravessando a ponte flectindo de seguida para o carreiro dos dgilas onde prosseguiu até perto do rio Mabia, seguindo o percurso deste até chegar junto à antiga picada que seguia para Aldeia Formosa.
Pelas 19.00 horas, o Grupo de Combate monta emboscada junto aquele trajecto. Foi uma noite horrível. Os mosquitos não me largavam, a posição era desconfortável, tinha receio, sempre tive, das cobras. Apetecia-me falar com alguém, não era possível, tinha os cigarros no bolso mas fumar era proibido. Os minutos não passavam, cheguei talvez a desejar que, se o IN tinha que aparecer, que aparecesse depressa. No meio de toda esta tensão, ainda consegui passar pelas brasas, não sei como.
Mal amanheceu, levantámos a emboscada e prosseguimos em direcção de Aldeia. Como tinha aprendido a lição no primeiro patrulhamento (1), seguia em segundo lugar atrás do Bobo Embaló. Por volta do meio-dia invertemos a marcha, regressando ao quartel, donde saiu um Grupo de Combate da CCAÇ 2701 para montar emboscada na noite que se avizinhava, em que houve grande ataque a Aldeia Formosa. Esta ficava a 7 km do Saltinho em linha recta e aí a uns 4 km do local onde passámos a noite.
Viemos a saber dias mais tarde da invasão de Conacri, naquela data (2).
Ainda não havia duches no quartel, os banhos eram no Corubal. De fins de Novembro e até à época das chuvas podia-se nadar na zona dos rápidos, a montante da ponte. Quando o rio engrossava com as chuvas, nadar era impossível. O único militar morto da CCAÇ 2701 morreu precisamente quando tomava banho. Ainda lá não estava quando aconteceu esse acidente mortal.
Guiné > Zona Leste > Saltinho > Quartel do Saltinho e ponte sobre o Rio. Foto tirada antes do início da construção do reordenamento de Contabane, na outra margem do rio Corubal
Foto: © Paulo Santiago (2006)
Em Dezembro [de 1970] começou a construção do Reordenamento de Contabane, obras orientadas pelo Alf Mil Valentim Oliveira,comandante do 4º Pelotão da 2701. O craque de Bissau que supervisionava os Reordenamentos era o doido do Major Azeredo.
Posso dizer que os dias não me estavam a correr muito mal. Bebia-se bem, fazia-se um pouco de praia, já conhecia os meus homens pelo nome, às terças-feiras costumava aparecer o heli com um dos crâneos do batalhão, importante era o heli trazer correio, o crâneo que se lixasse. Às sextas ía uma coluna ao Xitole, era dia de avioneta, vinha mais correio.
O Cap Clemente (2) tinha a namorada em Paris, a Ana Maria, que lhe enviava todos os meses a revista Afrique-Asie, onde escrevia o Aquino de Bragança (4) e o Willfred Burchet. Também costumava enviar a Seara Nova. Estávamos informados.
_________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança
(2) Sobre a invasão de Conacri (op Mar Verde, 22 de Novembro de 1970), vd. entre outros os seguintes posts:
9 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1088: Pensamento do dia (7): Capitão do Exército Português: 'O filho da p... do Tenente traiu-me miseravelmente' (João Tunes)
4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde
22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri)
11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)
4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)
Vd. também post de 25 de Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)
Dias depois desta saída do Paulo Santiago para pernoitar, emboscado, no mato, na ZA do Saltinho, mais a norte, no Sector L1 (Zona Leste, Bambadinca), as NT cairíam numa violenta emboscada em L, na Ponta do Inglês, quatro dias depois da invasão de Conacri. Resultado: seis mortos e 9 feridos. Um dos primeiros posts que escrevi no nosso blogue foi precisamente sobre essa Op Abencerragem Candente, em que eu participei, juntamente com cerca de 250 camaradas, formando 3 agrupamentos:
(i) a CCAÇ 12 (sedeada em Bambadinca, ao serviço do BART 2917), a 3 Gr Comb;
(ii) a CART 2715 (aquartelada no Xime), também a 3 Gr Comb;
e (iii) a CART 2714 (aquartelada em Mansambo), a 2 Gr Comb.
Escrevi esse texto em homenagem ao furriel miliciano Cunha, ao soldado Soares e aos outros camaradas da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram nessa maldita operação, na madrugada de 26 de Novembro de 1970, justamente quatro dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão (e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga, a pacífica e doce Fá por onde passaram dois Cabrais, o Amílcar e o Jorge).
Tive mais dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora eu reconhesse que ele fora um valoroso, corajoso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos. Mas era também - ou fora - um homem que as NT utilizavam para os trabalhos sujos da guerra...
(3) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado
(...) "A CCAÇ 2701, a que estava adido o Pel Caç Nat 53, era comandada pelo Cap Carlos Clemente, sendo comandantes de pelotão os Alferes Mil Julião, Mota, Rocha e Valentim" (..:).
(4) Prestigiado intelectual moçambicano, nacionalista, de origem goesa (1918-1986). Morreu juntamente com Samora Machel, o primeiro Chefe do Estado de Moçambique, e a sua comitiva, nop trágico acidente de aviaão de Mbuzini, em 18 de Outubro de 1986. Era considerado uma figura muito próxima de Machel e ideologicamente muito influente.
Guiné 63/74 - P1191: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (17): A visita a Missirá do Coronel Martiniano
Um dos livros de cabeceira do Beja Santos, em Missirá (1) > Maurier, D - Rebeca. Lisboa: Livros do Brasil. 2001. (Colecção Dois Mundos, 36). Capa: Bernardo Marques.
Imagem capa do Livro de Manuel da Fonseca, Seara de Vento, 2ª ed. Lisboa: Portugália. 1962. (Colecção Contemporânea, 39). Capa de João da Câmara Leme. A proósitop deste livro escreceu-me o Beja Santos a seguinte nota:" 10/10/2006. Caro Luís: Ando cheiod e sorte. Seara de Vento, tal qual aqui te junto, ardeu em Março de 1969, com tudo o mais. Fui no mês passado à Feira da Ladra e comprei-o por um 1 euro, no meio de um espólio. A capa é ilustrada pelo Jpão da Câmara Leme, um dos artistas mais distintos da sua geração. Vê, por favor, se podes ilustrar o texto sobre o Coronel Martiniano! Mário".
Mensagem do Beja Santos, de 11 de Outubro de 2006:
Caro Luís, ainda bem que estás a apreciar (...). O episódio seguinte é rocambolesco: um comboio de seis barcos de comércio com os passageiros aos gritos quando entrámos no primeiro, a meu pedido, porque queria ir abastecer-me de comida a Bambadinca. O livro do Manuel da Fonseca já seguiu. Tive a 1ª edição, que era ilustrada pelo Vespeira. Farás o favor de transmitir à malta, a 14, [na Ameira,] que mando saudades a quem conheço e me conhece. Os outros estão a ser conhecidos pela paciência em lerem-me semanas a fio.
Abraços do Mário. Esta é a versão definitiva!
Continuação da série Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2). Mário Beja Santos foi alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) .
Texto e documentação: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Os Quesitos do Coronel Martiniano
por Beja Santos
Casa arrombada, trancas à porta. Logo a seguir à flagelação, convidei os furriéis Saiegh, Ferreira e Casanova (este chegou a Missirá na antevéspera do nosso baptismo de fogo, ainda anda alvoroçado pelos acontecimentos) para fazermos um balanço das perdas e danos.
À partida era tudo simples: três armas muito danificadas e três leitos carbonizados, isto da parte militar. O Cabo Veloso ajudou a tornar as coisas complexas:
- Qualquer dia vou-me embora, espero que saibam que faltam dezenas de mantas, capacetes, lençóis e até botas de lona e panos de tenda. Peço que aproveitem este ataque para pôr tudo em ordem.
Perguntei ao Saiegh se podia consultar o deve e haver das existências à nossa responsabilidade. Saiegh disse-me com o ar mais natural do mundo que desde que o pelotão viera do Enxalé se perdera o resto do material à carga:
- O melhor é aproveitar esta circunstância e descarregar tudo em falta. - Eu não me contive:
-Muito bem, mas como é que sabemos o que é que falta?
Ninguém sabia. Furioso, pedi uma viatura e lancei-me a caminho de Bambadinca. Depois do alto de averiguações de Abudu Cassamá, voltei a ajustar contas com os labirintos Kafkianos: entreguei-me de braços abertos aos zelosos administradores da CCS [do , em vias de partida. Para quem já esqueceu, está tudo classificado, as camisolas interiores pertencem ao subgrupo G-Eq e os pára-brisas pertencem ao subgrupo G-An. Em estado de vertigem, procurei clarificar a estes senhores o que era a nossa carga actual. Com sorrisos de bonzos, dois sargentos lateiros foram-me encostando à parede:
- Ó meu Alferes, isso pode dar uma porrada das valentes, dois destacamentos com leitos, lençóis, fronhas, metralhadoras, baixela de comida, por exemplo, tem que estar tudo classificado, sugiro mesmo que leve aqui uns livros para fazer os respectivos depósitos. É nessa altura que entra um Alferes e lança um pedido:
-Eh pá, safa-me de um sarilho. Faltam-me 10 camas, 40 lençóis, 20 mantas, tesouras corta-arame, declara-me que perdeste tudo no fogo devorador.
Eu estava pronto a tudo e com o auxílio do Saiegh fiz o relatório e forjei um abate apocaliptico. Este foi o primeiro abate apocaliptico. Daí em diante, por cada flagelação sofrida, aceitei os pedidos da CCS para abater capacetes, material de bate-chapas, utilidades do Pelotão de Manuntenção e até do Pelotão de Sapadores. Pediam-me e eu declarava no relatório da flagelação que tudo ficara calcinado. Até que um dia, pelo hora do almoço, um helicóptero zumbiu sobre Missirá, aterrou a silvar no heliporto tosco, dali saiu um Coronel com umas ripas do cabelo alouradas declarando com secura que me queria ouvir imediatamente num auto de averiguações. Coronel, o seu escrituário e eu rumámos para o abrigo, e, sentados, iniciou-se o interrogatório:
- Sou o Coronel Martiniano e o nosso brigadeiro Comandante Militar imcumbiu-me de o ouvir para apurar a certidão da verdade. Após seis flagelações, nos seus destacamentos já arderam camas, lençóis, mantas, material de transmissões e de manuntenção de viaturas superiores a um batalhão bem sacrificado. Quero que me explique e fundamente tais perdas a partir da carga existente.
Não precisei de representar ou simular incredulidade pelo que estava a ouvir. A resposta foi pronta:
- Meu Coronel, tem toda a razão em estar surpreendido por tanto material abatido. Primeiro, quando aqui cheguei disseram que de Porto Gole para Enxalé, e depois de Enxalé para Missirá tinha desaparecido muita coisa. Quando procurei apurar qual o material e equipamento desaparecidos, o batalhão de Bambadinca estava de partida e pediu-me ajuda para as suas faltas. Vai desculpar-me, mas aceitei que daí não viria nenhum mal ao mundo. Não estou a ver ninguém a levar estas mantas tenebrosas e mal cheirosas para a Metrópole. Segundo, este clima destrói tudo, corrói o metal, apodrece o pano, rebenta correias, enferruja e inutiliza tudo. Assumo inteiramente o que está registado nos meus relatórios. Respondo pelas faltas dos outros. Como o Coronel de Bafatá já me deu dois dias de prisão simples porque não tenho o quartel irrepreensível, porque disparo com o morteiro 81 sem a alça regulada, porque há cartuchos espalhados pela parada e não chega a justificação que saímos à noite para emboscar e que antes de partir obrigo a puxar a culatra à rectaguarda e entretanto as botas esmagam os cartuchos, fica Vª Excia a saber que não me arrependo de ter abatido este material todo e aceito todas as suas consequências.
O Coronel Martiniano sorriu, olhou para o tecto do abrigo e depois para as suas unhas cuidadas, fechou o caderno, levantou-se com um suspiro e disse-me:
- Vamos ver o que eu posso fazer. E agora sigo para Nova Lamego.
Partiu como chegou e só muito mais tarde soube que o auto fora arquivado sem procedimento. Aí por 1983, andava na praia do Alvor com as minhas filhas a chapinhar na água, voltei a encontrar o Coronel Martiniano. Veio direito a mim e lançou um cumprimento invulgar:
- Espero que tenha boa sorte na vida como foi sincero naquele auto. Não passou de um pró-forma, todos sabíamos que você vivia na completa miséria, não podia ter ardido aquele material todo. Com os seus relatórios, apagaram-se aquelas faltas e ainda bem. Desejo-lhe as maiores felicidades.
Voltando ao auto, fiz a descrição do costume, pedi louvores para o Cherno, Mamadu Camará e Campino. Sem nenhuma hesitação, descrevi um abate apocalíptico. Apareceu o Saiegh e informou que o Quim condutor iria ficar no batalhão, em vias de partida. Recordei a noite de 6 de Setembro em que o Quim, pacientemente a meu lado, no auge do foguetório ia passando a toda a gente carregadores cheios. Pedi ao Quim para vir falar comigo e como se fosse militar há muitos anos escrevi de um só fôlego, dirigindo-me ao Comandante:
- Como o soldado condutor Joaquim da Conceição, adido ao Pel Caç Nat 52 regressa à sua Unidade de origem e como a sua prestação de serviços no destacamento de Missirá se tivesse revelado brilhante, venho junto a Vª Excia propor que lhe seja dado um louvor por toda a sua acção pois, durante este período de tempo, tanto o que foi meu subordinado como do Comandante que me precedeu, este soldado revelou a exemplaridade das suas qualidade militares, conquistando a estima dos seus camaradas graças a um procedimento de constante rectidão e afabilidade, comportando-se no seu duro mister e nos horários mais contigentes com uma lealdade e eficiência só explicáveis à luz de uma noção militória do bem servir. Granjeou a simpatia de todos os seus camaradas pela riqueza do seu carácter e deixou uma grata lembrança na população civil de Missirá e Finete. À consideração superior".
O Quim ouviu tudo em silêncio, levantei-me esparvoado por ter escrito tudo de uma assentada, como se a prática fosse grande e cumprimentei o camarada que partia. Pouco mais de um mês depois de eu ter chegado, o Joaquim da Conceição foi o primeiro a partir deixando-me uma grande saudade. Tenho mais 25 meses para aprender que durante a guerra o efémero e o transitório podem mudar de forma a ponto de, décadas depois, se reproduzir sem vacilar a gratidão que se sentia por uma pessoa.
Regressamos a Missirá e tenho uma pequena encrenca à minha espera. Ao armar as coisas na minha casa, Sadjo Baldé entrega-me uma folha e afasta-se rapidamente enquanto eu leio o seguinte:
- Agradecia o obséquio por amor de tudo o que é mais sagrado neste mundo e especialmente sua Excelentíssima esposa. O pedido é o seguinte: como o meu Alferes disse que tenho de ir gozar licença, gostaria que lembrasse aos meus colegas que me devem dinheiro desde o ano passado, e que até agora não pagaram, que eu não posso ir gozar licença sem levar dinheiro para os meus assuntos particulares que tenho que realizar na minha terra. Peço para fazer um desconto de 900 escudos ao soldado Mamadu Camará. Desde já, meu senhor, fico muito grato pela sua costumada atenção para comigo e obrigado (...).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Bilhete manuscrito do Sold Sajo Baldé, entregue ao seu comandante de pelotão.
Estava cheio de fome, queria tomar banho e dormir mas o Mamadu passou ali perto e chamei-o. Interpelado sobre o conteúdo do pedido do Sadjo, disse a tudo que sim e foi mais longe:
- O Alfero ainda vai receber mais cartas com as minhas dívidas. Por enquanto pago estes 900 escudos, pois o Sadjo vai casar. Mas aprendi em Bambadinca que também se pode pagar em prestações.
Veremos mais adiante que Sadjo Baldé ficará desfeito por um rebentamento na noite de 19 de Março de 69. Trouxe o seu dólman para Portugal e só muito mais tarde é que me desfiz dele, oferecendo-o ao Fodé.
Nessa noite, cumpridas as formalidades burocráticas, e após as visitas aos postos de sentinela, vim ler. Estou a acabar de Manuel da Fonseca Seara de Vento. É uma edição muito bela da colecção Contemporânea da Portugal Editora. É uma obra definitiva sobre a condição do trabalhador rural no Alentejo. É prosa polvilhada pela melhor toada poética onde este escritor se notabilizou. Basta ver o parágrafo inicial: "Rumorosa, às sacudidelas bruscas, a ventania corre livremente. Em tropel desabalado arremete contra a empena, trespassa a telha-vã. Gemendo, arrasta-se pelo interior escudo do casebre. E demora, insiste, num ganido assobiado".
Os seres humanos envolvidos são Amanda Carrusca, Júlia, António de Valmudaro, o Palma, Bento e Mariana, filhos de Júlia e António, mas também um agricultor poderoso e uma GNR torcionária. Não sei como é que a censura deixou passar o livro, tais as brutalidades com que o autor investe acusadoramente sobre os proprietários agrícolas. Por exemplo: "Aquela raça dos lavradores antigos acabou-se. Os de hoje, se muito têm, mais desejam. Moram nas vilas, põem casa às amantes na cidade, não dão um passo sem ser de automóvel, inventam festas, não há cinemas nem teatros a que faltem. E para um estadão destes é preciso dinheiro e mais dinheiro. Nunca se fartam. Por isso é que eles açulam os feitores às canelas do pessoal, que nem o deixam respirar".
Para subsitir, o Palma vira contrabandista. Elias Sobral, o agricultor que acusara o Palma de roubo, depois de um safanão que este lhe dera na venda do Mira, faz queixa à guarda. A tragédia consuma-se quando os guardas vão buscar o Palma. A mensagem é dada por Amanda Carrusca nesse Alentejo que já faz greves e onde há reuniões clandestinas onde ela grita para os camponeses em fúria: "Um homem só não vale nada!".
Deito-me pronto a dormir, rezo à pressa agradecendo a Deus o dia buliçoso, o estar com saúde mesmo com sinais de dermatite e com os pés a inchar. Esta madrugada lá irei a Mato de Cão onde se vai passar uma história inacreditável, quando fomos confundidos com os perigosos guerrilheiros. Não resisto a contar.
____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 29 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1129: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (14): Procurar em vão a nossa alma
(...)"À noite acabo a leitura de Rebeca, de Daphne du Maurier. A minha mãe ofereceu-me o seu exemplar antes de eu partir, dizendo:- É uma obra prima, acredita, aliás tu já viste o filme. - O que era verdade. Já vira num cineclube a Rebecca de Hitchcock, Óscar de Melhor Filme em 1940, o primeiro de Hitchcock na América, com Laurence Olivier e Joan Fontaine nos principais papéis, e Judith Anderson num desempenho magistral da governanta, que lhe valeu o Óscar secundário.
"Romance inesquecível que gira angustiantemente à volta de Rebeca, que nunca parece. Obra de mistério e suspense, é uma ficção que resvala para a literatura policial já que há um assassínio que, neste caso, nunca será desvendado. Mais tarde, irei reler assiduamente o livro que tem uma bela capa de Bernardo Marques, um desses artistas magistrais que mudaram o desenho gráfico das edições em Portugal" (...).
(2) Vd. post anterior, de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1165: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (16): O meu baptismo de fogo
Imagem capa do Livro de Manuel da Fonseca, Seara de Vento, 2ª ed. Lisboa: Portugália. 1962. (Colecção Contemporânea, 39). Capa de João da Câmara Leme. A proósitop deste livro escreceu-me o Beja Santos a seguinte nota:" 10/10/2006. Caro Luís: Ando cheiod e sorte. Seara de Vento, tal qual aqui te junto, ardeu em Março de 1969, com tudo o mais. Fui no mês passado à Feira da Ladra e comprei-o por um 1 euro, no meio de um espólio. A capa é ilustrada pelo Jpão da Câmara Leme, um dos artistas mais distintos da sua geração. Vê, por favor, se podes ilustrar o texto sobre o Coronel Martiniano! Mário".
Mensagem do Beja Santos, de 11 de Outubro de 2006:
Caro Luís, ainda bem que estás a apreciar (...). O episódio seguinte é rocambolesco: um comboio de seis barcos de comércio com os passageiros aos gritos quando entrámos no primeiro, a meu pedido, porque queria ir abastecer-me de comida a Bambadinca. O livro do Manuel da Fonseca já seguiu. Tive a 1ª edição, que era ilustrada pelo Vespeira. Farás o favor de transmitir à malta, a 14, [na Ameira,] que mando saudades a quem conheço e me conhece. Os outros estão a ser conhecidos pela paciência em lerem-me semanas a fio.
Abraços do Mário. Esta é a versão definitiva!
Continuação da série Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2). Mário Beja Santos foi alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) .
Texto e documentação: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Os Quesitos do Coronel Martiniano
por Beja Santos
Casa arrombada, trancas à porta. Logo a seguir à flagelação, convidei os furriéis Saiegh, Ferreira e Casanova (este chegou a Missirá na antevéspera do nosso baptismo de fogo, ainda anda alvoroçado pelos acontecimentos) para fazermos um balanço das perdas e danos.
À partida era tudo simples: três armas muito danificadas e três leitos carbonizados, isto da parte militar. O Cabo Veloso ajudou a tornar as coisas complexas:
- Qualquer dia vou-me embora, espero que saibam que faltam dezenas de mantas, capacetes, lençóis e até botas de lona e panos de tenda. Peço que aproveitem este ataque para pôr tudo em ordem.
Perguntei ao Saiegh se podia consultar o deve e haver das existências à nossa responsabilidade. Saiegh disse-me com o ar mais natural do mundo que desde que o pelotão viera do Enxalé se perdera o resto do material à carga:
- O melhor é aproveitar esta circunstância e descarregar tudo em falta. - Eu não me contive:
-Muito bem, mas como é que sabemos o que é que falta?
Ninguém sabia. Furioso, pedi uma viatura e lancei-me a caminho de Bambadinca. Depois do alto de averiguações de Abudu Cassamá, voltei a ajustar contas com os labirintos Kafkianos: entreguei-me de braços abertos aos zelosos administradores da CCS [do , em vias de partida. Para quem já esqueceu, está tudo classificado, as camisolas interiores pertencem ao subgrupo G-Eq e os pára-brisas pertencem ao subgrupo G-An. Em estado de vertigem, procurei clarificar a estes senhores o que era a nossa carga actual. Com sorrisos de bonzos, dois sargentos lateiros foram-me encostando à parede:
- Ó meu Alferes, isso pode dar uma porrada das valentes, dois destacamentos com leitos, lençóis, fronhas, metralhadoras, baixela de comida, por exemplo, tem que estar tudo classificado, sugiro mesmo que leve aqui uns livros para fazer os respectivos depósitos. É nessa altura que entra um Alferes e lança um pedido:
-Eh pá, safa-me de um sarilho. Faltam-me 10 camas, 40 lençóis, 20 mantas, tesouras corta-arame, declara-me que perdeste tudo no fogo devorador.
Eu estava pronto a tudo e com o auxílio do Saiegh fiz o relatório e forjei um abate apocaliptico. Este foi o primeiro abate apocaliptico. Daí em diante, por cada flagelação sofrida, aceitei os pedidos da CCS para abater capacetes, material de bate-chapas, utilidades do Pelotão de Manuntenção e até do Pelotão de Sapadores. Pediam-me e eu declarava no relatório da flagelação que tudo ficara calcinado. Até que um dia, pelo hora do almoço, um helicóptero zumbiu sobre Missirá, aterrou a silvar no heliporto tosco, dali saiu um Coronel com umas ripas do cabelo alouradas declarando com secura que me queria ouvir imediatamente num auto de averiguações. Coronel, o seu escrituário e eu rumámos para o abrigo, e, sentados, iniciou-se o interrogatório:
- Sou o Coronel Martiniano e o nosso brigadeiro Comandante Militar imcumbiu-me de o ouvir para apurar a certidão da verdade. Após seis flagelações, nos seus destacamentos já arderam camas, lençóis, mantas, material de transmissões e de manuntenção de viaturas superiores a um batalhão bem sacrificado. Quero que me explique e fundamente tais perdas a partir da carga existente.
Não precisei de representar ou simular incredulidade pelo que estava a ouvir. A resposta foi pronta:
- Meu Coronel, tem toda a razão em estar surpreendido por tanto material abatido. Primeiro, quando aqui cheguei disseram que de Porto Gole para Enxalé, e depois de Enxalé para Missirá tinha desaparecido muita coisa. Quando procurei apurar qual o material e equipamento desaparecidos, o batalhão de Bambadinca estava de partida e pediu-me ajuda para as suas faltas. Vai desculpar-me, mas aceitei que daí não viria nenhum mal ao mundo. Não estou a ver ninguém a levar estas mantas tenebrosas e mal cheirosas para a Metrópole. Segundo, este clima destrói tudo, corrói o metal, apodrece o pano, rebenta correias, enferruja e inutiliza tudo. Assumo inteiramente o que está registado nos meus relatórios. Respondo pelas faltas dos outros. Como o Coronel de Bafatá já me deu dois dias de prisão simples porque não tenho o quartel irrepreensível, porque disparo com o morteiro 81 sem a alça regulada, porque há cartuchos espalhados pela parada e não chega a justificação que saímos à noite para emboscar e que antes de partir obrigo a puxar a culatra à rectaguarda e entretanto as botas esmagam os cartuchos, fica Vª Excia a saber que não me arrependo de ter abatido este material todo e aceito todas as suas consequências.
O Coronel Martiniano sorriu, olhou para o tecto do abrigo e depois para as suas unhas cuidadas, fechou o caderno, levantou-se com um suspiro e disse-me:
- Vamos ver o que eu posso fazer. E agora sigo para Nova Lamego.
Partiu como chegou e só muito mais tarde soube que o auto fora arquivado sem procedimento. Aí por 1983, andava na praia do Alvor com as minhas filhas a chapinhar na água, voltei a encontrar o Coronel Martiniano. Veio direito a mim e lançou um cumprimento invulgar:
- Espero que tenha boa sorte na vida como foi sincero naquele auto. Não passou de um pró-forma, todos sabíamos que você vivia na completa miséria, não podia ter ardido aquele material todo. Com os seus relatórios, apagaram-se aquelas faltas e ainda bem. Desejo-lhe as maiores felicidades.
Voltando ao auto, fiz a descrição do costume, pedi louvores para o Cherno, Mamadu Camará e Campino. Sem nenhuma hesitação, descrevi um abate apocalíptico. Apareceu o Saiegh e informou que o Quim condutor iria ficar no batalhão, em vias de partida. Recordei a noite de 6 de Setembro em que o Quim, pacientemente a meu lado, no auge do foguetório ia passando a toda a gente carregadores cheios. Pedi ao Quim para vir falar comigo e como se fosse militar há muitos anos escrevi de um só fôlego, dirigindo-me ao Comandante:
- Como o soldado condutor Joaquim da Conceição, adido ao Pel Caç Nat 52 regressa à sua Unidade de origem e como a sua prestação de serviços no destacamento de Missirá se tivesse revelado brilhante, venho junto a Vª Excia propor que lhe seja dado um louvor por toda a sua acção pois, durante este período de tempo, tanto o que foi meu subordinado como do Comandante que me precedeu, este soldado revelou a exemplaridade das suas qualidade militares, conquistando a estima dos seus camaradas graças a um procedimento de constante rectidão e afabilidade, comportando-se no seu duro mister e nos horários mais contigentes com uma lealdade e eficiência só explicáveis à luz de uma noção militória do bem servir. Granjeou a simpatia de todos os seus camaradas pela riqueza do seu carácter e deixou uma grata lembrança na população civil de Missirá e Finete. À consideração superior".
O Quim ouviu tudo em silêncio, levantei-me esparvoado por ter escrito tudo de uma assentada, como se a prática fosse grande e cumprimentei o camarada que partia. Pouco mais de um mês depois de eu ter chegado, o Joaquim da Conceição foi o primeiro a partir deixando-me uma grande saudade. Tenho mais 25 meses para aprender que durante a guerra o efémero e o transitório podem mudar de forma a ponto de, décadas depois, se reproduzir sem vacilar a gratidão que se sentia por uma pessoa.
Regressamos a Missirá e tenho uma pequena encrenca à minha espera. Ao armar as coisas na minha casa, Sadjo Baldé entrega-me uma folha e afasta-se rapidamente enquanto eu leio o seguinte:
- Agradecia o obséquio por amor de tudo o que é mais sagrado neste mundo e especialmente sua Excelentíssima esposa. O pedido é o seguinte: como o meu Alferes disse que tenho de ir gozar licença, gostaria que lembrasse aos meus colegas que me devem dinheiro desde o ano passado, e que até agora não pagaram, que eu não posso ir gozar licença sem levar dinheiro para os meus assuntos particulares que tenho que realizar na minha terra. Peço para fazer um desconto de 900 escudos ao soldado Mamadu Camará. Desde já, meu senhor, fico muito grato pela sua costumada atenção para comigo e obrigado (...).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Bilhete manuscrito do Sold Sajo Baldé, entregue ao seu comandante de pelotão.
Estava cheio de fome, queria tomar banho e dormir mas o Mamadu passou ali perto e chamei-o. Interpelado sobre o conteúdo do pedido do Sadjo, disse a tudo que sim e foi mais longe:
- O Alfero ainda vai receber mais cartas com as minhas dívidas. Por enquanto pago estes 900 escudos, pois o Sadjo vai casar. Mas aprendi em Bambadinca que também se pode pagar em prestações.
Veremos mais adiante que Sadjo Baldé ficará desfeito por um rebentamento na noite de 19 de Março de 69. Trouxe o seu dólman para Portugal e só muito mais tarde é que me desfiz dele, oferecendo-o ao Fodé.
Nessa noite, cumpridas as formalidades burocráticas, e após as visitas aos postos de sentinela, vim ler. Estou a acabar de Manuel da Fonseca Seara de Vento. É uma edição muito bela da colecção Contemporânea da Portugal Editora. É uma obra definitiva sobre a condição do trabalhador rural no Alentejo. É prosa polvilhada pela melhor toada poética onde este escritor se notabilizou. Basta ver o parágrafo inicial: "Rumorosa, às sacudidelas bruscas, a ventania corre livremente. Em tropel desabalado arremete contra a empena, trespassa a telha-vã. Gemendo, arrasta-se pelo interior escudo do casebre. E demora, insiste, num ganido assobiado".
Os seres humanos envolvidos são Amanda Carrusca, Júlia, António de Valmudaro, o Palma, Bento e Mariana, filhos de Júlia e António, mas também um agricultor poderoso e uma GNR torcionária. Não sei como é que a censura deixou passar o livro, tais as brutalidades com que o autor investe acusadoramente sobre os proprietários agrícolas. Por exemplo: "Aquela raça dos lavradores antigos acabou-se. Os de hoje, se muito têm, mais desejam. Moram nas vilas, põem casa às amantes na cidade, não dão um passo sem ser de automóvel, inventam festas, não há cinemas nem teatros a que faltem. E para um estadão destes é preciso dinheiro e mais dinheiro. Nunca se fartam. Por isso é que eles açulam os feitores às canelas do pessoal, que nem o deixam respirar".
Para subsitir, o Palma vira contrabandista. Elias Sobral, o agricultor que acusara o Palma de roubo, depois de um safanão que este lhe dera na venda do Mira, faz queixa à guarda. A tragédia consuma-se quando os guardas vão buscar o Palma. A mensagem é dada por Amanda Carrusca nesse Alentejo que já faz greves e onde há reuniões clandestinas onde ela grita para os camponeses em fúria: "Um homem só não vale nada!".
Deito-me pronto a dormir, rezo à pressa agradecendo a Deus o dia buliçoso, o estar com saúde mesmo com sinais de dermatite e com os pés a inchar. Esta madrugada lá irei a Mato de Cão onde se vai passar uma história inacreditável, quando fomos confundidos com os perigosos guerrilheiros. Não resisto a contar.
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de 29 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1129: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (14): Procurar em vão a nossa alma
(...)"À noite acabo a leitura de Rebeca, de Daphne du Maurier. A minha mãe ofereceu-me o seu exemplar antes de eu partir, dizendo:- É uma obra prima, acredita, aliás tu já viste o filme. - O que era verdade. Já vira num cineclube a Rebecca de Hitchcock, Óscar de Melhor Filme em 1940, o primeiro de Hitchcock na América, com Laurence Olivier e Joan Fontaine nos principais papéis, e Judith Anderson num desempenho magistral da governanta, que lhe valeu o Óscar secundário.
"Romance inesquecível que gira angustiantemente à volta de Rebeca, que nunca parece. Obra de mistério e suspense, é uma ficção que resvala para a literatura policial já que há um assassínio que, neste caso, nunca será desvendado. Mais tarde, irei reler assiduamente o livro que tem uma bela capa de Bernardo Marques, um desses artistas magistrais que mudaram o desenho gráfico das edições em Portugal" (...).
(2) Vd. post anterior, de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1165: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (16): O meu baptismo de fogo
Guiné 63/74 - P1190: Os nossos mortos de Guidaje (Paulo Salgado)
Foto: © Paulo & Conceição Salgado (2006)
Mensagem do Paulo Salgado ao nosso camarada Manuel Rebocho (2). O Paulo é hoje administrador hospitalar, cooperante na Guiné-Bissau (em dois períodos, actualmente e no início dos anos 90), e está casado com a economista Conceição Salgados. Um e outro são dois dos nossos queridos tertulianos. Têm casa em Vila Nova de Gaia, mas são uns andarilhos... Não sei se já voltaram de Bissau, não tenho tido notícias deles, a não ser este e-mail recete
Tertuliano amigo,
Infelizmente, situações como a que descreve o jornal citado (2) foram centenas. Em Bissau está o cemitério - mesmo ali ao lado do Hospital onde trabalhei por longos meses (anos, mesmo) - que tem dezenas de tumbas mal conservadas e tratadas de militares portugueses que não vieram. Para esses nem a música do Adriano Correia de Oliveira "Já lá vem Pedro soldado..." valeu.
Queria, contudo, dizer o seguinte: por vezes acontecia, em terrenos operacionais perigosíssimos, que os mortos não podiam ser resgatados - houve situações de autêntico massacre. No Morés, pelos anos 68 ou 69, morreram numa emboscada dezenas de militares (eram dois pelotõese e duas seccções de milícias)... E por lá ficaram!... Como poderiam ter sido ser resgatados pelos outros se sobraram menos de metade e foi uma debandada geral?!
Nós esquecemos que a França foi estrondosamente derrotada na Argélia em 58. Não aprendemos a lição dos franceses que pararam - e o Senegal e outras colónias francesas não tiveram guerra-... Também não aprendemos a lição da Índia (o Pandita Neru aguentou até ao fim para não ter que atacar Goa!).
Não aprendemos! E pior do que isso: contribuímos para o empobrecimento da Metrópole e das próprias Colónias em termos humanos, sociais, culturais e económicos.
Infelizmente, entretanto, podemos afirmar: o que se passa hoje nas ex-colónias dos europeus é um neo-colonialismo refinado. O colonialismo era mau, gerou guerras, mas agora há as partes interessadas. Para bom entendedor...
Pergunto: Para quando, África? (4)
Mantenhas
Paulo Salgado
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de 2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato
(2) Vd. post de:
17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho).
Vd. também posts de:
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)
(3) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)
(4) Vd. post de 13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?
quarta-feira, 18 de outubro de 2006
Guiné 63/74 - P1189: O tertuliano Nuno Rubim, especialista em história militar
Lisboa > Museu Militar > Azulejo do pátio interior > Diversos aspectos do painel "Jornada Heróica de Chaimite": a captura de Gungunhana (c.1850-1906), em Chaimite, Moçambique, em 1895, pelas tropas portugueses sob o comando de Mouzinho de Albuquerque (1855-1902). É um dos episódios míticos da história da nossa expansão colonial e da resistência anticolonial africana. Há uma belíssima resenha biográfica do terceiro e último imperador de Gaza, hoje transformado em herói nacional pelos moçambicanos, de seu nome Ngungunhane (Gungunhana, como aprendemos na escola, de acordo com a ortografia colonial), no sítio Vidas Lusófonas, da autoria de Carlos Pinto Santos.
O Museu Militar de Lisboa , junto à Estação de Santa Apolónia, merece uma visita. Infelizmente quando lá fui a secção sobre a guerra colonial estava encerrada para obras... Se calhar foi melhor assim: era capaz de ter ficado decepcionado...
Fotos: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
1. Amigos & camaradas da Guiné:
Na nossa tertúlia, na nossa caserna virtual, não há militares no activo, todos somos paisanos, cidadãos, amigos e camaradas, homens e mulheres... Recordam-se que no nosso tempo não havia mulheres na tropa, com excepção das enfermeiras paraquedistas.... Como eu gostaria que me aparecesse agora uma delas, na nossa caserna virtual!... Não precisava de vir de helicóptero, como nosso tempo... Podia vir pelo seu próprio pé, por e-mail, pelo e-mail de um amigo, parente ou conhecido... Recordo quanta perturbação elas provocavam entre os machos fardados, quando elas passavam por Bambadinca ou quando iam buscar, no mato, os nossos feridos, deixando-nos o fardo dos mortos... Os oficiais de Bambadinca atropelavam-se uns aos outros só para chegar primeiro e ter a honra de abrir a porta do bar da Messe de Oficiais à senhora enfermeira paraquedista...
Hoje já não há divisas nem galões, já não há hierarquia sócio-militar, já não há RDM,... Há apenas o respeito uns pelos outros, o que não impede que nos tratemos por tu, uma forma simples, natural, facilitadora da comunicação entre nós... Não havia outro jeito: ganhámos esse direito nas bolanhas, nas lalas, nas picadas, nos rios, nos bunkers da Guiné... Depois regressámos, os sortudos, os que não ficaram para trás, como o Lourenço (1)...
Regressámos às nossas vidas, às nossas profissões, às nossas terras, aos braços das nossas namoradas, noivas, mulheres, companheiras. Ou ficámos sozinhos. Mudámos de vidas, de profissões, de companheiras... Enfim, mais recentemente, conhecemo-nos no blogue, à volta da Guiné, da guerra, dos bons e dos maus momentos que lá passámos... Reconhecemo-nos de imediato, como se o tempo tivesse parado há trinta, há trinta e cinco, há quarenta anos... Pura ilusão: a contagem descrescente continua... E como alguém lembrou há dias, no nosso encontro na Ameira, a nossa geraçºão tem mais dez ou quinze anos de vida útil... (Vitor Junqueira dixit, e quem melhor do que ele, que é médico, para nos lembrar isso?!)...
E no meio de tudo de isto há camaradas, que eram militares do quadro, que se reformaram e que se viraram para outras actividades, mais intelectuais e não menos nobres do que as outras, como é a investigação histórico-militar... Foi o caso, por exemplo do Pedro Lauret, hoje capitão-de-mar-e-guerra na reforma, ou do Nuno Rubim, coronel de artilharia, também na reforma... Já manifestámos, por diversas vezes, o nosso apreço pela sua presença (activa) na nossa tertúlia... Hoje é altura de conhecermos um pouco mais do trabalho, como investigador, do Nuno Rubim que espero possa estar presente no próximo encontro da nossa tertúlia.... (LG).
2. NUNO José Varela RUBIM , Cor Art (R) > Currículo no campo da investigação histórico-militar
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
1- Chefe da Secção de Estudos do Museu Militar de Lisboa, 1981-1984.
2- Organizou a Exposição “Armas em Portugal – Origem e Evolução”, no Museu Militar de Lisboa, ainda em exibição, tendo elaborado o respectivo catálogo.
3- Fez parte do grupo restrito que planeou e instalou a “Exposição Nacional Comemorativa
do 6º Centenário da Artilharia Portuguesa”, que esteve patente ao público no Museu Militar do Porto, de Julho a Setembro de 1982, elaborando parte do respectivo catálogo.
4- Adjunto do Centro de Estudos da Direcção do Serviço Histórico-Militar (DSHM), 1984 -1986.
5- Organisador do 1º Curso de Museologia Militar, no âmbito da DSHM, 1985.
6- Planeou e dirigiu a execução da exposição “Artilharia Histórica Portuguesa Fabricada em Portugal”, patente ao público no Museu Militar de Lisboa, desde Junho de 1985, sendo autor da respectiva memória histórica .
7- A convite do Presidente da respectiva Comissão, realizou trabalho de investigação e posterior instalação da artilharia embarcada a bordo da Fragata “D. Fernando II e Glória”, tarefa iniciada em 1991 e que se prolongou até 1998.
8- De Dezembro de 1991 a Junho de 1993, a convite do então IPPAR, desenvolveu um estudo técnico-militar sobre a Torre de Belém, abragendo o período que decorreu desde a sua construção até à data da sua desactivação como fortaleza de defesa costeira, entregando nessa última data um pormenorizado relatório.
9- Proferiu, no ano lectivo de 1991-1992 e a convite da Comissão Científica de História da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, uma série de 16 conferências, no âmbito do Mestrado sobre “Os Descobrimentos e a Expansão Portuguesa”, que abordaram disciplinas como a Náutica, a Construção Naval, a Artilharia, a Fortificação, a Organização e Táctica militares.
Foto: © Nuno Rubim (2006). Direitos reservados.
10- Em conjunto com uma equipa, englobando Oficiais de Artilharia e Docentes Universitários, planeou, coordenou e participou nos trabalhos que levaram à criação do Museu da Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, aberto ao público no dia 4 de Dezembro de 1992.
Tem continuado aí a sua colaboração, dirigindo a implementação das seguintes Exposições:
- Operações;
- A Defesa Costeira antiga.
11- Conferencista convidado, no âmbito do 1º Curso de História Militar, Forum da Maia, Fevereiro de 1993.
12- Comissário Técnico, convidado pela “Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses”, para os aspectos militares da Exposição “A Paz e a
Guerra na Época do Tratado de Tordesilhas”, realizado em Burgos, Espanha, em Setembro de 1994, tendo elaborado a notícia histórica, o desenho à escala de um Galeão que possibilitou a feitura de um modelo, em corte, à escala 1:10, e executando ainda os modelos, também à escala, do tipo de peças que guarneciam esse navio, São Diniz, Almirante no Índico na 2ª década do Séc. XVI.
Realizou ainda todos os estudos técnicos, englobando desenhos, que possibilitaram a feitura de um filme de animação, em vídeo, sobre o tiro de artilharia na transição dos Séculos XV / XVI .
13- Professor convidado, Regente da Cadeira de História Militar, Academia Militar, no ano lectivo de 1998 –1999.
14- Colaborador científico convidado, para os aspectos relacionados com as armas de fogo no período medieval, Exposição “Pera Guerrejar”, no ambito do Simpósio Internacional sobre Castelos, que decorreu em Palmela de 3 a 8 de Abril de 2000.
15- Responsável pela reconstituição histórico-militar do Forte de Oitavos, à data de 1796, (Câmara Municipal de Cascais), cujos trabalhos decorreram entre 1999 e 2001.
16- Tem proferindo comunicações, conferencias e palestras, sobre temas relacionados com ahistória militar (incluindo a naval) nas Universidades de Lisboa e Coimbra ( no âmbito de Mestrados), Escolas Secundárias e outros organismos nacionais.
Tem publicados os seguintes trabalhos :
- “As origens da Artilharia Piro-Balística”, Revista de Artilharia, Nov-Dez 1977;
- “Falcões Pedreiros”, Bulletin, Early Sites Research Society, Vol. 10, Nº 2, Dec 1983, Mass., USA;
- “Sobre a possibilidade técnica do emprego de Artilharia na Batalha de Aljubarrota”, Revista de Artilharia, Jan-Fev 1986;
- “A Artilharia Portuguesa nas Tapeçarias de Pastrana –A Tomada de Arzila em 1471”, Separata da Revista de Artilharia, 1987;
- “Algumas Questões sobre as Munições de Artilharia de Alma Lisa”, in Bombardeiro, Boletim Nº 15 do RAC, Nov 1989;
- “D. João II e o Artilhamento das Caravelas de Guarda-Costas-o Tiro de Ricochete Naval”, Separata da Revista de Artilharia, 1990;
- “A Investigação Histórico-Militar Contemporânea em Portugal–Algumas achegas”, Revista de Artilharia, Nov- Dez 1990;
- “A Artilharia em Portugal na segunda metade do século XV in A Arquitectura Militar na Expansão Portuguesa, CNCDP, Porto, 1994;
- “Estudos sobre Artilharia Antiga –I / A Torre de Belém, Revista de Artilharia, nºs 835-836, Mar-Abr 1995;
- “Estudos sobre Artilharia Antiga –II / Uma Experiência Artilheira ‘Sui Generis’”, Revista de Artilharia, nºs 878 a 880, Out a Dez 1998;
- “A Artilharia antes da Utilização da Pólvora”, em colaboração com o Engenheiro Tércio Machado Sampaio, Separata da Revista de Artilharia, Jul 2000;
- Novo conjunto de Tapeçarias de D. Afonso V na Igreja de Pastrana em Espanha, edição do autor, Lisboa, 2005.
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Nota de L.G.
(1) Vd. post de 17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho)
Guiné 63/74 - P1188: Periquito vai no mato, olé lé lé, velhice vai no Bissau, olaré lé lé (J.L. Vacas de Carvalho)
Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Reunião da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Videoclipe: Periquito vai no mato... (J.L. Vacas de Carvalho (duração: 1m 20 ss).
Videoclipe: © Luís Graça (2006). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau_Videos. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
terça-feira, 17 de outubro de 2006
Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho)
Texto do Manuel Rebocho - Sargento-Mor Paraquedista, na Reserva, que foi operacional na Guiné (Maio de 1972/Julho de 1974) e é hoje doutor por extenso, pela Universidade de Évora -, enviado em 2 de Outubro de 2006, e onde se resume o trabalho jornalístico, publicado pelo jornal quinzenário AuriNegra, com sede em Cantanhede (II série, nº 102, de 24 de Setembro de 2006), sobre a trágica morte e o miserável abandono do Soldado Paraquedista Lourenço, em Guidaje.
AURINEGRA ÀS VOLTAS POR GUIDAJE
Manuel Rebocho
Na sua edição de 24 de Setembro último, o Jornal Aurinegra edita um extenso trabalho sobre o Soldado Pára-Quedista Lourenço, enterrado em Guidaje, nascido e criado no concelho de Cantanhede, onde o jornal se publica. Era assim um filho da terra.
Na primeira página surge uma fotografia do Lourenço, com a farda azul de Pára-Quedista, que preenche metade da página, sob o título DEIXADO PARA TRÁS. E, como texto, escreve: “Com 19 anos de idade, o soldado Lourenço tombou no campo de batalha, na Guiné, quando procurava ajudar um camarada ferido. Foi enterrado em Guidaje, em campo aberto junto ao quartel e deixado para trás até hoje. Há agora uma pequena possibilidade de recuperar os seus restos mortais e fazer o luto com a honra devida".
Na página 3, em Editorial do Director, o Dr. António Fresco escreve, sob o título Contra os canhões:
“Estão profundamente marcadas na memória de muitos portugueses as recordações incómodas da Guerra do Ultramar, cujo principal mérito foi o de transformar milhares de jovens inocentes, filhos de um deus menor, em mártires, bodes expiatórios de uma culpa que nunca foi sua, pagando pecados que nunca cometeram. Estes foram os verdadeiros mártires de Abril.
"Se pode dar-se razão à máxima de que não há revolução se o sangue não correu, é possível dizer que este sangue derramado por jovens portugueses em África chegou a Lisboa e fez os seus efeitos. Mesmo ficando em Tite, em Guidaje, no Quanza, no Uíje, no Niassa e em muitos outros sítios cujos nomes nos parecem exóticos mas que para muitos ainda soam a medo e a guerra. Muitos que a protagonizaram e sofrem efeitos que nunca mais se apagaram e muitos outros, famílias inteiras, obrigados a conviver com a dor da perda irreparável.
"E muitos, por razões que a razão não compreende, não puderam sequer fazer um luto devido, uma vez que os corpos dos seus por lá ficaram. É o caso do soldado Lourenço, que hoje ocupa uma parte significativa do AuriNegra. Deixado para trás, no meio da devastação e no teatro da guerra mais sangrenta, na fronteira da Guiné com o Senegal, o filho de Fornos, Cadima, foi enterrado à pressa, embrulhado num lençol e lançado a uma terra com a qual só teve a ver porque uma guerra estúpida a isso o condenou.
"Mais de trinta anos depois, os restos mortais continuam a ser reclamados. E há gente de armas que entende ser dever da Pátria recuperar aqueles que morreram em seu nome. Esta Pátria que nos incita, ainda hoje, contra os canhões, marchar, marchar, não pode ignorar e não pode deixar ninguém para trás.”
O tema ocupa ainda e integralmente as páginas 9, 10 e 11.
Na página 10, com uma fotografia dos pais do Lourenço, desenvolve-se um artigo sob o título Deixado para trás > GUERRA NO ULTRAMAR > Soldado Pára-Quedista de Fornos, Cadima, morto em combate há 33 anos, permanece sepultado no mato a norte da Guiné.
O jornal resume assim, o texto desta página: “Um cemitério improvisado nas imediações do então aquartelamento de Guidaje, a norte da Guiné, guarda, desde 1973, os restos mortais de José de Jesus Lourenço, soldado pára-quedista natural da localidade de Fornos, freguesia de Cadima. O corpo foi enterrado em campo aberto juntamente com os de mais nove combatentes, (outros dois pára-quedistas, cinco soldados do Exército e dois nativos) e nunca foi resgatado, contrariando a máxima dos pára-quedistas segundo a qual ninguém fica para trás".
O jornal identifica ainda os outros sete camaradas do recrutamento metropolitano e esclarece que “em estudo está a abertura de uma conta no banco através da qual amigos e militares possam contribuir”, para os custos das transladações.
Na página 10 o Jornal desenvolve dois artigos, o primeiro sob o título Morte heróica: Soldado de Fornos levou tiro fatal quando tentava salvar camarada ferido.
Como resumo deste título escreve: “A morte do soldado pára-quedista, de 19 anos, da localidade de Fornos, Cadima, ganha nova dimensão quando se conhecem as circunstâncias em que ocorreu. Num depoimento oficial, o sargento da companhia de que José de Jesus Lourenço fazia parte afirma que o pára-quedista encontrou a morte quando tentava retirar um camarada ferido da zona de morte”.
No segundo artigo sob o título Na guerra por opção, José de Jesus Lourenço foi para a tropa como voluntário para despachar o serviço obrigatório.
Com resumo escreve: “Foi o desejo de despachar a tropa que, segundo os seus pais, ainda vivos, levou José de Jesus Lourenço a oferecer-se como voluntário, tinha então 18 anos. Caso não o tivesse feito, provavelmente seria chamado a cumprir o serviço militar cerca de dois anos depois, já depois do 25 de Abril, pelo que dificilmente se bateria pela Pátria no então Ultramar.”
Integrando ainda este artigo são feitas diversas referências à pessoa do Lourenço, todas elogiosas, da responsabilidade de vizinhos e amigos que com ele conviveram e trabalharam.
A página 11 é preenchida com um resumo das operações em torno de Guidaje, particularizando-se aquelas em que interveio a companhia do Lourenço, resumo este, de minha própria responsabilidade, e o mapa do improvisado cemitério.
A contribuição do jornal que, justificada e compreensivelmente, enfatiza toda a investigação em torno do soldado Lourenço, filho da terra, é no mínimo de grandiosidade jornalística e de extrema utilidade, para os nossos propósitos.
A justificação da componente social desta investigação encontrámo-la, quando, já em Fornos, a jornalista, eu e um camarada dos combates na Guiné, que nos acompanhava, interpelámos um habitante sobre o local onde moravam os Senhores (dizíamos o nome dos pais do Lourenço). O homem em causa, que aparentava pouco mais de 30 anos, afirmou não conhecer as pessoas cujos nomes lhe citávamos, mas quando lhe dissemos “são os pais de um soldado Pára-Quedista que morreu na Guiné e o corpo não veio”, o homem respondeu: “Ah, já sei, é ali”. Este episódio revela o quanto a sociedade tem preservado e transmitido às gerações seguintes este lamentável episódio daquele lugar, pois o homem que interpelámos não se pode recordar de algo que aconteceu quando ainda não era vivo: tem-lhe sido transmitido.
Conscientes da componente social de que se reveste o nosso objectivo e da notável contribuição do jornal AuriNegra, cuja abertura da conta bancária nos poderá proporcionar o último meio que nos falta, o monetário, seguimos em frente até entregar às suas famílias os restos mortais dos nossos camaradas que FORAM DEIXADOS PARA TRÁS.
Um abraço a toda a tertúlia, em especial, e a todos os leitores em geral.
Manuel Rebocho
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)
28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
AURINEGRA ÀS VOLTAS POR GUIDAJE
Manuel Rebocho
Na sua edição de 24 de Setembro último, o Jornal Aurinegra edita um extenso trabalho sobre o Soldado Pára-Quedista Lourenço, enterrado em Guidaje, nascido e criado no concelho de Cantanhede, onde o jornal se publica. Era assim um filho da terra.
Na primeira página surge uma fotografia do Lourenço, com a farda azul de Pára-Quedista, que preenche metade da página, sob o título DEIXADO PARA TRÁS. E, como texto, escreve: “Com 19 anos de idade, o soldado Lourenço tombou no campo de batalha, na Guiné, quando procurava ajudar um camarada ferido. Foi enterrado em Guidaje, em campo aberto junto ao quartel e deixado para trás até hoje. Há agora uma pequena possibilidade de recuperar os seus restos mortais e fazer o luto com a honra devida".
Na página 3, em Editorial do Director, o Dr. António Fresco escreve, sob o título Contra os canhões:
“Estão profundamente marcadas na memória de muitos portugueses as recordações incómodas da Guerra do Ultramar, cujo principal mérito foi o de transformar milhares de jovens inocentes, filhos de um deus menor, em mártires, bodes expiatórios de uma culpa que nunca foi sua, pagando pecados que nunca cometeram. Estes foram os verdadeiros mártires de Abril.
"Se pode dar-se razão à máxima de que não há revolução se o sangue não correu, é possível dizer que este sangue derramado por jovens portugueses em África chegou a Lisboa e fez os seus efeitos. Mesmo ficando em Tite, em Guidaje, no Quanza, no Uíje, no Niassa e em muitos outros sítios cujos nomes nos parecem exóticos mas que para muitos ainda soam a medo e a guerra. Muitos que a protagonizaram e sofrem efeitos que nunca mais se apagaram e muitos outros, famílias inteiras, obrigados a conviver com a dor da perda irreparável.
"E muitos, por razões que a razão não compreende, não puderam sequer fazer um luto devido, uma vez que os corpos dos seus por lá ficaram. É o caso do soldado Lourenço, que hoje ocupa uma parte significativa do AuriNegra. Deixado para trás, no meio da devastação e no teatro da guerra mais sangrenta, na fronteira da Guiné com o Senegal, o filho de Fornos, Cadima, foi enterrado à pressa, embrulhado num lençol e lançado a uma terra com a qual só teve a ver porque uma guerra estúpida a isso o condenou.
"Mais de trinta anos depois, os restos mortais continuam a ser reclamados. E há gente de armas que entende ser dever da Pátria recuperar aqueles que morreram em seu nome. Esta Pátria que nos incita, ainda hoje, contra os canhões, marchar, marchar, não pode ignorar e não pode deixar ninguém para trás.”
O tema ocupa ainda e integralmente as páginas 9, 10 e 11.
Na página 10, com uma fotografia dos pais do Lourenço, desenvolve-se um artigo sob o título Deixado para trás > GUERRA NO ULTRAMAR > Soldado Pára-Quedista de Fornos, Cadima, morto em combate há 33 anos, permanece sepultado no mato a norte da Guiné.
O jornal resume assim, o texto desta página: “Um cemitério improvisado nas imediações do então aquartelamento de Guidaje, a norte da Guiné, guarda, desde 1973, os restos mortais de José de Jesus Lourenço, soldado pára-quedista natural da localidade de Fornos, freguesia de Cadima. O corpo foi enterrado em campo aberto juntamente com os de mais nove combatentes, (outros dois pára-quedistas, cinco soldados do Exército e dois nativos) e nunca foi resgatado, contrariando a máxima dos pára-quedistas segundo a qual ninguém fica para trás".
O jornal identifica ainda os outros sete camaradas do recrutamento metropolitano e esclarece que “em estudo está a abertura de uma conta no banco através da qual amigos e militares possam contribuir”, para os custos das transladações.
Na página 10 o Jornal desenvolve dois artigos, o primeiro sob o título Morte heróica: Soldado de Fornos levou tiro fatal quando tentava salvar camarada ferido.
Como resumo deste título escreve: “A morte do soldado pára-quedista, de 19 anos, da localidade de Fornos, Cadima, ganha nova dimensão quando se conhecem as circunstâncias em que ocorreu. Num depoimento oficial, o sargento da companhia de que José de Jesus Lourenço fazia parte afirma que o pára-quedista encontrou a morte quando tentava retirar um camarada ferido da zona de morte”.
No segundo artigo sob o título Na guerra por opção, José de Jesus Lourenço foi para a tropa como voluntário para despachar o serviço obrigatório.
Com resumo escreve: “Foi o desejo de despachar a tropa que, segundo os seus pais, ainda vivos, levou José de Jesus Lourenço a oferecer-se como voluntário, tinha então 18 anos. Caso não o tivesse feito, provavelmente seria chamado a cumprir o serviço militar cerca de dois anos depois, já depois do 25 de Abril, pelo que dificilmente se bateria pela Pátria no então Ultramar.”
Integrando ainda este artigo são feitas diversas referências à pessoa do Lourenço, todas elogiosas, da responsabilidade de vizinhos e amigos que com ele conviveram e trabalharam.
A página 11 é preenchida com um resumo das operações em torno de Guidaje, particularizando-se aquelas em que interveio a companhia do Lourenço, resumo este, de minha própria responsabilidade, e o mapa do improvisado cemitério.
A contribuição do jornal que, justificada e compreensivelmente, enfatiza toda a investigação em torno do soldado Lourenço, filho da terra, é no mínimo de grandiosidade jornalística e de extrema utilidade, para os nossos propósitos.
A justificação da componente social desta investigação encontrámo-la, quando, já em Fornos, a jornalista, eu e um camarada dos combates na Guiné, que nos acompanhava, interpelámos um habitante sobre o local onde moravam os Senhores (dizíamos o nome dos pais do Lourenço). O homem em causa, que aparentava pouco mais de 30 anos, afirmou não conhecer as pessoas cujos nomes lhe citávamos, mas quando lhe dissemos “são os pais de um soldado Pára-Quedista que morreu na Guiné e o corpo não veio”, o homem respondeu: “Ah, já sei, é ali”. Este episódio revela o quanto a sociedade tem preservado e transmitido às gerações seguintes este lamentável episódio daquele lugar, pois o homem que interpelámos não se pode recordar de algo que aconteceu quando ainda não era vivo: tem-lhe sido transmitido.
Conscientes da componente social de que se reveste o nosso objectivo e da notável contribuição do jornal AuriNegra, cuja abertura da conta bancária nos poderá proporcionar o último meio que nos falta, o monetário, seguimos em frente até entregar às suas famílias os restos mortais dos nossos camaradas que FORAM DEIXADOS PARA TRÁS.
Um abraço a toda a tertúlia, em especial, e a todos os leitores em geral.
Manuel Rebocho
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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)
28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
Guiné 63/74 - P1186: Ameira: revendo as fotos do Lema Santos (Sousa de Castro)
Montemor-o-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Três aspectos do nosso convívio:
(i) ao alto, o Vacas de Carvalho, a jogar em casa, nas suas sete quintas, deliciando-nos com velhos temas musicais do nosso tempo (comum) de Bambadinca; atrás dele, o Julião Martins e o Fernando Franco;
(ii) na imagem do meiop, o Raul Albino (da CCAÇ 2402, a que pertenceram originariamente o Medeiros Ferreira e o Beja Santos: o primeiro nunca chegou a aparecer porque desertou; o segundo foi transferido para o Pel Caç Nat 52: é nosso tertuliano, mandou saudações para topso mas não pôde desta vez comparecer à chamada);
(iii) e, por fim, um encontro (in)esperado e emocionante: dois heróis de Gadamael, o Casimiro Carvalho e o Pedro Lauret... (LG)
Fotos:© Manuel Lema Santos & esposa (2006) (com a devida vénia...)
Mensagem do nosso tertuliano nº 2, o Sousa de Castro (que, vivendo e trabalhando em Viana do Castelo, não pôde vir ao nosso 1º encontro):
Acabei de ver as fotos que o Lema Santos publicou no seu sítio. Calculo a alegria que foi transformar alguns tertulianos (os presentes, naturalmente), de membros virtuais da nossa tertúlia em pessoas de carne e osso.
Deixou-me com alguma inveja (no bom sentido, o não ter podido participar no primeiro encontro, pois!)... É que sinto que tenho alguma responsabilidade para com esta tertúlia.
Constatei que vocês voltaram a sentir-se com vinte anos, mesmo sem se conhecerem, pareceu-me que sempre se encontraram, ao longo destes anos todos. Por outro lado, iria sentir-me periquito ao vosso lado, tendo em conta as unidades a que a maioria dos presentes pertenceu.
No entanto pode ser que para o ano que vem, quiçá, nos encontremos quando menos esperarmos.
Bem haja a todos.
Saudações tertulianas, Sousa de Castro (ex-1º cabo Radiotelegrafista, CART 3494 Xime/Mansambo, 1972/74)
Vila Fria - VIANA DO CASTELO
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PS - Para visualizar e descarregar as cerca de quatro dezenas de fotos do encontro da Ameira, tiradas pelo nosso camarada Manuel Lema Santos e/ou sua esposa,
consultem a sua página pessoal > Encontro na Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Luís Graça & Camaradas da Guiné
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