segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3187: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (16): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971)

Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (16)


Texto e fotos do Paulo Santiago
ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 53
Saltinho 1970/72


Página do manual de instrução AS MILÍCIAS NA CONSTRUÇÃO DE UMA ''GUINÉ MELHOR'



Instrução de Milícias em Bambadinca

Foquei na última memória a minha ida para Bambadinca, para comandar uma Companhia de Instrução de Milícias. Vão hoje mais algumas lembranças dessa fase.

A instrução de tiro é daquelas que mais me aviva a memória, fazendo-me pensar que, possivelmente, estávamos meios loucos, melhor, estávamos completamente apanhados.
A carreira de tiro, desaterro efectuado quando da construção da estrada Xime-Bambadinca, situava-se aí entre 500 a 1000 metros da ponte do rio Udunduma, para quem seguia em direcção ao Xime.

A zona, para quem se lembra, era perigosa, mas sempre fomos na maior das calmas, como se não houvesse guerra nas imediações. Ia um pelotão de cada vez, em viaturas até à carreira de tiro, quer fosse dia ou noite, porque também havia instrução de tiro nocturno. Se de dia era arriscado, imaginem à noite.

O oficial de tiro, já dito na memória anterior, era o Vacas de Carvalho, depois substituído pelo Vilaça, talvez no início de Dezembro de 1971, nestas funções e também no comando do Pelotão Daimler.

Na instrução nocturna, o Fur Mil instrutor e o monitor levavam umas granadas e uns dilagramas, sendo esta a segurança acrescida. Claro que eu levava a G3, quer de dia ou de noite.

Em Fevereiro de 2005, quando estive no quartel de Bambadinca, contei esta cena ao comandante, respondendo ele..."tiveram sorte".


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (1970/72) > No dia de encerramento da instrução, junto da carreira de tiro.


Tensão arterial baixa

Aí por início de Dezembro de 71, ia eu numa instrução de Educação Física (E.F.), correndo com os instruendos na estrada Bambadinca-Bafatá, falando em termos militares, fazia um trabalho de estrada, quando comecei a transpirar em abundância, espalhando-me de imediato no asfalto.

Passados uns segundos, recobrei, regressando apoiado ao quartel, indo de seguida ao
posto médico expor ao Dr Vilar (mais conhecido por Drácula) o episódio. Aplica-me no braço o aparelho de medir a tensão arterial, dizendo-me após verificação:
- Ó caralho, estás mal, tens a merda da tensão a 4,5-7,5.
- Que medicamento tens aí para tomar?, pergunto eu.
- Qual medicamento, vais mas é começar a beber whisky logo de manhã, não te embebedas só à noite, ao meio-dia tens de estar borracho; se seguires estas indicações a tensão arterial normaliza - foi esta a receita prescrita pelo médico.

Resultou, apesar de não estar bêbado ao almoço. Durante uns tempos caminhava para essa fase a passos largos, comecei mesmo a beber uns whiskies logo pela manhã.
Estava tudo doido, começando pelo médico.

Foto tirada na ponte de Udunduma com o Celo ao meu lado esquerdo. Os restantes são militares do destacamento (talvez da CCAÇ 12). Foi tirada num Domingo em que fui ao Xime beber copos...Maluqueiras!

As meninas de Bafatá

Habituei-me a ir às meninas. Ao sábado não havia instrução, andava em pulgas para que chegasse este dia. Chegava à sexta-feira, começava a funcionar a "cabeça perfurante" sem ligar à "cabeça pensante" e no sábado lá ia com o Vacas, de Daimler, para Bafatá.

O Zé Luís conhecia uma série de meninas, havia duas que trabalhavam ou tinham trabalhado no Fontória em Lisboa. Era uma rebaldaria. Depois do serviço, vá de comer e beber uns copos naqueles restaurantes de Bafatá.

Após o Vacas de Carvalho ter regressado, andei uns tempos sem companhia para vir à cidade, mas já quando formava a 2ª Companhia de Milícias consegui convencer, ou desviar, o Fur Mil Dinis para me acompanhar nos desvarios da carne.

__________

Notas de vb:

(*) Vd. artigos anteriores da série, em

13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3053: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (15): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971) e

25 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2302: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (14): Ilustres visitantes no Saltinho

Guiné 63/74 - P3186: Estórias do Jorge Fontinha (2): Estrada de Teixeira Pinto-Cacheu (Jorge Fontinha)


1. Mensagem, com data de 3 de Setembro de 2008, do nosso camarada Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, (Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) (1), com a segunda de muitas estórias prometidas.

Conforme prometido, ai vai mais uma História.
Esta terá o título: Estrada de Teixeira Pinto - Cacheu

Um abraço do camarada.
Jorge Fontinha


2. Estrada Teixeira Pinto-Cacheu
Por Jorge Fontinha

Em Outubro de 1971, a CCAÇ, reforçada com um Grupo de Combate da CCAÇ 3308 atinge CAPÓ, onde fica instalada de maneira a dar todo o apoio e protecção aos trabalhos da estrada Teixeira Pinto – Cacheu.

Crachá da CCAÇ 2791

A Sub - unidade chega a uma zona onde nada há. O mato é rasgado, para no mais breve possível ser construído um aquartelamento improvisado que possa servir de abrigo ao pessoal militar e a cerca de 500 trabalhadores nativos que colaboram na desmatação da área por onde vai passar a futura estrada. O período de permanência neste aquartelamento, prolonga-se pelo mês de Novembro, terminando apenas a 6 de Dezembro, perfazendo um total de cerca de 48 longos dias de desterro…

Durante todo este mês a actividade da Companhia multiplica-se na protecção aos desmatadores, picagem de troços de estrada, protecção e defesa dos trabalhadores e máquinas, segurança aos trabalhos topográficos e de máquinas de Engenharia em movimento constante. É uma actividade que dura 24 horas por dia e considerando as condições precárias de vida, torna-se esgotante.

Não tendo havido quaiquer danos pessoais nas NT, não deixou todavia de ter havido contacto com o IN. Nomeadamente quando um grupo de Combatentes do PAIGC tentou no mesmo dia, varias aproximações ao aquartelamento com lançamento de Morteiros e Roquetes. Valeu-nos também o valioso apoio dos meios aéreos e dos Carros de Combate de Bula, superiormente comandadas pelo saudoso Capitão Salgueiro Maia.

Nas minhas histórias não podia esquecer este período por ter sido tão complicado e penoso e porque no decurso dos quais assinalei os meus 23 anos, onde até não faltou o bom Whisky e a quente cerveja.

Foto 1 > Trabalhadores nativos

Foto 2 > Comemorando os meus 23 anos

Como já referido, naquele lugar nada havia a não ser terra e poeira constante pelo ar, fruto dos trabalhos das máquinas e a temperatura era aterradora, provocando transpiração constante, que se misturava com a poeira…

A água era trazida em autotanques atrelados às viaturas militares, todavia, era racionada e mal chegava para a cozinha e para beber. Para a higiene pessoal, cada um desenrascava-se. Imagine-se o aspecto de cada elemento, desde o Capitão até ao trabalhador nativo que trabalhava na desmatação.

Situações hilariantes aconteciam com frequência, com pequenos episódios aqui e ali.

A quando do contacto já descrito, um soldado que havia, não se sabe como, arranjado alguma água tinha acabado de se lavar e estando todo nu, junto à barraca onde pernoitava e se preparava para fazer a barba, conforme ouve o primeiro disparo, atira-se em voo para a barricada que tinha sido construída para nossa protecção, pelas máquinas da Engenharia e de tanto se rebolar, ficou para gozo dos companheiros, como bolo de bacalhau, pronto a ser frito.

O Alferes Freitas Pereira, comandante interino nesse dia, por ausência do capitão que se tinha deslocado a Teixeira Pinto, estava de tal forma exaltado, que de tanto gritar ordens acabou o dia, ficando completamente afónico.

Se não bastasse, o meu bom amigo furriel Sampaio Faria, viria a ser o único ferido, igualmente quando saltava para a barricada, tendo torcido um dedo, suponho que da mão direita... Durante toda a comissão, foi felizmente o seu único ferimento!

Foto 3 > Destacamento temporário

Foto 4 > Máquina da Engenharia

O moral de qualquer um de nós nunca tinha chegado a níveis tão baixos, tais as condições de vivência. Qualquer coisa de novo que surgisse era motivo para relaxar e dar asas aos 23 anos da média de todos nós. Bastava um simples postal ilustrado com uma qualquer beldade da época para nos animar. Até podia não ser nenhuma beldade, bastava que fosse mulher e sobretudo branca…

De repente, até isso nos caiu do Céu…

Todo nervoso, o Freitas Pereira recebe, via rádio um comunicado do CAOP de Teixeira Pinto, que daí a alguns minutos receberíamos uma visita aerotransportada, de uma equipa de Televisão Americana, que andava a fazer várias reportagens de Guerra. Na semana anterior haviam feito o mesmo, no Vietname.

Houve uma pequena revolução no aquartelamento, mas tudo foi feito para que nada impressionasse mal as nossas visitas. Até o Alferes Freitas Pereira que para além de ser o Comandante interino, era também o único que arranhava mais ou menos o inglês. Eu e mais alguns, apenas percebíamos por alto o que se dizia.

E chega a hora.

Três helicópteros roncam nos céus de Capó, dois deles helicanhão e um outro de cores civis. Este último aterra e logo que as hélices o permitem, uma comitiva onde me incluo, vai ao seu encontro. Primeiro, sai o homem da câmara e de seguida a repórter…

Podia até nem ser bonita, mas era uma loira cujos cabelos esvoaçavam ainda, com os cada vez mais lentos movimentos das hélices do helicóptero. Uma visão do outro mundo! Do mundo que estava lá fora.

Foi recebida, confesso que com alguma gula, pela maioria de todos nós, pelo menos daqueles que de mais perto privaram.

De imediato, porque o tempo urgia, o Freitas Pereira fez as honras da casa e com ela entabulou uma breve troca de impressões, que nós íamos seguindo com alguma dificuldade, pois o nosso Inglês resumia-se ao pouco que tínhamos aprendido no Liceu.

Mas basicamente e duma forma resumida, ela contou que 8 dias antes havia estado no Vietname. O que mais a impressionou lá, foi o facto de ter estado debaixo de fogo pesado e que tinha assistido a algumas baixas mortais por parte das tropas Americanas, que a haviam abalado bastante. Ao dizer isto, ia olhando detalhadamente para cada um de nós e começou a notar-se que cada vez estava mais perturbada, ao ponto de desabafar:

- Meus amigos, prefiro voltar para lá do que ficar aqui, por mais uma hora que seja. O vosso aspecto e as vossas condições de alojamento não lembram sequer ao diabo. É aterrador!

E lá se foi a nossa visão angelical!...

Prometo mais histórias.

Um abraço para a Tertúlia
Jorge Fontinha
____________________

Nota de CV

(1) - Vd. postes de

18 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3139: Estórias do Jorge Fontinha (1): O meu batismo de fogo e da CCAÇ 2791 (Jorge Fontinha)

20 de Agosto de 2008 >
Guiné 63/74 - P3142: História de Vida (15): Para que se faça história (Jorge Fontinha)

Guiné 63/74 - P3185: Notícias e fotos de José Maria Gonçalves Dias, ex-Alf Mil (Guiné 1971/73) (Miguel Ribeiro de Almeida)

Em 25 de Novembro de 2020:

Texto e imagens removidas deste poste conforme o solicitado pelo autor dos mesmos em mensagem de 25 de Novembro de 2020 que se reproduz:

De: MRA
Date: quarta, 25/11/2020 à(s) 00:29
Subject: Remoção de fotos/texto
To:


Caro Dr. Luís Graça e co-editores do blogue:
Esperando que se encontrem de saúde, venho por este meio pedir-vos que, por motivos de ordem pessoal, sejam removidos do vosso blogue fotos e texto que eu próprio vos enviei há alguns anos. O link para as fotos/texto é este:
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search?q=gon%C3%A7alves+dias
Agradecendo desde já a vossa compreensão pelo meu pedido, envio-vos os meus melhores cumprimentos, votos de saúde e a continuação do sucesso do vosso blogue - que continuarei a seguir e a apreciar.

Atentamente,
Miguel Ribeiro de Almeida

_________________

Nota de CV

(1) - Vd. postes de

3 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3016: Em busca de... (32): Margarida Dahaba, professora, filha do 2º Sargento Fodé Dahaba (M. Ribeiro de Almeida / J.M. Gonçalves Dias)

de 10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3043: Em busca de ... (33): Memórias do príncipe Abdulai Jamanca, irmão do meu tio Gonçalves Dias (Miguel Ribeiro de Almeida)

de 19 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3074: Tabanca Grande (79): Miguel Ribeiro de Almeida

domingo, 7 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3184: Pensamento do dia (15) : Paz à Nossa Alma (Anónimo)

1. Um nosso camarada, que se assina simplesmente como "1º Cabo Sousa da Formação", deixou o seguinte comentário, anónimo (e sem endereço de e-mail), ao poste do nosso blogue, I Série, de 9 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) [Carlos Marques Santos]



Um neto perguntou-me onde tinha eu andado na guerra. Respondi: na Guiné. No Hospital Militar 241. De 1966/68. Esqueci-me de lhe dizer quantos mortos vesti... Eu próprio já não me recordo... Foi há muito tempo. Lembro-me, sim, que queimei a agenda onde tinha tomado nota dos primeiros três meses.. Paz à nossa Alma.

1º Cabo Sousa da Formação.


2. Por sua vez, o nosso camarada Carlos Marques dos Marques, que foi Fur Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), deixou este comentário ao poste supracitado:

Este comentário é de Carlos Marques dos Santos, CART 2339 - Mansambo. Caros companheiros: É no mínimo estranho alguém dizer que esteve na Guiné no HM241, afirmando que vestiu muitos mortos e assinar 1.º Cabo Sousa da Formação (CART 2339 ?????).

Efectivamente tivemos um morto, de nome Sousa, 1.º Cabo Enf., em 24 de Julho de 1968. A nossa Companhia esteve na Guiné entre Jan/68 e DEz/69.CMS. No mínimo é estranha esta intervenção anónima. CMS

9/07/2008 7:22 PM

Guiné 63/74 - P3183: Tabanca Grande (85): João Manuel Félix Dias, ex-Fur Mil SAM, CCAV 2539, 2540 e CCAÇ 3, Guiné 1969/71


João Manuel Félix Dias
ex-Fur Mil SAM
CCAV 2539/CCAV 2540/BCAV 2876 e CCAÇ 3
Guiné, 1869/71


1. Mensagem com data de 5 de Setembro de 2008 do nosso novo camarada João Manuel Félix Dias, ex-Fur Mil SAM que pertenceu às CCAV 2539 e 2540/BCAV 2876 e à CCAÇ 3, Guiné 1969/71.

Curriculum Vitae

1968 - RI5 Caldas da Raínha CSM;

1969 - BC8 Elvas, instrutor de 2 recrutas;

1969 - RC3 Formação BCAV 2876;

A 19 de Julho segui no "Uíge" como Furriel Graduado SAM para S. Domingos Sector Ingoré.

Poucos meses (3/4 ?) depois fui substituído e fiquei à ordem do Comando.

A 13 de Novembro de 1969 na estrada de S. Domingos-Susana indo eu na GMC "rebenta-minas" apenas com o condutor Oliveira (Vasculho), próximo de Nhambalã aconteceu que a 3.ª viatura, Unimog, em que seguia o ex-Alf Nelson Gonçalves, do Pel Caç Nat 60, accionou uma mina anti-carro que o feriu gravemente; como consequência sofreu amputação de uma perna e ferimentos em todo o corpo.
Além de outros, foi o acontecimento que mais me marcou durante os dois anos, e que profundamente marcou o meu comportamento desde então. Costumo pensar que se não foi daquela, vai ser difícil ser doutra.

Recordo que Armstrong, Aldrin e Collins a bordo da Apolo 11 chegaram mais rápido e primeiro à Lua, a 21 de Julho, que o 'Uíge' a Bissau, a 24 do mesmo mês.

Transferido para a CCAÇ 3 em 1970.

Regressei a 2 de Agosto de 1971.

Nome: João Manuel Félix Dias
Posto/Espec.: Fur Mil Grad SAM
Unidades: CCAV 2539/2540/BCAV 2876 e CCAÇ 3
Zona: S. Domingos, Canjandi (Ingoré) Binta e Guidage
Comissão: 1969 a Agosto de 1971
Morada: S. Francisco - Alcochete


2. Comentário de CV

Caro Félix Dias

Estás apresentado à tertúlia como julgo seria o teu desejo.

Esperamos que nos contes agora as tuas estórias, que não serão poucas, uma vez que andaste de Unidade em Unidade e de terra em terra pelo Norte da Guiné. Se tiveres fotos, podes ilustrar as estórias que nos mandares, com elas.

Por meu intermédio, recebe um abraço de boas vindas de toda a tertúlia.
Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3180: Tabanca Grande (84): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil, Guiné, 1968/70

Guiné 63/74 - P3182: Em busca de... (38): Causas da morte do Alf Mil Manuel Sobreiro (Mampatá, 1968) Parte II (José Martins)

Continuação da mensagem do nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, de 2 de Setembro de 2008
Assunto: Alferes Sobreiro (1)

Por mim, e em jeito de homenagem, transcrevo o que tenho em arquivo sobre o Batalhão de Artilharia n.º 1896 e as Companhias que o compunham, assim como os militares que deram o máximo que se lhes podia pedir: a própria vida!

Elementos retirados do 7.º e 8.º volumes da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974)

Batalhão de Artilharia n.º 1896

Unidade Mobilizadora: Regimento de Artilharia Pesada 2 (RAP2) – Vila Nova de Gaia

Comandante: Ten Cor Art Celestino da Cunha Rodrigues

2.º Comandante: Maj Art José de Carvalho Pereira

Of Inf Op/Adjunto: Cap Grad Artur Olímpio de Sá Nunes

Cap Art Rui Manuel Viana de Andrade Cardoso

Comandantes de Companhia:

CCS: Cap SGE Manuel Américo David
Cap SGE Joaquim José Garcia
Cap Mil Art Eduardo de Oliveira e Silva
CART 1612 - Cap Art Oliveira Ventura de Mendonça
CART 1613 - Alf Art do QP, graduado em Capitão Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz (a)
Cap Art Eurico de Deus Corvacho
CART 1614 - Cap Art Luís João Ferreira Marques Jorge

Divisa: “Bravos e Sempre Leais”

Partida: Embarque em 12 de Novembro de 1966; desembarque em 18 de Novembro de 1966

Regresso: Embarque em 18 de Agosto de 1968

Síntese da Actividade Operacional

Inicialmente ficou colocado em Bissau na situação de reserva do Comando-Chefe, até 29 de Março de 1967, data em que seguiu para Buba, tendo as suas subunidades sido atribuídas em reforço de outros batalhões em quadrícula.

Em 5 de Abril de 1967, rendendo o BCAÇ 1861, assumiu a responsabilidade do Sector S2, com sede em Buba e englobando os subsectores de Sangonhá, Gadamael, Camecande, Guilege, Aldeia Formosa e Buba e ainda uma Companhia em Mejo, até 28 de Maio de 1968, para actuação continuada no corredor do Guilege. Em 9 de Abril de 1968, foi criado o subsector de Gandembel, e, em 12 de Junho de 1968, a sua zona de acção foi reduzida da área de Aldeia Formosa, que foi atribuída à responsabilidade do COSAF [Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa], então criado.

Desenvolveu intensa actividade operacional, exercendo o esforço sobre o corredor do Guilege e região de Forreá, planeando e controlando a execução de continuadas acções de vigilância da fronteira, de intercepção de colunas de reabastecimento e de grupos inimigos, de protecção e segurança de itinerários e ainda de recuperação das populações. Pelos resultados obtidos e pelo esforço desenvolvido e meios utilizados, destacam-se as operações “Bola de Fogo”, “Rembrant”, “Pôr Termo”, “Novo Rumo”, e “Nora”, entre outras.

Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 2 metralhadoras ligeiras, 2 pistolas metralhadoras, 2 espingardas, 1 lança granadas foguete, 37 minas antipessoal e anticarro e 106 granadas de armas pesadas.

Em 25 de Junho de 1968, foi rendido no sector de Buba pelo BCAÇ 2834, recolhendo a Bissau, a fim de aguardar embarque de regresso.

A CART 1612 seguiu em 13 de Dezembro de 1966 para Bissorã, a fim de efectuar a segurança protecção dos trabalhos de reabertura do itinerário Bissorã-Bula, ficando na situação de reforço do BCAÇ 790 e depois do BCAÇ 1876, tendo ainda efectuado diversas operações nas regiões de Insumeté, Insantaque e Iusse, entre outras.

Após substituição em Bissorã, pela CART 1746, rendeu, em 27 de Julho de 1967, a CCAÇ 1488 na função de intervenção e reserva do sector do seu batalhão, instalando-se em Buba, sendo empenhada em diversas operações nas regiões de Nhala, Darsalame e Buba Tombo, entre outras e destacado ainda, por períodos variáveis, pelotões para reforço temporário de outras subunidades do sector.

Em 18 de Novembro de 1967, por rotação com a CCAÇ 1591, assumiu a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, no mesmo sector, tendo destacado pelotões para instalação, por períodos variados, em Colibuia, Chamarra e Porto Balana.

Em 13 de Julho de 1968, foi substituída no subsector de Aldeia Formosa pela CCAÇ 2382 e recolheu a Bissau, onde permaneceu na situação de reserva de Comando-Chefe até ao embarque de regresso.

* * *

A CART 1613 seguiu em 3 de Dezembro de 1966 para a região de S. João, onde permaneceu até 15 de Janeiro de 1967, a fim de efectuar uma instrução de adaptação operacional sob orientação do BCAÇ 1860 e tomar parte em operações realizadas naquela área.

Em 2 de Fevereiro de 1967, seguiu para Teixeira Pinto, tendo sido atribuída em reforço do BCAV 1905, instalando-se, de 8 a 13 de Fevereiro de 1967, em Jolmete com vista à realização de uma operação naquela zona de acção, após o que recolheu a Bissau; em 5 de Março de 1967, seguiu novamente para o sector do BCAV 1905 a fim de efectuar operações na região do Jol, até 28 de Maio de 1967.

Em 30 de Abril de 1967, seguiu para Buba, a fim de reforçar o dispositivo do seu batalhão com vista à intensificação do esforça da região do Forreá e actuar sobre a linha de infiltração do Guilege, com um pelotão destacado em Cumbijã, em reforço da guarnição local; em 2 de Maio de 1967, mantendo o pelotão em Cumbijã, foi instalada em Colibuia, dentro da mesma missão anterior e onde substituiu um pelotão da CCAÇ 1622.

Em 30 de Junho de 1967, foi transferida para Guilege, para onde já se deslocara o pelotão de Cumbijã, em 17 de Junho de 1967, rendendo naquele subsector a CCAÇ 1477; em 13 e 28 de Maio de 1968, após substituição da CCAÇ 2316, foi transferida para Buba, a fim de colmatar a saída anterior da CCAÇ 1591 na missão de subunidade de intervenção e reserva do sector e destacando um pelotão para guarnecer Nhala.

Em 14 de Julho de 1968, vindo a ser substituída mais tarde pela CCAÇ 2381, seguiu para Bissau, onde colaborou na segurança e protecção das instalações e das populações da área, em reforço dos efectivos da BCAÇ 2834 até ao seu embarque de regresso.

* * *

A CART 1614 seguiu em 9 de Dezembro de 1966 para Bula, onde permaneceu até 15 de Janeiro de 1967, a fim de efectuar uma instrução de adaptação operacional sob orientação do BCAV 790 e tomar parte em operações nas regiões de Ponta Ponate, Encherte e Choquemone.

Em 27 de Janeiro de 1967, seguiu para Ingoré a fim de reforçar o BCAÇ 1894 e realizar uma operação na região de Sano, após o que recolheu a Bissau em 31 de Janeiro de 1967; em 19 de Fevereiro de 1967, reforçou o BCAV 1897 em operação realizada ena região de Changalana até 25 de Fevereiro de 1967.

Em 30 de Maio de 1967, foi deslocada para Cabedú, a fim de assumir a responsabilidade do respectivo subsector, em substituição da CCAÇ 1427, ficando integrada no dispositivo de manobra da BART 1913.

Em 6 de Janeiro de 1968, foi substituída, transitoriamente, pela CART 1689 até à chegada da CCAÇ 1788, tendo seguido para o subsector de Nhacra, com destacamentos em Safim e Dugal, a fim de render a CART 1648 no dispositivo de manobra do BART 1904 e depois do BCAÇ 2834 e ainda do BART 1911.

Em 2 de Agosto de 1968, após ser substituída no subsector de Nhacra pela CART 1682, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Mortos em Campanha

CCS


JOÃO GOMES, Soldado Atirador com o NM 82120664, pertencente ao recrutamento da província e colocado no BART 1896, mobilizado no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era casado com Clara Gomes, filho de Vicente Gomes e Clara Gomes, sendo natural da freguesia de Calequissé e concelho de Cacheus.
Vítima de acidente (outros motivos) ocorrido em Buba quando transportava um garrafão de água destilada, ferindo-se com os cacos de vidro, faleceu em 16 de Junho de 1967 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério Bissau.

MALAN BALDÉ, Soldado Atirador com o NM 82097364, pertencente ao recrutamento da província e colocado no BART 1896, mobilizado no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era casado com Taco Ainé, filho de Nhaco Balde e Sali Só, sendo natural de lugar de Tumaná de Cima, freguesia de Santa Isabel e concelho de Gabú.
Vítima de acidente com arma de fogo ocorrido em Buba entre as tabancas de Mampantá e Uame, faleceu em 04 de Fevereiro de 1968 no Hospital Militar Principal em Lisboa. Foi inumado no Cemitério do Alto de São João em Lisboa.

ANTÓNIO PEREIRA NUNES, 1.º Cabo Escriturário com o NM 18370666, pertencente ao BART 1896, mobilizado no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de António Nunes Brito e Aldina Pereira Antunes, sendo natural da freguesia de Pinheiro de Coja e concelho de Tábua.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido em Buba no ataque ao aquartelamento em 11 de Maio de 1968, faleceu em 12 de Maio de 1968 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Pinheiro da Coja.

CART 1612

MANUEL DE JESUS VIGÁRIO, Soldado Atirador com o NM 05351166, pertencente à CART 1612/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Álvaro Batista e Matia de Jesus Vigário, sendo natural da freguesia de Guiães e concelho de Vila Real.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido no itinerário de Nhacobá - Cumbijã, faleceu em 01 de Dezembro de 1967. Foi inumado no Cemitério de Guiães.

MANUEL DE JESUS RODRIGUES SOBREIRO, Alf Mil Art com o NM 0022363, pertencente à CART 1612/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Manuel Rodrigues Sobreiro e Maria de Jesus, sendo natural da freguesia de Souto da Carpalhosa e concelho de Leiria.
Vítima de acidente com arma de fogo ocorrido em Liroiel na verificação de uma armadilha das NT, faleceu em 24 de Fevereiro de 1968. Foi inumado no Cemitério de Souto da Carpalhosa.

EDUARDO GUILHERME TEIXEIRA MONTEIRO, Alf Mil Art com o NM 08979964, pertencente à CART 1612/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Eduardo António Monteiro e Maria Julieta Monteiro, sendo natural da freguesia de Longonjo e concelho de Caala - Angola.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido no itinerário de Aldeia Formosa – Guileje motivado por fornilho activado por tracção, faleceu em 15 de Maio de 1968. O corpo não foi recuperado.

APARICIO DE SOUSA MIRANDA, Sol Apont Met com o NM 9203866, pertencente à CART 1612/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Mário Miranda e Maria de Jesus Sousa, sendo natural da freguesia de Maximinos e concelho de Braga.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido pelo rebentamento de mina anticarro seguida de emboscada na estrada de Mampatá – Uare , faleceu em 20 de Maio de 1968. Foi inumado no Cemitério Municipal de Braga.

JOÃO ANTÓNIO MACEDO DA ROCHA, Sold At com o NM 05222566, pertencente à CART 1612/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Augusto Rocha e Preciosa Alves Macedo, sendo natural da freguesia de S. Pedro e concelho de Vila Real.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido pelo rebentamento de mina anticarro seguida de emboscada na estrada de Mampatá – Uare , faleceu em 20 de Maio de 1968. Foi inumado no Cemitério de Santa Iria – Vila Real.

MÁRIO GONÇALVES MACHADO, Sold At com o NM 4950766, pertencente à CART 1612/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Manuel Joaquim Gonçalves e Celeste Gonçalves Fontes, sendo natural de lugar de Macieira, freguesia de Limões e concelho de Ribeira de Pena.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido pelo rebentamento de mina anticarro seguida de emboscada na estrada de Mampatá – Uare , faleceu em 20 de Maio de 1968. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Macieira.

UMARU JULDÉ DJALÓ, Sold At com o NM 82060167, pertencente à CART 1612/BART 1896, mobilizado no CTIG.
Era solteiro, filho de Mamajam Djaló e Achatu Djaló, sendo natural de lugar de Bedanda, freguesia de Nossa Senhora de Fátima e concelho de Catió.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido pelo rebentamento de mina anticarro seguida de emboscada na estrada de Mampatá – Uare , faleceu em 20 de Maio de 1968. Foi inumado no Cemitério de Aldeia Formosa - Guiné.

CART 1613

FAUSTO MANTEIGAS DE FONSECA FERRAZ, Cap Mil Art com o NM 1036/C, pertencente à CART 1613/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era casado com Maria Fernanda Ferreira da Costa, filho de Manuel Fonseca Ferraz e Ana Rosa Manteigas, sendo natural da freguesia de Pousofoles e concelho de Sabugal.
Vítima de acidente com arma de fogo ocorrido no aquartelamento de S. João - Cachil, faleceu em 24 de Dezembro de 1966 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério da Conchada em Coimbra.

ANTÓNIO DE SOUSA OLIVEIRA, Sold At com o NM 6399965, pertencente à CART 1613/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Casimiro Lopes Oliveira e Delfina Sousa, sendo natural de lugar da freguesia de Ribas e concelho de Celorico de Basto.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido em Guileje na lala do rio Tenheje, faleceu em 28 de Dezembro de 1967. Foi inumado no Cemitério de Vale do Douro em Celorico de Basto.

NUNO DA COSTA TAVARES MACHADO, Alf Mil Art com o NM 07349365, pertencente à CART 1613/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Deolindo de Sousa Machado e Alzira Assis Teixeira da Costa Tavares Machado, sendo natural da freguesia de Sé Nova e concelho de Coimbra.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido em Guileje na lala do rio Tenheje, faleceu em 28 de Dezembro de 1967. Foi inumado no Cemitério de Agramonte no Porto

SEBASTIÃO DA COSTA DIONISIO, Fur Mil At com o NM 03686865, pertencente ao Pel Caç Nati 51 do CTIG, mobilizado na metrópole e adido à CART 1613/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Vítor Dionísio e Maria da Glória da Costa, sendo natural da freguesia de São Vicente e concelho de Braga.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido no itinerário entre Guileje e Gandembel, faleceu em 11 de Abril de 1968. Foi inumado no Cemitério Municipal de Braga.

JOSÉ AUGUSTO DA SILVA LEAL, 1.º Cabo Ati com o NM 8915866, pertencente à CART 1613/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de Armindo Ferreira Leal e Margarida Caetano da Silva, sendo natural da freguesia de Vandoma e concelho de Paredes.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido em Guileje, faleceu em 24 de Abril de 1968 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Vandoma.

FERNANDO BOTELHO, Soldado Atirador com o NM 06671166, pertencente à CART 1613/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era casado com Maria Isabel Pinto, filho de José Botelho e Laurindo da Conceição, sendo natural da freguesia de Gestaçô e concelho de Baião.
Vítima de acidente ocorrido por afogamento no rio Grande de Bula, faleceu em 26 de Junho de 1968 em Bula. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Tresoura em Baião.

CART 1614

ILIDIO RODRIGUES GOMES, Sol Apont Met com o NM 8969966, pertencente à CART 1614/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de António Fernandes Gomes e Glória Rodrigues, sendo natural de lugar de Quintães, freguesia de Padroso e concelho de Arcos de Valdevez.
Vítima de ferimentos recebidos em combate ocorrido na protecção à abertura de uma picada, faleceu em 01 de Março de 1967 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério Padroso.

FRANCISCO FILIPE DOS SANTOS ENCARNAÇÃO, Fur Mil At com o NM 3590064, pertencente à CART 1614/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era casado com Maria Isabel de Jesus Rodrigues da Conceição, filho de Joaquim dos Santos Encarnação d Maria José Filipe dos Santos Encarnação, sendo natural da freguesia de Salvador e concelho de Beja.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido na operação “Nora”, faleceu em 06 de Março de 1967 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério de Rio de Mouro, Sintra.

REBE CUMATCHA, Sold At com o NM 82008461, pertencente à CART 1614/BART 1896, mobilizado no CTIG.
Era solteiro, filho de Nhanque Chalá e Iaca Quombancha, sendo natural de lugar da freguesia de Mansoa e concelho de Bissorã.
Vítima de ferimentos em combate ocorrido no accionamento de uma mina antipessoal em Cabedú, na estrada depois do aquartelamento, faleceu em 03 de Maio de 1967 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério de Bissau na Guiné.

TOMÉ SOARES DA GAMA, 1.º Cabo At com o NM 82067566, pertencente à CART 1614/BART 1896, mobilizado no CTIG.
Era solteiro, filho de Francisco Soares da Gama e Juliana Lopes Crato, sendo natural da freguesia de Nossa Senhora da Candelária e concelho de Bissau.
Vítima de acidente de viação ocorrido no transporte de água, faleceu em 04 de Fevereiro de 1968 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério Bissau - Guiné.

FORTUNATO DA SILVA GONÇALVES, Sold Cond Auto/Trms com o NM 00261366, pertencente à CART 1614/BART 1896, mobilizada no RAP2 – Vila Nova de Gaia.
Era solteiro, filho de António José Gonçalves e Maria da Silva Azevedo, sendo natural de lugar de Carreira Chã, freguesia de Santa Eulália de Barrosas e concelho de Lousada.
Vítima de acidente de viação ocorrido em 8 de Maio de 1968 a 5Km de Safim, vindo a falecer em 10 de Maio de 1968 no Hospital Militar 241 em Bissau. Foi inumado no Cemitério de Santa Eulália de Barrosas.

José Martins
2 de Setembro de 2008

Comentário de CV

Não podemos deixar de agradecer ao nosso camarada José Martins o seu trabalho de pesquisa e compilação dos dados recolhidos, tornando-os acessíveis a toda a gente.

A par deste trabalho, desenvolve outros, quase no anonimato, que são de muita utilidade para o nosso Blogue e para quem, como é exemplo o caso vertente, procura descobrir elementos relacionados com militares seus familiares.
_______________

(a) - Em tempo

Alterado de acordo com o comentário neste próprio poste, feito pelo senhor Coronel Morais Silva

FAUSTO MANTEIGAS DE FONSECA FERRAZ, Cap Mil Art

Corrija-se para Alferes do QP de Artilharia, graduado em Capitão.
Frequentou a AM como capitão miliciano associado ao meu curso que terminou no final de 1966, data em que partimos para África.
Um camarada amigo a quem a sorte não sorriu.

Cumprimentos
Morais Silva
Coronel
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Nota de CV

Vd. poste de 5 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3174: Em busca de... (38): Causas da morte do Alf Mil Manuel Sobreiro (Mampatá, 1968) I Parte (José Martins)

Guiné 63/74 - P3181: História de vida (16): A falsa Mariama, mandinga de Bambadinca, a sua filha, e o seu amigo... (Alberto Nascimento)

1. Texto enviado em 6 de Setembro, pelo Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63) (1):

Amigo Luís Graça:

Esta história faz parte de várias que apenas se destinam às minhas recordações e, por ser pessoal, nunca tive a intenção de a enviar. A leitura do caso da Cadi e do seu filho (2) fez-me mudar de ideia e associar as possíveis dificuldades vividas pela Mariama e a filha ao longo de todos estes anos, se é que conseguiram resistir...

Não sei se cabem, nas regras da publicação dos postes, algumas observações que faço, mas, embora comedidamente, tinha que as fazer. É o único contributo que me é possível dar face a tanta insensibilidade dos governos da Guiné.

Se entenderes que pode ser publicado, força. Se não, também estás à vontade.

Um Alfa Bravo,

Alberto


2. Mariama,
por Alberto Nascimento


Fim de Novembro ou princípio de Dezembro de 1962, após o destacamento em Piche, primeiros dias em Bambadinca.

Nova terra, novas gentes e, à noite, as visitas à tabanca para os contactos com a população com quem sempre me senti à vontade nas diversas povoações onde estive destacado. De uma das moranças à entrada da tabanca veio um boa noite, que me fez aproximar. Eram duas mulheres ainda jovens com quem acabei por ficar a falar no meu péssimo crioulo. Uma delas foi acudir ao choro de uma criança no interior da casa.

Perguntei o nome à que ficou:
- Mariama... e tu?

Atirei com um nome que sabia que ela não aceitava como verdadeiro.
- Sou Mamadu Baldé - Rimos-nos, falou-me da origem do nome Mamadu e eu acabei por lhe dizer o meu nome verdadeiro.


Guiné > Zona Leste > Bambadinca > CCAÇ 84 (1961/63) > O Sold Cond Auto Alberto Nascimento, em convívio com a população mandinga de Bambadinca.
Foto: © Alberto Nascimento (2008). Direitos reservados.


Passei no dia seguinte pela casa e vi-a acompanhada por uma menina com cerca de um ano, sua filha, e tive oportunidade de ver que a Mariama era uma mulher bonita, fora do comum, mesmo na sua etnia, a Mandinga, cujas mulheres em geral são bonitas.

Passei a parar para a cumprimentar quando ia à aldeia onde já tinha feito amigos e algumas vezes demorei mais a conversar com ela e a brincar com a pequenita que rapidamente se afeiçoou a mim, tanto como eu a ela, depois poucas vezes passei da casa dela onde ficávamos a conversar sobre os costumes da sua etnia, costumes de que ela discordava em algumas práticas, e no que tinha o meu total apoio.

Um dia surpreendeu-me ao dizer com ar comprometido que não se chamava Mariama, que dava este nome a pessoas que não conhecia e com quem não queria muita confiança. Disse-me o nome verdadeiro. Falou da sua vida, do seu casamento contratado pelo pai com um indivíduo que nem sequer era guineense. Mais tarde o marido resolvera voltar para o seu país mas ela, alegando ter de tratar do pai já muito doente, recusou-se a acompanhá-lo. Preocupava-a a atitude que ia ter o irmão que, após a morte do pai, podia, se houvesse outro pretendente, voltar a “vendê-la”.

Foi uma amizade que me ajudou a alhear do que se passava na outra vida a que era obrigado, a das normas militares, das fardas, das armas, da violência que começava a desenhar-se e já se previa para um futuro próximo e do valor ideológico que me mandara para a Guiné.

Os dias passavam lentos na contagem decrescente para o regresso à metrópole e as nossas conversas convergiam sempre para o futuro. Parecia adivinhar que os dias de calma que vivera desde criança tinham acabado e se avizinhavam tempos difíceis, mas ainda estava longe, tal como eu, do que seria a realidade.

Soubera, do muito comentado entre a população, caso do padre Grillo (3), e tinha ouvido falar do que se passara em Samba Silate, em Poindom e também se apercebera dos prisioneiros que os militares tinham feito nestas povoações, sem uma única crítica, somente uma grande preocupação pela segurança e futuro da filha, e sem deixar transparecer simpatia por qualquer das partes já em conflito, ou eu não quis ou não consegui entender...

Alguns dias antes da partida de Bambadinca para Bissau, a Mariama disse-me que tivera conhecimento que um rapaz de quem era amiga, e já não via há bastante tempo, estava preso em Bafatá “por ser contra os brancos”. Pediu-me que se parasse em Bafatá falasse com ele para lhe dar cumprimentos. Não sabia se era possível ter acesso à zona onde estavam os prisioneiros, mas prometi que faria o possível.

No dia da partida fizemos realmente uma paragem em Bafatá e um camarada indicou-me a prisão e até me elucidou, julgo que com verdade, sobre o destino dos presos que tinham um trapo atado ao pescoço, a marca dos que foram considerados mais activos nas acções contra colonialismo e, por conseguinte, sujeitos a maior pressão nos interrogatórios, que podiam determinar o seu fim.

Frente à grade da cela, como não o conhecia, pronunciei o seu nome. Aproximou-se e transmiti-lhe o recado que ouviu com um sorriso e agradeceu. Ele tinha o trapo no pescoço.

Afastei-me e tomámos o caminho de Bissau.

Sentia uma sensação de alívio, não por ter dado o recado, mas por saber que não voltava a Bambadinca e assim não tinha que, olhos nos olhos, dar tão má notícia à Mariama, ou ocultá-la, o que não me faria sentir melhor.

Se ao tal rapaz aconteceu o pior, tal como o camarada de Bafatá havia dito, talvez a Mariama tenha tomado partido.

Ainda trocámos uma carta alguns meses depois da minha chegada a Lisboa, depois, com as alterações que a guerra deve ter provocado na vida daquela povoação e daquela gente, preferi, sem nunca esquecer estas duas amigas nem o tempo passado em Bambadinca, guardar a recordação num daqueles arquivos que todos temos na mente, para só serem consultados em certos momentos.

Este foi o momento.

Escrevi esta história há bastante tempo, mas sempre tive dúvidas do interesse que teria para o blogue, dado relatar uma situação muito pessoal, e certamente por essa razão, nunca a enviaria.

A leitura do poste 3167 – Morreu o Nuninho da Cadi, de paludismo, de abandono (2) – e as palavras dedicadas pelo Luís Graça aos amigos da Cadi, tocaram-me profundamente e mais uma vez dei comigo a pensar na Mariama, na sua filha e nas muitas mulheres e crianças que vão sobrevivendo na Guiné.

Se a guerra as poupou, será que a Mariama conseguiu vencer as muitas doenças que afectam os guineenses e contra as quais só podem contar com o apoio de algumas ONG e instituições religiosas? Será que tem a “sorte” de se encontrar no grupo dos 3% da população que consegue viver mais de 65 anos? A filha terá conseguido chegar à idade adulta ou aconteceu-lhe o mesmo que ao Nuninho?

Perguntas que doem e não se justificariam se os diversos governantes que dirigiram o destino da Guiné desde a independência tivessem como principal preocupação o seu povo, se fossem honestamente e bem geridas as verbas cedidas ao abrigo de acordos de cooperação com a Suécia, Dinamarca, Alemanha, França, Portugal e outros países, verbas destinadas a manter activa a assistência à saúde (paludismo, sono, cegueira da mosca, lepra, etc.), mas que nunca eram utilizadas totalmente para esse fim, sendo em alguns casos simplesmente desperdiçadas, talvez porque era dinheiro que não custava a ganhar.

Como diz o Luís Graça, a “Cadi vai lutar por um país, que sonhou e por que lutou o seu pai. Não tens outro jeito, Cadi”.

A minha solidariedade para com a Cadi e as muitas Cadis da Guiné.

O meu lamento pelo destino do Nuninho e de todos os Nuninhos, diariamente vítimas da insensibilidade e ganância dos adultos que dirigiram e dirigem o destino do povo guineense e não perceberam ainda que as crianças que hoje deixam morrer, seriam o futuro da Guiné. Os governantes de hoje já estão a perder o país de amanhã, a não ser que pretendam que a futura população da Guiné seja no futuro constituída pelos seus descendentes, aqueles que, pelo estatuto dos pais, tiveram direito a tudo o que os outros não tiveram.

Alberto Nascimento
3. Comentário de L.G.:
Decidiste em consciência, e decidiste bem. Podias levar esta história para a cova contigo, quando chegasse a tua vez (que dobres pelo menos o cabo da centena, são os votos que eu te faço...). Mas, não. Quiseste, finalmente, partilhá-lha com os camaradas e amigos da Guiné e os demais leitores do nosso blogue. Fico sensibilizado e agradeço-te.
A nossa história está intrinsecamente ligada à história dos homens e das mulheres da Guiné do nosso tempo, qualquer que tenha sido a sua posição e o seu papel durante os anos da guerra colonial (ou de luta de libertação, na terminologia nacionalista do partido fundado e liderado por Amílcar Cabral). Obrigado também pela solidariedade e sensibilidade. Espero que, a pouco e pouco, o dique da tua resistência ou relutância em falar destas coisas mais pessoais ou intimistas, se já desvanecendo...
_________


Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3044: Estórias avulsas (16): Os cães de Bambadinca (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)

14 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3059: Memórias dos lugares ( 9): Bambadinca , 1963 (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)
(2) Sobre o caso da Cadi, vd. postes de:
3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)
3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3168: Ser solidário (20): Bissau: O triste caso da Cadi e a ajuda extraordinária do Tino, que trabalha na AD (Nuno Rubim)
(3) Vd. poste de 11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63

Guiné 63/74 - P3180: Tabanca Grande (84): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil, Guiné, 1968/70

1. Mensagem com data de 31 de Julho de 2007, do nosso camarada Jorge Teixeira, ex-Fur Mil que esteve na Guiné entre 1968/70.

Assunto: Minhas lembranças

Amigo Luís
Como disse há dias, vejo, leio e passo, com uma lágrima ao canto do olho.

Nunca tive a coragem de deixar algo escrito, embora tenha muitas lembranças, que venho refazendo desde há dois anos para cá.

Se me permites, vou deixar hoje uma, pois marcou uma viragem na minha vida emocional.

Se achares que merece figurar nos arquivos, está à vontade.

Um abraço do
Jorge Teixeira


2. Catió, 1969, 1 de Agosto
Por Jorge Teixeira

Estamos a comemorar os nossos 15 meses.

Conseguimos uns pesos da CCS, através da influência do Comando, para comprar uns franguitos, e como foi difícil consegui-los.

Convite feito, por gentileza, aos nossos Primeiro e Segundo Comandantes, bem como ao Primeiro da CCS, lá fomos trinchar os bichos, divinamente arranjados pelo Carrapato, na messe dos oficiais.

Convívio terminado, fomos ao posto de Catió Fula, levar umas cervejas e umas sandes ao nosso pessoal que estava de serviço.

Depois os mais resistentes ainda me acompanharam numas cervejas na messe dos sargentos

Fomos deitar nas calmas, mas ainda estava a ler o meu livro da ordem, quando cerca das 2 da manhã, estourou um fogachal tremendo dentro do Quartel e de Catió.

O maior barulho que jamais ouvi.

Eles estavam dentro de Catió.

Como habitualmente nos casos de fogachal, o meu pessoal que estava na unidade, tinha de arrancar para reforçar os postos exteriores.
Toca de arrancar debaixo daquela sinfonia de luz e cor. Pelo caminho muitas escaramuças.

Regresso ao quartel já o dia a clarear, cerca das 5 da manhã. É que o Comando se esqueceu de nós ... e tudo dormia na santa paz dentro da unidade.

Fizemos o reconhecimento

Conclusão: 1 morto e um prisioneiro do lado IN e captura de razoável quantidade de armamento e munições.

Da nossa parte só escoriações.

As granadas de bazooca capturadas, com a autorização do meu pessoal, trocámo-las pelo dinheiro a que tinhamos direito. É que não tinhamos uma única granada explosiva. E as incendiárias, fora de prazo há anos, tinham apenas o efeito psicológico do barulho. As que explodiam.

O pior veio a seguir.

Fui ao banho e estava na messe a tomar o pequeno almoço, quando alguém me avisou que o Comando (?) deu ordem para expor o MORTO, juntamente com o armamento em frente à porta da unidade!!!

Eu não quis acreditar, mas era verdade. Corri ao meu quarto, peguei na máquina fotográfica e fui fotografar aquele quadro.

Às 9 horas tinha fotos reveladas e 4 delas prontas para mandar para a Metrópole para os meus amigos mais íntimos verem uma ideia miserável.

Por qualquer razão, nenhum desses amigos chegou a ver as fotos... pois nunca as receberam.

Já tinha visto vários mortos, dos dois lados, que me chocaram imenso.
Mas no momento em que enquadrei este morto na máquina, senti uma espécie de baque. A partir desse dia a minha vida passou a ser um inferno.

O medo apossou-se de mim de tal maneira, principalmente à noite, que redobrei de cuidados e de segurança. Passei a ser muito duro com o meu pessoal sobre esse aspecto.

Mas esses cuidados e os desenfianços no mato não chegaram, pois cerca de um mês depois tivemos a primeira baixa no pelotão.

E até hoje me sinto culpado dela, pois o rapaz foi-me substituir numa missão. Embora estivesse doente, a cabeça não me deixava esforçar mais. E era uma missão tão simples, tão rotineira.


Catió > 1 de Agosto de 1969

3. Comentário de CV

Caro Jorge Teixeira
Depois de ter recebido o teu mail onde apresentavas o teu descontentamento por te achares desconsiderado por nós, verifiquei que tinhas este mail, de 31 de Julho de 2007, perdido na imensidão de mails existentes na caixa de correio do Blogue.

Neste mail tinhas também enviado as tuas fotos da praxe para a fotogaleria, logo nunca foste apresentado formalmente à tertúlia. Tenho que confessar que a tua entrada não correu muito bem, porque coincidiu com o mês de Agosto, mês de todas as confusões.

Pedir desculpa, nem peço, porque deves estar mesmo zangado.

Quando nos contactares com outra estória tua, espero que seja breve, se me perdoares esta falta, diz-nos a que Unidade pertenceste e por onde andaste, na Guiné.

No nosso blogue, como verdadeiros camaradas que somos, não fazemos distinções entre os antigos postos militares, a posição na Sociedade e a formação académica. Na nossa Tabanca Grande tratamo-nos por tu precisamente para salientar essa característica.

As estórias que cada um conta, não são filtradas pelo facto de não exibirem qualidade literária. Escrevemos como sabemos, respeitamos as diferentes correntes de opinião, discutindo-as com cortesia.

Caro Jorge, não fiques com má impressão nossa, continua a ler-nos, porque diariamente tens um poste novo colocado com algum sacrifício da parte de quem, retirando algum tempo à família e ao descanso, tudo faz para não desagradar a tertúlia. Não somos perfeitos, nem infalíveis.

Não te esqueças que esperamos mais estórias tuas.

Um abraço
Carlos Vinhal
_____________

Nota de CV

Vd. poste de 11 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira, onde se pode ler:

3. Mensagem de
Jorge Teixeira, com data de 10 de Abril de 2007:

Caro Graça:
Só agora me disponibilizei a dar seguimento ao mail do João. Sim, em tempos te escrevi, para saber se poderia colaborar e mesmo fazer parte do grupo.
Acredito que tenha passado despercebido, e não tem mal nenhum isso ter acontecido, pois o mais importante é ver e ler o que se passa no espaço.
De qualquer forma, como atrás disse, gostaria de fazer parte do grupo.

Estive na Guiné entre Maio/68 e Abril/70. Por acaso fez anos ontem que passei à disponibilidade.

Fico esperando as tuas notícias e até lá recebe um abraço do
Jorge Teixeira

Comentário de L.G.
Jorge:
És bem vindo… O João Tunes (2) veio lembrar-me a minha descortesia ao não responder-te em tempo útil... Houve um lapso qualquer... Peço-te que me perdoes... Não tenho a tua mensagem original, a pedir a entrada na nossa tertúlia... Cumpres o resto das formalidades (duas fotos, uma estória...).
Apresento-te depois ao grupo.
Não queres aparecer, entretanto, em Pombal, no dia 28 de Abril?
Um abraço.
Luís Graça

sábado, 6 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3179: Os nossos regressos (15): Facas de mato, paludismo e ataque no meu regresso...(Paulo Santiago)


Ilustração feita pela Joana Graça (2008), designer e filha do Luís Graça, para "Os nossos regressos". Com os nossos agradecimentos.

O meu regresso

Paulo Santiago

Em fins de Julho de 1972 vim a Bissau, penso que a uma REP (1) ligada ao material, tratar de um auto de abate de facas de mato, que estavam em falta na carga do PelCaçNat 53. Herdei a situação do meu antecessor, como piriquito pensei estar tudo certo, não imaginava faltarem a merda das facas. Ficou tudo resolvido, regressando ao Saltinho de avião, via Xitole.


Saltinho, uma paisagem idílica se não fosse ....
Com a devida vénia ao autor da foto que não identifiquei.

Paludismo agora

Na aeronave comecei a sentir arrepios de frio,"estou lixado, agora vou ficar doente"pensei.
Estava mesmo doente,diagnóstico paludismo.

Tirando umas otites,nunca qualquer doença tinha convivido comigo naqueles vinte e dois meses,tinha tido o acidente com o morteiro, o que originou uma colecção de pontos no toucinho da coxa, mas não me atirou para a cama, andei agarrado a uma bengala improvisada, o psico também andava alterado, mas doença, daquela de atirar um gajo abaixo, chegava agora. Fui medicado,mas aquilo era lixado, tinha frio e transpirava rios de água, levantava-me e sentia-me como se fosse numa tempestade em mar alto, cambaleava e caía como se estivesse com a maior das bebedeiras, um suplício.
Andava nestas bolandas, chega o meu substituto, esqueci o nome, era da Figueira da Foz. Chegou a 30 ou 31 de Julho. Passado um dia ou dois, ainda muito atordoado, mas já melhor, lá lhe transferi a carga do pelotão. Tudo certinho.

No dia 3 de Agosto, pela manhã, informaram-me que tinha sido pedida uma evacuação, não urgente, para uma mulher da população, evacuação que seria feita através de avião do Xitole. Preparei as malas, dei dois camuflados, um ao Bobo outro ao Cristóvão e iniciei as despedidas.

Estava contente, mas a despedida abalou-me imenso. Primeiro, era o Fur Mil Mário Rui, com mais tempo de comissão, ainda ia continuar no 53 até chegar quem o substituisse, segundo, eram os meus cabos e soldados com quem convivera desde Out. 70, que tanto me tinham ajudado e apoiado, principalmente nestes últimos meses de enfrentamento com o Lourenço.

Choraram e chorei lágrimas sentidas. Será que algum dia iria encontrar alguns deles?

De coluna para o Xitole, primeira vez sem G-3

Pela primeira vez sem arma, lá fui na coluna, ao início da tarde de 3 de Agosto de 72, para o Xitole, à espera de um avião que não chegou. Conhecia mal a malta do Xitole, na anterior companhia tinha algum convívio com os Alf's, nesta, quem conhecia melhor era o médico. Como o avião não veio, arranjaram-me sítio para ficar. Estava a escurecer, e sentados junto à messe bebíamos um copo fazendo horas para o jantar.

Com o PAIGC é Guerra até ao fim

Há um Alferes matulão que diz "faz hoje um ano, o quartel foi atacado, é o aniversário do PAIGC e o Jamil não está cá".

Ainda o eco destas palavras não se tinha extinto, ouvem-se saídas de canhão S/R. Tudo para a vala que ficava ao lado.

Merda, um ataque na despedida, a vala com alguma água e eu meio febril.
As granadas a rebentarem ali perto, acho que uma acertou numa qualquer edificação, e o Alferes matulão começa a levantar a cabeça "oh caralho baixa-te", dizem-lhe os outros e ele responde "esta saída já foi nossa, é o 10,7".
Passado pouco tempo,acabaram os rebentamentos, aproximando-se um militar que informou ter o morteiro 10,7 encravado logo com a primeira granada que lhe enfiaram.
Sei hoje o nome do Alferes matulão,chama-se Joaquim Mexia Alves.

Com a PM a Guerra é só em Bissau

No dia seguinte, mais uns medicamentos tomados, apareceu o avião que me trouxe para Bissau. Fui ao QG saber quando tinha avião para regressar à "Metrópole"e quando fazia o pequeno trajecto até ao Clube de Oficiais, pára um jipe da PM ao meu lado, donde sai um cabo que se me dirige e após a continência da praxe diz "o meu Alferes não pode andar com essas botas" (eram botas de fuzileiro).
Fiquei fodido "ó seu caralho, já ando com estas botas há muitos meses, perante toda a gente, portanto não me foda, não vim ontem do mato para você me chatear a cabeça" e segui para o Clube.
O NRP Orion estava atracado em Bissau, onde bebi os últimos copos com o Comandante Rita que me ofereceu para despedida uma garrafa de Napoleon.

De Boeing para Lisboa e de táxi para casa, com paragem na Ponderosa

Passada uma semana em Bissau, um sábado, apanho o Boeing dos TAM de regresso a Lisboa.
Não tinha ninguém à minha espera, os meus pais não sabiam da minha vinda naquele dia.
Juntámo-nos quatro militares, três iam para o Porto, apanhámos um táxi e viemos por aí acima.
Em Alcoentre parámos na Ponderosa, aí telefonei para casa dizendo ao meu pai que ia a caminho de casa. Trazia comigo a minha máquina fotográfica Olimpus que ficou esquecida no táxi, nunca mais aparecendo.

Na segunda-feira fui a Lisboa aos Adidos, onde me passaram a papelada habitual. Depois parti para outra...mais ou menos apanhado.

Paulo Santiago
__________
Notas de vb:

(1) 4ª Rep, eventualmente;
(2) art. relacionado em

Guiné 63/74 - P3178: Blogpoesia (24): A minha pequenez é que era uma tristeza (Rui A. Ferreira)

Sedutora, atractiva, aterradora, mortífera...



Guiné. Foto de Knut Andreasson. Nov. 1970. Fonte: Nord Documentation on the Liberation Struggle in Southern Africa. Com a devida vénia.


A Floresta


Selvagem nas terras de ninguém, perdida,
indiferente ao tempo que passava vagaroso,
exuberante ao Sol que lhe condicionava a vida,
misteriosa no interior dum cinzento tenebroso.

Crescendo na imensidão daquelas vastidões,
Sôfrega nos terrenos que ia conquistando,
numa profusão de espécies e de dimensões,
pelos espaços devolutos se iam hostilizando.

Era tal a superioridade das Forças da Natureza,
tão afrontosa a altura, tão milenar a idade,
que a alma se conformou com a certeza.

Não me perturbava tão brutal grandeza
mas, perdidas as ilusões perante a realidade,
a minha pequenez é que era uma tristeza.


Rui A. Ferreira
__________

Notas de vb:

1. O Ten Cor Ref Rui A. Ferreira é natural de Angola (Lubango, 1943). Tem duas comissões na Guiné, primeiro como Alferes Miliciano (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) e depois como Capitão Miliciano (CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72). Fez ainda uma comissão em Angola, como capitão. Publicou em 2001 a sua primeira obra literária, "Rumo a Fulacunda".

2. Do mesmo autor, artigo em
4 Setembro 2008 > Guiné 63/74 - P3169: Blogpoesia (23): Amálgama de sentimentos e emoções...(Rui A. Ferreira).

Guiné 63/74 - P3177: Convívios (80): Ex-militares da CCAÇ 799/BCAÇ 1861 na Quinta do Paúl em Ortigosa, no dia 11 de Outubro de 2008

Velhinho guião da CCAÇ 799/BCAÇ 1861, (Firmes e Constantes) certamente carregado de história.


1. Mensagem do dia 5 de Setembro de 2008, de Arménio Vitória, provavelmente um camarada, que nos pede para divulgar o Encontro da CCAÇ 799/BCAÇ 1861.

Caros amigos
Solicito-vos a divulgação da realização do encontro dos militares e famílias da Companhia de Caçadores 799 (Guiné, Cacine/Cameconde – 1965/1967), cujo guião anexo, no próximo dia 11 de Outubro na Quinta do Paúl, em Ortigosa / Leiria.

Com os meus cumprimentos
Arménio Vitória

Guiné 63/74 - P3176: Estórias de Guileje (14): O meu (in)subordinado de transmissões (José Carioca, ex-fur ml tms e cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje , 1971/72)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Restos do aquartelamento, abandonado pelas NT em 22 de Maio de 1973. Segundo o nosso amigo Pepito (que regressou ontem à sua terra, depois de um merecido período de férias em Portugal), há agora boas condições (políticas, com o novo governo chefiado por Carlos Correia, de 72 anos, engenheiro agr+onomo, formado na antiga RDA, homem tido como sério e rigoroso, um dos históricos do PAIG e próximo de 'Nino' Vieira), para se avançar com o sonho do Museu de Sítio de Guileje, projecto da AD - Acção para o Desenvolvimento, acarinhado pelos antigos combatentes do PAIGC e pela população local, e que tem desde o início o nosso entusiástico apoio. Guileje ainda está sob servidão militar, como todos os demais antigos aquartelamentos das tropas portuguesas no período da guerra colonial. Por Guileje passaram centenas de camaradas nossos, incluindo os Gringos de Guileje, que aqui se evocam nesta estória do Zé Carioca (LG).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do José António Carioca, um Gringo de Guileje (*), com data de 31 de Julho (*).

Assunto - Contadores de estórias


Olá Luís, boas noites, tudo bem?

Ao navegar pelo blogue fui parar a um artigo de 18 de Janeiro de 2007: Guiné 63/74 P 1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70).

Seguidamente entro no P1431 de 15 de Janeiro de 2007, Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito/Nuno Rubim).

Fiquei espantado! É que a foto que aparece de A.S., é enviada pelo irmão Manuel, que está a reproduzir alguns enxertos do post de 26 de Janeiro de 2006 (...) (Quando a terra treme). Então entrei no link do Ninho do Açor On Line, de Manuel Sousa, para ler este artigo (**).

Ora, fiquei pasmado, pois o A. S. esteve comigo em Guileje, pertenceu ao meu grupo, foi para lá por castigo derivado ao seu alegado ‘mau comportamento’. As semelhanças são tantas que não pode ser pura coincidência...

Como ele houve outro, em Guileje, não sei o que terão feito para merecer tal castigo, só que o A. S. em Guileje também teve comportamentos que no mínimo, e à luz dos valores da época, do RDM, da situação de guerra, etc. , poderíamos considerar como 'estranhos', ‘indesejáveis', 'reprováveis'...

Eu sei que no blogue não se fazem juízos de valor sobre o comportamento dos camaradas. Não sou juiz, nem quero julgá-lo. Mas apenas relatar duas estórias, em que ele é o protagonista principal.

A alcunha dele era o Doutor Maluco, porque andou a dizer ao resto do grupo que era doutor. Não se dava com ninguém, olhava as pessoas cabisbaixo, de lado... Recordo-me que uma vez para rapar alguns pêlos mal semeados na cara foi para as instalações dos oficiais. Ao ser repreendido por um dos oficiais, respondeu para este que estava a gozar dos seus plenos direitos....

Se bem me lembro, o A. S. tinha sido 1º Cabo mas, com os recorrentes processos disciplinares, para além de vários dias de prisão, teria sido despromovido.

Outra peripécia que me lembro bem foi: O A. S., como todos os outros militares de transmissões que reportava a mim, teria que fazer serviço no posto de rádio. Então um dia teve que entrar de serviço às 5 horas da manhã. Como não aparecia para cumprir com a sua obrigação, o camarada que deveria sair para ir descansar, aguentou mais trinta minutos porque quis assistir à saída de uma patrulha que ia para o mato.

Como já era normal o nosso Doutor chegar atrasado ao serviço, foi chamá-lo e acompanhou-o até ao posto de rádio, só depois se foi embora. Com isto já seriam umas 5 horas e 45 minutos, mas muito perto das 6 horas a patrulha no mato sofre uma emboscada, o operador de rádio começa a chamar para o quartel para pedir apoio aéreo, no quartel ninguém respondia às chamadas, pois o nosso homem abandonara o posto e fora para a caserna voltar... a deitar-se.

Obviamente que o tiroteio era ouvido no quartel e toda a gente se deslocava para junto das transmissões, todos os elementos do grupo de transmissões (inclusivamente eu) e os criptos estavam com os ouvidos postos nos rádios, fazendo um trabalho em vários equipamentos para o pedido de apoio aéreo e depois o contacto com os pilotos para dar as coordenadas dos nossos militares em apuros...

O próprio Capitão [da CCAÇ 3477] estava nessa patrulha. Felizmente tudo acabou bem. Mas, para minha grande indignação, o meu subordinado nem sequer apareceu no posto de rádio… Escusado será de dizer que, na altura, só me apetecia dar-lhe dois murros bem dados... Enfim, são águas passadas que não moem moinhos. E eu hoje se o visse, só podia dar-lhe um... abraço.

O Sr. Manuel Sousa conta neste artigo [do seu blogue] que o Alferes João Tunes (***) se deslocava todos os meses a Guileje para mudar os códigos de cripto, sinceramente não me lembro no meu tempo de alguém o ter feito, acho que se alguém lá fosse pelo menos duas ou três vezes durante o ano, que lá estivesse a passar uma semana, teria forçosamente que contactar comigo. Mas mais estranho é o facto da descrição que faz sobre a sua chegada a Guileje, passo a descrever:

A chegada ao destino descreve-a assim: “As palmeiras da periferia do quartel de Guileje perfilavam-se na frente da Dornier. À frente delas, distinguia-se o que parecia ser um estado degradado e meio despedaçado com uma bandeira portuguesa comida pelo sol e rota nos cantos içada no meio dos casinhotos”…

Conta ainda que os soldados de ” rostos fechados e olhares distantes” nem pareciam pessoas, mas “ ratos metidos dentro de uma ratoeira, destinados a apanhar porrada” ou “um bando de humanóides sem vontade de viver.”

E mais adiante conclui o João Tunes: “ Os militares de Guileje sentiam-se mais perto de outra vida que da vida vivida. Os que não estavam malucos por lá andavam perto".

Mais à frente no artigo (vd. parte com o título "O troar dos canhões"), escreve o autor do blogue Ninho do Açor:

“Enquanto o meu irmão esteve em Guileje o quartel era atacado com frequência mas normalmente não havia baixas mortais”. Depois mais à frente ainda nos conta: "O ambiente no quartel decorria com uma certa normalidade quando no primeiro trimestre de 1973 o nosso conterrâneo recebe uma guia de marcha para se apresentar no quartel general em Bissau, avizinhava-se o tão ansiado regresso à metrópole" (...).

Olha, Luís, eu entrei no blogue do Ninho do Açor que pertence ao Sr. Manuel Sousa, quis fazer lá um comentário sobre tudo isto que acabo de ler mas não consegui, dava sempre erro. Como não sou nenhum expert em informática e nem consegui descobrir qualquer endereço de email, para o fazer recorri à Tabanca Grande para dizer que apenas tenho conhecimento de um camarada Gringo que de facto ficou com um trauma de guerra…

Estive com ele no almoço dos Gringos do ano passado (****), apenas soube que ele não consegue ver comentários de guerra, que chora. O que diz o narrador sobre o estado do pessoal em Guileje acho exagerado… Só farei qualquer comentário mais aprofundado sobre este assunto se tiver a certeza de que quem escreveu este artigo, o quiser fazer.

Sei que alguns Gringos já faleceram por acidente ou por doença, gostaria de saber se o A. S. ainda é vivo e se está ligado à cultura, como consta no blogue do Ninho do Açor (*****).

Abraços, José Carioca
____

Notas de L.G.:

(*) José Carioca, ex-Fur Mil Trms e Cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje (1971/72)

Vd. poste de 6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2815: Tabanca Grande (67): Os Gringos de Guileje: Abílio Delgado, Zé Carioca e Sérgio Sousa (CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972)

(**) O autor do blogue, o Ninho do Açor (que parece estr actualmente inactivo, o último poste remontado a 2006) apresenta-se como professor primário, matemático, astrónomo amador, historiógrafo, folclorista, latinista, especialista de descida de rios em caiaque, etc..; é ainda autor de outros blogues:

No blogue Gente da Minha Terra, há um poste com data de 2 de Outubro de 2004 sobre o A.S., que o Zé Carioca julga ser um seu antigo camarada de transmissões. Aqui vai um extracto:

(...) "No período de 1971-1973 esteve na guerra colonial, na Guiné, onde passou por várias vicissitudes que viriam a marcar o seu futuro carácter. Esteve destacado em Bissau e Teixeira Pinto, tendo conhecido neste último aquartelamento o Coronel paraquedista Rafael Durão (...).

"Os momentos mais penosos da guerra passou-os em Guileje e Gadamael, no sul da província, onde esteve várias vezes debaixo de fogo. De entre as histórias guerreiras que constituem o seu reportório de soldado há uma que considero especialmente caricata: aquela em que uma companhia inteira é posta em debandada por um... enxame de abelhas. Há também aquela em que o nosso herói ia sendo morto por um preto depois de ter ido espreitar as pretas a tomar banho nas bolanhas, mas estas são contas de outro rosário...

"Este nidense é o exemplo mais acabado de alguém que encerra dentro de si um talento artístico insuspeitado. Há muitos anos levou a cabo uma banda desenhada onde relatava as aventuras rocambolescas dum padre e da sua bombástica sobrinha. A historia, desenhada a tinta da china, ocupava cerca de 100 páginas A4 pelo que já poderia ser considerado um trabalho de certo fôlego. Um dia, porém, num acesso de perfeccionismo e de insatisfação artística decidiu queimar tudo (...).

"Com todo este potencial podia ter evoluído para um artista de grandes méritos, mas o seu temperamento volúvel e pouco sociável, aliado aos traumas psicológicos da guerra, não permitiram que o génio artistico se traduzisse em obras de vulto, pelo menos até à data" (...).

(***) Esse texto do nosso camarada João Tunes já foi aqui reproduzido: Vd. poste de 14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

(****) Vd. poste de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1869: Convívios (19): Os Gringos de Guileje, a açoriana CCAÇ 3477, encontram-se ao fim de 33 anos! (Amaro Samúdio)

(*****) Vd. último poste desta série, Estórias de Guileje> 12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2934: Estórias de Guileje (13): Com os páras, no corredor da morte: armadilhe-se o moribundo (Hugo Guerra)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3175: Antropologia (10): O Crioulo da Guiné (Mário Beja Santos)

O Crioulo da Guiné-Bissau (II)



O livro de Benjamin Pinto Bull encheu-me de orgulho pela sua importância quanto ao estudo da nossa língua e como ela influenciou e influencia o crioulo da nossa Guiné-Bissau. É um livro deslumbrante que merece um tratamento de divulgação. Farei um conjunto de referências e começarei a enviar mais na próxima semana.
"O Crioulo da Guiné-Bissau", de Benjamim Pinto Bull é uma edição de 1989, patrocinado pelo Ministério de Educação de Portugal, é uma edição conjunta do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (Portugal) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Guiné-Bissau). A capa é de Maria Fernanda de Carvalho e os desenhos de Cathie Peyredieu Pinto Bull, prefácio de Léopold Sédar Senghor

A Sabedoria do Crioulo Guineense

Beja Santos

Uma grande figura da cultura luso-guineense

Benjamim Pinto Bull (1916-2005) foi um lutador pela independência da Guiné-Bissau e um grande intelectual africano do século XX, aparecendo o seu nome ligado à promoção da língua portuguesa e ao estudo do crioulo guineense. Licenciou-se em Filologia Românica pela Sorbonne, doutorou-se em Rennes (também em França) com uma dissertação sobre O Crioulo da Guiné-Bissau: Filosofia e Sabedoria (Instituto de Cultura e Língua Portuguesa e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 1989). No prefácio do resumo do seu doutoramento, Léopold Sédar Senghor, antigo presidente do Senegal e membro da Academia Francesa exaltou a originalidade do seu trabalho como uma simbiose das culturas guineense, senegalesa e francesa. Pinto Bull apareceu na Universidade de Dakar em 1962 como responsável pela cadeira de Português. No final da década de 80 havia já no Senegal mais de mil alunos que aprendiam nos liceus do país a língua de Camões. O seu glossário de crioulo guineense é um trabalho magistral de valor incalculável, só precedido pelo trabalho pioneiro de outro guineense de grande estatura que foi o padre e investigador Marcelino Marques de Barros (1844-1928).

Senghor refere os aspectos capitais do trabalho de doutoramento de Pinto Bull e que são: o estudo das sobrevivências linguísticas portuguesas (toponímia, patronímica e vocabulário) na Guiné-Bissau, Gâmbia e Senegal; a abordagem do crioulo em geral e síntese dos diferentes falares crioulos; generalidades do crioulo da Guiné e referência a palavras crioulas nas relações e descrições dos viajantes e religiosos; o apogeu do crioulo ao tempo de Marcelino Marques de Barros e como é que ele entrou em declínio em meados dos anos quarenta; como se processou a reabilitação do crioulo, inclusive durante a luta da libertação. Começa aqui, talvez, a parte mais interessante do trabalho de Pinto Bull reservado ao património cultural crioulo. Ele analisa exaustivamente a filosofia e sabedoria do crioulo: provérbios, alcunhas, esconjuratórias, tradições e costumes, contos. E a nossos olhos abre-se uma realidade, uma bela narrativa oral que são as storia contadas pelos garandi contadas aos mais jovens onde se podem avaliar a alta qualidade das estruturas do conto crioulo com o seu estilo vivo cheio de ritmo e harmonia, manipulando com imenso talento os pleonasmos, as elipses, os eufemismos e até a ironia.

A dissertação de Pinto Bull é tão mais importante quando se sabe que o crioulo e o português vão coexistir ou coabitar por muito mais tempo. Se o português é a língua oficial da Guiné-Bissau, a língua que abre o país ao mundo exterior, fazendo-o escapar do isolamento cultural, o crioulo é língua viva e permanente da nação. Neste primeiro texto dedicado ao maior investigador de crioulo guineense do século XX e que faleceu no hospital Amadora-Sintra em 25 de Janeiro de 2005, precede-se à síntese dos capítulos referentes às sobrevivências linguísticas do português na Senegâmbia e uma abordagem do crioulo em geral.

Garandi k’ jungutu ta ma oja lunju di ke mininu k’ sikidu: Um ancião de cócoras vê mais longe do que uma criança de pé

Os portugueses baptizavam as terras que descobriam recorrendo hagiologia, os nomes dos santos e das santas eram frequentemente homenageados. Mas também as cores: Cabo Branco, Cabo Roxo, Cabo Verde. Inspiraram-se em animais, no ouro, na malagueta, etc. Restam sobrevivências linguísticas em diferentes regiões. No Senegal, os cristãos de Rufisque (talvez Rio Fresco) usavam nomes e apelidos portugueses, afrancesados. Gummes, Gonçalve, Rodrigue, Dies, Barrette, Baptiste. Os senegaleses, descendentes de imigrantes das ilhas de Cabo-Verde, são os Mendez, Gomez, Lopez que, em Ziguinchor se transformam em Mendy, Gomis e Lopy.

Na Gâmbia, Pte Barra é simplesmente a tradução do topónimo português Ponte da Barra e Ilha de Santa Maria deu origem ao topónimo inglês Sta. Maria Isle. Refere Pinto Bull que as autoridades coloniais da Gâmbia, dado o grande número de imigrantes vindos da Guiné Portuguesa que não falavam inglês, inscreviam o crioulo no registo civil sob a patronímica Carayol com o fim preciso de identificar esses emigrantes. Passando para a Guiné-Bissau, em que a palavra Guiné é de origem africana, aparecendo com várias grafias ao longo dos séculos, o topónimo Bissau é provavelmente papel, uma das etnias do país.

O actual Canal de Geba era designado nos mapas antigos sob o topónimo de Rio Grande ou rio Francasso, de origem mandinga. Os topónimos da região de Bafatá são de origem mandinga, os do Biombo são de origem papel, os de Bolama estão nitidamente associados ao crioulo e o mesmo se dirá de topónimos da região de Cacheu. Quanto à região de Gabu, prevalecem os topónimos de origem mandinga enquanto no Oio há topónimos claramente africanos que o crioulo respeitou.
Concluindo esta matéria, o investigador refere que a Guiné-Bissau tem diferentes topónimos de origem portuguesa que foram acrioulizados, há igualmente topónimos acrioulizados e há topónimos crioulos, caso de Gã Gregório, Ponta Augusto Barros e Ponta Consolação (gã em crioulo significa quarteirão de casa ou pequena aldeia e ponta propriedade rural). Pinto Bull refere o importante papel desempenhado pelos intérpretes na preservação das culturas guineenses e do crioulo em particular.

Os falares crioulos

Para os diferentes investigadores, a palavra crioulo designa um sistema linguístico autónomo de origem mista, que decorre do contacto de uma língua europeia com línguas indígenas ou importadas e que se tornou ou numa língua materna ou em língua principal de uma dada comunidade. Há crioulos com base lexical francesa, nas Américas (caso do Haiti, Martinica e Guadalupe, mas também na Guiana), no oceano Índico (caso da Reunião e Seychelles), crioulos com base lexical espanhola (o papiamento nas ilhas Curaçau, Aruba e Bonaire, por exemplo), crioulos com base lexical inglesa (Jamaica, crioulo da Guiana, o krio da Serra Leoa), crioulos com base lexical holandesa, crioulos com base lexical portuguesa (São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Malaca, Macau, Sri Lanka e Índia, mas também diferentes crioulos no Brasil). Depois, Pinto Bull anuncia que se vai centrar no crioulo da Guiné, fala da sua história, na Guiné de Cabo-Verde e na Guiné autonomizada de Março de 1879, refere o tráfego de escravos, a importância dos lançados, os recursos económicos, os aspectos étnicos e humanos. Começaremos o próximo texto falando das generalidades do crioulo da Guiné.
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Notas de vb:

(1) Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)

(2) artigos relacionados em

29 Agosto 2008 Guiné 63/74 - P3154: Antropologia (9): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos
11 de Agosto de 2008 Guiné 63/74 - P3128: Antropologia (8): Exposição Bijagós no Museu Afro Brasil, São Paulo