terça-feira, 3 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5196: Carta de despedida e conforto aos pais, do Ten-cor Andrade e Sousa, BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, 1973/74 (Fernando Costa)

1. Mensagem de ontem, enviada pelo novo membro da Nossa Tabanca Grande, Fernando Costa, ex-Fur Mil, Trms, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*):

Amigo Luís Graça,

Aos dias 27 de Fevereiro de 1973, o Comandante do Batalhão de Caçadores 4513, Tenente-Coronel de Infantaria César Emílio Braga de Andrade e Sousa, escreveu para os familiares dos militares que compunham este batalhão, uma carta de conforto e de esperança.

No passado dia 31 de Outubro de 2009, passados portanto mais de 35 anos de eu ter regressado da Guiné, a minha mãe fez-me a entrega da mesma.

Depois de a ler, tomei a liberdade de a partilhar convosco, tendo a consciência que nem todos tiveram este gesto da parte dos vossos comandantes.

Com um abraço de camaradagem

Fernando Costa
Ex-Furriel Miliciano



2. Comentário de L.G.:

Um documento raro e surpreendente: o comandante de batalhão, César Emílio Braga de Andrade e Sousa (que já terá morrido), escreve um carta de despedida aos pais dos seus homens, na véspera do embarque...

Como classificar este documento, que me parece único e quiçá ancrónico ? Uma "carta de conforto e de esperança", como lhe chama o Fernando Costa, cujos pais também receberam um exemplar desta epístola ? Gesto nobre e sincero de um oficial e cavalheiro ? Exemplo da cultura do autoritarismo paternalista do Estado Novo ? Demagogia pura e simples ? Acto de hipocrisia social e de cinismo ? Um português e militar de antanho, usando um estilo epistolar do Séc. XIX ? Um caso excepcional mas bonito que honra as Forças Armadas Portugueses ?...

Ao nosso leitor, é que compete decidir, comentar, opinar... Ao Fernando, o nosso muito obrigado por ter conseguido recuperar este e outros documentos do seu tempo de "último guerreiro do Império"...

O BCAÇ 4513 teve as suas subunidades espalhadas por Buba (1ª CCAÇ), Nhala (2ª CCAÇ) e Aldeia Formosa (CCS e 3 ª CCAÇ), segundo informação do Jaime Ramos... (LG)

[Revisão / fixação de texto / transcrição / edição: L.G.]




Regimento de Infantara nº 15. Tomar, 27 de Fevereiro de 1973.




Exmo Senhor,


Desejaria ter escrito por meu punho e individualmente aos familiares mais próximos, e muito particularmente aos Pais, de tantos quantos comigo vão partir para o Ultramar constituindo o Batalhão de Caçadores 4513. Tal foi materialmente impossível, forçando-me a recorrer ao único processo viável, pois admiti e contei que a vossa benevolência lhes permitiria compreender e desculpar a forma como concretizo este intento.

É meu único e firme propósito, dada a vossa qualidade de Pais, tentar minorar-lhes o desgosto da próxima separação do vosso filho, procurando com todos os meios ao meu alcance descansá-los em tudo e em tanto quanto meus préstimos possam alcançar e ser-lhes útil. Apraza a Deus que seja capaz de encontrar as palavras necessárias e que a minha consciência me exige.




Primeiro que tudo e a partir deste preciso instante, podem ficar certos que neste Batalhão tudo se fará para que o vosso filho se sinta dentro dele como numa sã e autêntica família, que a todo o custo procurará substituir - os seus próprios PAIS - não com uma amizade tão grande por tal ser impossível, que não permitirá poupar-nos seja a que esforços forem, para que dentro de tudo que esteja ao nosso alcance, nada lhe falte, levando-o a sentir que na sua Unidade tem sempre quem lhe queira com toda a alma e coração.
O vosso filho, e meu Soldado, será a meus olhos alguém que me diz muito e a quem oferecerei com todo o entusiasmo o melhor que seja capaz de encontrar em mim, incluindo, claro, a minha amizade, a que já tantos direitos tem. Isto é algo que só nós, SOLDADOS de Portugal, sentimos e compreendemos, mas admito que alguém na vossa família lho possa provar melhor do que eu, pois certamente que, entre vós, alguém passou pelas fileiras das Forças Armadas e sentiu ou se apercebeu do que acabo de afirmar.

Outro ponto que desejo focar, é que os Senhores não necessitarão seja de quem quem for para saberem ou para que melhor se cuide do vosso filho, pois estarei sempre a atendê-los e servi-los, logo que se me dirijam. Ele próprio lhes dirá como escrever-me para o Ultramar onde ficarei à vossa inteira e absoluta disposição.




Aproveito a oportunidade, apesar de certamente ser do vosso pleno conhecimento, de lhes lembrar que, na maioria esmagadora dos casos, o homem aos 20 anos conserva ainda muito de criança que há pouco deixou de ser e precisamente por isso carece inúmeras vezes do conselho experiente e amigo de seus PAIS, para que não proceda de forma que haja, ou possa ter que ser punido.
Penhoradamente solicito a vossa valiosíssima ajuda neste campo pois ele poderá evitar, a todos nós, sérios desgostos e contrariedades. Não tenho dúvidas que se contar com ajuda o Batalhão voltará sem que tenha sido necessário aplicar o Regulamento de Disciplina Militar, o que sem dúvida nos dará imensa alegria e, seja-me permitido, orgulho, pelo menos no que me diz respeito.

Para terminar desejo ainda informá-los que todos os Senhores Oficiais e Sargentos que comigo orientarão a Unidade e suas Companhias estão animados dos mesmos propósitos, o que me parece que melhor lhes garantirá a certeza - nomeadamente às MÃES com o inconfundível e entusiástico amor - que o vosso filho encontrará sempre à sua volta um grupo de graduados que muito o estimam, e que tudo vão fazer para o devolver ao vosso lar como um homem de carácter, são e glorioso, e um SOLDADO que soube servir PORTUGAL, honrando o nome que usa e o dos Pais que tão bem o souberam criar e educar.

Para vosso e meu descanso gostaria que junto de vós residisse alguém que tivesse pertencido à Companhia de Caçadores 454 - ANGOLA - ou BCAÇ 2836 - MOÇAMBIQUE- , pois seriam esses filhos de outros pais, que melhor os poderiam descansar e explicar o que desejei ser capaz de lhes transmitir se a tanto me tivessem ajudado as palavras que me ocorreram. Como receio não ter essa felicidade, empenho perante vós a palavra do Soldado que desejo e procuro ser, a de português que sempre me senti, e a do PAI que também sou, que vosso filho terá em meu coração um lugar quase tão grande como se fosse da minha própria família.

Que aos Senhores e ao vosso filho tudo corra bem e que dentro em pouco tempo seja ele próprio que junto de vós comprove tanto quanto acabo de vos afirmar.

Por Portugal, para todos nós e especialmente para vós as maiores felicidades.






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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5195: Histórias de heroísmo (2): O meu herói de... Bissau (Alberto Branquinho)

Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 2.º Ciclo de Conferências Memórias Literárias da Guerra Colonial > 4 de Junho de 2009 > Alberto Branquinho no acto de apresentação do seu livro de contos "Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa"


O meu herói de… Bissau
Por Alberto Branquinho*

Durante a primeira vez que passei por Bissau antes do regresso (quatro foram idas e regressos de férias), entrei, à hora do almoço, no bar da Messe de Santa Luzia. Perto da porta tropecei em dois ou três alferes milicianos, sentados à volta de uma mesa.

Conheci-os e reconheceram-me dos tempos de cadete, em Mafra. Pertenciam à fauna instalada em Bissau. Bebericavam o whisky, digestivo, e o café. Talvez pela minha tez cor-de-azeitona, talvez pelo aspecto outsider, concluíram que eu não era residente naquela freguesia. Chamaram-me:

- Olá, herói. Ó herói, anda cá. Fala à gente.

Cumprimentei-os e sentei-me na cadeira disponível.

- Então, quantos gajos já apanhaste à mão?

Seguiram-se outras perguntas de igual teor, entre gargalhadas. Sentia-me fortemente agredido pelo sarcasmo cultivado nas Reps de Bissau, mas não conseguia fazer fogo de resposta. Se respondesse, sairia palavrão grosso. Fiquei calado e sentia-me cada vez mais fora do baralho.

(- Saio?
- Fico aqui?
- Que faço?
- Não. Não vou bater em retirada).

Entretanto, fiz o reconhecimento do local, olhando em volta – oficiais médios, superiores, algumas senhoras… O terreno não me era favorável.

Entrou, então, outro alferes, de outra Companhia, da minha zona de operações, mas velhinho, em fim de comissão.

- Olha, outro herói.

- Ó herói, fala à gente.

Ele aproximou-se, alheio ao sarcasmo circundante. Olhou para mim e deve ter notado o meu incómodo.

- Já almoçaste? Não? Então vem daí e caga para estes heróis que estão a acabar o café e o whisky para regressarem à guerra santa da caneta, nas matas do ar condicionado.

Sem dizer mais, afastou-se.

Acompanhei-o para o restaurante, com a sensação de que seguia os passos de um HERÓI, que me arrancara das mãos do inimigo.

Alberto Branquinho
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Notas de CV:

(*) Alberto Branquinho, natural de Vila Nova de Foz Côa, residente em Lisboa, jurista de formação, reformado da TAP, (ex-Alferes Miliciano de Operações Especiais da CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) é o autor do livro de contos "Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa"

Vd. Primeiro poste da série de 25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5157: Histórias de heroísmo (1): Sold nº 939 Paulo: Olha os cabrões, já me f... a arma! (José Colaço)

Guiné 63/74 - P5194: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis) (2): Mofunado ou não na Guiné de 68

1. Segunda parte das Divagações de Reformado de autoria de Pacífico dos Reis, Coronel de Cavalaria Reformado que comandou a CCAÇ 5, Gatos Pretos, Unidade a que pertenceu o nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil, que nos enviou estes textos em 23 de Outubro de 2009.


2 - DIVAGAÇÕES DE REFORMADO

Mofunado ou não na Guiné de 68
Por Pacífico dos Reis
Coronel de Cavalaria Reformado

Andando a navegar na televisão encontrei, num dos canais a que temos direito, umas entrevistas nas quais era perguntado qual o maior desejo que as pessoas tinham. No meio das respostas, apareceu um menino borbulhento que declarou, em tom enfático era que a Espanha tomasse conta de Portugal.
Nessa altura, D. Afonso Henriques ter-se-á revolvido no túmulo e os conjurados de 1640 terão tido uma apoplexia ectoplasmática. No entanto, tal desejo, terá feito a felicidade de alguns políticos que ainda se lembram da União Ibérica programática, conjuntamente com a extinção do Colégio Militar, Pupilos do Exército e Instituto de Odivelas. Vinha tudo no mesmo programa político, foi para dentro da gaveta, sempre pronto a sair e ser utilizado.

Na continuidade do divertimento de reformado, a TV brindou-nos com a actuação da equipa de todos nós. O resultado fez-me pensar na minha passagem pela Guiné em 68. Quando um Capitão chegava a uma Companhia de Naturais, como foi o meu caso, começava a ser escrutinado pelos militares. Estes desejavam saber se o capitão era mofunado (azarado) ou não. Se não fosse seguiam-no para todo o lado e tinham o dobro da vontade de vencer. Se fosse mofunado na primeira ocasião viravam-lhe as costas. Assim me parece ser o seleccionador nacional. O rapaz tem mesmo azar. Esperemos que arranjem alguém menos competente, mas com mais sorte.

Quando cheguei à minha Companhia, a CCaç 5 os “Gatos Pretos”, fui recebido por um Capitão que, posteriormente vim a saber, era considerado mofunado. Ele não tinha culpa pois tinha a Companhia toda desmembrada. Um Pelotão em Cabuca, outro no Cheche, outro em Canjadude e o Comando em Nova Lamego (Gabu). O Comandante somente geria a crise e via passar os dias. As ordens que levava era concentrar a Companhia em Canjadude. Assim se fez, tendo no início o apoio da CArt 2338, uma vez que se mantinham na mesma posição os Pelotões de Cabuca e do Cheche, até se fazer a evacuação de Madina.

As palavras e as recordações são como as cerejas. Saltam todas ligadas umas às outras.
Os dias passavam-se em Operações contínuas para preparação da Companhia para ficar a responder sozinha pela defesa do Corubal. Já se sentiam os fumos da evacuação de Madina do Boé.
Logo que tal se passasse, Canjadude ficaria na linha da frente dos ataques terroristas. Assim estavam sempre dois Pelotões fora do aquartelamento em Operações, a cobrir a área que tínhamos de controlar. No quartel fazíamos prelecções como forma de levantar o moral. No meio delas recordo-me de lhes frisar que nem G3 precisavam, “Nós agarramos os turras à mão”. Bravata pura, mas que iria resultar futuramente.

A primeira vez que recebi o rótulo de não mofunado está ligado directamente com a evacuação de Madina, que recentemente apareceu descrita na RTP. Tornava-se necessário levar para o Cheche, todos os anos, duas pirogas enormes, para fazer a cambança do Corubal e assim reabastecer Madina. Este ano, no entanto, as pirogas iriam servir para a evacuação e não para o reabastecimento. A nossa missão, da CCaç 5 com o apoio da CArt 2338, seria realizar a coluna para transportar as pirogas e reabastecimentos para o Cheche.

Na noite anterior informei o meu pessoal daquilo que se pretendia executar e qual o desenrolar da acção. Era minha intenção montar emboscadas, durante o deslocamento, na zona chamada de Minas Gerais onde geralmente os turras montavam minas e emboscadas para, no regresso do Cheche, flagelarem a coluna. Em boa hora se fez a tal acção, pois um bigrupo inimigo começou a plantar minas mesmo em frente de um dos nossos Pelotões emboscados e foi completamente varrido pelo fogo.

No regresso, mais descansados, ainda tivemos tempo de, utilizando os meios ao nosso alcance, salvar uma auto-metralhadora Fox do Esquadrão de Bafatá que estava abandonada inoperacional devido a rebentamento de uma mina. Foi muito gratificante para os “Gatos Pretos” saberem que, dois meses depois, a montada estava de novo a circular nas estradas da Guiné.
Claro que este ronco fez-me entrar no estatuto de não mafunado e a partir daí foi ouro sobre azul.

Já muito depois da evacuação da Madina, na qual os “Gatos Pretos” também foram parte integrante, recebemos a missão de patrulhar a margem direita do rio Corubal, pois havia uma noticia, pseudamente A-1 que referia a existência de grutas onde se escondiam os turras. Comecei a indagar, cautelosamente, junto da milícia e população onde estariam essas grutas tendo sempre como resposta que não havia grutas na nossa zona de acção. Bem, assim seria, mas noblesse oblige e lá fomos patrulhar a zona. Estávamos nós quase a chegar ao local onde supostamente estavam referenciadas as grutas. Quando se ouviu o barulho inconfundível dum heli.

Rapidamente montamos segurança e segundos depois aterrou o aparelho. Dele saíram o Comandante-chefe General Spínola e o seu Ajudante de Campo Capitão Bruno. Claro que, para o pessoal da Companhia, foi um revigorar anímico receber o Homem Grande no meio do mato. O pior veio a seguir quando o heli regressou a Bissau. Continuamos a Operação e, cerca de meia hora depois, demos de caras com uma força inimiga que, julgámos nós, vinha ver o que se passava alertada pelo barulho do helicóptero. Não sei como foi, mas subitamente só se ouviu um berro uníssono “Gato Preto agarra à mão!” e toda a Companhia galopou em direcção ao turras. Claro que estes só pararam quando se sentiram em segurança, tendo até largado armas e material na fuga talvez para irem mais leves. Foi neste momento que interiorizei que as palestras e instrução ministradas tinham resultado, como também era a afirmação definitiva que o comandante não era mofunado.

Para finalizar, e para apoiar o que antes está referido, não resisto a contar que num patrulhamento, ao deslocarmo-nos num trilho impossível de rodear, indo logo a seguir ao homem da frente, reparei que no chão estavam umas caixas de madeira abertas. Concentrando melhor a vista reparei que eram minas anti pessoal russas. Tinham sido retiradas do terreno por um bando de macacos cão. Ainda hoje agradeço aos benditos macacos o serviço de desminagem.
Nós, os Africanos, parafraseando um dito em voga em alguns painéis propagandísticos actuais, sofremos bastante, mas deixamos o coração e todos os nossos sentidos inseridos nas extensas plagas da Mãe Africa, naquelas terras imensas que nos dão tanta saudade e relembramos com amor.

(O texto também foi publicado na revista ASMIR de Mai/Jun 09)

Algures na Zona do Burmeleu (Sul de Canjadude)
General Spínola ser cumprimentado pelo Capitão Pacífico dos Reis
Foto José Martins


Cap Pacífico dos Reis, Fur Mil José Martins e Fur Mil Martins (CART 2338)

Canjadude – Material capturado ao IN
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Nota de CV:

Vd. o primeiro poste da série de 1 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5189: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis)(1): Ida para a Guiné (José Martins)

Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > s/d [1973?] > BCAC 4513 > A última visita do Com-Chefe e Governador Geral Bettencourt Rodrigues (de costas, de camuflado, à direita, recebendo honras militares)

Foto: © Fernando Costa (2009). Direitos reservados


1. Mensagem do Fernando Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Março de 1973/Setembro de 1974) (*):

Caros amigos,

Volto ao vosso contacto para enviar uma foto onde aparece o Cmdt das Forças Armadas da Guiné, General Bettencourt Rodrigues (**), naquela que foi a última visita a Aldeia Formosa. Os militares que estão a fazer a guarda de honra, são do BCaç 4513. Esta foto, se assim o entenderem, pode ser incluída com as que se encontram no poste P5160 (***).

Um forte abraço, Ex-Furriel Mil Fernando Costa

2. Comentário de L.G.:

Ligou-me esta noite o Fernando, e tivemos uma longa conversa ao telefone. É um homem das Arábias, o novo membro, alfacinha, da nossa Tabanca Grande. Imaginem que ele, para além das chefe das transmissões em Aldeia Formosa (na ausência do Alferes da CCS que ficou no bem-bom de Bissau, a tomar conta das antenas das telecomunicações...), foi um homem dos sete ofícios... E sobretudo foi músico, chegou a acompanhar a Cilinha, que tinha a mania que sabia cantar o fado, nas visiats aos quartéis do sul... Pedia ter ficado em Bissau, ligado à Ra´+dio, ams não ficou pior cuasa do Alferes.

O Fernando Carvalhinho, um homem do fado, foi soldado, também de transmissões, na CCS do BCAÇ 4513... São muito amigos e o Fernando tem um excelente álbum fotográfico da Guiné. Eles ainda são do tempo de Spínola, que visitou duas vezes Aldeia Formosa. Numa delas, o Caco Baldé veio expressamente para dar uma porrada num 1º cabo de uma das companhias do Batalhão... Com o pessoal formado e alinhado na parada, rapou de um papel e chamou o cabo. Quando este compareceu perante o velho general, arrancou-lhe as divisas e deu-lhe dois pares de estalos...

O Bettencourt terá ido, uma vez, no fim de 1973 ou princípio de 1974... Tiha lá um sobrinho, madeirense. O Fernando já não se lembra do Cherno Rachide Djaló, que deve ter morrido antes da CSS do BCAÇ 4513 ter chegado Aldeia Formosa, em Março de 1973 (uma figura respeitada do Islão, de etnia futa-fula, já aqui evocado diversas veses, por mim, pelo Manuel Amaro, pelo Torcato Mendonça, e de quem já se disse tanta coisa, a de que inclusivamente teria sido um 'agente duplo', jogando com um pau de dois bicos...). O Fermando lembra-se, sim, de uma filha e eventualmente de um filho do grande marabú, que tinham uma loja na tabanca... A filha, que privada muito com a malta da tropa, terá já morrido, de doença prolongada, em Espanha.

Quanto à entrega do quartel ao PAIGC, em meados de Agosto, o Fernando tem muitas histórias - e algumas bem divertidas! - para nos contar...

O Fernando, que se reformou como bancário do BCP (pertenceu ao núcleo dos 100 primeiros colaboradores, e privou com o Jardim Gonçalves), conhece meio mundo (além da Europa, a África, a Austrália...). Antes de ir para a tropa, aos 17 anos, tocava numa orquestar ligeira em Moçambique, tendo acompanhado a Amália. Foi, naturalmente, um homem da noite, aqui, em Lisboa e em África. Em Bissau, frequentavam o Chez Toi onde chegou a encontrar miúdas, suas conheidas, de Lisboa, que eram contratadas para uma temporada... Afinal, não foram só os homens a fazer comissões de serviço em África... Foi também árbitro e dirigente federativo, a nível do futebol de salão ou Futsal... Tem um filho cineasta, que é também professor na Lusófona, logo colega do nosso Jorge Cabral.

Mas eu não vou adiantar mais (in)confidências... Percebo que ele goste mais de falar do que escrever, mas já se comprometeu a mandar mais fotos e mais histórias dos últimos tempos da guerra da Guiné... Boa noite, camarada Fernando, sou um prazer conhecer-te e ouvir-te ao telefone. Fico para já à espera de duas coisas que e prometeste: (i) fotografia (digitalizada) da farda nº 2, com botões dourados, que sacaste a um guerrilheiro do PAIGC em Agosto de 1974; (ii) e a cópia da carta que o teu tenente-coronal (Sacadura qualquer coisa) mandou aos pais da rapaziada, antes oara partida para a guerra, a explicar que ficava a tomar conta deles todos e que iria fazer tudo para os trazer de volta, sãos e salvos (!)... (Olha, acho isto bonito!)...

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Notas de L.G.:

(*) Ultimo poste da série Memória dos Lugares > 17 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5119: Memória dos lugares (49): Xime, Madina Mandinga, Bafatá e Nova Lamego- (Alfredo Dinis)

(**) GENERAL JOSÉ MANUEL BETTENCOURT RODRIGUES:

(i) Nasceu no Funchal em 5 de Junho de 1918;

(ii) Frequentou o Liceu de Pedro Nunes, em Lisboa.

(iii) Frequentou os preparatórios militares na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa;

(iv) Foi admitido ao Curso de Infantaria da Escola do Exército que terminou em 1939, como primeiro classificado;

(v) Concluiu o Curso de Estado-Maior com a classificação de Distinto em 1951;

(vi) 17 anos mais tarde, após a frequência do Curso de Altos Comandos, no qual teve a classificação de Muito Apto, é promovido a Brigadeiro;

(vii) Em 1972 é General.

(viii) Em 21 de Setembro de 1973 tomou posse como Novo Governador e Comandante-Chefe do CTIG, nomeado em substituição do carismático General Spínola (que cessara funções a 6 de Agosto).

(ix) Foi preso, no 26 de Abril de 1974, na Amura, pelos seus subordinados que faziam parte do MFA:

"(...) no dia 26 de Abril, onze oficiais dirigiram-se ao Gabinete do General Comandante e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa. Foi um acto pacífico, civilizado, mas dramático. Com o General vieram também alguns oficiais que se lhe solidarizaram, nomeadamente o Brigadeiro Leitão Marques que o MFA julgava poder contar para o substituir".

Eis a lista dos oficiais revoltosos: Ten Cor Mateus da Silva, Eng Trms; Ten Cor Maia e Costa, Eng; Maj Folques, Cmd; Maj Mensurado, Pára; Cap Simões da Silva, Art; Cap Sales Golias, Eng Trms; Cap Matos Gomes, Cmd; Cap Batista da Silva, Cmd; Cap Saiegh, Cmd (Africano), Cap Ten Pessoa Brandão, Armada; Cap mil José Manuel Barroso.


Sobre este episódio escreveu Pezarat Correia:

(...) "Começo por dizer que tenho consideração pelo general Bettencourt Rodrigues, apesar do abismo ideológico que nos separa. Espero ainda escrever a explicar porquê. Evidentemente que teria gostado que ele, em 25 de Abril de 1974, tivesse aderido, mesmo que não ao MFA, pelo menos à JSN. Mas, como diz o Matos Gomes no comentário anterior, não lhe era possível, porque a rede política do Estado Novo o tinha apanhado. Mas tenho a certeza, até porque já falei sobre isto com muitos camaradas do MFA da Guiné, que a dignidade com que o Golias aqui se lhe refere, está na linha da dignidade com que o trataram na Guiné" Comentário por Pezarat Correia em 2007-10-18 10:12:04. Blogue Avenida da Liberdade

(x) Por despacho da Junta de Salvação Nacional, passou à situação de Reserva em 14 de Maio de 1974.

(xi) Outras das suas principais missões e colocações: Professor e Director dos Cursos de Estado-Maior; Chefe de Estado -Maior do Quartel-General da Região Militar de Angola; Comandante da Zona Militar Leste de Angola... Foi também Comandante do Regimento de Artilharia 1.

(xii) Exerceu, ainda, as funções de Adido Militar e Aeronáutico junto da Embaixada de Portugal em Londres e de Ministro do Exército (1968/1970). Foi nomeado para o Centro de Comando e Estado-Maior do Exército Americano, no Com-mand and General Staff College Fort Leavenworth, Kansas (1953).

(xiii) Condecorações: Medalha de Ouro de Valor Militar com palma; Medalha de Ouro de Serviços Distintos com palma e Grã-Cruz da Medalha de Mérito Militar.

(xiv) É co-autor, juntamente com os generais J. da Luz Cunha, Kaúlza de Arriaga e Silvino Silvério Marques, do livro de depoimentos África, Vitória Traída (Intervenção, 1977).

Vd. Também o sítio Guerra Colonial > Protagonistas > Bettencourt Rodrigues

(***) Vd. 25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

domingo, 1 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5192: Historiografia da presença portuguesa em África (28): Notícias da Guiné, segunda série (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2009:

Malta,
Acabo hoje a recensão sobre o Notícias da Guiné.
Amanhã volto ao vosso convívio por causa do livro “A Marinha em África”.

Um abraço do
Mário


Notícias da Guiné, segunda série
Beja Santos

O órgão propagandístico do Governador e Comandante-chefe da Guiné mudou de formato em 3 de Novembro de 1968, tinha-se a ilusão de um jornal, era editado pela Imprensa Nacional da Guiné, secção do Boletim Oficial, para que não houvesse quaisquer equívocos quanto aos conteúdos.

António de Spínola está sempre na primeira página, movimenta-se pela Província, umas vezes como militar outra como político, entra fardado no hospital civil, veste à paisana numa conferência sobre “A Questão de Bolama” no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Mesmo quando vem à metrópole aparece a conversar com Marcelo Caetano e ministros. Aliás, a visita de Caetano, Silva Cunha ou Pereira Crespo mereceram o maior destaque possível. A substância, no entanto, não conheceu grandes alterações, relativamente à primeira série. O director do jornal devia ser um obcecado pela prevenção rodoviária: todo e qualquer desastre de viação eram alvo de reparo da maior moralidade: as fotografias eram horríveis, tudo desconjuntado e os feridos em primeiro plano, ali ficava o solene aviso. A prisão de larápios mostrava os mesmos depois da captura e produto do roubo. O futebol local e nacional tinha pelo menos uma página por edição, Benfica e Sporting centravam as atenções. Houve um dia em que o jornal nos deu a saber que o Raul Solnado aderira ao Belenenses.

A necrologia, os comunicados das Forças Armadas, a vida social, eram uma constante. Por muito misterioso que pareça, desapareceram os anúncios dos filmes exibidos no cinema UDIB. Havia heróis que passavam de número em número: António Mourão, António Calvário, Madalena Iglésias, Eusébio, Joaquim Agostinho, Simões, Duo Ouro Negro, até vedetas da revista como Humberto Madeira. Também a publicidade conheceu mudanças. Chegara a hora das águas de mesas francesas (Vichy, Perrier e Volvic), não bastava bebê-las no mato, militares e civis tinham que saber da sua existência pelos jornais.

O último exemplar que encontrei data de 22 de Março de 1970, não sei se o jornal faliu ou se faltaram verbas para manter as revoadas de propaganda sobre os feitos de Spínola. É facto que de vez em quando se noticiava a chegada e partida de contingentes militares, mas só Spínola e Pedro Cardoso é que eram mediáticos.

No dia 15 de Fevereiro de 1970 teve lugar a cerimónia, em Bissau, da apresentação da Primeira Companhia de Comandos Africana, junto a imagem por razões que me são caras: aparece a fotografia do Zacarias Saiegh, foi meu furriel, será fuzilado em Novembro de 1977. Na mesma imagem podemos ver o tenente João Januário Lopes que aparecerá na Operação Mar Verde, entregar-se-á em Conacri às autoridades de Sekou Touré, será fuzilado com os seus soldados. Junto igualmente uma imagem de desodorizante Lander que hoje seria proibida por atentatória às regras de higiene...

Seria bom que alguém que tivesse números do Notícias da Guiné posteriores a 22 de Março de 1970 nos comunicasse o facto.




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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5170: Historiografia da presença portuguesa (27): Lembram-se do Notícias da Guiné? (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5191: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (22): Teixeira Pinto, férias à vista

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 28 de Outubro de 2009:

Amigo Vinhal
Mais uma passagem de Viagem… despoletada pela publicação da mensagem de anos ao Fontinha.

Um abraço e tudo de bom
Luís Faria


Teixeira Pinto - Férias à vista

Nos primeiros dias de estadia nestas novas paragens, tentei aperceber-me das características da povoação e das suas gentes, cirandando e observando comportamentos, tendo quase sempre como companheiras a minha faca de mato e a Walter requisitada e que repousava no bolso interior do camuflado.

A meu ver, a cidade era diferente, bem melhor planificada e maior do que Bula. Estendia-se ao longo de uma avenida principal recta e de duas vias no sentido SE/NW, alargando-se essencialmente para Norte e para Leste onde abraçava os inícios das estradas para Cacheu e Pelundo, respectivamente. Para Sul e Sudeste (??), até ao rio.

Se bem recordo, a avenida que se iniciava numa espécie de rotunda e terminava nas proximidades do aquartelamento, era ladeada por vivendas térreas, com os seus alpendres espaçosos que, permitindo abrigo da canícula e dos dilúvios, eram óptimos para, esparramados numa chaise longue, se fumar uma apetecida e bela cigarrada, acompanhada de uma boa cervejola fresca a entremear um petisquito, enquanto se apreciavam os movimentos bajudeiros, quando aconteciam.

Lateral e paralelamente havia mais, salvo erro, duas outras ruas que se ligavam à referida avenida por perpendiculares. Numa destas acabamos por alugar uma vivenda, espaçosa e também com um belo alpendre, onde e como já referi, se vieram a passar muitos bons momentos de confraternização, camaradagem… e não só!

Teixeira Pinto > Avenida Principal

Foto e legenda: © Luís Faria (2009). Direitos reservados


Em termos operacionais e nesses primeiros dias, fazíamos incursões ofensivas nas matas do lado esquerdo da estrada, no sentido Teixeira Pinto/Cacheu e umas seguranças à estrada em construção.

A nossa primeira época das chuvas tinha chegado e com ela aproximava-se o 6 Junho de 1970, o meu tão ansiado dia F, início das minhas também primeiras férias.
Tudo estava a correr com normalidade e sem problemas de maior no plano operacional.
A carteira estava recheada já que a dívida do jogo em Binar - que me pagou a viagem de ida e volta à Metrópole - já me tinha sido liquidada, como combinado. Homem de palavra!
A vida era bela!! Muito em breve estaria longe, noutras paragens em ambientes bem mais apetecíveis!

Estou no quartel, decerto com o pensamento longe, noutras latitudes. No dia seguinte irei de DO para Bissau, onde apanharei o voo da TAP para Lisboa.

Mas... não há bela sem senão!

O Capitão Mamede chama-nos, ao Fontinha e a mim, e comunica-nos que temos uma missão a cumprir: rebentar com uma série de munições antigas, depositadas para o efeito numa cratera aberta dentro do perímetro, lá para as bandas da bolanha !!!!(*)

Mesmo que eu fosse um UiUi não uiuivava com certeza, já que os apêndices pendulares me caíram ao chão, sem sequer ter sido necessário haver estacas ou saltar de um banco (como fez o desbragado sexual que foi ao médico mostrar as suas vergonhas, queixando-se com dores e a quem o médico disse olhando aquela lástima apodrecida:

- Não se preocupe… resolve-se já o problema e nunca mais vai ter dores. Suba para aquele banco… salte para o chão… ´tá ver, está resolvido… caiu-lhe tudo.

Na certa devo ter manifestado ao Capitão o meu desagrado, lembrando-lhe ir no dia seguinte de férias e tal e tal… A lengalenga deve ter sido comovente, mas não colheu!
E lá fomos, o Fontinha e eu, ver o petisco que nos tinha calhado na sorte.

Chegados à cratera… os ditos apêndices que davam azo aos uiuis voltaram ao lugar e ficaram… negros!

A realidade estava encarada de frente… tínhamos à vista um monte de quilos de explosivos velhos, granadas de vários tipos com e sem espoletas, minas… enfim, um petisco bem servido, muito variado e quente, muito quente e que podia surpreender!!

Com muita serenidade, havia que meter cabeça e mãos à obra e enfrentá-la!
Como em todas as competições, havia três prémios em disputa nesta prova:

1.º - Ir de Férias ao Puto e gozá-las;
2.º - Ir de férias ao Puto… sem as gozar e criando–nos chatices e a terceiros;
3.º - Ir de férias de vez e em Paz, sem destino definido.

Claro que ambos queríamos vivamente alcançar o primeiro prémio e para isso tínhamos que, progredir com cautela e cabeça fria, de maneira a chegarmos à meta exactamente ao mesmo tempo.
Assim foi, conseguimos! Ganhámos e a prova disso é estar agora a azucrinar-vos com este escrito e o Fontinha a vencer mais um ano hoje, 28/10/09. Como o conseguimos será explicado numa outra ocasião.

Dia F, a Dornier rasga os céus, levando-me nas suas asas através de poços de ar e bela paisagem nunca antes por mim avistada.

Os pipelines no deserto do Saara (?) são visíveis numa grande extensão…continuo a olhar pela janela do Boeing
Lisboa está à vista.

Um abraço a todos
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5163: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (21): A CCAÇ 2791 em Teixeira Pinto - CAOP 1

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLX: À sexta-feira, dia 13, o melhor era ficar na cama (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P5190: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (14): O Comando de Agrupamento (II Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 28 de Outubro de 2009:

Caro Carlos:
Noutra altura e não por aqui, te mandarei um escrito, que te devo aliás. Por aqui, aproveito para referir que acusei com agrado as palavras do Hélder Valério.

Desta vez aí vai a estória O Comando de Agrupamento – 2.ª parte a integrar, se assim o entenderes, na série A Guerra Vista de Bafatá.

Um abraço para cada um.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
14 – O Comando de Agrupamento – 2.ª parte
Por Fernando Gouveia

Na 1.ª parte desta estória falei de todo o pessoal do Comando de Agrupamento, à excepção dos Majores. Esta 2.ª parte é-lhes dedicada, como prometido.

Ainda a propósito da caça recordo que ao chegar ao Agrupamento, encontrei apenas um Major, o Major Lameiras, óptima pessoa com quem se podia conversar. Devo a ele ter-me emprestado uma Flaubert de 9mm, de cartuchos, com que fui caçando até vir de férias e levar uma caçadeira a sério.

Fins de 1968. Local junto ao nosso Bar onde tive muitas conversas com o Major Lameiras. Ainda não tinha chegado o Major que mandava pintar tudo de cor-de- rosa velho. Todos os edifícios eram brancos.

Outro Major bastante normal esteve na Secção de Operações muitos meses, a trabalhar na minha sala. Reorganizar todos os arquivos foi a única coisa que fez e bem. O Coronel Felgas não lhe dava espaço.

Por lá, a cumprir 15 dias de prisão, passou um Major que estava a comandar um Destacamento na zona de Nova Lamego, onde era costume o pessoal sair para a tabanca próxima, não pela Porta de Armas, mas por um buraco na rede de arame farpado. Tendo avisado várias vezes, sem sucesso, que não queria tal procedimento, mandou, sem aviso prévio, armadilhar a tal passagem. Resultado: um furriel ficou sem uma perna. Só quinze dias?

O Major Curado não era má pessoa mas talvez por estar muito apanhado pelo clima não podia ver ninguém ao pé dele maltratar um animal nem que fosse um verme rastejante. Ficava muito triste e apelidava o verme de pequeno pagãozito. Outra coisa que o definia era ir a despacho com o Comandante levando numa mão os processos e noutra um macaquinho, mascote do quartel. Considero que era um acto de alguma coragem face ao austero Coronel Felgas

1969. O macaquinho que o Major Curado levava quando ia a despacho com o Coronel Felgas. Note-se que o Major do cor-de-rosa velho já tinha chegado

Passou por lá, durante alguns meses, um Major que, sóbrio, era óptima companhia para conversar, dado que era bastante culto. Porém, todas as semanas apanhava uma bebedeira de caixão à cova. Já se sabia, a coisa repetia-se sempre da mesma maneira. Quando não dormia no quartel, no dia seguinte, pela manhã, lá aparecia uma carrinha civil de caixa aberta, a levar, na dita caixa, o Senhor Major que tinha sido encontrado inconsciente na berma da estrada de Bambadinca, para os lados do Bataclã.

O mais exótico de todos foi um da Secção de Pessoal e Material. Além de outras manias que a seguir enumero, uma prevalecia: Mandava pintar tudo de cor-de-rosa velho. Só escapava o material militar, jeeps, etc.

04-10-1969, dia da despedida do Coronel Hélio Felgas. Um tocador de corá. O cor-de-rosa velho já tinha passado por aqui

Quando lá chegou, na sua Secção havia um calendário com uma figura feminina com um decote um pouco pronunciado (nada demais). De imediato, mandou o Furriel da Secção colar um papel cor-de-rosa velho, de forma a reduzir o decote.
Todas as semanas queria as viaturas (só havia jeeps) na pequena parada, impecavelmente limpas, incluindo os motores a brilhar. Então aparecia para inspeccionar e à sua ordem “abrir capôs” cada condutor abria o da sua viatura, tal como à ordem “fechar capôs” cada condutor o fechava com estrondo. Mas o mais caricato disto tudo é que todas as semanas era empurrado para a parada um jeep avariado, sem conserto, mas com os restos do motor sempre a brilhar

Fins de 1968 . Na pequena parada onde mais tarde o Major do cor-de-rosa velho fazia a inspecção aos jeeps. As paredes ainda eram brancas, note-se.

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.


Em determinada altura deram ao Comandante um bode. Como tal situação tinha que passar previamente por ele, antes de o entregar ao Coronel Felgas, mandou comprar, na cidade, uma fita cor-de-rosa velho para fazer um laço que foi colocado nos cornos do bicho… Podem crer que foi autêntico, como autêntica foi a situação que segue.

Numa outra vez, um qualquer Chefe de Tabanca, ofereceu ao Comandante uma galinha. O nosso Major mandou providenciar um galinheiro para a ave, e quando ela começou a pôr ovos, mandou o furriel constituir um livro para registo (à carga) dos ovos que iam sendo postos. No livro podia ler-se: Dia (data hora) - um ovo; Dia (…) - um ovo; Dia (…) - um ovo (partido)…

Finalmente, pairou por lá outro Major que já referi noutra estória, de tão baixo carácter, que não merece qualquer outra referência.

A próxima estória será, como já referi, sobre os amores entre um furriel e a Rosinha, filha de um comerciante metropolitano.

Até para a semana camaradas
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5159: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (13): O Comando de Agrupamento (I Parte)

Guiné 63/74 - P5189: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis) (1): Ida para a Guiné

1. Mensagem de José Martins (1) (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 23 de Outubro de 2009:

Caros camaradas
Junto envio textos do "meu capitão" e amigo Coronel Reformado Pacífico dos Reis, que já estão publicados na revista da ASMIR.

O mesmo teve a gentileza de me enviar cópias da revista e, posteriormente, ter telefonado dando-me liberdade de os enviar para o blogue.

Já tem textos publicados:
P839 de 04 de Abril de 2006 - O valente Sargento Cipriano (2)
P4028 de 13 de Março de 2009 - Do Colégio Militar a Canjadude (3)

Segue, também, um curriculum, de minha responsabilidade, sobre a sua estadia em África - Guiné e Angola.

Um abraço e bom fim de semana.
José Martins


2. José Manuel Marques Pacífico dos Reis
Coronel de Cavalaria reformado.


No seu curriculum, e no que respeita à "Campanhas de África 1961-1974", consta:

Comando Territorial Independente da Guiné

Companhia de Caçadores n.º 5 – Recrutamento local

Capitão de Cavalaria, NM 50991111, foi aumentado ao efectivo da Companhia em 8 de Julho de 1968, assumindo o Comando da mesma.
Foi sob o seu Comando que se processou a transferência do Comando e os Serviços da Unidade para o então Destacamento de Canjadude, em Agosto de 1968,
Em 12 de Setembro de 1969, foi ferido em combate num perseguição ao IN junto de Uelingará na estrada Nova Lamego – Canjadude.
Foi abatido ao efectivo da Unidade em Setembro de 1969, por ter sido transferido para o Centro de Instrução Militar / CTIG.

Da História da Companhia de Caçadores n.º 5 – Os Gatos Pretos de Canjadude [compilação de José Martins]

Centro de Instrução Militar – Bolama

Comandante da Companhia de Instrução – 1.º Turno de 1970. A Escola de Recrutas foi realizada entre o dia 26 de Janeiro e 26 de Abril de 1970, data em que os Recrutas Juraram Bandeira, em Bissau. A instrução da Especialidade teve início em 27 de Abril de 1970, tendo terminado em 13 de Junho as Especialidades de Atiradores, Apontadores de Metralhadora e Transmissões e continuando os Corneteiros e Clarins até 27 de Junho, e os Escriturários até 04 de Julho de 1970.
Foi desta Escola de Recrutas e Instrução de Especialidades, que saíram os militares que, em conjunto com os Oficiais, Sargentos e Praças especialistas da Metrópole, constituíram as Companhias de Caçadores n.ºs 17, de etnia Balanta.

Do Relatório sobre a Instrução, elaborado pelo Capitão de Cavalaria Pacifico dos Reis, Comandante da Companhia de Instrução.


Região Militar de Angola

Comandante da Companhia de Policia Militar n.º 3524, mobilizada no Regimento de Lanceiros n.º 2, em Lisboa, tendo embarcado em Lisboa em 4 de Março de 1972. Permaneceu em Luanda até 1 de Maio de 1974, data em que efectuou a viagem de regresso.

Do volume 13 de OS ANOS DA GUERRA, edição do Correio da Manhã, 2009.

(José Martins)


3. DIVAGAÇÕES DE REFORMADO - 1
Por Pacífico dos Reis

Ultimamente julgo ter desempenhado com total zelo, competência e espírito de missão a minha função de reformado. Ir às compras a mando da mulher, tomar conta dos netos (não tanto como desejaria), tratar das colecções, almoçar com a tertúlia de amigos (extensão da má língua), desporto, rever documentos deixados pelos ancestrais, ler muito, ver televisão e remoer recordações.
Também se passeia, quando o tempo permite e a crise financeira permite.

O visionamento da televisão está a ser, ultimamente, extraordinariamente depressivo e deixa um travo de azia após os telejornais, bastante elucidativos da crise que grassa pelo país. Por isso fiz umas caminhadas até às farmácias para comprar Vingel (medicamento para a azia) tendo constatado que o mesmo se encontra esgotado. Com a breca! Querem ver que todo o país tem azia pelo mesmo motivo!
A secção de TV fornece-me, também, uma brilhante amostra de como os americanos prezam as suas Forças Armadas, em séries como “Mulheres de armas”. Tal e qual como cá. Cada vez mais, os políticos e outros tentam dissociá-las do povo Português.

Na secção de desporto já só faço marchas e extensões. Enquanto marcho vou-me entretendo a ver os papéis de publicidade que os imigrantes distribuem pelos limpa-vidros dos carros. Elucidativos! No ano passado viam-se anúncios a moradias, restaurantes, centros de lazer, etc. Agora vejo propaganda a lojas de penhores e empresas de empréstimos. Teremos que estar preocupados com a nossa Pensão?

Na secção de leitura dediquei-me a ler dois livros que me agradaram. “Tempos africanos naquelas longas horas em sete mandamentos” de Manuel Barão da Cunha e “A filha do capitão” de José Rodrigues dos Santos. Tratam de duas guerras e de duas visões. Uma recente com um escritor experimentado na guerra ultramarina e outra antiga sendo o seu escritor ausente temporariamente dela, mas com cuidadosa vivência de muitos documentos.

Foram estes livros que me fizeram remoer recordações e tentar passar para o papel algumas situações do dia-a-dia de uma epopeia ultramarina recente, para que, futuramente, alguém se possa apoiar nestes despretensiosos manuscritos e pôr mais uma pedra na construção da verdade histórica sobre a guerra do ultramar, com casos e soluções diferentes em cada um dos teatros de guerra.

Quando da minha comissão na Guiné, em 68, fui mobilizado em rendição individual para comandar uma Companhia de Cavalaria (CCav), pelo que passei pelo Depósito de Adidos, tendo recebido Guia de Marcha para embarcar no “Ana Mafalda” no cais de Alcântara.
Na data marcada, fardado a rigor, apresentei-me no cais e comecei a procurar o navio. Corri todo o cais e nada. Fiquei a remoer, pois tinha vindo em vão, pensando que o navio já tinha zarpado. Dirigi-me a um carregador do cais e solicitei-lhe informação sobre o paradeiro do “Ana Mafalda”. Está ali, disse ele, apontando para um hiato entre diversos navios acostados. Aproximei-me da borda do cais e qual não é o meu espanto quando velo um barquinho lá em baixo. A maré vazia era a causadora do truque de prestidigitação que fizera desaparecer o navio cufista.

Apesar do tamanho do navio, a viagem foi óptima quanto a condições atmosféricas. Os alojamentos eram modestos para oficiais e sargentos e deficientíssimos para as praças que tinham de partilhar as casernas improvisadas nos porões. E a situação foi-se agravando à medida que nos aproximávamos dos trópicos. Os nosso militares suportavam com estoicismo os dias de viagem no meio do cheiro nauseabundo das convulsões gástricas.

A chegada ao cais de Pijiguiti libertou-nos do cheiro do navio mas atirou connosco para um bafo de calor e um cheiro entediante a dejectos de morcego. É um cheiro que não sai das narinas. O cheiro de morcego.

Depois de tratarmos do alojamento na messe, todos nós, oficiais que tinham embarcado como rendições individuais, fizemos a nossa apresentação no Comando Militar para receber as guias de marcha para a nossa futura vida durante dois anos. Chegámos, cinco ou seis capitães maçaricos, com grandes ideais e vontade de cumprir com total zelo e competência todas as missões que nos fossem confiadas. Depois do Comandante Militar desfiar um rosário de chavões destinados, pensava ele, a elevar o nosso moral possivelmente afectado pela mudança de situação geográfica, passou à fase das nossas colocações. Claro que a minha colocação já tinha sido determinada na Metrópole (pensava eu) e estava descansado pois ia comandar a minha gente, uma CCav. Quando chegou a minha vez o homem grande olhou fixamente para as enormes espadas poisadas sobre a minha boina e sentenciou:

- Olhe senhor Capitão, como é da mesma arma do senhor Comandante-chefe (Gen Spínola), vai comandar a CCaç 5 que é uma Companhia Nativa que tem andado a fugir aos turras. Neste instante qualquer coisa caiu no chão, ainda estou para saber o quê!

E foi assim que, de Comandante de uma Companhia de Cavalaria passei a comandar uma Companhia de Caçadores Nativos.

(O texto também foi publicado na revista ASMIR de Abr/Mai 09)


Nota retirada da página da Asmir:

ASMIR - O que é?
Trata-se de uma Associação sem carácter político ou religioso onde têm lugar todos os militares na reserva e reforma, desde que respeitem os princípios éticos que caracterizam a Instituição Militar.
A nossa Associação é reconhecida e mantém um relacionamento de colaboração e respeito mútuo com as Chefias Militares e com o Poder Político. O reconhecimento e a boa ligação existentes não põem em causa nem a sua independência nem o seu rigoroso apartidarismo político.

[...]
__________

Notas de CV:

(1) - Vd. poste de 30 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5184: Controvérsias (33): Carta Aberta ao Senhor Ministro da Defesa Nacional (José Martins)

(2) - Vd. poste de 4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P839: O valente Sargento Enfermeiro Cipriano, da CCAÇ 5, morto em Nova Lamego (José Martins)

(3) - Vd. poste de 13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4028: FAP (17): Do Colégio Militar a Canjadude: O meu amigo Tartaruga, o João Arantes e Oliveira (Pacífico dos Reis)

Guné 63/74 - P5188: Tabanca Grande (184): Belmiro Tavares, ex-Alf Mil, CCAÇ 675 (Binta, 1964/65)



Lisboa > Hotel Dom Carlos Park > 14 de Outubro de 2009 > Da direita para a esquerda, o dono da casa, Belmiro Tavares, o seu querido amigo e camarada JERO, e os editores do blogue Luís Graça e Virgíno Briote. A foto foi tirada, para mais tarde recordar, pelo sr. Pereira, recepcionista do hotel. A máquina é do JERO. (É assim que ele é conhecido por todo o lado, ainda ontem na Praia da Areia Branca encontrei um velho amigo do meu pai, das lides futebolísticas, e nosso antigo vizinho, na Lourinhã, Abílio Russo, que há mais de meio século foi para Alcobaça, onde casou... Vive hoje em Salir do Porto, concelho das Caldas da Rainha, mas quando lhe falei no JERO, disse-me logo quem era... É o homem mais conhecido do Oeste, infelizmente onde não consegui arranjar tempo para lhe dar um abraço, na feira de São Simão).

Foto: © José Eduardo Oliveira (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de 21 de Outubro último, do Belmiro Tavares, ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Binta, 1964/66, hoje empresário hoteleiro:

 O nosso amigo JERO convidou-me, da tua parte, a ser membro da Tabanca Grande. O convite por telefone chegou-me dia 16 ao fim da tarde, estava eu em viagem para o Norte. Dei logo o meu sim que por este meio confirmo com muito orgulho. Aquele abraço

Belmiro Tavares
DOM CARLOS HOTÉIS
Tel.: (+351) 213 512 597 Fax: (+351) 213 512 520 www.domcarloshoteis.com´



2. Apresentação do Belmiro Tavares pelo JERO (*)

DE FEITICEIRO,”OLHOS DE GATO” A GUARDIÃO DO TEMPO AFRICANO…

Um guineense de nome João Turé, que nos seus primeiros tempos de vida cruzou com militares que estiveram na região onde nasceu no norte da Guiné - em Binta, a 20 quilómetros da fronteira com o Senegal - reencontrou 45 anos depois os ex-militares da CCaç 675.

Escreveu, em jeito de memórias do período compreendido entre Junho de 1964 e Abril de 1966, quando então tinha 8 anos de idade, algumas estórias que guarda da infância. Como é natural, relembra boas e más recordações.

Desde o seu tio Malan Sissé, mais conhecido por Malan Griffon Sissé, por ter sido a primeira pessoa a ter uma bicicleta Griffon muitos quilómetros em redor da sua aldeia, até aos militares que nessa altura mais impressionaram os meninos da aldeia de Binta.

Também o Comandante da CCaç 675, o então Capitão Tomé Pinto, reparou no Alferes Miliciano Belmiro Tavares e propôs um louvor ao seu desempenho no Companhia.

Louvor esse que foi confirmado pelo COMANDANTE DO BATALHÃO DE CAVALARIA N.º 490 E PELO COMANDANTE DAS FORÇAS ARMADAS DA GUINÉ.

«Porque durante todo o tempo em que tem prestado serviço nesta Companhia se tem revelado um oficial distinto e valoroso, cuja acção como Comandante de pelotão muito tem contribuído para os bons êxitos da Companhia.

"Oficial aprumado, correcto, disciplinado e disciplinador, com grande espírito de lealdade e iniciativa é um óptimo colaborador do seu Comandante da Companhia merecendo ser apontado como um exemplo a seguir por todos os seus camaradas e sendo digno de consideração pelos seus superiores;

"Em todas as operações que tem tomado parte a sua calma, coragem, desembaraço, bom senso e sangue frio debaixo do fogo inimigo tem levado os soldados sob seu comando ao cumprimento da missão; o seu entusiasmo e vozes de incitamento leva-os a nunca se deterem perante o inimigo.

"Quer na região de Lenquetó, quer em Buborim, quer ainda em Sanjalo e Fodé Siraia as suas acções têm-no definido como um oficial distinto que muito me apraz distinguir com o presente louvor.»

(Art.º 1.º da O.S. N.º 3/65 de Agosto de 1965 do CCFA da GUINÉ):(O. S. N.º 39 de 14 de Maio de 1965 do C. T. I. G.);(O. S. N. 131 de 3 de Junho de 1965 do BB. Cav 490).


Mais tarde ainda foi distinguido com o Prémio Governador da Guiné e condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª. Classe.

É caso para dizer que os meninos de Binta tiveram bem cedo olhos de gato para adivinhar como o Feiticeiro Belmiro Tavares ia chegar longe…

Depois regressou a Lisboa em Maio de 1966 e foi militar mais alguns anos no Colégio Militar. Acabou a vida militar como Tenente e regressou à vida civil onde passou a guardião do tempo africano da sua Companhia de Caçadores 675.

O ex-Alferes Belmiro da Guiné (ex-Tenente Tavares, do Colégio Militar) conseguiu uma autêntica base de dados sobre todos os elementos da 675.

Ele conta com foi:

«Inicialmente as moradas disponíveis eram poucas e era difícil conseguir mais. Incumbimos o ex-soldado condutor Padre Eterno de pedir no RI 16 (Évora) uma cópia da Ordem de Serviço do dia em que passámos à disponibilidade. Ali encontrámos as moradas iniciais de cada um dos combatentes. E depois foi só pôr mãos à obra.

"Com o apoio assinalável de juntas de freguesias, párocos, conservatórias, farmácias, mercearias, etc., conseguimos num curto espaço de tempo praticamente todas as moradas... E conseguiu-se a 'base de dados' da 675".

Sabe tudo sobre a história da Companhia... Quando é preciso alguma coisa ele dá andamento ao assunto. Uma consulta, um contacto para um emprego, uma informação útil... ele trata.

Mais uma achega do Belmiro Tavares:

«O primeiro grande acto cívico da 675 aconteceu ainda na Guiné. Custeámos as transladações (urnas próprias) dos nossos 3 mortos em combate para que os corpos fossem entregues às famílias que tiveram assim a oportunidade de fazer funerais condignos».

Mais tarde acrescentou às suas obrigações tratar das lápides para as sepulturas dos companheiros que, pela ordem natural da vida, foram desaparecendo do número dos vivos.

Mas suas iniciativas não se ficaram por aqui:

«Pouco antes de partirmos da Guiné tentamos conseguir autorização para trazer connosco o guia Malan. Passaria 6 meses na Metrópole a expensas nossas mas não foi possível. Nos anos sessenta (ou setenta) o Malan foi galardoado com o Prémio Governador da Guiné (um mês em Portugal com viagem e estadia pagas pelo Governo).

"E quando ele chegou a Lisboa... 'Raptámos' o Malan do Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda) e só o 'libertámos' para regressar a Guiné.

"Depois da 'Revolução de Abril' e da Independência da Guiné, Malan Sissé , também conhecido em Binta por Malan Griffon Sissé, foi morto em circunstâncias trágicas, resultantes dos tempos agitados que então se viveram.

"Mais recentemente tem participado das nossas reuniões João Turé um dos sobrinho do malogrado Malan, o nosso grande e saudoso guia, que a CCaç 675 guarda na memória como um dos nossos mortos em combate.»


E ao longo dos anos Belmiro Tavares foi tratando de toda a logística necessária à organização dos convívios. Que aconteceram em Lisboa, em Évora, no Porto Alto, em Pombal, em Alcobaça, em Almeirim, etc., etc..

Guarda correspondência, convocatórias, ementas, recortes de jornais e ... muitas, muitas fotografias. A fotografia [à direirta] que reproduzimos – o Belmiro Tavares e a Maria Luísa, mulher do ex-Furriel Caires Figueiredo em serviço de cobrança num dos almoços de convívio – é uma imagem da marca das comemorações da 675.

Convívios – Uma vez por ano «675-Sempre».

Se não é caso único... deve andar por lá perto! E tudo – ou quase tudo – deste enorme património de afectos se deve a uma única pessoa: Belmiro Tavares.

Belmiro Tavares carrega com ele o legítimo orgulho da Companhia do Capitão de Binta que reúne, anualmente, desde Maio de 1967 porque o ex-Alferes do 3º. Pelotão não mais despiu a pele de Oficial da gloriosa CCaç 675.

Indefectível da 675 até ao último suspiro. O Nunca Cederá do emblema da Companhia vive com ele e morrerá com ele. «675-Sempre».

De feiticeiro, olhos de gato, a guardião do tempo africano…

JERO


3. Comentário de L.G.:

Caríssimo Belmiro: Tu entraste, com todo o direito e toda a naturalidade pela nossa Tabanca Grande adentro, sem teres precisado de pedir licença ninguém... Desde 1967 (!) tu fazes, abnegada, persistente, generosa, anualmente, essa tremenda tarefa de congregar a rapaziada da Guiné, da tua querida CCAÇ 675. 

O teu exemplo merece ser dado a conhecer. Mas ninguém melhor que o nosso já muito querido JERO para falar sobre ti, com aquele jeito doce, quase conventual, com aquele brilhozinho nos olhos, que ele põe quando fala dos amigos do peito. 

Da nossa parte, da minha parte, do Virgínio, do Carlos e do Eduardo, vai aquele abraço de boas vindas. Senta-te, a Tabanca é tua. Ficas a saber que a tua presença muito nos honra. Em Dia de Todos os Santos, és o São Belmiro (Tavares, porque há outro, o Vaqueiro), és o nº 380, e estás apresentado à Cristandade. LG
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes recentes de:



sábado, 31 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5187: Histórias de José Marques Ferreira (8): Jornal da Caserna (2)



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 31 de Outubro de 2009, o segundo de alguns extractos do "Jornal da Caserna" da sua Companhia.

Os meus cumprimentos para a Tertúlia:

No seguimento da ideia que foi exprimida no primeiro poste (P5171), aqui vai uma pequena história do «Jornal da Caserna», um «órgão de comunicação social» propriedade de ninguém, mas com o apoio de muita gente da CCAÇ 462, cujo primeiro número foi dactilografado com cópias a químico em 1964, ano este em que não haviam ainda as actuais e práticas fotocópias, para reprodução do original ilustrado. O primeiro número foi dado à estampa (que grande definição para aquele tempo), em Fevereiro de 1964.

O número 15 deste periódico foi o último, porque em Outubro de 1964 recebemos ordens de carregar as trouxas e “desacampar”. O acampamento seguinte foi em Bula, como companhia operacional, sendo este o local onde estava centrado o BCAÇ 507 (Ten Cor Hélio Felgas), que, pouco tempo depois, deu lugar ao BCAV 790 sob o comando do Ten Cor Henrique Calado.

Eis a história:

Fogo com tornado em chuvas

“No fundo escuro da morança circular, entorpecida pelo reumatismo, que lhe roía as juntas, gemia a “mulher grande” do chefe da tabanca.

Àquela hora estavam os homens a juntar forças ao terçado para varrer mato, sulcar a terra, enterrar o fruto, para que a mancarra despontasse.

O chefe com os seus vizinhos de morança repetiam e juntavam os esforços, destilavam suor sobre calor abafado, para o trabalho do talhão deste ou daquele; onde cresceriam as suas esperanças em nova campanha de venda. Ora, o velho e resoluto Samba, fula genuíno, era um dos mortais em que a tropa do destacamento perto depositava confiança. Assim era na verdade e nas horas de trabalho ou de calcar mato de lés a lés, espiolhava com os seus homens todos os movimentos suspeitos do pessoal bandido no mato cerrado.

A mulher do fiel Samba lá estava estendida na esteira, suportando a ferrugem dos anos. Era a única alma viva, além de um outro garoto que brincava ou dormia a sesta em sorna doentia à sombra do mangueiro acolhedor. De repente, em surpresa assassina, os bandidos fizeram uma sortida e deitam fogo que se ateia furioso à palha seca dos moranças. Corre apressado o Samba, que ao ver fumo e gritos ao longe – pensa em mau agoiro. Quando corre ofegante passa pelos dedos o chifre e mèzinhos que trás ao pescoço. Aperta-os com força e com raiva.

Com espírito de jambacosse em mau agoiro – pensa no pior. Cansado, fura em corrida a entrada do quartel e conta ao Comandante o acontecido. Este põe o seu dispositivo de guerra em marcha, não atendendo ao tornado envolto em chuvas, que estala à mistura com o ribombar do trovão.

Os elementos facilitam a progressão. Estala um tiroteio de pôr os ouvidos a zunir e abatem-se alguns dos assaltantes em fuga precipitada. Algumas crianças fugiam espavoridas ao fogo crepitante em palha nas coberturas, sem o inevitável de algumas perecerem às chamas que as lambiam em círculo. Mulher grande – morre frente ao ódio excitado e assassino.E só por o velho Samba ser fiel… não aderir à catequização que se promovia. Samba com a lágrima no olho, cheio de dor – olha a sua casa em chamas.

Nada mais há a fazer…

- Enfim, foram mais umas vítimas inocentes desta guerra… - comentou mais alguém para o comandante da tropa, que conformava o velho Fula.

(Do nosso correspondente em Teixeira Pinto – ÓKEY)”

Esclarecimento:

Chamávamos ao nosso periódico da companhia: «Jornal da Caserna». Uma publicação que tinha os seus colaboradores locais e, mais além, “correspondentes” destacados em outras localidades, com resquícios de estrutura física e tudo.

Por isso, nós, já em 1964, utilizávamos e dávamos forma àquilo que hoje se intitula, corriqueiramente, de Comunicação Social, e é aceite pela sociedade como perfeitamente banal e natural.

Veja-se que até tínhamos um correspondente em Teixeira Pinto, que nos enviava, por avioneta, histórias como esta acima publicada e que, posteriormente, eu transcrevia para o “stencyl” (creio que é assim que se escreve).

O pseudónimo ÓKEY, era utilizado pelo Alf Mil Médico Ramiro Fernandes Figueiredo, que embora pertencendo à minha companhia (Ingoré), foi destacado, ou «emprestado», à unidade de Teixeira Pinto.

Foi o mais «destravado» e bem-disposto militar que conheci na minha vida. Penso que era, ou viria a ser, psiquiatra. Mas, o que ele gostava mesmo, era de jogar futebol misturado com toda a rapaziada… um desporto que, na Guiné, permitia a criação de grandes elos de amizade e fraternidade… inesquecíveis!

Aproveito esta oportunidade, para enviar esta foto de uma palhota que não foi incendiada (já que falamos delas na estória), que constituía o meu bur.. ako e que legendo assim: «Isto é uma moradia! Façam favor de entrar. Guiné - Có - Abril de 1965».

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes

Foto e gravura: José M. Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em: