1. Mensagem de José Teixeira*, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 2 de Dezembro de 2009:
Camaradas,
Junto mais um texto sobre a polémica que nunca conseguiremos "abafar" nas nossas consciências: A morte ou assassínio dos combatentes guineenses.
O José Belo e o Mexia Alves voltaram ao velho e para sempre inacabado problema relacionado com a morte ou assassínio de antigos combatentes guineenses, que alinharam ao nosso lado, pela Pátria Portuguesa.
O Grande problema é que muitos destes combatentes como o Aliu Sanda Candé, que conheci em Aldeia Formosa, foram fuzilados sem julgamento legal, mas em julgamento popular manobrado por forças do PAIGC, sem que haja documentação escrita do acto. Assim, não é possível provar o acto de fuzilamento que nos permita actuar junto do Ministério do Exército, para se conseguir o subsídio de morte ao serviço da Pátria.
No caso do Candé, tive conhecimento da sua morte por um primo, meu ajudante de enfermeiro, que alguns anos depois conseguiu fugir para Portugal. Ele, o Candé, ou o Alfero da milícia, Aliu Candé, que toda a gente do meu tempo se recordará, pelo seu porte e pela forma como geria o seu grupo de combate, pela forma como reagia perante o inimigo, avançando de peito aberto. Há que dizê-lo, quantos de nós não lhe deverão a vida. Possivelmente eu sou um deles.
Ele, que se orgulhava de cortar as orelhas dos desgraçados que caíam varados pelas balas da sua G3. Após a independência, recebeu o ”chorudo” prémio que Portugal lhe ofereceu pela dedicação à Mãe Pátria, creio que seis meses de ordenado, entregou a G3 e foi dedicar-se à agricultura na Chamarra, sua terra adoptiva, para continuar a dar á família o apoio necessário, até então suportado pelo exército português com o Pré mensal a que tinha direito por passar a vida a lutar contra conterrâneos e, eventualmente, familiares. Podia ter vindo para Portugal e integrado no exército português com o posto de alferes.
Posto conquistado na árdua luta de vida ou morte pois, tanto quanto sei, foi lhe dada essa oportunidade, quando lhe ofereceram os seis meses de Pré. Ele que, de soldado raso em Bolama, passou a cabo por mérito, logo a seguir alferes da milícia, comandante de um grupo de combate. Posteriormente, chamado de novo ao Exército como furriel e, por fim, alferes comandante de grupo de combate de uma Companhia de Comandos africanos.
Apenas, e aqui está o busílis da questão, teria de vir para Portugal só. Deixar a família na Guiné. A sua família. Optou pelos seis meses de pré e pela família.
Um dia, andava na Lala, quando lhe apareceu um grupo da juventude do PAIGC. Levaram-no para Bambadinca, de onde era natural, promoveram um julgamento popular e condenaram-no à morte, por prego enterrado na cabeça... Morte horrorosa!
Os pormenores desse “julgamento” também são terríveis, segundo o seu primo, entretanto já falecido, o Mudé Embaló. Mobilizaram a população para uma manifestação ao homem grande de Bissau que iria fazer uma visita a Bambadinca. Juntada a população, apresentaram o Candé, como criminoso de guerra e promoveram o julgamento popular que conduziu à sua morte.
A vinda do homem grande de Bissau (Presidente Luís Cabral) fora apenas o engodo para atrair a população e assim lhe poderem demonstrar com se tratavam os chamados inimigos da Pátria
A informação que tenho é que viveu umas horas em sofrimento, até morrer (como me dói o coração ao imaginar tal morte!).
A informação que tenho é que viveu umas horas em sofrimento, até morrer (como me dói o coração ao imaginar tal morte!).
Quando em 2008, encontrei a sua filha Cadidjtu Candé, em Guiledje, uma bebezinha de meses, quando passei pela sua terra, ela disse-me que o pai tinha sido fuzilado. Esta informação da Cadi contradiz o que o primo me tinha dito, no entanto, nada está escrito que comprove a sua morte por fuzilamento em resultado de um julgamento militar legal.
Assim sendo, não se pode provar que tenha sido condenado por servir Portugal, logo, a família terá muita dificuldade em provar que morreu ao serviço de Portugal, por falta de provas testemunhais e documentais. Apenas se sabe que a mãe ainda conseguiu visitá-lo uma vez. Depois oficialmente está morto. Aonde foi enterrado? Não se sabe. A sua morte resultou de quê? Não se sabe, porque não há dados oficiais.
Pergunto, numa situação destas, do pós-guerra e ajuste de contas, quem se atreveria a descrever e registar dados tão comprometedores?
Como se poderá provar que não foi apenas um ajuste de contas de alguém que combateu pelo PAIGC e sofreu os efeitos da acção guerrilheira do grande Candé?
Perguntas a que eu muito gostaria de poder responder, mas a única verdade que sei, é que o Candé sofreu uma morte horrorosa.
Saibamos nós honrar a sua memória e o seu nome.
José Teixeira
1º Cabo Enf da CCAÇ 2381
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em:
3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5402: Os nossos camaradas guineenses (15): O que será feito do Ernesto “balanta”… (António Matos)