domingo, 18 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5129: Direito à indignação (6): As míseras migalhas que os comensais da mesa estatal deixam cair (Jorge Picado)

1. Mensagem de Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 15 de Outubro de 2009:

Caros Editores
Como não sei quem está de serviço e vai receber este mail, não especifico.
Abraços para todos.
Aí vai mais um pastelão que brotou desta minha fase mais sombria resultante desta minha entrada no período Outono-Inverno.
Façam o que melhor entenderem, porque era demasiado longo para comentário. Jorge Picado


Direito à indignação

Sobre o tema corrente das míseras migalhas que os comensais da mesa estatal deixam cair, a uns pobres diabos que teimam em não deixar este mundo, o que muito aliviaria as suas (desses comensais subentenda-se) consciências, resultantes dessa obra prima que foi a excelsa Lei n.º 9/2002, eis algumas considerações que resolvi exprimir tendo por base o meu caso.

Como sabem sou aposentado da Função Publica e, quando esta lei foi publicada, já me encontrava nessa situação.

Como Funcionário Publico, portanto um dos famigerados responsáveis pela vergonhosa situação deste País, segundo sempre foi incutido na cabeça dos Portugueses que não tinham esta profissão por todos (com a mais repugnante expressividade pelo desastroso governo que terminou uns dias atrás) os incompetentes que tiveram a desdita de governar este rectângulo à beira-mar plantado, tinha aprendido que ao Estado nem um centavo, agora cêntimo, deve ser perdoado nem muito menos devolvido.

Com esta aprendizagem, agravada com a minha péssima relação com a instituição militar (isto não é apenas fruto das minhas nulas capacidades para essa profissão… mas sim pela forma como fui tratado desde 31 de Agosto de 1959 - dia da incorporação - até 2 de Março de 1972 - passagem à disponibilidade depois de regressar da Guiné – quando finalmente nunca mais me chatearam), assim que a tal Lei foi publicada não perdi tempo a requerer aquilo a que tinha direito.

Devo dizer que de todo o meu tempo de serviço militar, os descontos para a CGA tinham sido devidamente efectuados com base nos meus vencimentos de Técnico Superior (até ao ano de 1962, quando o que me pagavam militarmente nos períodos em que efectuei serviço militar activo era muito inferior) e com base no vencimento militar de 25/8/69 até 2/3/72.

Portanto, em 2004, também recebi uma resposta dando-me conhecimento que “é com satisfação que lhe enviamos um vale postal no valor de 312,26 euros”, respeitando tão elevado montante a “145,46 euros de Complemento Especial de Pensão devido a 1 ano e 11 meses de serviço militar prestado (1 ano e 355 dias foram os dias contados como tempo na Guiné) e o primeiro Acréscimo Vitalício de Pensão no valor de 166,80 euros por ter efectuado o pagamento de quotizações”. No final também constava: - “Estes benefícios, que agora recebe pela primeira vez, serão pagos todos os anos”.

Confesso que fiquei espantado com tanta magnificência dos poderes de então, ao atribuir-me valor tão elevado, já que tivera conhecimento dos valores mais baixos atribuídos então aos meus conterrâneos com quem falava destes assuntos. Mas logo conclui que a razão estava no tal acréscimo resultante de ter pago mais para ter direito a que aquele tempo me fosse contado para a reforma se chegasse inteiro ao fim da comissão. Era apenas a devolução (com juros?) do dinheiro que então me esbulharam!

Como felizmente este montante não me fazia falta, sempre foi encaminhado para as dádivas que anualmente faço a certas Instituições e nunca mais me preocupei a saber se era diminuído ou aumentado.

Recebi agora o impresso da CGA onde nos abonos me dizem: - Acréscimo Vital. Pensão - 2009… 150,00€. Depois no texto informam-me que nos próximos dias receberei uma carta com informação detalhada sobre a prestação pecuniária… como antigo combatente…

Só posso comparar com 2008 em que na tal alínea constava 166,80€.

Ora estes 166,80 não eram mais do que o valor atribuído em 2004 ao tal acréscimo. O complemento devido ao tal 1 ano e 11 meses desapareceu?

Esbugalharam-me mais 16,80€!!!

Já nem os míseros dinheiros para compensar os sacrifícios etc e tal pagam?

Cada vez as migalhas que vão caindo da mesa dos comilões são mais escassas! O que parece significar que estes comilões são cada vez mais vorazes… e menos tementes a Deus…

Para terminar e como esta já vai muito longa, quero dizer que estou com todos os camaradas pelo DIREITO À INDIGNAÇÃO, mas não apoio as devoluções. Sou adepto da criação dum bolo com essa verba, para entrega aos mais necessitados, como tenho visto em vários escritos de camaradas que estão no terreno para auxiliar aqueles infelizes que o Estado, não confundir com Nação, tanto despreza.

Digam-me para quem e como enviar esse dinheiro.
Abraços
Jorge Picado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Setembro de 2009Guiné 63/74 – P5000: Filatelia(s) (3): Selos emitidos pelo novo Estado da GUINÉ-BISSAU Após a Proclamação da Independência (Jorge Picado)

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5115: Direito à indignação (5): O CEP foi transformado em SEP... e os ex-combatentes da Guiné recebem cada vez menos (Júlio Ferreira)

Guiné 63/74 - P5128: Em busca de... (99): Condutores Auto da 3.ª CCAV/BCAV 8323, Pirada, 1973/74 (Fernando Belo)

1. Mensagem de Fernando Manuel Belo, ex-Soldado Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323, Pirada, 1973/74, com data de 16 de Outubro de 2009:

Amigo Vinhal
Desde já, um abraço de sincera amizade.

Sou há quinze dias mais um membro da Tabanca Grande, agradeço-te a ti, ao Luís Graça e a todos os camaradas ex-combatentes da Guiné, fazer parte desta grande família.

Vinhal, se possível fosse, gostaria que divulgasses este e-mail, se preciso for, dá-lhe o retoque da tua mão, já que és mais letrado do que eu.

Sou o Fernando Belo, na Guiné, conhecido pelo MURTOSA, fui Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323 em Pirada, de 1973 a 1974.

Ando há muito procurando pelos seguintes Condutores, todos da minha Companhia:

Apenas infelizmente, de alguns só te posso dar o nome próprio ou alcunha, e localidade dos mesmos.

- Raul Pinto Pereira Lopes, natural de Aguada de Baixo, Concelho de Oliveira do Bairro. Em 1973 residia lá.

- Camilo, natural de Eelvas.

- Cachuxo, natural de Setúbal.

- Clemente, natural do Cartaxo. Tocava bateria, num conjunto de que já não me lembro do nome.

- Alenquer, natural de Alenquer.

- Covilhã, natural da Covilhã.

Caro Vinhal, publica isto se possível, à tua maneira, para mim era a maior alegria se algum me contactasse.

Camarada, desculpa-me, se te incomodei com esta conversa toda, mas sabes tão bem como eu, a guerra, já lá vai há muito, mas a amizade, a
camaradagem, as tristezas e alegrias, que partilhaámos uns com os outros, ficarão para sempre gravadas nos nossos corações.

Vinhal, um grande abraço meu amigo

Fernando Manuel Belo
maito:fernandombelo@hotmail.com
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5090: Tabanca Grande (179): Fernando Manuel Oliveira Belo, ex-Soldado Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323 (Pirada, 1973/74)

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5116: Em busca de... (98): CAÇ 3326 - Os Jovens Assassinos de Mampatá (1971/73) (António Amaral Brum, Ontário, Canadá)

Guiné 63/74 - P5127: Historiografia da presença portuguesa em África (23): Aquela Guiné dos anos 50 (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos*, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2009:

Malta,
Fiquei suspenso pela leitura do texto do casal Cabral.
Até imaginei o que teria acontecido se as autoridades portuguesas lhe tivessem reconhecido o mérito, o talento e a capacidade de preparar a Guiné para outros rumos, na hora própria.
O devaneio é meu, a desgraça é de dois povos.

Um abraço do
Mário


Aquela Guiné dos anos 50
Beja Santos

A heroína de uma obra de ficção que estou a preparar (e que a seu tempo proporei a sua publicação em primeira mão no blogue) irá viver na Guiné entre 1952 e 1962. Fui alegremente arranjar a minha desgraça, as fontes de informação são poucas, nem sempre convincentes e casos há em que são fantasiosas. É por isso que o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa é o meu permanente porto de abrigo: é ali que encontro notícias de grupos como o Sporting Clube de Bissau, o Sport Lisboa e Bissau e o Atlético Clube de Bissau (dou comigo a imaginar o grau de rivalidades de gente que partiu de Alvalade, Benfica e Alcântara); é ali que encontro anúncios de actividades económicas e das grandes personalidades do meio como Jamil Younis e Jamil Zaidara, ambos em Farim, descobri um Samuel Benoliel, despachante oficial, a Nosoco – Nouvelle Société Commerciale Africaine, em Bissorã. Em 1952, o governador é o engenheiro Raimundo Serrão, em 1954 o capitão-de-fragata D. Diogo António José Leite Pereira de Mello e Alvim, virá a seguir outro marinheiro, Peixoto Correia, que fora chefe de gabinete de outro marinheiro, Manuel Maria Sarmento Rodrigues.

O Boletim Cultural foi criado por Avelino Teixeira da Mota, ao tempo colaborador de Sarmento Rodrigues, é uma revista de uma importância incalculável para acompanhar o público, o semi-privado e a cultura nos mais variados matizes, desde a história até à medicina tropical. O grande acontecimento de 1952 foi a inauguração da ponte de Ensalmá, ligando a ilha de Bissau ao continente (conhecia em boas condições, em 1968, e já numa perfeita ruína, em 1991). Folheava o número de Janeiro de 1954 quando dei conta de um artigo com um título intrigante: “Breves notas da razão de ser, objectivos e processos de execução do recenseamento agrícola da Guiné”, assinada por Maria Helena Cabral e Amílcar Lopes Cabral. As datas coincidem com a novela que eu arranjei de uma ida de ambos, separadamente, a Bissorã. A minha heroína nunca escondeu o derriço pelo charme de Amílcar Cabral, surpreendeu-a sempre o cosmopolitismo e a estruturada cultura europeia desse engenheiro de solos que fora aluno brilhante no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. Muito mais tarde, já na luta armada, Amílcar Cabral diria que foi este recenseamento agrícola que lhe deu a possibilidade de conhecer as realidades da Guiné e de estabelecer contactos que lhe permitiram fundar o PAIGC na clandestinidade. O que para o caso me interessa é resumir esse punhado de notas que apresentam um documento, único no seu género, ao tempo e no Ultramar Português.

Segundo o casal Cabral, Portugal tinha contraído o compromisso de levar a efeito o recenseamento agrícola em todas as parcelas ultramarinas, em finais de 1947, em instâncias internacionais. Com esse recenseamento procurar-se-ia apurar: superfícies cultivadas e superfícies consagradas às diferentes culturas; número e características da população; importância do gado; dados sobre a produção das principais culturas. O casal de engenheiros enuncia o rol de dificuldades que obstaculizaram um trabalho rigoroso: nada havia de previamente lançado, tudo teve que ser improvisado em cima da hora. Com o trabalho de campo conheceram-se as culturas principais, a variedade de explorações agrícolas de “chão” para “chão”, apurando-se que a terra era um bem colectivo e que a propriedade privada incidia sobre os produtos obtidos pela agricultura praticada pelos elementos constituintes da família. Mas que não houvesse ilusões, o limite deste recenseamento era de uma mera estimativa. Recorrera-se ao método de amostragem, tendo-se escolhido povoações que, pelas características da sua agricultura, se podiam considerar representativas de uma dada região. Procurara-se igualmente efectuar um estudo detalhado dessas povoações nos aspectos social, económico e cultural. Para o casal Cabral havia que destacar as seguintes características deste recenseamento: cada povo tinha estrutura agrária constante; a presença de um povo numa região prendia-se aos imperativos da estrutura agrária; a exploração da terra era sempre feita em regime familiar; a extensão das terras cultivadas dependia principalmente do número de unidades de trabalho da família.

Foi reconhecido este recenseamento como obra modelar. O comportamento de Cabral, no entanto, já lançava suspeitas, ele foi transferido para Angola. Verdade ou não, ficara a conhecer todo o território por cuja causa veio a dar a vida.

O que impressiona, quando se lê este texto preparado para informação numa revista de âmbito local é a qualidade do português, o esforço de síntese, a boa comunicação de coisas herméticas de uma forma tão simples. Parece que é um dom daqueles que estão convencidos do que sabem e do que fazem.

O Boletim Cultural tinha sempre uma secção de imagens intitulada “Aspectos e tipos da Guiné Portuguesa”. Junta-se um felupe de Sucujaque, é pena que a máquina da Sociedade de Geografia de Lisboa não permita realçar o esplendor de quem parece ter um trono atrás de si.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5104: Notas de leitura (29): Um Amor em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5069: Historiografia da presença portuguesa (22): África, da Vida e do Amor na Selva, Edições Momentos, 1936 (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5126: Um Casal Garcia, para desinfectar o dente... (Joaquim Peixoto, ex-Fur Mil, CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73)

O Joauqim Peixoto, natural de Penafiel, a bordo do T/T Niassa

"Ilha de Bolama. Primeira fotografia tirada na Guiné" (JP).

Fotos: Joaquim Peixoto (2009). Direitos reservados




Marco de Canaveses > Paços de Gaiolo > Ambrões > 4 de Setembro de 2009 > Foi aqui que a jovem professora Margarida Peixoto (hoje já reformada do ensino básico) viveu um ano, enquanto deu aulas na Escola de Passinhos / Foz... Na foto, tem à esquerda o marido, o Prof Joaquim Peixoto (ainda no activo) e a Maria Alice, à sua esquerda.

Fonte: A Nossa Quinta de Candoz > 10 de Setembro de 2009 > A Homenagem da Professora Aos Seus Primeiros Alunos (Escola de Passinhos, 1972) (*)

1. Texto do Joaquim Peixoto, professor do 1º ciclo ensino básico, residente em Penafiel, membro da nossa Tabanca Branca, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73:

É com grande expectativa e curiosidade que diariamente ao ligar a “caixinha das surpresas” qual cartola de mágico fazendo sair um coelho da cartola, ou lenços coloridos fazendo lembrar um arco-íris em movimento, o meu computador me leva ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

De olhos bem abertos e com toda a atenção leio e releio todos os artigos, deliciando-me com todos os casos narrados e parecendo viver ou mesmo reviver alguns deles.
Logo penso cá comigo:
- Também vou escrever.

Sem mais demandas pego numa folha de papel em branco para o colorir com factos vividos na Guiné. As ideias surgem-me em catadupa, mas a força, a dinâmica para arrancar afrouxa, porque surge o pensamento:
- O que vou escrever?

Os textos que li são tão elucidativos, estão tão bem escritos que … vou repetir por outras palavras o que outros já disseram ?...

E assim, de dia para dia, de pensamento em pensamento eis que surge luz na caverna dos meus pensamentos … Dessa luz nasceu algo que passo a narrar.

Fins de Junho de 1971. Embarquei no Niassa, viajando num meio de transporte diferente do que habitualmente utilizava, tendo como estrada o rasgar das águas do Atlântico e como paisagem um céu azul reflectindo a sua cor nas águas turbulentas e agitadas onde aquele barco se agitava com um sem número de gaiatos, jovens, julgando que já eram homens, partindo não sei bem para onde, nem sabendo muito bem o que os esperava, rumava eu com os outros camaradas com destino à Guiné.

E eis que já farto de água e céu, chegamos à terra prometida Bissau.

Que admiração!
Que espanto!
Que curiosidade!
Tudo era diferente…

Já tínhamos visto negros, mas assim. Tão diferentes na maneira de ser, nas roupagens, nos olhares!... E no entanto tão iguais a nós. Seres humanos, seres com sentimentos sonhos e necessidades como as nossas.

A paisagem deslumbrante, de uma vegetação diferente e uma terra barrenta com um cheiro tão característico, que passados tantos anos ainda o reconheceríamos. O clima dum calor húmido, que nos humedece o corpo mas não o arrefece. Tudo era diferente! Transportava-nos, com os nossos tenros vinte e poucos anos, a um mundo quase irreal. Naquele momento não podíamos nem queríamos fazer juízos de valor nem aprofundar onde estávamos.

Assaltou-me um pensamento:
- Como seria a guerra?

Não tive tempo de imaginar. Uma voz que me pareceu surgir do nada informa:
- Agora vão para a ilha de Bolama. Lá é tudo muito calmo. Não há guerra. Vão tirar a IAO. Só podem usar balas de salva.

E sem mais explicações, nem tempo para pensar, fomos metidos num barco (penso que seria uma LDM ).

Numa calmaria, baloiçando nas águas tranquilas, ladeados por uma vegetação inigualável, surgiu o primeiro contratempo. Um soldado deixando-se embalar por aquele calor tórrido, deixou-se adormecer, sonhando talvez com umas férias paradisíacas. No final da viagem no lugar do sonho que o embalava, tinha um grande escaldão que precisou tratamento médico durante muito tempo.

À chegada a Bolama o espanto foi total. Então não íamos para a guerra? É que no local onde iríamos viver durante um mês, tinha escrito em letras garrafais, embora já comidas pelo tempo:
HOTEL DE BOLAMA

Então isto é a guerra? Como diria o nosso saudoso Raul Solnado : “Cheguei à guerra … mas a guerra já tinha acabado. “

Estava na Guiné, estava num hotel. Não havia guerra. O que havia de pensar?

O tempo ia decorrendo e os corações agitados com a perspectiva duma guerra que não conhecíamos, ia acalmando.

Mas … como não há bela sem senão… Eis que ao segundo dia sou abanado pelo primeiro ataque. Não, não pensem já em vítimas … Foi um ataque de uma enorme dor de dentes. Daquelas que uma pessoa não sabe se grita, se chora, se toma uma piela … ou se simplesmente vai ao dentista.

Era de noite, as estrelas bailavam no firmamento e este silêncio contrastava com o ressonar de alguns camaradas que no meu quarto de hotel (que compartilhava com mais dezassete) dormiam a sono solto, sem se aperceberem que eu estava a ser atacado.
Mas, eis que, no meio da minha dor, do ressonar composto por diversos sons, um barulho muito esquisito feriu os meus ouvidos e contendo a respiração por alguns segundos ouvi um grande rebentamento. De um só salto, todos abandonamos as nossas camas e saímos do quarto.

Era mesmo um ataque a sério. Estávamos a ser atacados por mísseis. (Julho de 1971). Era o nosso baptismo de fogo. E nós, pobres indefesos e inocentes a este tipo de despertar, o que podíamos fazer? Como nos defender? Atirar as balas de salva?

Alheios ao perigo que corríamos ficámos minutos e minutos a falar como se de um fogo de artifício de alguma romaria se tratasse.

E assim, sem reagirmos ao inimigo recolhemos à caverna. Perdão, hotel. Para meu espanto verifiquei que a dor de dentes me tinha passado. Remédio milagroso!!!

Aliviado pela anestesia que tinha apanhado preparava-me para dormir o sono dos justos, quando por artes mágicas o maldito ataque do dente deu a sua réplica e enquanto a dor me martirizava ia recordando com uma certa perplexidade se tinha assistido a um ataque a sério ou se tinha havido uma romaria próximo do nosso local e nós nem a música ouvimos.

Ao romper o dia fui direitinho meter uma cunha ao enfermeiro Furriel Silva para ser o primeiro a ser atendido quando viesse o médico. Amparando a dor com analgésicos fui aguentando a dor até à chegada do médico.

Qual o meu espanto, ao fim do dia, o médico tinha ido embora e eu não tinha sido chamado. O enfermeiro tinha-se esquecido de pôr o meu nome na lista.

Não será difícil de pensar qual foi a minha reacção a tão cruel esquecimento. Procurando no mais profundo do meu ser encontrei as palavras mais cultas e eruditas que se possa dizer a quem nos faz um favor. Assim desde “filhinho da mamã”… até à árvore mais frondosa que nos protege do sol quando o calor nos sufoca, o “carvalho”, surgiram em catadupa uma série de vocábulos que jamais imaginaria um dia transmitir a quem quer que fosse.

No meio do meu desespero, alguém me contou que o médico havido tirado dois dentes a um paciente, quando este se queixou só de um dente. Enganos!!! Ouvido isto, agradeci sinceramente ao enfermeiro Silva o ter-se esquecido do meu pedido e retirei-lhe toda a sabedoria com que o tinha brindado.

Algum tempo depois deste incidente chegou finalmente a minha vez de ir ao dentista. Desta vez já estava em Sare Bacar e desloquei-me a Bafatá numa coluna de reabastecimento. O consultório era no rés-do-chão, com uma cadeira de barbeiro e na parede alguns posters alusivos à nossa mente jovem, com o intuito de nos ir distraindo. Uma janela, aberta de par em par, dava para o exterior e como se de um circo se tratasse o tratamento aos dentes, tinha assistência garantida. Duas negras lindas olhavam boquiabertas (com os dentes duma alvura invejável) para a boca aberta de quem se sentava numa cadeira de barbeiro, não para fazer a barba ou cortar o cabelo, mas para extrair um dente.

E, um gajo já com a cabeça à roda, olhando para o colo desunado daquelas musas encantadas, apontava ao dentista, já meio anestesiado, qual o dente que me doía.
E assim, o competente dentista, apertando o alicate e puxando, como se de um prego se tratasse, arrancou-me o dente mau, sem que eu tivesse qualquer dor e mandou-me sair. Não houve direito a palmas, a assistência limitou-se a observar.

Saí e fui directo a um café comprar uma garrafa de água para limpar a boca.
Hoje, passados quase quarenta anos, posso afirmar que foi o dente que me custou menos a extrair.

Eram dez horas da manhã. Aproximava-se a hora do almoço. Ao meio dia juntei-me com os outros camaradas da companhia para irmos almoçar ao Restaurante Transmontano, o célebre bife com batatas fritas. O proprietário do restaurante, o Sr. Anis, ao ver-me fez a perguntar habitual da qual já sabia a resposta:
- Uma garrafinha de vinho da sua terra, “Casal Garcia”, de Penafiel?
Respondi:
- Certamente, para desinfectar a ferida.

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Nota de L.G.

(*) Margarida Peixoto, natural de Penafiel (com 6 anos de Angola, dos 10 aos 16, em plena guerra colonial), volta a Paredes de Viadores para reencontrar e homenagear os seus "meninos e meninas" da Escolinha de Passinhos / Foz, no já longínquo ano de 1972... Tinha acabado de sair do Magistério. Foi o seu primeiro ano de trabalho. Tinha cerca de três dezenas de alunos, de ambos os sexos, da 1ª à 4ª classe... Nunca mais se esqueceu deles...

Conheceu a Alice por ocasião do IV Encontro Nacional do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, em 20 de Junho de 2009, na Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria. O seu marido, também professor, Joaquim Carlos Peixoto, fez a guerra colonial na Guiné e é amigo do Luís..

A Alice proporcionou agora este reencontro com alguns dos seus antigos alunos: a Laurinda, a Leonor, o Fernando... No dia 4 de Setembro de 2009, um dia de semana... Alguns, contactados, não puderam comparecer, por trabalharem no Porto e no estrangeiro... Fica em preparação um encontro alargado para o verão do próximo ano (...).

Guiné 63/74 - P5125: José Augusto Rocha: da crise estudantil de 1962 à Op Tridente, Ilha do Como, 1964 (José Colaço / Luís Graça)

Coimbra > 3 de Outubro de 2009 > A Alta de Coimbra, vista do Convento de Santa Clara a Velha...

Coimbra > 3 de Outubro de 2009 > Ubiversidade de Coimbra > A famosa torre sineira e a "cabra"...

Coimbra > 3 de Outubro de 2 > Universidade de Coimbra > A famosa Via Latina...

Coimbra > 3 de Outubro de 2009 > Universidade de Coimbra > Vista (parcial) sobre Coimbra (em primeiro plano, a Sé Velha)

Coimbra > 3 de Outubro de 2009 > Lápide em azulejo evocativa da passagem de Zeca Afonso por uma casa junto à Sé Velha

Coimbra > 3 de Outubro de 2009 > Estátua de D. Dinis, fundador da universidade portuguesa (12 ) definitivamente instalada em Coimbra, em 1537, por decisãod e D. João III... A Universidade de Coimbra tem estado sempre ligada a momentos importantes de contestação social e política... como foi o caso da crise académica de 1962.

Fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados


1 Mensagem enviada, em 16 do corrente, pelo editor L.G. ao José Colaço (ex-Sold de Trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, mmembro da nossa Tabanca Grande) (*)

Conheci ontem, pessoalmente, um homem que foi da tua companhia [ a CCAÇ 557], o Alf Mil Rocha... Lembras-te dele ? Esteve na Op Tridente [ Ilha do Como, Janeiro-Março de 1964,] e depois no Cachil...Vai publicar em breve um resenha de memórias desse tempo...

Falou-me de vários nomes, também teus conhecidos [ ou do teu tempo]: Cavaleiro Ferreira, Barão da Cunha, Saraiva... O Barão da Cunha foi preso por se recusar a combater, [não sei exactamente em que circunstâncias, mas penso que no decurso da Op Tridente,] e ele foi quem lhe deu "apoio jurídico", sugerindo nome de advogados da oposição (Mário Soares, por ex.) para o defender... O Barão da Cunha esteve preso na Trafaria... Conhecias este episódio ?

O Rocha tinha o 5º ano do curso de licenciatura em direito qundo foi expulso de Coimbra [ na sequência de crise estudantil de 1962]... Fez a tropa e foi mobilizado para a Guiné... Encontrei um currículo dele, de onde não consta a passagem pela Guiné...

Disse-me que não é homem de blogues nem pretende "alimentar" o nosso banco de memórias... Foi cordial comigo, foi-me apresentado pela Diana Andringa [ na estreia, no Doclisboa 2009, o filme Dundo, Memória Colonial] (**)...

Vou estar atento a um escrito dele, sobre a Op Tridente, prometido (a título excepcional...) para ser inserido na página Caminhos da Memória [, de cuja redacção fazem parte dois membros do nosso blogue, Diana Andringa e João Tunes]...

Fotos: Luís Graça (2009). Direitos reservados Um abraço. Luís

Anexo - Nota curricular de José Augusto Rocha

(i) Nascido, em Viseu, a 25 de Outubro de 1938;

(ii) Advogado, licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra;

(iii) Inscrição na Ordem dos Advogados, em 13 de Agosto de 1968;

(iv) Director da Associação Académica de Coimbra (AAC), em 1962;

(v) Expulso de todas as Escolas Nacionais, por dois anos, na crise académica de 62, por decisão do Senado da Universidade de Coimbra, acusado de ter realizado o 1º Encontro Nacional de Estudantes, sob proibição do Ministro da Educação Nacional [Recorde-se que, em 26 de Março de 1962, O Dia do Estudante é proibido em Lisboa, levando à greve estudantil. A Academia de Coimbra solidariza-se e a luta estudantil mantém-se acesa até Maio. A AAC é encerrada] (***);

(vi) Julgado no Tribunal Criminal de Coimbra, acusado de crime de desobediência ao Ministro da Educação Nacional, por ter realizado o referido Encontro;

(vii) Preso no Forte de Caxias na sequência da crise académica de 62 e daí liberto sem culpa formada;

(viii) Membro da redacção do órgão da Associação Académica de Cimbra, Via Latina, em 61/62;

(ix) Membro da Direcção da Caixa de Previdência [da Ordem dos Advogados, presume-se] no triénio 73/75;

(x) Autor de várias comunicações em Congressos da Ordem de Advogados e intervenção activa nos movimentos associativos e eleitorais da Ordem dos Advogados;

(xi) Participação em numerosos julgamentos no Tribunal Plenário Criminal de Lisboa, onde defendeu vários presos políticos, nomeadamente, Victor Ramalho, Francisco Canais Rocha, João Pulido Valente, António Peres, Diana Andringa, Fernando Rosas, Maria José Morgado, José Mário Costa, Paula Rocha, Isabel Patrocínio Saldanha
Sanches.

(xii) Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados em 2008.

Fonte: Caminhos da Memória > José Augusto Rocha



2. Resposta do José Colaço, ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65),


Olá, Luís, boa noite: O ex-alferes miliciano Rocha era o meu comandante de pelotão, o 4º ou seja o pelotão de armas pesadas. Ele era também o 2º comandante da companhia.

Guardo dele, durante a nossa estada na guerra da Guiné, bem como de todos os oficiais e sargentos e restantes camaradas, as melhores recordações.

Mas para este ambiente funcionar como uma máquina bem oleada, houve e ainda há um homem que, além de militar com a sua patente de capitão, via no seu subordinado, no homem que estava à sua frente, outro ser humano como ele...

Este Homem dá pelo nome de João da Costa Martins Ares, hoje coronel reformado.

O Rocha possivelmente não te contou esta passagem: no início da nossa comissão é recebida uma mensagem dos serviços da PIDE com o seguinte teor, mais ou menos: po capitão deunciasse o dia a dia do alferes Rocha pois ele era elemento a ser vigiado na sua conduta diária.

As palavras não eram exactamente estas mas o sentido era vigiar o Rocha e informar os serviços da PIDE.

O capitão toma a seguinte resolução: chama o alferes Rocha, tem uma conversa séria de homem para homem, mostra-lhe a mensagem; o Rocha, por sua vez, conta-lhe todo o seu passado politico de oposicionista ao governo de Salazar, mas dá um voto de confiança ao capitão, o qual poderá contar com ele e, mais, que nunca seria atraiçoado.

Deste modo, o capitão conseguiu mais um amigo para levar a bom porto aquela nau durante vinte e três meses.

Quanto ao que dizes no teu mail, praticamente é tudo do meu conhecimento embora não com um grau de muita profundidade.

Sobre este assunto, se tivermos ocasião de falarmos pessoalmente, poderemos abordar o assunto, neste momento o meu estado de saúde não seja o melhor mas penso que não será nada de preocupante.

Um abraço

Colaço
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes relacionadas com o José Colaço e a CCAÇ 557:

1 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4765: Convívios (153): Almoço/Convívio: CCAÇ 557, Cahcil, Bissau e Bafatá 1963/65 - (José Colaço)

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

29 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))

9 de Outubro de 2008 >Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)

19 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3334 O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

16 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4196: Blogpoesia (39): CCAÇ 557, Missão cumprida na Guiné (José Colaço/Francisco dos Santos)


(**) Vd. poste de 15 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5110: Agenda Cultural (33): Doclisboa 2009: Hoje, 23h, Cinema Londres2: Dundo, memória colonial, de Diana Andringa


(***) Sobre a crise académica de 1962, vd. os seguintes documentos na Net:

A crise académica de 1962 > Artigo de Rui Grilo

Vd. também Maria Manuela Cruzeiro, Rui Bebiano - Anos Inquietos. Vozes do Movimento Estudantil em Coimbra (1961-1974), Porto, Edições Afrontamento, 305 pp.

ACCORNERO, Guya. Anos Inquietos: Vozes do Movimento Estudantil em Coimbra (1961-1974). Anál. Social. [online]. 2007, no.184 [citado 18 Outubro 2009], p.919-923. Disponível na World Wide Web: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732007000300011&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0003-2573.


(...) Os relatos de Fernando Martinho e Carlos Baptista são significativos pelo esboço da África que trazem. Nascidos em famílias — embora de meio social diferente — de colonos portugueses, ambos sublinham a maior abertura cultural das colónias, onde o controlo do regime, pelo menos até ao começo da guerra colonial, não chega a ser tão eficaz como na metrópole. Esta abertura e a experiência diária do racismo e da discriminação dos negros foram fundamentais para a formação política, assim como o contacto com militantes dos movimentos de libertação.

Em Coimbra, onde chegou em 1961, Fernando Martinho integrou uma célula do MPLA que tinha como objectivo recrutar jovens angolanos para o movimento de libertação e organizar uma rede de deserção. Empenhado nas actividades da Associação Académica, foi preso pela PIDE durante alguns meses. Como outros dois entrevistados, Pio Abreu e José Cavalheiro, sofreu a experiência da guerra colonial, embora tenha conseguido evitar um envolvimento directo nas acções militares graças a sua profissão de médico.

Médico, no seu caso psiquiatra, é também Pio Abreu, originário de Santarém, onde nasceu, numa família bastante católica e conservadora, em que a política era uma coisa proibida. Chega a Coimbra em 1962, em plena crise académica, e liga-se, como Fátima Saraiva, ao Conge, uma estrutura que será fundamental na crise de 1969. Também nesta entrevista a experiência da guerra na Guiné ocupa um lugar essencial, em que se salienta sobretudo a forte contradição entre a formação política do entrevistado e a participação num conflito que se baseava em fundamentos completamente opostos. Assim como Fernando Martinho e José Cavalheiro, Pio Abreu descreve a sua atitude de «boicote passivo» das acções militares, favorecida, também neste caso, pela sua formação de médico, que sempre tentou desenvolver segundo a sua própria ética contra a do exército. (...)


Vd. tambéma bibliografia no blogue Estudos sobre o Comunismo, fundado por José Pacheco Pereira

CRISE ESTUDANTIL DE 1962

Anselmo Aníbal, "A propósito do 24 de Março de há 20 anos", Diário de Lisboa, 25/3/1982



“Estudantes de 1962 recordam a "crise académica"“, Jornal da Educação, 54, Abril 1982

João Pedro Ferro (Org.) A Primavera que Abalou o Regime. A Crise Académica de 1962, Lisboa, Presença, 1996

Maria Antónia Fiadeiro, "Crise Académica de 62: memória na primeira pessoa", Diário de Lisboa, 24/4/1982

Eurico de Figueiredo, "Movimento Estudantil de 62 provocou a maior crise estrutural do fascismo", Entrevista ao Portuqal Hoje, 24/3/1982

Álvaro Garrido, Movimento estudantil e crise do Estado Novo: Coimbra 1962. Coimbra, Livraria Minerva, 1996

Maria Antónia Palla, "24 de Março de 1962: tão amigos que nós eramos", Expresso, 26/3/82

Daniel Ricardo, "Greve académica de 62 uma grande batalha contra a ditadura", O Jornal, 19/3/1982

Daniel Ricardo, “Contra os bastões lucidez e unidade”, O Jornal, 27/3 a 2/4/1987

[Sobre o movimento estudantil posterior a 1962.]

Rogério Rodrigues, "A geração de 62 sabe dialogar entre si", O Jornal, 26/3/1982

Rogério Rodrigues, "Crise Académica de 62: a memória dos anos 20", O Jornal, 26/3/1982

Rogério Rodrigues,"Crise Académica de 62: os dois anos que abalaram Coimbra", O Jornal, 2/4/1982.

Guiné 63/74 – P5124: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (26): Lágrimas de uma mãe


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 26ª estória:

Camaradas,

Ao rever as minhas memórias, encontrei este texto no meu baú, que pretende ser uma homenagem às Mães deste país, que tiveram os seus filhos na Guerra do Ultramar.

LÁGRIMAS DE UMA MÃE

Nunca julguei que era tão difícil separar-me de minha mãe.

Na hora da despedida, senti as suas lágrimas e pensei: “Sente uma mãe, um filho na sua barriga, seu corpo mudar de forma e esperar a boa hora.”

Para quê?

Ver o seu filho crescer e ser a razão do seu viver.

Por mim chorou, sorriu, sofreu e lutou.

Quantas vezes me levou á escola, me viu jogar á bola, me levou ao médico e me amparou na doença.

Noites sem dormir, com febres e cólicas, quantos sustos lhe dei.

Então cresci e um dia fui-me embora, não para estudar ou trabalhar, não para constituir família. Mas sim, para o serviço militar.

Fiz as sortes, fui incorporado, mobilizado e parti para a guerra… na Guiné.

Vi as lágrimas de minha mãe derramadas na hora da partida!

Minha mãe pediu a Deus, que voltasse são e salvo, para o seu regaço.

Lembrou-se de uma amiga que enterrou seu filho morto em África, tinha vinte e dois anos e morreu vítima da guerra.

Chorou lágrimas de desespero quando seu filho foi ferido.

Toda a mãe chora quando vê partir um filho e só volta a ter alegria, quando o torna a ver, a ter perto de si outra vez.

Com lágrimas nos olhos recebeu-me quando regressei e agradeceu a Deus, pelo seu filho estar de volta com vida.

Foram muitas as lágrimas de… minha Mãe.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


sábado, 17 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5123: Convívios (170): Pessoal da CCAÇ 727, ocorrido no passado dia 3 de Outubro, em Fátima (Miguel Oliveira)

1. Mensagem de Miguel Oliveira, ex-combatente em Angola, nosso leitor habitual, com data de 16 de Outubro de 2009:

Meu Caro Vinhal,
Em primeiro lugar os meus cumprimentos, extensivo a todos os elementos do Blog, que acompanho diariamente.

Mais uma vez e em nome da Comissão Organizadora dos Convívios da CCaç 727, venho ao V/Blog para dar a notícia do Convívio 2009.

O Encontro/Convívio* realizou-se este ano em Fátima, como anteriormente anunciado e com algumas surpresas.

Este ano estiveram alguns elementos da CART 731/BART 733/RAL1, entre eles o ex-Cap Art Costa Matos, (Cor Tirocinado de Art.ª na Reforma) que foi o CMDT da Cart 731.
Tivemos também a presença de dois guineenses que fizeram parte dos Quadros da CCac 727; são eles: Mamadú Uri D'jaló e Jorge Mendes.

Foi assim em dia grande que os ex-combatentes e seus familiares posaram para as fotos, das quais envio quatro.

Por hoje é tudo, meu caro Vinhal, em nome de toda aquela juventude, um grande obrigado.

Um abraço

No Santuário de Fátima os ex-combatentes das duas Companhias

Ainda no Santuário de Fátima, agora com os seus familiares

Quando se procedia à chamada dos dois guineenses, ao Convívio

O ex-Cap Inf.ª Joaquim Vasconcelos, (de barba branca) rodeado de ex-combatentes das duas Companhias presentes.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4835: Convívios (155): Pessoal da CCAÇ 727, no dia 3 de Outubro de 2009 em Fátima (Miguel Oliveira)

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5112: Convívios (167): Encontro de ex-combatentes da Guiné do Concelho de Gondomar, ocorrido no dia 5 de Outubro de 2009 (Carlos Silva)

Guiné 63/74 – P5122: Estórias avulsas (15): Homens Grandes, Jorge Rosales (ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ - Porto Gole -, 1964/66)



1. O nosso Camarada Jorge Rosales enviou-nos uma mensagem, com a colaboração informática do Vasco da Gama (ex-Cap Mil – Comandante da CCAV 8351 - Os Tigres de Cumbijã -, Cumbijã, 1972/74), que escreveu no seu e-mail a seguinte introdução:


Camaradas e Amigos,

Recebi, há dias, ordens expressas de um homem de Farda Amarela, Jorge Rosales de seu nome, para que passasse a letra de forma um manuscrito de sua autoria, e que de seguida o enviasse para a nossa Tabanca Grande.

Bati com os calcanhares com o vigor dos meus sessenta e três anos e prontifiquei-me de imediato a cumprir ordens do velhinho, com idade não muito própria para ser divulgada em público, pois o camarada, ainda por cima, me ameaçou com "cada um na sua especialidade" e, de seguida, se quiseres aprender a jogar futebol... já sabes".

Sabendo os meus camaradas editores como eu sou um "nabo" em coisas de informática, vejam lá o meu acrescido fado, se tivesse que ir aprender a jogar à bola com um menino do Estoril.

Sei que, durante muitos anos, o Rosales foi jogador de futebol do Estoril Praia, tendo também passado um anito, salvo erro, pela Académica de Coimbra, mas, a bem dizer, um na informática e outro no futebol... cala-te boca...

O meu e nosso camarada Jorge Rosales veio até mim pela mão doutro menino da linha, o nosso camarada José Dinis, conceituado “pipi” de Cascais e um dos nossos brilhantes tabanqueiros.

Como é bom ter à minha volta gente desta...

Um abraço Amigo para todos,
Vasco da Gama
Cap Mil da CCAV 8351

HOMENS GRANDES


Depois de dez dias entre Bissau e Farim, vejo-me a caminho de Porto Gole, Geba acima, a favor da maré; ia num barco da casa “Gouveia”, que levava géneros para Porto Gole e, talvez, Xime e Enxalé…

No barco, sentia-me ansioso, apreensivo: Mafra, Cica 2, viagem no “ Alfredo da Silva”, com passagem pelo Mindelo e Praia, pertenciam ao passado.

Tentava adivinhar qual a reacção do pelotão veterano de Porto Gole, à chegada do Alferes “maçarico”. Era, para mim, um salto no escuro...

À minha espera, como maior graduado, estava o 1º Sargento Alface. Foi ele que me orientou, com os seus conselhos e “palpites”.

Tinha a sabedoria de transmitir, com subtileza, a sua experiência coisa que não vem nos livros… adquire-se.

Para o Abna Na Onça, capitão de segunda linha, o Alface era o confidente, o amigo leal; fez questão de tornar o Alface, seu irmão de sangue.

Assisti à cerimónia de troca de sangue destes dois homens, com os braços unidos.


Num fim de tarde, na sua tabanca, o Abna chamou-me para me mostrar, com orgulho, a sua assinatura: “ Abna na Onça Alface”.

Foi, para mim, um privilégio conviver com estes dois “Homens Grandes“.

Um, balanta de Porto Gole, o outro, alentejano do Cano.

O Abna morreu em combate, em Bissá, Abril de 1967, como relata o Abel Rei no seu livro, “Entre o Paraíso e o Inferno“.

O Alface, também já não está entre nós, vítima de atropelamento na zona de Lisboa.

A “Tabanca Grande“ fez-me voltar à Guiné, às suas recordações… e a mais forte, de todas elas, deu motivo a este relato.

Um abraço,
Jorge Rosales
Alf Mil Inf


Fotos: Jorge Rosales (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5121: (Ex)citações (52): A morte dos nossos camaradas deixou marcas (Luís Graça/JERO)

1. Luís Graça, ex-Fur Mil da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71, deixou este comentário no poste 5105, no dia 14 de Outubro de 2009:

Binta, meu caro JERO, foi também uma escola de virtudes... Na tua boca, poderia ser um auto-elogio, escrito por um dos fiéis leitores, deve aproximar-se da verdade...

Parece ser uma lugar-comum, e até uma afirmação temerária dizer que situações-limites como a guerra e a preparação para a guerra podem ser reveladoras...

Reveladoras do que há de melhor e pior nos seres humanos... Em grupo, como primatas sociais que somos, para mais territoriais, predadores, armados de massa cinzenta q.b. e de tecnologias de morte q.b., somos capazes de tudo, incluindo matar e ter compaixão pelas nossas vítimas, e até matarmos-nos por altruísmo... (quantos heróis não terão sido suicidas altruístas ?).

A morte dos nossos camaradas, ao longe ou ao nosso lado, deixou marcas... Éramos uns putos e não estávamos preparados nem para matar nem para morrer nem para ver morrer (independentemente da causa, da bandeira...).

A tropa, a IAO e as todas palhaçadas que andámos a fazer, uns por Santa Margarida, outros por Bolama, outros por Contuboel, tudo isso não passava de um prolongamento das nossas brincadeiras de adolescentes... Uns levavam-nas a sério, até a sério demais... Mas ainda estávamos na guerra do faz-de-conta...(de tal maneira que houve Companhias, tal como a minha, a CCAÇ 12, que teve o seu baptismo de fogo, com mortos e feridos graves, ainda em fato-macaco, em frada n.º 3, logo a seguir ao fim da IAO)...

A guerra, logo a seguir à IAO, essa, era mesmo a sério... Sobretudo as minas, as emboscadas, as colunas logísticas, os golpes de mão, os patrulhamentos ofensivos, a espera (à noite) do ataque, da flagelação... Os dias, as noites, o inferno verde, os mortos, os feridos, a sede, a desidratação, as abelhas, os mosquitos... Enfim, e sobretudo, o INIMIGO sem rosto... Quase como Deus, ubíquo, invisível, imprevisível, insondável...

A guerra marcou-nos com um ferro em brasa... por muito que a gente negue, denegue, racionalize, faça humor, ironize, verbalize, tente esquecer, escamotear, branquear, efabular, infantilizar...

Gestos como o do Belmiro Tavares da tua história também nos sensiblizam e enobrecem (não já como portugueses, simplesmente como homens)... E as cartas que o Belmiro e tantos outros graduados, anónimos, mandaram aos pais dos nossos camaradas mortos (em combate, mas também por acidente e doença) deviam poder chegar ao nosso conhecimento, deviam ser ser conhecidas e preservadas, deviam figurar no futuro museu da guerra colonial...

São documentos muitos íntimos guardados ainda pelas famílias (?)... Quantas cartas dessas terão sido escritas? Quantas poderão ainda chegar até nós, digitalizadas ou transcritas para suporte digital? Ou ao Arquivo Histórico-Militar, os originais?

Cartas (como a do Belmiro Tavares escrita aos pais do malogrado Nascimento) ajudaram, seguramente, a fazer o luto, a humanizar a morte, a suportar a perda irreparável que era a morte de um filho na flor da vida, e para mais a milhares de quilómetros de distância, numa terra estranha...

Estas cartas, de consolo, de solidariedade, de compaixão, escritas por camaradas nossos às famílias em luto, constrastavam com o seco, brutal, frio, impessoal, telegrama, remetido pelos competentes serviços do Exército... (Mas era assim, julgo que era assim, que se comunicava, naquele tempo, a funesta notícia às famílias... Poderia ter sido de outra maneira? Sem dúvida, deveria ter sido de outra maneira...).

Luís Graça


2. Mensagem de José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/65, dirigida a Luís Graça no dia 15 de Outubro de 2009:

Caro Luís
Tens-me honrado com a tua prosa já por diversas vezes.
O teu comentário de ontem foi para mim e para os meus pares da 675, com o Belmiro Tavares na fila de frente, equivalente a uma condecoração.

O texto é notável e atrevo-me a pedir-te que que faças dele uma postagem pois como comentário poderá passar despercebido a muitos dos nossos camaradas. Já me conheces o suficiente para saber que não há cagança neste requerimento mas o que escreveste é tão importante que deveria passar para um jornal nacional ou para um televisão. E todos nós ex-combatentes andamos precisados de apoio depois de algumas malfeitorias dos nossos governantes!

Aliás em relação à nossa pensão dos 150 euros, que recentemente passou a 3 escalões (75,00 até 11 meses, 100,00 até 23 e 150 para mais de 23 meses) tenho uma ideia que vou lançar no dia do Veterano de Guerra, que vai ter lugar em Aljubarrota/Alcobaça no próximo 20 de Outubro.
Conforme a reacção que obtiver depois te direi mais alguma coisa sobre
o assunto.

Em relação ao nosso longo e agradável almoço de ontem só te posso dizer que foi manga de ronco. Já hoje falei com o Belmiro Tavares, que ficou encantado por te conhecer, assim como o Virgínio. É uma pessoa de uma extraordinária generosidade. Vou mandar-te, em correio à parte, um texto sobre ele, que consta do meu livro.

Tenho também fotografias para te enviar que, infelizmente, não ficaram grande coisa, mas o senhor Pereira é melhor recepcionista que fotógrafo...

Renovados agradecimentos pelas tuas palavras.
Vou imprimí-las e pô-las em moldura dourada no escritório da minha residência em Alcobaça.

Um grande abraço.
JERO


Nota adicional:

O nosso editor Luís Graça almoçou, a convite dos mesmos, com José Eduardo Oliveira e Belmiro Tavares, empresário do sector hoteleiro, dono entre outros do Hotel Dom Carlos Parque, em Lisboa.

Belmiro Tavares que foi Alf Mil da CCAÇ 675, ganhou o Prémio Governador da Guiné em 1966.

No almoço esteve ainda presente o nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando.

A conversa, como não podia deixar de ser, foi um desfilar de recordações dos tempos de Guiné, e de locais como Binta, Farim e Bissau, pois então.

CV
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5105: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (18): Mina antipessoal

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4971: Comentários que merecem ser postes (8): O que fazer com este Blogue? (Luís Graça)

Guiné 63/74 – P5120: Filatelia(s) (6): Envelopes comemorativos do 2º Aniversário da Independência - 12 de Setembro de 1976 (Magalhães Ribeiro)


1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Brá e Mansoa 1974, anexo dois envelopes comemorativos, do 2º Aniversário da declaração da Independência, com selos postais e carimbos alusivos à efeméride, datados de 12 de Setembro de 1976:

Camaradas,

Dando continuidade à série lançada pelo Luís Graça, dedicada à actividade filatélica na Guiné, apresento hoje 2 envelopes (formatos diferentes) do 2º Aniversário da declaração da Independência, com selos postais e carimbos alusivos do 1º dia de circulação, relativos à efeméride, datados de 12 de Setembro de 1976:

Evidentemente, que esta publicação não é dedicada aos especialistas em filatelia, a quem muito agradeceríamos que nos prestassem a sua melhor colaboração, com as suas eventuais prestações nesta área, e que muito enriqueceria esta série.

Essencialmente, estas publicações destinam-se ao pessoal mais interessado no saber e conhecimento de documentação histórica, que circulou em tempos idos na Guiné e da qual dispomos algumas peças nos nosso arquivos pessoais.

2º Aniversário da declaração da Independência

2º Aniversário da declaração da Independência

Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74

Documentos: © Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. postes anteriores desta série em: