sábado, 11 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3294: O ataque a Tite, em 23 de Janeiro de 1963 (Parte I) (Carlos Silva / Gabriel Moura )


1. Mensagem do nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Armas Pesadas da CCAÇ 2548, Jumbembem, 1969/71, com data de 29 de Setembro de 2008

Assunto: Ataque ao Aquartelamento de TITE

Amigo Luís

Aqui vai um trabalho que acabo de publicar no nosso SITE http:/www.carlosilva-guine.com/

Penso que seria bastante interessante também publicares no Blogue. É inédito e é oportuna a sua publicação.

No Site eu tenho a disposição do trabalho um pouco diferente. Podes adaptá-lo como entenderes.


2. Caros Amigos e Camaradas

Da vasta bibliografia que possuo e li sobre a Guiné, Guerra da Guiné, Guerra Colonial, cerca de 200 livros, jornais, revistas e filmes que tenho visto na TV e em DVD, nada li ou vi de forma desenvolvida sobre os acontecimentos do início da Guerra na Guiné, relativamente ao ataque ao Aquartelamento de TITE, em 23 de Janeiro de 1963, levado a efeito pelos guerrilheiros nacionalistas, data invocada em todos os meios de comunicação referidos, sendo que alguns fazem breves referências a tais acontecimentos, não desenvolvendo algo sobre os factos que ali se passaram, a não ser a data em que efectivamente teve lugar o início da luta armada levada a efeito pelo PAIGC.

Contudo, no Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, há uma referência a um combatente da liberdade da Pátria, Arafan Mané, falecido em 2004, como sendo o guerrilheiro que deu o primeiro tiro em 23 de Janeiro de 1963, no ataque ao Aquartelamento de TITE e nada mais.

Pois é, mas também temos do nosso lado, um camarada que foi o primeiro a reagir e a responder com o primeiro tiro a esse ataque, de nome Gabriel Moura, também falecido em 2004 e que naquele dia e àquela hora estava de serviço de sentinela.

O Gabriel Moura, apesar de mais velho, foi meu amigo desde infância e de escola, tendo eu sempre convivido com ele e mais de perto nos últimos 2 ou 3 anos antes da sua morte, apesar da distância que nos separava, 330 Km.

Mas, o tema da guerra, comum aos dois, foi um factor de união, pelo que, partilhei com ele no contacto com alguns camaradas dele, na recolha de elementos, bem como prestei o meu pequeno contributo para a elaboração da sua publicação, não editada, sobre o ataque a TITE.


O Gabriel, antes de falecer de doença grave, demonstrou vontade e força para escrever alguma coisa sobre a primeira batalha da guerra, o que fez, e, posteriormente, mandou fazer 50 brochuras e distribuir pelos camaradas no último almoço em que participou.

Deixando assim o seu testemunho, narrando os factos na 1ª pessoa, tal como os viveu e sofreu na pele.

Nas páginas que se seguem podem, assim, ler, algumas referências bibliográficas alusivas à data do início das hostilidades, o curriculum do combatente Arafan Mané e o testemunho do nosso camarada Gabriel Moura e que o destino uniu estes dois guerrilheiros de campos opostos no primeiro, acabando por uni-los no ano da sua morte.

A quem participou nos acontecimentos, que já devem ser poucos, agradecemos que contribuam para o esclarecimento deste facto histórico tão importante.

Carlos Silva
Ex-Fur Mil
CCaç 2548/BCaç 2879
Massamá, 20 de Setembro de 2008

Vd. poste de 18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC: Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)


3. ATAQUE AO AQUARTELAMENTO DE TITE > 23 de Janeiro de 1963 > Início da Guerra na Guiné
Por Gabriel Moura



Guiné > Região de Quínara > Sector de Tite > Unidades que passaram por Tite entre 1961 e 1963: entre elas o Pelotão de Morteiros 19, a que pertencia o Gabriel Moura, e que integrava o BCAÇ 237.


5.11 - Considerações prévias ao ataque de Tite

Chegou a hora de eu entrar ao serviço [da meia noite até às 2 horas], de vigia ao aquartelamento de Tite, tendo de percorrer o caminho, pelo lado de fora do arame farpado, com as luzes de iluminação colocadas dentro do aquartelamento e projectando o seu foco para o caminho que eu tinha de percorrer, desde a messe dos sargentos [parte de baixo, fora do aquartelamento] até à messe dos oficiais [parte de cima e fora do aquartelamento], na estrada que passava por Tite e seguia para Nova Sintra, Fulacunda e Buba.



Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite > Regresso de 1 patrulhamento do Pel Mort nº 19

© Foto Gabriel Moura


De facto, desde o primeiro minuto da minha vigia, senti, como se diz na gíria, "um arrepio pelas costas abaixo", que me causou uma desagradável sensação e um pressentimento deveras esquisito, face ao aparentemente, e de acordo com o zero de informação de que os responsáveis davam às tropas, nada havia a recear!

Como de costume, naquela noite, éramos três militares em vigia:

Eu, como referi, na frente do aquartelamento, percorrendo para baixo e para cima com as luzes a "bater-me nas costas" e do lado do mato, negro como carvão. Outro colega,
[ver excerto do Diário cedido por Armando Silva, Noite de 22 para 23 de Janeiro de 1963, referenciado ao longo do texto] fazia a vigia na porta da prisão, [dentro do aquartelamento] onde estavam mais de cem pretos presos. Outro ainda, fazia a vigia do lado do Calino mas pela parte de dentro do arame farpado. Somente eu é que fazia a vigia pela parte de fora do arame farpado.



Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite> Gabriel Moura, junto ao Cavalo de Frisa
© Foto Gabriel Moura

Quando cheguei, na minha primeira passagem junto do Cavalo de Frisa, que dava entrada aos veículos pesados e ligeiros no aquartelamento pela parte da frente, pensei que aquela noite iria ser como tantas outras: um combate sem tréguas aos milhões de "sanguinários inimigos" que em nossa volta tentavam sugar-nos o sangue e os pensamentos [, os mosquitos].

Mas não iria ser assim. De facto, quando eu dei meia volta, para fazer a parte ascendente do caminho, comecei a ouvir muito ao longe, numa Tabanca que eu identifiquei pelo latido dos cães ser Fóia. O forte latido de cães causou-me uma forte reacção e interrogação, pois, àquela hora, não era costume os pescadores irem para a bolanha ou para o rio Geba pescar. E, mesmo se isso acontecesse, parecia não bater certo tratar-se de naturais da Tabanca, pois os cães poderiam ladrar alguns minutos mas logo se calavam por conhecerem as pessoas. A permanência dos latidos, por mais tempo do que eu achava razoavelmente para eles reconhecerem as pessoas, levou-me a considerar que estariam, concerteza, por lá pessoas estranhas e, como eram bastantes latidos, implicava tratar-se de agitação de pessoas estranhas em grande quantidade para o normal quotidiano...

Estas e outras constatações do meu raciocínio puseram-me com um novo sentimento que me obrigou a meditar no que se estaria a passar por lá.

Entretanto, ao fim de algum tempo, o número de latidos diminuiu, no meu entender porque as pessoas tinham começado a sair de lá ou a acomodarem-se por lá e os cães foram abandonando a sua agitação.

Porém, tudo, nesse momento, estava a causar-me forte impressão de um mau estar! Até os mosquitos voavam em minha volta com uma intensidade e zumbido muito superior ao habitual!

Parecia, até, que conseguia ver naqueles minúsculos "inimigos" uma força diferente de ataque, pois penetravam por todos os buracos que apanhavam no corpo e, ferozmente, cravavam os seus "projécteis" no local certo, causando-me dores diferentes das que já estava habituado.

Eram também, os morcegos, e os milhões doutros seres nocturnos, que pareciam querer dizer-me qualquer coisa " aos ouvidos " ou eu sentia que eles eram portadores de uma mensagem impressa pelas histórias, de uma vivência sofrida de povos perdidos e maltratados longe, muito longe, das suas famílias, das suas coisas, das suas tradições, dos usos e dos costumes e da força da terra que os pariu.

Até parecia que os répteis nocturnos, quase sempre assustados com o bater das botas no chão vermelho, que levantavam o pó seco e cheio de milhões de parasitas largados pelos cães lazarentos, quando estes os sacudiam das feridas crónicas do lombo ou das pernas para ao chão, surgiam espreitando-me, com um ar ameaçador, como que a dizer: Eu ferro-te, intruso!
Eram muitos e muitos os elementos do reino da natureza que se manifestara numa sensação de ataque: As libelinhas esbarravam-se contra o meu rosto, como nunca tinha acontecido, as mangas caíam como nunca, tentando atingir-me em qualquer parte do corpo. Era um sem fim de coisas esquisitas, para o meu gosto!

Até que, bem ao fundo das primeiras palhotas de Tite, começaram a ladrar alguns cães. Alguns latidos que eu até conhecia, daqueles cães que coabitavam connosco, no aquartelamento na sua busca de comida que sempre sobrava, relativamente à dos seus donos e que, por isso, eles, todos os dias, atravessavam o arame farpado ou entravam pela porta principal sempre aberta aos visitantes, e lá se apresentavam para tacho, criando-se elos de amizade.

Foi quando eu, ao ouvir esses latidos, senti ainda um calafrio mais forte. Precisamente, quando estava junto do cavalo de frisa, da parte de baixo do aquartelamento e começava a minha vigia para a parte de cima da zona da messe dos oficiais, o meu subconsciente indicou-me que algo de diferente se estava a passar, de facto, naquela noite!!!

À medida que os cães começavam mais a ladrar, em mais quantidade e mais perto donde estava, eu caminhava sem deixar, jamais, de olhar para trás na direcção do mato [que nada via, pois eu é que estava a ser iluminado, logo é que era visto]. Os meus passos passaram a ser tensos e os meus dedos estavam crispados no gatilho da metralhadora G3 que já tinha colocado em posição de fogo.

Enquanto caminhava ia formando, na minha mente, que se tratava de algo muito diferente. Ao chegar junto da entrada do aquartelamento que ficava em frente da casa da guarda , os cães ladravam já perto do aquartelamento de Tite e por trás do paiol das munições, bem como por toda aquela zona da messe dos sargentos até à messe dos oficiais.

Eu nada via, e nada sabia! ... Seriam pescadores, bêbados de qualquer batuque ou manifestação nocturna?!

Não me parecia!? ... Mas qual a certeza destas situações?!
Todos dormiam, apenas os três militares de serviço estavam acordados [pelo menos não estavam deitados].

Na casa da guarda, o Zeferino, [cabo da guarda naquela noite, ] o Armando Silva, o Alfredo, o Francisco, o Santos, o Adão e outros que estavam de serviço, todos passavam pelas brasas, pois que, de duas em duas horas, lá tinham que render os de vigilância, o que iria acontecer às duas da madrugada.




Guiné > Região de Quinara > Sector de Tite > 1961/63 > Quartel de Tite > Dois gondomarenses > À esq o Gabriel Moura, à dta o Zeferino [ambos já falecidos]

© Foto Gabriel Moura


Mas o destino jamais iria permitir a rotina e a normalidade, e tudo se iria modificar , transformar em 360 . Não só em Tite, como em toda a Guiné, no futuro, até 1974 e, se calhar, posteriormente, sem as tropas portuguesas mas com conflitos internos, bem diferentes dos que são, se eu tivesse sido abatido!? Talvez a organização política, económica e social deste país, passasse a ser conduzida com paz e benefícios humanos, onde todos pudessem participar....

Ninguém sabia como deveria reagir a tais situações!

A nossa preparação nos quartéis, durante o período de recruta, nada tinha a ver com guerras deste tipo, possíveis ataques do tipo de guerrilha, ataques a aquartelamentos, etc.

Nada, absolutamente nada!?

Posso acrescentar que, logo após a passagem de recruta a pronto, como se diz, cada um cristalizou suas tarefas da sua especialização ou passou a desempenhar outras, até passar à disponibilidade [nada tinha a ver com guerras ou guerrilhas...].

Depois, todos nós fomos, como já referi, apanhados em casa para embarcarmos com destino à Guiné, sem ter qualquer preparação, militar, psicológica, ou de meios, etc. Característica típica e histórica das tropas portuguesas mobilizadas para o Ultramar.

Recrutamento de militares para a guerra do Ultramar Português, uma questão para analisar e que se espelha em volta do que se passou, quer antes, quer no dia do ataque armado ao aquartelamento de Tite... Situação onde estávamos todos, incluindo eu, o único militar que teve de enfrentar os terroristas nesse ataque e suster a sua concretização até ao apoio das restantes tropas...

Tentar focalizar imagens reais de que nós enfrentámos é uma questão difícil bem como as tentativas de interpretação para quem não esteve presente, mesmo os que estavam no aquartelamento e vieram a ser os artistas do espectáculo do ataque ao aquartelamento de Tite, a contar com a repentina saída da soneira, têm dificuldade em escalpelizar este cenário.

Podemos, eventualmente, considerar que, para quem já esteve ou fez parte de situações próximas, onde a vida deixou de contar, seja mais fácil poder integrar-se no que se passou.

E como cada caso é um caso e, para os meus camaradas que tiveram, por imposição de representar a dita quota parte do espectáculo" quero dizer que a descrição, que irei fazer, erra por defeito sobre o que se passou na realidade e a minha transfiguração humana para uma outra dimensão, não foi mais do que arrastar o corpo pela força do espírito, numa ligação de êxtase que só acontece em sonhos ou em situações que ultrapassam, pela rapidez de imagem e situações, os sentidos biológicos e humanos.

As reacções e atitudes, as decisões e os comportamentos, a verdade e o acaso, tudo se reúne numa forma onde o homem e o pensamento passam para outra dimensão, reagindo sob instintos, pela sorte, pelos reflexos e se calhar, por mão divina?!

Uma coisa é verdade, para se ligar todos os pormenores e elementos à posterior, exige um esforço que deixa a certeza de que milhões de outros pormenores e situações que não foram possíveis contemplar numa descrição!

Porque é que eu, quando caminhava no sentido ascendente do caminho, mal dava um passo olhava para trás?!...

Era medo, era pressentimento?

Não sabia distinguir. O meu cérebro fixou-se e os meus sentidos passaram a trabalhar sob um controlo distinto do meu raciocínio! Como se diz na gíria: "estava em pulgas" [melhor dizendo: mosquitos, pois eram milhões em minha volta com um zumbido tão intenso e penetrante, que eu sentia-me completamente perturbado, percebem o trocadilho?! ].
(Continua)

Guiné 63/74 - P3293: O meu baptismo de fogo (7): Mansabá, 21 de Abril de 1970 (Carlos Vinhal)

Vista aérea de Mansabá, onde a CART 2732 permaneceu entre 21ABR70 e 23FEV72
Foto de Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732, Mansabá, 1970/72.


Caros camaradas, considero para mim ter tido dois baptismos de fogo na Guiné.

O primeiro que conto hoje, foi no dia da chegada a Mansabá e, um outro passados pouco mais de cinco meses, quando tive a primeira intervenção na neutralização de duas minas antipessoais, alguns minutos após ter morrido o meu oficial de Minas e Armadilhas.


O meu baptismo de fogo,
por Carlos Vinhal

Depois de desembarcar em Bissau em 17 de Abril de 1970, ida da Ilha da Madeira a bordo do Ana Mafalda, a CART 2732 permaneceu em Bissau até ao dia 21. Pela manhã saímos devidamente escoltados por uma força do BCAÇ 2885, sediado em Mansoa, com destino a Mansabá. Breve paragem em Mansoa e prosseguimos viagem, agora acompanhados por forças da CCAÇ 2403, Companhia que íamos render.

Muitos cuidados neste trajecto particularmente difícil, onde iriam perder a vida, mais tarde, dois camaradas nossos.

A recepção em Mansabá decorreu dentro da normalidade, com alguns cartazes que nos faziam lembrar a nossa condição miserável de periquitos e o quanto estávamos afastados de Lisboa e da família.

Como chegámos perto da hora de almoço, fomos avisados de que não precisávamos de recorrer às nossas Rações de Combate, pois tínhamos almoço de faca e garfo, oferecido pelos nossos anfitriões. Bom prato de batatas fritas com fiambre, salsichas e ovos estrelados, sopa e sobremesa, cerveja fresquinha a acompanhar e tudo isto à borla. O dia prometia.

Acabado o repasto, fomos dar um passeio de reconhecimento pela tabanca, ao longo da avenida principal, onde pudemos ver as montras, as garinas com as mamocas à mostra (ainda um pouco perturbador), etc. O conjunto era um pouco desolador e um tanto estranho para nós que há apenas 4 dias tínhamos chegado à Guiné. Crianças com barrigas enormes, sinal de má nutrição, pessoas e animais esqueléticos, produto da falta de condições básicas, mau grado o esforço da tropa e do governo de Bissau para tentar suprimir essas necessidades.

Regressámos ao conforto e segurança do arame farpado. A tarde foi passando, ouvindo as histórias dos velhinhos, mais ou menos inventadas para impressionar periquito, primeiros contactos com o whisky, a Fanta, a Coca-cola, o Gin tónico, a mesa de pingue-pongue, cartas e tudo o mais que ajudava a matar o tempo naquela desolação.

Por volta das 17 horas ouvimos uns sons, ainda estranhos para nós, mas que ficámos a saber se chamavam saídas, algures vindo de fora do aquartelamento. Passados segundos, começaram a cair morteiradas por todo o lado e ouviam-se distintamente os tiros de armas ligeiras com uma cadência muito superior às nossas G3, eram as famosas costureirinhas, disseram-nos. Os velhinhos mandaram-nos para os abrigos e que ficássemos lá quietinhos até a guerra acabar.

Quando as armas se calaram, fez-se o balanço dos estragos, tendo-se concluído que tinha sido a população a pagar a factura mais cara da chegada de nova carne para canhão a Mansabá. Tínhamos sido praxados com a dura realidade.

A esta distância, a recordação que me ficou foi de estupefacção, pois não imaginava que a guerra começasse sem nos ambientarmos primeiro. Que diabo, o IN podia ter mais compreensão, tínhamos chegado há pouco mais de 4 horas e já embrulhávamos!!!

Da HU da CART 2732 consta:

21 ABR [1970]- Chegou a Mansabá a CART 2732 destinada a render a CCAÇ 2403.

21 ABR [1970] - O IN flagelou Mansabá, durante 5 minutos, com Mort 82 e armas automáticas, causando 16 feridos na população.


Pergunta lógica: quem dormiu descansado naquela primeira noite em Mansabá? Eu não.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

Um Helicóptero Allouette III > Na foto, uma enfermeira pára-quedista (cuja identidade se desconhece) >

Fonte: Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74 > Victor Barata > 16 de Julho de 2007 > "AS NOSSAS GLORIOSAS ENFERMEIRAS PÁRA-QUEDISTAS" (com a devida vénia...)


1. Em relacção à questão posta no poste P3291, de 10 de Outubro de 2008 (Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar ), trocámos, na nossa Tabanca Grande, os seguintes mails:


(i) José Martins:

(...) Nas consultas que tenho efectuado para organizar os meus elementos para a Nova Crónica dos Feitos da Guiné, para o que tenho consultado vários elementos e de diversa proveniência, o que tenho registado é o que reproduzo abaixo:

25 de Julho de 1970 - Queda de um helicóptero na Guiné, de que resultou a morte dos deputados José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu e Pinto Bull.

(ii) Luís Graça:

Zé: E o pessoal do heli ? Pelo menos, dois (piloto e Melec)... Sei que ao todo morreram 6, incluindo os 4 deputados... O heli seria um Allouette III ? Os militares, da FAP, não constam na Lista dos Mortos do Ultramar...(Só vi lista da Liga dos Combatentes).

Julgo que o heli desapareceu nas águas lodosas do Rio Mansoa. Não terá havido sobreviventes. Seria muito pouco provável. A FAP deve ter feito um inquérito...

O PAIGC chegou a reivindicar, segundo o Leopoldo Amado, o abate do aparelho. Mas sabe-se hoje que isso era mera propaganda... Subsiste a tese do acidente provocada pelo tornado... A sabotagem era improvavel... Só o Leite Pinto, creio eu, era da "ala liberal" da Assembleia Nacional, e ainda por cima amigo pessoal do Marcelo Caetano (ou, pelo menos, seu antigo aluno brilhante). Mas o irmão, Vasco, do malogrado deputado, no livro de 2003 (que eu não li), acho que explora outras hipóteses... A FAP nunca terá esclarecido, publicamente, as circunstâncias do acidente... Se sim, porquê ? Pressões do poder político de então ?

Talvez o Jorge ou o Victor possam acrescentar algo mais...

Um Alfa Bravo. Luís

(iii) Jorge Félix:


Caro Luis Graça:

Contador de Histórias e narrador de feitos gloriosos, tivemos um. O seu nome serviu para, num trocadilho bem ao jeito da época, definir o autor e os feitos.
- Fernão, Mentes ?
- Minto !!!

Antes de contar o que sei, sobre o assunto que me é pedido informar, gostaria de vissem nisto a minha Recordação do acontecimento.

Ter estado na FAP não dá o direito, meu ou de outro qualquer, de Latinisar sobre o que aconteceu na Força Aérea.

Sobre este assunto, acidente de Helicóptero no rio Mansoa, de onde resultou a morte do piloto e mecânico, mais quatro ocupantes, (era assim que nós viamos os acidentes), tenho duas coisas a acrescentar para o nosso Blogue.

(a) Mediante os parcos conhecimentos de metereologia que tínhamos na altura, o que acontecia na Guiné , chuvas intensas, trovoadas, ventos fortes, era, na época das Chuvas, considerado por nós como "mau tempo". Nunca se lhe deu o nome de Tornado. Voavamos dentro do mau tempo, e a fugir do mau tempo. Havia situações, se bem se lembram, em que o dia se transformava em noite. As descargas eléctricas transformavam o mais profundo breu numa África luminosa. A água jorrava de tal maneira que o céu confundia-se com o mar. Cuidados acrescidos tinham que ser tomados nestas alturas, quando era difícil saber onde acabava o céu e começava o mar. Naquele dia, foi isto que aconteceu. O acidente deu-se porque a chuva era intensa, o rio transbordou para o Céu.

(b) Um dia, em Julho de 1970, quando dava instrução em Tancos a futuros Pilotos de Helicópetros, disseram-me o seguinte:
- O teu substituto morreu num acidente no Mansoa!

Luis Graça, o Piloto, por artes mágicas, na altura esqueci o nome, tinha dois meses de experiência de voo na Guiné. Se foram feitos inquéritos ao acidente, este pequeno pormenor deve ter sido indicado. Pouco mais há a dizer sobre isto, a não ser que Fernão Mendes Pinto esteja a perder estatuto.

Um destes dias vamos Guiné ver os Jagudis a deambular naqueles Tornados.

Jorge Félix

(iv) Carlos Vinhal:

Caros companheiros

Na HU [História da Unidade] da CART 2732 consta:

24JUL - Desenrolou-se a Op Fechadura destinada a fornecer a necessária segurança à deslocação de um grupo de deputados à Assembleia Nacional, entre Nhacra e Mansabá. A CART foi empenhada a 4 Gr Commb.

Digo eu: Lembro-me perfeitamente de acompanhar (eu não era operacional à época, logo estava no aquartelamento) estas personalidades que estiveram alguns momentos em Mansabá. Lembro-me de, porventura no dia seguinte, se ouvir notícias do acidente.

Consultei um livro, editado em fascículos pelo DN, e na pág. 490 refere que o acidente se deu no dia 26 de Julho de 1970. Seguiam 3 helicópteros que foram apanhados por chuva intensa. Dois conseguiram poisar nas margens do rio Mansoa e um terceiro caiu. São mostradas 3 fotos, uma delas mostra a recuperação do heli sinistrado.

É o que sei.
Um abraço para os meus amigos.

(v) César Dias:

Sobre o post 3291, recordava-me de ter visto uma referência ao acidente dos Deputados na História da Unidade. É um facto que lhes foi preparado o terreno para se deslocarem por ali com alguma segurança.

Mas quanto à data exacta, ficamos na mesma, pois a Operação Fechadura, levada a cabo para proteger os Deputados, foi efectuada no dia 24 de Julho de 1970, pelo que seria muito possível que o acidente tivesse sido a 25.

"Em 24JUL70, desenrolou-se a Operação Fechadura, destinada a fornecer a necessária segurança à deslocação de Deputados à Assembleia Nacional, entre NHACRA e MANSABÁ. Foram empenhados 3 Gr Comb da CCAÇ 2588, 2 Gr Comb da CCAÇ 2589, 4 Gr Comb da CCAÇ 15, 4 Gr Comb da CART 2732, 3 Pel Mil e ainda um Pelotão de Autometralhadoras PANHARD atribuído como reforço ao BCAÇ 2885."

Lembrei-me de vos enviar esta informação, pois este episódio teve lugar na zona do BCAÇ 2885.


(vi) Jorge Félix

(...) Está aqui tudo. Acidente, chuva intensa, (quanta não havia) e a data. Não te falei no meu mail anterior que por vezes "encostávamos" numa bolanha até o mau tempo passar, porque podias achar "pretenciosismo". Os pilotos mais experientes mandavam-se para o chão, até o "tornado" passar.

Agora, vamos ficar por aqui. Ponto final.

Jorge Félix

(...)

Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: "Não há solução militar"

“A Guiné actual já não tem solução militar. Por favor guarde para si, o próprio governador gostaria de chegar a um acordo com Amílcar Cabral. Em Lisboa, espero poder dizer frontalmente tudo ao Presidente do Conselho [, Marcelo Caetano]. Tem que se chegar à paz”...



1. São palavras atribuídas ao deputado José Pedro Pinto Leite (*), líder da Ala Liberal, na Assembleia Nacional, eleito, como deputado independente da União Nacional (mais tarde, rebatizada como ANP - Acção Nacional Popular, o partido único do regime político de então), em 26 de Outubro de 1969, ao lado de Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota e Miller Guerra.

Estas palavras terão sido ditas pelo corajoso e malogrado deputado, em Bambadinca, ao Alf Mil Mário Beja Santos, a título de confidência, "dois dias antes" de morrer no acidente de helicóptero, que caíu no Rio Mansoa, alegadamente em consequência de um tornado. E foram reproduzidas numa carta que o nosso camarada escreveu em Julho de 1970, já no final da sua comissão, ao poeta Ruy Cinatti.

2. Tenho dúvidas sobre a data em que ocorreu o acidente, o qual terá provocado no total seis mortos (incluindo a tripulação do helicóptero). Segundo o Beja Santos teria sido em 27 de Julho... Ora a data que é referida sistematicamente nas escassas fontes que tenho encontrado e consultado na Internet é 25 de Julho de 1970...

Pode ser lapso de memória do Beja Santos, ou erro sistemático reproduzido na Internet... De qualquer modo, nada como confirmar a data no livro escrito pelo irmão, Vasco Pinto Leite, em 2003, e em que se pretende reabilitar a memória de um grande português do nosso tempo, ignorado e esquecido depois da sua morte... Infelizmente não tenho o livro nem o li.

Recorde-se que J. P. Pinto Leite viajava com mais outros três deputados da Assembleia Nacional, Leonardo Coimbra (filho do filósofo Leonardo Coimbra), José Vicente de Abreu e James Pinto Bull (este, guineense, irmão do Benjamin Pinto Bull). Os restantes mortos, no acidente de helicóptero, deverão ter sido o piloto e o outro tripulante habitual do heli, um Melech (No entanto, na lista dos Mortos do Ultramar, não encontro referências a baixas mortais da FAP nessa data, por acidente ou em combate; é possível que tenham sido dados como desaparecidos).


3. Volta-se a reproduzir aqui o excerto da carta que o Beja Santos escrever ao seu amigo , o poeta Ruy Cinatti, a quem tratava por Dear Father [Querido Pai]:

"No passado dia 24 [de Julho de 1970], fomos avisados que iríamos montar segurança a um grupo de deputados que vinham visitar os reordenamentos dos Nhabijões e do Bambadincazinho, na manhã seguinte [25]. Antes deles chegarem parti para os Nhabijões onde os recebi.

"Foi uma boa surpresa reencontrar o Dr. José Pedro Pinto Leite que conhecera num lançamento na Moraes, salvo erro em companhia do Prof. Miller Guerra, bem como numa conferência promovida pela JUC [Juventude Universitária Católica].

"Após a visita, ele e os outros deputados vieram até à messe de Bambadinca, estávamos a meio da tarde, formaram-se grupos, o Pinto Leite pediu-me discretamente para conversarmos em particular, cá fora. Saímos para junto de uma das portas de armas, com um copo na mão, ele queria saber o tipo de guerra em que estávamos envolvidos, a natureza das dificuldades que vivíamos, os apoios da guerrilha, etc.

"Inicialmente eu estava muito constrangido, são assuntos com que nunca falamos com os civis e muito menos com deputados. Ele pôs-me à vontade, queria só que eu fosse sincero. Com toda a naturalidade, então, falei-lhe como vivera no Cuor, o tipo de guerra que ali fazíamos e agora em Bambadinca. Escolhi o exemplo do Xime, uma povoação e um porto doravante fundamental para o abastecimento do Leste, que vai ter uma estrada alcatroada até Bambadinca, mas onde os guerrilheiros se movem sem grande embaraço a cerca de 4 km de distância. Ele perguntou-me como é que os guerrilheiros aguentavam tantas dificuldades. Creio que lhe terei dito que sempre viveram nas maiores dificuldades e se não se entregam é porque acreditam no que fazem. Disse-lhe igualmente que sentia cada vez mais dificuldades no campo militar e que as populações estavam forçadas ao jogo duplo.

"Ele tudo ouviu, de vez em quando pedia esclarecimentos, e regressámos à messe. Antes de entrar, ele observou: 'A Guiné actual já não tem solução militar. Por favor guarde para si, o próprio governador gostaria de chegar a um acordo com Amílcar Cabral. Em Lisboa, espero poder dizer frontalmente tudo ao Presidente do Conselho. Tem que se chegar à paz'.

"Despedimo-nos pouco depois no aeródromo, prometi-lhe visitá-lo logo que chegasse a Lisboa.

"A 28 [de Julho de 1970], soubemos que na véspera [27] um tornado precipitara o helicóptero em que ele ia com outros dois [sic] deputados, no rio Mansoa. Pode imaginar a minha mágoa, o mais grave é a perda para o país com o desaparecimento deste político tão promissor, gostei sempre muito da acutilância e a oportunidade das suas propostas. Imagino a consternação que V. sente, sei que também o apreciava muito". (...)




4. Talvez os camaradas da FAP - o Jorge Félix ou o Victor Barata, por exemplo - possam esclarecer em que data precisamente e em que circunstâncias se deu este acidente. E quem foram, para além dos 4 deputados portugueses (e não três, como diz o Beja Santos), os camaradas da FAP que morreram (em princípio, dois, o piloto e um Melec, presumo). 

Não encontrei qualquer referência a este acidente (se é que se tratou de acidente...) no blogue do nosso camarada Victor Barata (Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74).

O editor, L.G.

_________

Nota de L.G.:

(*) De seu nome completo, José Pedro Maria dos Anjos Pinto Leite (1932-1970), eleito pelo Círculo de Lisboa, nas listas da ANP - Acção Nacional Popular, tinha partido para a Guiné, com outros três deputados, no dia 20 de Julho de 1970, para uma «viagem de estudo e de informação».

Na Assembleia Nacional, para onde foram eleito, a convite de Marcelo Cateno, seu professor de direito, tinha-se destacado nos últimos meses pelas suas qualidades de brilhante jurista, grande tribuno e incontestado e corajoso líder da ala liberal. Juntam-se duas referências bibliográficas.



Título: A Ala Liberal de Marcelo Caetano
ou o Sonho Desfeito de José Pedro Pinto Leite

Autor: Vasco Pinto Leite

Editora: Tribuna da História

Local: Lisboa

Ano: 2003

Preço: 15,00 €

ISBN: 978-972-8799-09-0

Formato: 15 x 23,5

Nº de Páginas: 384

Sinopse (com a devida vénia...):

"Quanto vale a vida de um homem? É a pergunta que ficou célebre no primeiro discurso em que o deputado José Pedro Pinto Leite contestou a defesa económica que o anterior regime fazia da Guerra Colonial.

"Católico progressista, instado por Marcelo Caetano, de quem foi aluno em Direito, a participar nas eleições legislativas de 1969 e na formação de um grupo liberal, que liderou, José Pedro Pinto Leite viria a morrer logo em Julho de 1970, no termo da primeira sessão legislativa, num acidente mal esclarecido, com um helicóptero da Força Aérea, durante uma visita à Guiné.

"Esta obra debruça-se sobre o projecto político da chamada 'Ala Liberal' e sobre a perspectiva histórica que potenciou. Propunha-se uma transformação profunda e imediata da comunidade portuguesa, reconciliada com os seus irmãos africanos. De São Bento a Bissau José Pedro Pinto Leite descreveu, num ápice um trajecto simbólico. O Sonho de uma ala parlamentar rebelde, que tentou aglutinar e que se desintegrou com a sua morte. O posterior 25 de Abril não pode ser estranho a este desfazer 'do sonho de José Pedro Pinto Leite.

"Setenta e três depoimentos de amigos próximos ou figuras proeminentes da sociedade portuguesa, actores ou testemunhas directas daquele período crucial de fim de regime, ajudam-nos a avaliar a importância do percurso de António Pedro Pinto Leite e da sua proposta. O livro contém prefácios do Dr. Mário Soares, do Dr. Francisco Pinto Balsemão, do Professor Adriano Moreira e do Dr. Sérgio Ribeiro".


Vd. ainda sobre a 'ala liberal' o artigo:

Araújo, António de - Ala liberal, o desencanto do reformismo. [Em linha]. Análise Social, vol. XLII (182) , 2007, 349-354. [Consult 10 de Outubro de 2008]. Disponível em http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n182/n182a20.pdf


Guiné 63/74 - P3290: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (47): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (6)...


Texto de Mário Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,Missirá e Bambadinca,
1968/70

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.




Operação Macaréu à vista

Episódio XLVII

CARTAS DE UM MILITAR DE ALÉM-MAR EM ÁFRICA PARA AQUÉM EM PORTUGAL (6) E OUTRAS PARAGENS EM ÁFRICA
Beja Santos

Para Ruy Cinatti


Ruy, Dear Father,

Primeiro, as boas notícias. Aproxima-se o termo da minha comissão, chegou há dias o meu substituto, em conversa com os comandos assentou-se que haverá um período de sobreposição que não excederá os quinze dias de modo a que ele fique a conhecer as nossas missões de intervenção em todo o sector. É provável que no fim de Agosto eu esteja em Lisboa. Até lá, durante esse período de transição, acompanharei o Nelson Wahnon Reis (é assim que ele se chama, é de trato afável, brando embora pouco comunicativo, a questão grave é que é cabo-verdiano, o que pode vir a ser uma incompatibilidade com soldados fulas e mandingas) a Enxalé, Xime, Mansambo e Xitole, faremos patrulhamentos e emboscadas, colunas de reabastecimento, não quero sair daqui deixando-o às aranhas, que foi na verdade a situação que eu vivi quando cheguei a Missirá, não sabia o que era material à carga e quais as minhas responsabilidades para fazer as folhas de pagamentos, por exemplo. Já estou a fazer projectos para os meus estudos, acabo de saber que a Cristina alugou uma casa de três divisões na Av. Brasil, penso rescindir o meu contrato com os serviços mecanográficos e fazer um contrato até cinco anos com o Exército, V. não ignora que há cada vez manos efectivos na população jovem, o Exército procura manter nas suas fileiras oficiais milicianos que supram inúmeras carências, dando-lhes facilidades para estudarem, que é o que verdadeiramente me interessa. Bem gostaria de ouvir a sua opinião, estou certo que me apoia neste meu desejo de voltar a estudar e cumprir os meus sonhos.

A má notícia já a sabe, mas eu vivi-a de perto. No passado dia 24, fomos avisados que iríamos montar segurança a um grupo de deputados que vinham visitar os reordenamentos dos Nhabijões e do Bambadincazinho, na manhã seguinte. Antes deles chegarem parti para os Nhabijões onde os recebi. Foi uma boa surpresa reencontrar o Dr. José Pedro Pinto Leite que conhecera num lançamento na Moraes, salvo erro em companhia do Prof. Miller Guerra, bem como numa conferência promovida pela JUC. Após a visita, ele e os outros deputados vieram até à messe de Bambadinca, estávamos a meio da tarde, formaram-se grupos, o Pinto Leite pediu-me discretamente para conversarmos em particular, cá fora. Saímos para junto de uma das portas de armas, com um copo na mão, ele queria saber o tipo de guerra em que estávamos envolvidos, a natureza das dificuldades que vivíamos, os apoios da guerrilha, etc. Inicialmente eu estava muito constrangido, são assuntos com que nunca falamos com os civis e muito menos com deputados. Ele pôs-me à vontade, queria só que eu fosse sincero. Com toda a naturalidade, então, falei-lhe como vivera no Cuor, o tipo de guerra que ali fazíamos e agora em Bambadinca. Escolhi o exemplo do Xime, uma povoação e um porto doravante fundamental para o abastecimento do Leste, que vai ter uma estrada alcatroada até Bambadinca, mas onde os guerrilheiros se movem sem grande embaraço a cerca de 4 km de distância. Ele perguntou-me como é que os guerrilheiros aguentavam tantas dificuldades. Creio que lhe terei dito que sempre viveram nas maiores dificuldades e se não se entregam é porque acreditam no que fazem. Disse-lhe igualmente que sentia cada vez mais dificuldades no campo militar e que as populações estavam forçadas ao jogo duplo. Ele tudo ouviu, de vez em quando pedia esclarecimentos, e regressámos à messe. Antes de entrar, ele observou: “A Guiné actual já não tem solução militar. Por favor guarde para si, o próprio governador gostaria de chegar a um acordo com Amílcar Cabral. Em Lisboa, espero poder dizer frontalmente tudo ao Presidente do Conselho. Tem que se chegar à paz”. Despedimo-nos pouco depois no aeródromo, prometi-lhe visitá-lo logo que chegasse a Lisboa. A 28, soubemos que na véspera um tornado precipitara o helicóptero em que ele ia com outros dois deputados, no rio Mansoa. Pode imaginar a minha mágoa, o mais grave é a perda para o país com o desaparecimento deste político tão promissor, gostei sempre muito da acutilância e a oportunidade das suas propostas. Imagino a consternação que V. sente, sei que também o apreciava muito. Por favor, não escreva mais para o meu SPM, prefiro ter a surpresa de encontrar uma carta sua na minha nova morada, que junto. Receba um grande abraço deste seu amigo que tanto lhe deve e que está ansioso por tocar à campainha da Travessa da Palmeira. Até muito em breve.


José Pedro Pinto Leite era um dos deputados da Ala Liberal, eleito para a Assembleia Nacional em 26 de Outubro de 1969, ao lado de Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota e Miller Guerra. Torna-se num político prestigiado pela defesa de causas, desassombro de posições, o que lhe custa amargos de boca, tendo sido lançado contra ele a calúnia que servia interesses estrangeiros, que o levou a vir a público defender a sua honra. Visitou Bambadinca 2 dias antes de falecer num acidente aéreo.

Para Comandante Avelino Teixeira da Mora, em Luanda

Sr. Comandante e meu querido amigo,

É para lhe comunicar em primeiro lugar que estou prestes a partir para Bissau e penso que me metam no primeiro barco com destino a Lisboa. Escrevi hoje ao Ruy Cinatti e referi-lhe a conversa que tive com o deputado José Pedro Pinto Leite que veio aqui visitar dois reordenamentos e insistiu em saber, em privado, a minha opinião sobre a evolução da guerra. Ele estava informado sobre o uso de armamento moderno por parte do PAIGC, sobretudo os foguetões e o uso de morteiros muito eficientes. Senti que ele estava muito preocupado e revelou-me ter acesso directo ao Presidente do Conselho, com que iria falar logo que regressasse a Lisboa.

Os meus cadernos enchem-se de notas, tudo aquilo que aqui escrevo é seguramente do seu inteiro conhecimento, sei que um dia me vai ajudar a interpretar correctamente o que para mim ainda é obscuro ou ajudar-me a colmatar as lacunas. Não sei exactamente para que é que estes cadernos vão servir, agora só me interessa vê-los preenchidos com coisas que me enchem a alma. Sim, há figuras que me empolgam ou me intrigam. No primeiro caso está Mamadu Sissé, régulo mandinga e tenente de segunda linha que esteve na Exposição Colonial do Porto, em 1934, e no segundo caso temos Abdul Indjai ou Infali Soncó. Creio que já lhe disse que encontrei uma fotografia de Mamadu Sissé exactamente no catálogo da referida exposição. Não percebi porque é que ele foi condecorado pelo Alcaide de Vigo, talvez tenha sido uma boa vontade da Galiza com um guerreiro guineense que dedicou uma boa parte da sua vida a lutar ao lado dos portugueses na chamada pacificação das primeiras duas décadas deste século. Li que ele lutou contra a rebelião felupe, esteve na campanha do Oio contra os régulos Boncó Sanhá e Infali Soncó, e contra os papéis de Bissau. Também de acordo com os dados que recolhi, em 1913 bateu-se contra os balantas de Mansoa e os mandingas do Oio, creio que ao serviço de Teixeira Pinto. Em 1914, terá tido um comportamento valoroso na revolta dos manjacos e dos balantas. Nos anos seguintes, entre 1915 e 1917, aparece a combater novamente os papéis de Bissau e depois os Bijagós. Espero que em Lisboa me faculte mais elementos sobre este régulo que, tudo leva a crer, foi uma peça essencial para consagrar o domínio português na Guiné.

São penteados soberbos. Estas imagens foram publicadas na revista «Mundo Português», 1936, era director Augusto Cunha, editada conjuntamente pela Agência Geral das Colónias e pelo Secretariado da Propaganda Nacional.

Sei muito bem que em Luanda não me pode ajudar no esclarecimento das minhas dúvidas, mas gostava de saber como é que no final do século XIX se procurou pôr uma boa parte da economia da Guiné nas mãos dos condes de Buttler, investidores franceses. Uma professora aqui de Bambadinca emprestou-me um livro intitulado “Guiné Portuguesa, estudo elementar de geografia física, económica e política”, de autoria do capitão de mar e guerra Ernesto Vasconcellos. Foi aqui que eu encontrei referência aos condes de Buttler. Passo a citar: “O nosso domínio na Guiné efectuava-se por nódulos, isto é, não tínhamos uma divisão territorial contínua; existiam por assim dizer isolados uns dos outros os centros de ocupação a que vulgarmente se chamavam presídios e só depois de se dar unidade ao governo da Guiné é que se iniciou, mas em pequena escala, o alargamento da nossa acção, por meio de contratos de cessão territorial com os diversos régulos”. E mais adiante: “Na metrópole causava viva impressão o estado constante de rebelião em que se encontravam as três raças mais fortes e adiantadas da Guiné, fulas, mandingas e beafadas e António Enes, gerindo a pasta da marinha e ultramar, em 1891, pensou que a melhor maneira de libertar a metrópole de tantos cuidados com a Guiné, era entregar a colónia a uma grande companhia de colonização, e por isso, fez em Janeiro de 1891 concessão dos seus baldios aos condes de Buttler, que deviam formar uma companhia com o capital de 900 contos de réis. Os condes de Buttler eram franceses e seria sem dúvida em França onde encontrariam o capital para a sua exploração que, felizmente para o país, não chegou a efectuar-se”. Gostaria muito de perceber o que se passou e em que desespero nos encontrávamos para se ter optado por uma solução tão arredia aos interesses portugueses.

Esta imagem veio publicada num número de 1971 do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. O que há de macabro é tínhamos abandonado esta região em 1969, foi exactamente aqui que se deu o horrível sinistro que levou à morte 47 dos nossos militares durante a travessia de uma jangada preparada para a operação da evacuação de Madina de Boé. Dizem que é um ponto de indizível beleza, com mata luxuriante.

Continuo sem saber se já encontrou o meu primo José Augusto Gândara de Oliveira que está tão entusiasmado em conhecê-lo. Pela sua última carta percebi que a extensão de Angola e o bulício de Luanda o intimidam e prefere levar uma vida retirada, entregue aos seus estudos. Penso também que já espera passar o Natal na companhia de sua mãe. Será uma grande alegria estar consigo logo que regresse. Despeço-me, agradecendo-lhe tudo o que fez por mim, a companhia, os conselhos, as informações, os livros. Não pode imaginar como tem sido importante a sua amizade em todas estas circunstâncias, como me ajudou a vencer a solidão e a ignorância. Até Lisboa.

Para Ângela Carlota Gonçalves Beja

Minha querida Mãezinha,

Tal como lhe escrevi anteontem, confirmo que dentro de dias partirei para Bissau. Não irei de avião, parece que haverá um barco em meados de Agosto, logo que tenha informações precisas comunico-lhe. Chegou o meu substituto, parece-me um homem moralmente bem preparado, mas estou preocupado pois ele é cabo-verdiano e temo que surjam conflitos independentemente da tolerância e da cultura. Só muito tarde é que despertei para esta realidade que muita gente finge não ver ou talvez queira iludir. Os problemas raciais são dinamite, começo agora a estudar e a procurar perceber este litígio entre cabo-verdianos e guineenses.

Tomei a decisão de mudar de profissão, o meu objectivo é concluir rapidamente o meu curso. Por essa razão, estou a informar-me sobre as possibilidades de um contrato que poderei estabelecer com o Exército, terei que dar recrutas em Mafra e depois terei condições para estudar em Lisboa, com o estatuto de militar-estudante. A Cristina já alugou uma casa, tem praticamente o curso concluído, pretende começar a dar aulas em Outubro. A guerra nesta zona está presentemente calma e os meus afazeres passam por patrulhamentos, vigilâncias numa estrada que está a ser alcatroada, colunas de reabastecimento, desloco-me com o meu substituto procurando explicar-lhe as nossas missões, se bem que a actividade operacional que lhe está reservada seja uma perfeita incógnita. Quem sabe se quando eu sair daqui não o põem no Enxalé ou noutro quartel. Por favor, não volte a escrever mais para o SPM, assim que chegar a Bissau telefono-lhe. Passando em revista estes dois anos que levo na Guiné, agradeço-lhe do coração as coisas boas que me deu, a companhia, os estímulo e os livros. Incluo neste agradecimento a ajuda notável que a Manuela me deu, ela continua a visitar aos sábados no anexo do Hospital Militar Principal os meus soldados, auxilia-os, manda-me publicações, tendo sido maravilhosa. Desejo as suas melhoras e até breve.

Para Cristina Allen Santos

Meu adorado Amor,

Vejo pela tua última carta que estás ansiosa para que eu parta depressa desta guerra, fiquei muito contente com os teus exames e a descrição que fazes da nossa casinha. É um esforço que eu nunca te poderei agradecer, o de estares a estudar e ao mesmo tempo a mobilar com escassos recursos o nosso palácio. Com o remanescente do dinheiro que tenho aí depositado, compraremos os outros electrodomésticos e os móveis de que falas.

Evidente que não te posso tranquilizar, mas partirei em breve, talvez dentro de uma semana. Por ora, ando com o Nelson Reis pelos locais que ele precisa de conhecer. Ainda hoje iremos a Fá, o Cabral fará connosco um reconhecimento junto ao Geba, frente ao Cuor. Não voltei a Missirá desde que fui ver o gerador a funcionar e não espero voltar. Nesta última visita fui assaltado pelas boas e más recordações, as idas diárias a Mato de Cão, não sei o que é que a vida me vai reservar mas não acredito que venha a ter mais energia, ânimo e protecção divina para aguentar um esforço como foi a reconstrução de Missirá. Comecei a embalar as minhas coisas, um carpinteiro fez-me duas caixas de madeira para os livros, papéis e discos, nada tão volumoso como a carga que trouxe há dois anos mas mesmo assim vai dar trabalho a metê-las no barco. Estou a escrever as últimas cartas para os nossos amigos e para a minha família, a tirar notas das últimas leituras das publicações que a professora de Bambadinca me empresta.

Vou escrever agora ao teu pai para lhe agradecer muito sensibilizado a ajuda material que eles nos deram no arranque da nossa casa. Esta, prometo-te, não será a última carta que te escrevo. No momento exacto em que partir daqui para Bissau, a última carta será para a primeira eleita do meu coração. Então, como num filme que corre velozmente, recordarei tudo quanto me deste nestes dois anos, quando estou desanimado lembro as tuas lágrimas no cais, em Lisboa, os nossos telefonemas, a ansiedade que te transmiti em tantas cartas, como se tu tivesses obrigação em saber que existem Mamadu Djau, Serifo Candé, Sila Sabali ou Adulai Djaló, recordarei a doce companhia que me deste, dia após dia. Foi assim que aprendi que há gentilezas, ternura e cuidados sem preço. Foi assim que te envolvi nesta guerra, escrevendo-te todos os dias. Foi a escrever-te que se revelou que eu não tenho talentos para a poesia. Descobri também que não tenho vocação para outras formas de ficção e isso entristece-me pois gostava de te dedicar a mais linda prosa do mundo, gostava que os outros soubessem que um dia irei reler as cartas que te mandei e orgulhar-me do que te escrevi. Recebe mil beijos do marido que tudo te deve.
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2008 Guiné 63/74 - P3266: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (46): Chegou o meu periquito

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3289: Poemário do José Manuel (23): Naquela mata o silêncio magoa...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Pica na mão à procura delas... Durante uma picagem para garantir a segurança da coluna procedente de Bula para Aldeia Formosa que garantia o fornecimento do Batalhão e companhias instaladas na Região"

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Avançando pela mata..."


Fotos, legendas e poema © José Manuel (2008). Direitos reservados.


Naquela mata o silêncio magoa
naquela mata há sons que esmagam
naquela mata não há horizontes
não há rios nem há montes
há um vazio a preencher.




Nhacobá, 1973
Josema

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Notas de L.G.:

(*) Sobre o nosso camarada José Manuel Lopes, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

O José Manuel Lopes foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, na CART 6250 (Mampatá, 1972/74). Natural da Régua, é um conceituado vitivinicultor, explorando a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 Lobrigos (S. J. Baptista), concelho de Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609. Tem vinhos premiados e partilha o seus néctares com os amigos e os clientes. Tem uma equipa de cinco estrelas: a esposa, Maria Luísa, e uma filha, ainda estudante, e um filho, o Vasco Valente Lopes, promissor énologo, com prémios já ganhos e estágio na Austrália. O nosso camarada faz também turismo rural. É membro da nossa Tabanca Grande desde finais de Fevereiro de 2008 e frequenta, religiosamente, às 4ªs feiras, a Tabanca de Matosinhos.

Vd. ainda o poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3165: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (6): Com o José Manuel, in su situ, um pé no Douro e uma mão no Marão (Luís Graça)

Sobre o Poemário do José Manuel, vd. os postes já publicados:

23 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3145: Poemário do José Manuel (22): (...) Como os dias passam devagar / Contados a riscar um calendário...

22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3084: Poemário do José Manuel (21): O recordar dos sentidos: como é bom ver, sentir, ouvir, cheirar, saborear, falar...

9 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3039: Poemário do José Manuel (20): Mãe, se eu não regressar, lembra-te do meu sorriso...

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3010: Poemário do José Manuel (19): Aqueles assobios por cima das nossas cabeças...

22 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2973: Poemário do José Manuel (18): Não se morre só uma vez...

15 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2946: Poemário do José Manuel (17): A Companhia dos Unidos

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

25 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

2 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

24 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2757: Poemário do José Manuel (8): Nhacobá, 1973: Naquela picada havia a morte

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...

5 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...(...)

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

Guiné 63/74 - P3288: O meu baptismo de fogo (6): Mansoa, 5 de Abril de 1970 (Jorge Picado)


1. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado, ex-Cap Mil das CCAÇ 2589 e CART 2732, Mansoa e Mansabá, 1970/72, com data de 2 de Outubro de 2008:

Caro Amigo Carlos

Acedendo ao chamamento dos nossos incansáveis editores eis me pronto a dar a conhecer o meu primeiro contacto com a realidade das armas manuseadas pelo IN.


O MEU BAPTISMO DE FOGO

O meu verdadeiro baptismo de fogo aconteceu num final de tarde dum domingo, 5 de Abril de 1970, no Quartel de Mansoa, 46 dias depois de aí me ter apresentado e, verdade se diga, nem tempo tive de ter medo.

Anteriormente, mais precisamente no dia 1 de Abril, tinha passado por um, digamos, pré-baptismo que me causou mais nervoso, apesar de não estar directamente em contacto com a refrega.

Encontrava-me nesse dia no Destacamento do Infandre como elemento de ligação entre, um pelotão misto (2 secções de metropolitanos da CCaç 2589 + 2 secções de africanos do Pel Caç Nat ?) comandado pelo Alf Mil Martinez que tinha ido para a região Inchula/Cubonge e o Comando em Mansoa. Tratava-se duma Operação em que eram envolvidas outras forças da 2589 e mais Pel Caç Nat noutras regiões (Benifo, Gã Farã/Tambato) ou seja nas fronteiras Sul e Este do Morés. Ora foi este Pelotão que, já depois de vir no sentido de Inchula (Norte) para o Cubonge (Sul) (i.e. no regresso) estabeleceu contacto com o IN, facto que no Destacamento logo soubemos, mesmo antes das comunicações rádio, face ao tiroteio que nos chegou aos ouvidos. Foi aí que comecei a sentir o frisson da guerra, sem estar in situ, mas por ouvir os pedidos de apoio de fogo que nós retransmitiamos para Mansoa, de acordo com as coordenadas ditadas. Aliás tinha sido essa a função que me fora confiada.

Felizmente as NT não sofreram baixas nem ferimentos, mas posso confirmar, porque presenciei nos aposentos do aquartelamento, o espanto do próprio, um dos Fur Mil do Pel do Martinez, quando ao retirar o cinturão depara com uma bala IN (seria de Kalash) encravada no cimo da cartucheira que estaria colocada mesmo sobre a anca, sem que ele, no meio da confusão, tivesse dado por qualquer impacto…

Da História da Unidade, Cap II, Fasc 9, consta:

Em 01ABR70, a CCaç 2589 (a 02 GComb) reforçada com os Pel Caç 57, Pel Caç 58, Pel Caç 61 e 02 Pel Milícia, e com o apoio do 11.º Pel Art, patrulha as regiões INCHULA/CUBONGE, BENIFO/MANSOA 9 C1, GÃ FARÃ/TAMBATO. As NT contactam um pequeno grupo In na região de BENIFO, ao qual provocam baixas prováveis; são flageladas à distância em MANSOA 5 F9; destróiem 08 casas e meios de vida. (Op FORMOSA).

Sobre o texto que transcrevi não me quero pronunciar, mas se tiver possibilidade de me encontrar com ex-camaradas da 2589, procurarei discutir esta e outras passagens juntamente com os mapas…

Ainda sobre este acontecimento consta mais o seguinte:

Em 03ABR70, notícia B-2 refere que as emboscadas sofridas pelas NT na Op FORMOSA, foram efectuadas por grupos In vindos de IADOR, IRACUNDA e RUA; - Na mesma data (reporta-se ao dia 6ABR), notícia B-2 refere que, na Op FORMOSA, as NT causaram baixas ao IN (01 morto e vários feridos).

Guiné >Região do Oio > Mansoa > 2005 > Panorâmica de Mansoa na actualidade > Foto do nosso camarada José Couto, ex-Fur Mil de Trms de Inf, que pertenceu à CCS/BCAÇ 2893 e que voltou à Guiné-Bissau em 2005.

Foto: © José Couto
(2006). Direitos reservados.

Mas então sobre o baptismo real, foi assim.

Nesse domingo fui brindado pelo Cmdt do BCaç 2885, Ten Cor Inf Chaves de Carvalho (de quem aliás não tenho razão de queixa, apesar de ter ficado com a ideia de que fui mais acarinhado pelo 2.º Cmdt, Maj Inf Valentino Tavares Galhardo, talvez por ser casado com uma Agrónoma pouco mais velha do que eu e por se dar muito bem com alunos do ISA muito mais novos e de ideias muito de esquerda), com um passeio bem matinal para as matas a Norte do Infandre, Destacamento donde parti com pessoal metropolitano e africano.

Tratou-se duma acção de patrulhamento para a zona de Damé – nome duma antiga tabanca do lado Norte do itinerário Infandre-Bissorã -, para a mesma zona onde no dia 1 tinha havido uma acção mais em profundidade. Saindo antes do alvorecer fomos recolhidos já no itinerário para Braia a meio da tarde, sem qualquer facto digno de história, a não ser para mim a travessia duma bolanha toda coberta de palmeiras que constituiu a minha iniciação nesses banhos forçados.

Depois dum banho reparador e duns momentos de descanso nos meus bons aposentos de Mansoa (sim, porque honra seja feita aos anteriores combatentes que me antecederam, este quartel tinha mesmo boas instalações para a época), fui para o bar aguardar a hora do jantar. Mal aí chegado, o soldado de serviço indica-me um Alf Mil que me aguardava e que vira sentado de costas ao entrar.

Tratava-se do Alf Amorim, destinado a substituir o Alf Mil Manso dum dos Pel da 2589 e que tinha passado aos SA [Serviços Auxiliares] em consequência de problemas físicos adquiridos creio que em Porto Gole (muito anterior à minha chegada). Feitas as devidas apresentações, convidei-o para tomar uma bebida enquanto não chegava o pessoal para o jantar e, sentados ao balcão fomos trocando impressões para nos conhecermos.

Eis se não quando ouvimos um distinto som produzido por objecto aéreo deslocando-se no sentido de Este para Oeste.

Como era ao entardecer e o som era o característico dum foguete ou jacto, comentei calmamente:
- Deve ser um Fiat (eram os G-91) que regressa a Bissalanca depois de alguma missão de bombardeamento lá para a zona de Bafatá ou Gabu.

Não posso precisar quantos segundos passaram depois de pronunciar esta frase tão curta e rápida, até que ouvimos os ecos do estrondo resultante dum impacto, nos terrenos algures para Oeste do quartel.

Foram uns momentos de estupefacção, porque nada daquilo era habitual para os velhos. Algo de novo estava acontecendo em Mansoa e, talvez no TO.
Mansoa estava a ser flagelada com os jactos do povo, os foguetões terra-terra de 122mm.

Recebemos com mais 4, brindando-nos portanto o IN com 5 jactos do povo.

Era domingo, ainda havia pessoal a veranear fora das instalações, mas mesmo os que estavam já dentro, ainda que com uma certa estupefacção acorreram de imediato para se apetrechar e accionar rapidamente o dispositivo de reacção, começando os morteiros e obuses a bater o terreno para o possível local de partida daquelas armas.

Logicamente que a nossa resposta não os atingiu, pois com toda a certeza estavam fora do alcance dos tiros efectuados pelas armas pesadas, já que os tiros preparados estavam regulados para os normais ataques com morteiros e canhões S/R, porém o ataque parou. Porque não quiseram arriscar ou porque a sua dotação logística constava apenas daquelas 5 ameixas?

Os impactos deram-se todos fora do quartel, sendo uns curtos e outros compridos.
Estariam a afinar a pontaria para brincadeiras futuras? Era certo e sabido que pouco tempo depois receberiam as respectivas informações sobre os locais alcançados… afinal tal como as NT fizeram no dia seguinte por intermédio da CCaç operacional, a 15, que saiu para reconhecer o local dos disparos.

No meu parco apontamento consta: Ataque a Mansoa com 5 foguetes terra-terra. Início 19.45H. Sem consequências.

Como disse, não cheguei a sentir verdadeiramente medo. Apenas corri ao quarto a sacar a G-3, como era das normas e fomos para o gabinete das operações, aguardando os acontecimentos.

Da “HU Cap II/Fasc 9” consta: Em 05ABR70 MANSOA é flagelada com 05 Granadas de Foguete 122mm, do que resultam danos numa casa; - Em 06ABR70, 02 GComb da CCaç 15, com apoio do 11.º Pel Art, executam uma batida na região LOCHER, MANBONCÓ 1 A6, Cruz. CUSSANJA. (Op. “FOGUETÃO”).

E é tudo, quanto ao meu baptismo, que não sendo verdadeiramente violento, demonstrou que o IN continuava a aumentar o seu arsenal militar, sendo alimentado por armamento sempre mais moderno, que deixava marcas psicológicas negativas nas NT. Julgo que fomos, senão os primeiros, mas dos primeiros a experimentar estes foguetões.

Jorge Picado
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3282: O meu baptismo de fogo (5): Mansoa, 1968, ouvindo a irritante costureirinha (Paulo Raposo)

Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)


1. Mensagem do nosso camarada José Colaço, ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 7 de Setembro de 2008 (1):

Assunto: Repor a realidade vivida

Camarada Luís Graça, muito agradeço a publicação no blogue do texto que envio em anexo.

Não tem a beleza da prosa do autor dos postes em referência (2), mas tem o valor da verdade vivida pelo próprio narrador.

Um abraço.
Colaço


Repor a realidade vivida

Ao ler certos postes pergunto a mim mesmo a que fonte é que teria ido o autor beber, para publicar comentários, em que a bota não liga com a perdigota.

Transcrevo parágrafo do P1330: Em certo dia de Outubro [de 1964], a companhia 728 fez as malas e teve de avançar para o sul da Guiné. (2).

Não sei por onde andou a [CCAÇ] 728 que, mesmo com a tal pernoita em Bolama, a viagem seria de dois dias, mas a 728 só chegou ao Cachil, na Ilha do Como, ou Komo, no dia 27 de Novembro de 1964!

Transcrevo outro parágrafo do mesmo poste 1330: A distribuição dos pelotões no espaço do Quartel ficou a mesma que a companhia 556 tinha fixado e bem.

Resposta: lamentável trocar a identidade da companhia que era a 557 a que me prezo de ter pertencido; a [CCAÇ] 556 nunca esteve na zona de Catió.

Posso te afirmar, camarada J. L. Mendes Gomes, que a 556 passou a maior parte do seu tempo em Enxalé, cerca de 19 meses; esteve também em Porto Gole, Missirá e Bula com um pelotão. Esta água fui bebê-la à fonte, um dos vários elementos da 556 que todos os anos nos dão a honra de conviver connosco no almoço da 557.

Ainda do P1330, transcrevo de novo, dois parágrafos.

(i) "A companhia que saía, esvaída, já não tinha élan vital. Estava acomodada àquele desconforto total e ninguém conseguiria exigir à tropa cansada qualquer esforço que pudesse significar permanência. Se não chegássemos naquela altura, eles teriam debandado… pela floresta, com o desespero".

(ii) "O aspecto geral era verdadeiramente dantesco. Na tropa, já não se reconhecia a cor original dos farrapos que ainda restavam a tapar o corpo. Cabelos e barbas compridas, troncos nus, calções esfarrapados, ninguém se atrevia a identificar as tão cultuadas classes da tropa originária: soldados, sargentos e oficiais. Uma centena e meia de homens e ano e meio de encarceramento, dentro do arame farpado".

Resposta ao 1º parágrafo: de certeza que erraste a vocação, devias era ter optado pela psicologia por naquelas poucas horas que estiveste connosco chegares a tão sinistra conclusão. (É perspicácia).

A LDG que transportou a 728 ao Cachil, foi a mesma em que a 557 regressou a Bissau. Foi só aproveitar as marés.

Mostrei isto ao ex-comandante da 557, capitão Ares, hoje coronel reformado. Surpresa total, para não dizer outros termos, mais surpreendentes. Resposta instantânea.
- Mas como é que alguém pode dizer e publicar isto?

Segundo parágrafo, o aspecto dantesco. Aí tens alguma razão, porque há sempre no meio quem só cumpre as ordens com a tal disciplina militar.

O capitão tinha emitido uma ordem, que nós íamos-nos apresentar em Bissau e aí a ética militar tinha que ser respeitada, o Cachil tinha acabado. Por esse motivo a quase totalidade dos elementos tinha feito ou aparado a barba, cortado o cabelo, porque é muito raro não haver nas companhias um elemento que não tenha aprendido na vida civil a profissão de barbeiro (na 557 também lá tínhamos um barbeiro).

Os troncos nus. É verdade, mas deves de te lembrar do teu comandante, (o tal bravo capitão de Évora)... Citação tua P1359, ele ter autorizado os elementos da 728 despir as camisas, copiando um pouco a liberdade da 557.

Uma centena e meia de homens e ano e meio de encarceramento dentro do arame farpado.

Também não é verdade, o seu a seu dono, não foi ano e meio, mas sim dez meses e uma semana. Mas, atenção, nos primeiros dois, três meses nem arame farpado existia, era simples acampamento.

Quanto ao encarceramento também não é verdade, pois durante estes dez meses e uma semana, além da Operação Tridente, das explorações à mata do Cachil, também parte da companhia foi chamada para as operações a Cufar, mata do Cantanhez, onde dizes que tiveste o baptismo de fogo... Pois lá também ficou sangue da 557: O 2.º Sargento Conde uma vez, outra o soldado n.º 839 António Belo, ambos evacuados para a Metrópole, e por último o soldado de transmissões n.º 1160 António Alexandre, este com menos gravidade.

Uma nota: Na nossa estada no Cachil, certo dia de Abril de 1964, o helicóptero aterrou e com ele o Brigadeiro Comandante Operacional da Guiné, de que não me lembra o nome, de estatura média (baixinho ou pequeno, esse sim deve ter ficado totalmente estupefacto ao perguntar para ele próprio:
- Isto é tropa portuguesa… ou um bando de maltrapilhas ?

Quase quatro meses de mato, água para lavar a roupa nem pensar, não havia, cabelos e barbas com os quase 4 meses!

Bem, abreviando: na companhia havia um soldado conhecido pelo nome Porto, por ele dizer que era do Porto. Então o Porto dá uma grande palada ao Brigadeiro, pede licença e diz mais palavra, menos palavra, o seguinte:
- Meu Brigadeiro, como o nosso Brigadeiro pode confirmar, nós estamos aqui nesta situação, os camuflados todos rotos, ou descosidos, as botas na mesma, - e mostrou-lhe as botas - as meias, as que a minha mãe me deu e é assim que temos que enfrentar o inimigo, no meio da mata ou da bolonha.

O Brigadeiro responde praticamente com as seguintes palavras:
- Nosso capitão, estes homens não podem andar assim, mande vir camuflados, botas e meias para estes homens.

O capitão ainda fez a observação:
- E a duração?

Palavras secas e duras do Brigadeiro:
- Não há, nós estamos em guerra.

Foi o que o capitão quis ouvir, nunca mais faltou na companhia camuflados, botas e meias.

Ainda do P1330, transcrevo o final de parágrafo: a companhia 556 tinha conseguido implantar uma pista tosca para a festa da avioneta, do correio e dos mantimentos frescos, durante a época seca.

Resposta, mais uma que não é verdade.

E mais uma vez a chamada 556. Dá ensejo de dizer, aquele provérbio popular:
- Mais vale f… que trocar-lhe o nome, neste caso o número.

Havia, de facto, na parte nascente do quartel uma zona onde era possível, sem recorrer a máquinas, implantar uma tosca pista para avionetas, se a 728 a fez tudo bem, a 557 não.

Nessa zona só o que estava alterado eram os abrigos que tínhamos cavado na tarde em que chegamos à Ilha, 23 de Janeiro de 196, e o poço que, em vez de água, dava o tal líquido que parecia petróleo.

Ler anónimo: Continuando o comentário em: Guine 63/74-ccxxvi:Antologia (25): Depoimento sobre a Ilha do Como

No Cachil entre 23/01/64 e 27/11/64 os únicos meios aéreos que aterraram lá foram o helicópteros durante a Operação Tridente e a tal visita do Brigadeiro.

Camarada, participar na Operação Tridente, fazer o quartel, participações nas operações a Cufar e ainda fazer uma pista para meios aéreos, lembra-me a frase do saudoso Zeca Afonso, Arre porra que é demais.

P1359, transcrevo novamente parágrafo:

A companhia que íamos render [a CCAV 488?] já tivera o grande trabalho de construir, de raiz, as instalações mínimas que havia e, segundo disseram, limitava-se a marcar presença no terreno. Nunca fora atacada, depois de terminar a grande operação que a deixou lá [, a Op Tridente]” (…).

Resposta: A companhia que íamos render [a CCAV 488?]. Mas qual 488!!!!????...

A 488 esteve, sim, na Ilha do Como, mas na zona de Caiar, Caunane, e só durante a Op Tridente; saiu com o batalhão 490 no dia 23 ou 24 de Março de 1964, quando foi dado como terminada a Op Tridente.

Segundo disseram, limitava-se a marcar presença no terreno. Nunca fora atacada, depois de terminar a Op Tridente. Sim, a 488 é verdade, nunca esteve acampada, ou aquartelada no Cachil.

Mas a 557 suportou, após a Op Tridente, entre finais de Março de 1964 e Novembro do mesmo ano, oito ataques, para ser mais preciso aí vão as datas e as horas de início: Dia 01/04/64 às 18 horas, 18/04/64 às 18 horas, 20/04/64 à 1 hora da manhã, 09/06/64 às 22 horas, 08/08/64 às 23 horas, 06/09/64 às 18 horas, 04/11/64 às 18 horas e finalmente 16/11/64 às 19 horas e 30 minutos.

Referente a este ultimo ataque, ler P2352 do camarada, 2.º sargento, Joaquim Fernando Santos Oliveira. Ele com pouco tempo de Cachil faz um comentário verdadeiro da situação vivida no terreno.

Os finais dos ataques não estão registados, mas era normal durarem entre 40 minutos a 1 hora.

Espero ter contribuído, com a verdade vivida no terreno, para o esclarecimento de alguma ficção, dos referidos postes.

Um alfa bravo
Colaço
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Notas de CV:

(1) Vd. poste de 2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

(...) Nome: José Botelho Colaço
Morador no Bairro da Castelhana - São João da Talha
Posto militar: ex-Soldado de Transmissões
Unidade: CCAÇ 557 (1963/65)

(i) Embarcou para a Guiné em 27 de Novembro de 1963 e chegou a Bissau a 3 de Dezembro;

(ii) Em 15 de Janeiro de 1964, embarcou, à tarde, num batelão rumo a Catió;

(iii) No dia 23 de Janeiro desembarcou numa LDM, com quase toda a Companhia, na mata do Cachil, Ilha do Como, para participar na Operação Tridente;

(iv) a CCAÇ 557 saíu do Cachil no dia 27 de Novembro de 1964, rumo a Bissau, onde permaneceu cerca 3 meses;

(v) O resto da comissão foi passado em Bafatá, de onde saíram em 27 de Outubro de 1965.

(vi) Desembarcou em Lisboa a 3 de Novembro de 1965 (3).

(vi) Foi Técnico Metalúrgico, está actualmente reformado.

(...)


(2) Vd. poste de 1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG

(...) O Palmeirim de Catió é o nosso muito estimado amigo e camarada Joaquim Luís Mendes Gomes, jurista, reformado da banca, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66).

Nesta quarte parte das suas crónicas, ela relatou a viagem da sua unidade, colocada na Ilha do Como, em Outubro de 1964, sete meses despois da Op Tridente, operação mítica (tanto paras as NT como para o PAIGC) em que participou o nosso camarada Mário Dias, cujo testemunho, inédito, já tivemos o privilégio de inserir no nosso blogue, na I Série.

Ao nosso camarada José Colaço, membro mais recente (mas não menos estimado) da nossa Tabanca Grande, apresentamos as nossas desculpas pela demora, de um mês, na publicação desta sua mensagem. Decidimos inseri-la na nova série Controvérsias, não por que haja o intuito de abrir mais uma polémica, mas tão só a de contribuir para clarificar, corrigir, esclarecer alguns detalhes e pormenores factuais. (É uma série, não para o confronto de ideias e de opiniões, e da divergência na interpretação dos factos, mas para a organização dos factos, a reposição da verdade dos factos) (4).

Passadas mais de 4 décadas sobre os acontecimentos aqui relatados, é natural, é humano, que haja erros de pormenor, contradições factuais, traições da memória, diferenças de percepção, etc. Como é timbre do nosso blogue, procuramos sempre garantir a verdade dos factos, no que diz respeito a datas, lugares, acontecimentos, nomes, etc. Temos limitações, a começar pelas fontes: privilegiamos as memórias, os depoimentos, as vivências, os escritos pessoais, os nossos diários, os nossos aerogramas, os relatórios das nossas unidades... Pedimos a compreensão de todos para essas limitações, e pedimos que na análise de eventuais divergências sejamos sempre serenos, objectivos, tolerantes e sobretudo generosos, como devem ser os camaradas que lutaram lado a lado, sob uma mesma bandeira... Ninguém está aqui para "pintar à pistyola", para aldrabar, para rebaixar o outro ou a engrandecer-se a si próprio... Até por que é difícil mentir: há demasiados protagonistas e testemunhas, e só na Tabanca Grande já somos quase duas companhias...

Ao J. L. Mendes Gomes e ao José Colaço agradecemos os seus contributos para o melhor conhecimento da nossa actividade operacional no sul da Guiné nos já idos anos de 1964...

(3) Vd. último poste de José Colaço de 29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))

(4) Vd. primeiro poste da série Controvérsias de 3 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3267: Controvérsias (1): Sedengal, 21 de Dezembro de 1970 (Carlos Matos Gomes / J. M. Félix Dias / Carlos Silva / José Martins)

Guiné 63/74 - P3286: Convívios (88): Confraternização de Asp Of Mil do 2.º Curso de Rangers de 1967, CIOE, Lamego (Idálio Reis)


1. Mensagem do nosso camarada Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317, Gandembel/Balana, 1968/69, com data de 6 de Outubro de 2008:

Assunto: Uma saudosa confraternização de aspirantes milicianos que integraram o 2.º Curso de Rangers de 1967, no CIOE em Lamego.

Indelevelmente, quanto mais este vagar do tempo se prolonga, maior um ror de saudades se nos afaga.

Essa estulta armadilha que nos agrilhoou quando muito jovens, em plena flor da idade em que se começa a tactear o destino da Vida, é espectro que jamais se sume, tantos foram os companheiros que então se nos atravessaram naquela curta encruzilhada temporal.

Efectivamente, com alguns desses sobejou laços de apertada amizade, que depois do ciclo da tropa, circunstâncias inerentes vieram a esvaecer, por força de porfiados afãs que a cada um houve então que encetar. O recomeço foi tão difícil ...

Hoje, com mais tempo livre, porventura mais propensos para readquirir essa comunhão de afinidades imperecíveis, procuramos apaziguar as dolentes saudades restadas, e assim dando azo ao reencontro, passados 41 longos anos, juntámo-nos para o amplexo do reconhecimento e da renovação, e fundamentalmente, relembrar os que foram brutalmente excluídos por um perecimento antecipado, onde uma guerra imposta fez semear dor, martírio, sangue.

Um dos elementos do grupo, o António Brandão, viria a sofrer um profundo choque, quando soube da morte do Almeida Fonseca, um cabo-verdiano com quem privara muito de próximo, e que acabaria por rumar até Moçambique. Aqui, a cerca de metade da comissão, morreria em combate no dia 5 de Janeiro de 1969, na Serra do Mapé, com mais 6 companheiros da CCaç 2321; este trágico desastre, está bem expresso no melhor Blogue referente à guerra naquela Província.

À sua memória, prometeu-lhe que haveria de raiar um dia para lhe prestar a homenagem, que em seu entendimento merecia, pois sentiu que fora injustiçado por omissão, ao ser um dos que no fim do Curso não fora merecedor da entrega do crachá "Operações Especiais".

Empenhou-se pois este velho Companheiro, que fez a sua comissão em Angola, na tarefa de ir ao encontro dos paradeiros dos que com ele tropeçaram no CIOE, ainda no quartel antigo, onde fomos então escolhidos 70 aspirantes, a dividir por 2 turmas.

Neste seu porfiar, acabou por já encontrar uma parte substantiva. E com a prestimosa ajuda do António Albuquerque, um homem do distrito, entenderam que estava chegado o o momento adequado, e vão ao encontro do Comandante da Unidade, dando-lhe a conhecer que aí desejariam perpetuar as memórias dos companheiros mortos.

E assim, no pretérito fim-de-semana, aglutinou-se um grupo de 20 cidadãos (18 ex-militares do Curso, a que com muito agrado se juntaram 2 instrutores), que foi recebido e homenageado com enorme nobreza pela Unidade, ante uma parada de honra presidida pelo seu militar mais graduado - o Comandante.

Tratou-se de um acto de sublime dignidade, perpassado por um forte e comovente sentimento de saudade, em que pudemos recordar os que tombaram em África: o Rogério de Carvalho, da CART 2338, na Guiné, em 17 de Abril de 1968 (nas imediações de Canjadude), o Almeida Fonseca e o Eusébio Silva (8 de Março de 1969) em Moçambique. Também foram lembrados os já ausentes, subtraídos pelo determinismo da força da Lei da vida.

Após este honroso acto, seguiu-se um suculento almoço, em que satisfeitos pela forma como a jornada decorrera, nos reapresentamos, e com a óbvia conclusão que os anos começavam a pesar e os cabelos a branquear, foi entendido por unanimidade, que seria de bom grado que este convívio se repetisse para sempre.

Em anexo, envio 3 fotografias: numa delas, está presente o Comandante da Unidade em amena cavaqueira com alguns (i) ; uma outra, representa o grupo que esteve presente (ii); outra, apresento à Tertúlia, um dos homens de Guileje, o alferes Torres Veiga da CCaç 2316/BCaç 2835 (iii).

Um forte abraço a todos,
do Idálio Reis.


Lamego > CIOE - Centro de Instrução de Operações Especiais > Foto 1 > O comandante da unidade em amena convaqueira com o grupo

Lamego > CIOE - Centro de Instrução de Operações Especiais > Foto 2 > O grupo de antigos Asp Of Mil do 2.º Curso de Rangers de 1967.


Lamego > CIOE - Centro de Instrução de Operações Especiais > Foto 3 > Um dos homens de Guileje, o alferes Torres Veiga, da CCaç 2316/BCaç 2835.

Fotos e legendas: © Idálio Reis (2008). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(1) - Vd. postes de

5 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3113: Os funerais dos nossos camaradas Pára-quedistas (4): As exéquias fúnebres (Idálio Reis)

4 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2718: Fórum Guileje (11): Relembrando a velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, onde perdi 2 soldados em combate (Idálio Reis)

1 de Abril de 2008 > Guíné 63/74 - P2708: Construtores de Gandembel / Balana (5): Ponte Balana não era dos piores sítios do Tombali... (Idálio Reis)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2689: Construtores de Gandembel / Balana (2): O papel da CART 1689 (8 de Abril a 15 de Maio de 1968) (Idálio Reis)

3 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2326: O Hino de Gandembel e a iconografia do soldado atormentado pelo desassossego (Idálio Reis)