
Olá Camarada
Li o teu post 7225 e, de imediato, ocorreu-me perguntar-te o porquê do eco que fizeste do comentário de alguém que visitou o blog e comentou.
Ficaria surpreendido com desta modificação da tua maneira de ver o blog, mas creio que não a perfilhas. Claro que todos ou quase todos temos netos ou filhos para cuidar e apoiar e mais agora quando parece que maus tempos aí vêm. Claro que a culpa é do “Povo” que está (mal) habituado a viver acima das suas possibilidades...
Por mim, começo a pensar como o Brecht: (cito de cor)
- “Como é difícil governar! Sem a inteligência do Ministro da Propaganda mais nenhuma mulher ficaria grávida... etc. etc. e a culpa é do Povo que não consegue distinguir um campo de milho de uma forma para tortas, etc...”
Mas deixemos isto, senão ainda me penduram pelos polegares. Não olhes para mim assim, porque polegares não é isso que estás a pensar... Polegares são os dedos mais pequenos das mãos!
Camarada!
O teu interlocutor ‘táva azedo e descria que o Sol voltasse a nascer no dia seguinte. Acontece aos melhores! É capaz de ser uma das características da nossa idade. São variações de humor. Uma espécie de “Parem o Mundo qu’eu quero descer!” Felizmente o Mundo não pára e o Sol nasce todos os dias. Senão era cá uma “chatisse”...
O desânimo não é opção, é doença momentânea que ninguém deve cultivar e aqueles que foram testados de modo tão violento como nós fomos, no início da idade adulta, muito menos. O teu interlocutor não parece estar neste caso e até lamenta não ter tido a honra. Daí a sua intervenção. Começo pelos textos publicados (que) são, na sua grande maioria, de muito duvidosa qualidade e falta de gosto. Sistematizar é mau e generalizar “à bruta” pior. Não posso deixar de concordar relativamente a alguns, mas em milhares de textos... não detecto, por erro meu, que seja a “grande maioria”.
Até aos bons escritores acontece, quanto mais aos amadores...
Quanto à “proveta” idade, devo dizer que provetas só encontrei nos laboratórios e agora sou eu que digo que brandir a idade como arma, para justificar comentários, entre iguais (pelos vistos só em idade) é argumento pobre. Podemos admitir que escrever tanto sobre este tema – sempre o mesmo – será monótono, mas só para quem não quiser aprender como passado. Tomariam os investigadores de hoje ter textos destes, escritos pelos ex-combatentes do Russilhão, das Invasões ou mesmo antes. Se dispuséssemos de textos destes sobre a invasão espanhola de 1762/63 crês que teríamos a coragem de lhe chamar “Guerra Fantástica”? E se pudéssemos ler nem que fosse um diário cheio de erros de ortografia ou de sintaxe, de um soldado das “Campanhas de Pacificação” de há cento e poucos anos? O que nós aprenderíamos acerca do seu sacrifício e do ambiente do tempo (social, operacional, institucional, etc.).
Creio que já disse que esta será a nossa “assinatura” indelével na História, o que invalidará que, nos futuros compêndios, ela possa ser reduzida a meia-dúzia de linhas.
E eu sou dos maus, dos “beras”, dos cépticos, daqueles que hoje afirmam que a “Guerra” foi (estava) perdida (e a porrada que eu levei por escrever isto!), dos que já não sabem se os mortos que tivemos e os feridos que trouxemos aconteceram em “defesa da Pátria”, como então se dizia e hoje ainda há quem diga e em tal acredite ou, pior, queira acreditar. Já tentei demonstrar num artigo escrito numa revista militar que tudo não passou de um fenómeno “que se inscreve na área da sociologia”.
Hoje, especialmente depois de ter falado com camaradas mais velhos, que combateram noutros TO, e dos programas do Joaquim Furtado, dei comigo a pensar que a “Guerra” da Guiné foi diferente das outras duas que não são iguais entre si.
Não será por acaso que o “nosso” blog seja um dos mais frequentados e que não tenha paralelo entre os dos ex-combatentes de Angola ou Moçambique... As razões serão discutíveis, mas creio que se prendem com as condições de extrema penosidade que se verificavam em toda a Guiné, o que não sucedia nos outros TO. Sabemos agora que, em Moçambique as coisas também estavam muito feias, mas havia alguns “oásis”.
Em guerra esteve o Povo Português em 1914-1918, com mortos, feridos, estropiados, gaseados… E alguém fala disso?
É verdade, camarada. Mas sabes que há livros escritos por ex-combatentes dessa época. Hoje são raros, mas existem e só não serão reeditados por razões comerciais. Temos relatórios de combates e descrições (sob os diversos ângulos) da situação que se vivia. Além disso, o centenário da República começou a permitir “arrumar a casa” e visualizar o que o nosso povo terá sofrido nesses tempos. Estamos a começar a reavaliar (espero que com honestidade, verdade e realismo) a participação do nosso país num grande conflito, com todos os dramas que que lhe vierem adjacentes. Faltam menos de 4 anos e, como só começámos em 1917 e terminámos em 18, podemos estudar o assunto com profundidade e dar o seu a seu dono. No entanto, o ano de 1919 – o do regresso a casa – também trará surpresas... Quanto ao falar nisso, relembro que “os povos têm má memória” e que “só se ama o que se conhece”. Acaso com vinte e tal anos tinhas alguma ideia do que foi a I Guerra? A Cultura é uma coisa boa, mas é como o surf, é um desporto em que competimos connosco mesmos. O nosso crítico está um bocado “fora-de-jogo”.
Todos os textos com o devido respeito, são repetitivos lamechas, por vezes quase infantis ou, então, falando de “heroicidades” próprias, revelado egocentrismos, seguindo, outras vezes, a via da vitimização. Por outro, encontro demasiado diletantismo, intelectualismo barato, literatice barata e até… poesia. Poesia… (porquê? Se é para a “desbunda” e bota baixo o devido respeito não faz sentido). E a Poesia, faz mal à saúde? E mais ainda se se pavoneiam pelos seus escritos como se fossem o centro do Universo. Outros aplaudem os posts em comentários boçais e, mesmo quando discordam, não demonstram bom gosto, inteligência e educação. Mas o mais caricato é que entendem que estão a fazer História ou que são fonte para ser feita História. Haja decoro!
Aqui é caso para dizer como se dizia no nosso tempo nas paradas dos quartéis:
’Daaaaa-se! ‘Tás mesmo mal humorado! O gajo ‘tá mesmo zangado com o Mundo. Talvez, se “lá” tivesse ido na altura própria (claro!) falasse de outra maneira...
E contudo, as alusões ao “laureado” revelam um humor, saudável, diria cristalino. Foi sibilinamente oportuno. Os meus cumprimentos! Aquela do médico sentado no guarda-lamas do rebenta-minas é do Kaneko! Ele (o médico) é mentiroso e o teu interlocutor aproveitou magistralmente. Conheci cinco médicos, durante a Guerra, e nunca vi nenhum armado, sequer. Ao laureado só lhe falta o bisturi entre os dentes, como os piratas... “en passant”, claro.
Por fim detenho-me no último naco de prosa e comento entre parêntesis:
Eu também cumpri as minhas obrigações de serviço militar (já não sou uma criança), embora nunca tenha tido a honra de servir em África. (Não é nenhuma criança embora pareça, pelo o humor que pratica, digo eu).
Meus senhores, se me permitem, (claro que permitimos, lá bem educados somos nós) termino dando-vos um conselho (que agradecemos, eu, pelo menos...). Na vossa idade deviam ter outras preocupações e actividades, por exemplo cuidar dos netos e, em alguns casos, dos bisnetos. Mas não lhes falem, por favor, dessas vossas guerras óptimas e únicas, dessas vossas sempre repetidas experiências africanas. (tomarei em devida conta o conselho e futuramente vou dedicar-me à pesca e à caça de espera...)
Um Ab.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6862: (Ex)citações (93): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (António J. Pereira da Costa)
Vd. último poste da série de 2 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7211: (Ex)citações (103): Quando um homem tem de se conter para não partir a louça... (Manuel Reis)