A NOSSA "BAJUDA"
Falar de colunas, é falar de ir a Cutia, passando por Mamboncó, a Mansoa, a Manhau, a Banjara e a Farim, tendo a particularidade que fomos nós que reabrimos os itinerários Mansabá a Farim e Mansabá a Banjara.
Na estrada nós tínhamos uma viatura com o nome de Bajuda deixada pelos Águias Negras, que eu suponho que não tenha chegado até vocês, era uma longa vida para aquele clima.
Era uma GMC com uma casa feita em madeira, pranchas grossíssimas, blindadas com chapa de ferro, não consigo lembrar-me se tinha tecto e se se disparava pelas viseiras, mas sei que tinha sacos de terra por tudo quanto era sitio, e assente na caixa da camioneta também cheia de terra, protegida pela blindagem tipo Mansabá, tinha uma metralhadora pesada, com um poder de fogo impressionante, impunha respeito.
Picar a estrada era uma coisa fora do normal, não falando do andar a pé em África o tempo que se levava, andávamos muitos a pé à frente ainda dos picadores, praticando o desporto, possível naqueles sítios, tiro ao alvo, a tudo o que mexia, macacos, mas do que a malta gostava menos era dos abutres. Esses tiros, algumas vezes, detectaram emboscadas, com a nossa bajuda e as armas pesadas, não causavam muitos embaraços mas há excepções.
Uma delas foi no regresso de uma coluna para Mansabá que foi emboscada, em Mamboncó, com uma violência tremenda, saindo os que tinham ficado em Mansabá em socorro, e logo na subida começaram a levar a sério, tendo sido dada ordem à Artilharia para disparar. Aí calaram-se, mas como estavam muito próximo da estrada não foi logo, logo, mas a retirada deve-lhe ter sido muito difícil.
Tinha sido uma fase nova, os primeiros dias foram de alguma expectativa, voltando ao normal, tendo-nos lixado com mais duas minas anticarro, a primeira no mesmo sitio, onde já tínhamos apanhado com uma, junto à velha serração, e outra mesmo quase a entrar em Cutia.
A segunda junto à velha serração, foi rebentada por uma auto metralhadora, o rapaz ia para Mansoa para ser rendido e afastou-se o mais que pode para a direita da árvore para não passar minimamente na zona dos rodados, ela estava fora, se calhar até já há muito tempo. E acrescento, é de enlouquecer, já tinha tido a visão de uma queimada na estrada de Bissorã, mas ali ver aquela malvada estrutura a arder, e como é blindada não podermos fazer nada, nasce dentro de nós um ódio sem limites, uma vontade de vingança de destruir, as batidas do coração sobem para as 200.
Nós tínhamos o destacamento em Manhau onde um Pelotão com um grupo de Milícia, passava 15 dias. O Pelotão que ia, tinha que levar tudo, incluindo a água. Havia uma camioneta com um depósito de 10.000 litros, e como aquilo era muito perto, fazia-se a rendição, uma parte que trazia o carro da água depois quando o carro da água chegasse, eram os últimos rendidos. O carro da água andava muito devagar e às vezes até ficava para trás em demasia. Não sei a data, só sei que era o dia do Portugal Coreia, em 1966, estavam todos com muita pressa para irem ouvir o relato, não sei se fui eu, lembro-me de falar nisso com alguém, alterar a ordem das viaturas, não sei se com o Comandante de Companhia se com um Alferes. Eu tinha um rádio novo e não queria parti-lo, andando a tratar das coisas com ele na mão, e eles todos a gozar comigo, mas lá fiz ou fez-se a alteração da ordem das viaturas, passando o carro da água para os carros da frente.
Com a criação das caveiras, na prática só tínhamos dois pelotões, havia férias e a esta distancia não me lembro quem era o comandante de pelotão. Um pouco chateados mas lá fomos, eu dentro da bajuda segurando o rádio, quando atingimos a descida para a bolanha de Manhau foi a loucura, vieram granadas de mão, não sei de onde, lá tive que deixar o rádio que não se partiu. Mas com a bajuda, os moços das armas pesadas aguentámo-nos bem, até que parece que eles queriam era o carro da água e quando o viram atacaram sem perceberem que ele não estava no sitio que era hábito, mas eram sempre e sempre mais violentos, o estrondo das G3 levava sempre mais tempo a se impor, aquilo à direita tinha uma zona com muitas árvores, levou o seu tempo até se impor o silencio.
Havia uns rapazes que quando estavam em Manhau iam às laranjas a Mantida e foram... e foram, claro que eles, o IN, pensaram em apanhá-los mais a viatura, só que Deus é grande, eles não foram com a frequência que iam e entretanto, vieram uma quantidade de auto metralhadoras para Bafatá, que ao passarem por Mantida, tinham uma emboscada, pelo que ficou no terreno fizeram estragos enormes, foi feita guerra da mais violenta.
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Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7602: Memórias de Mansabá (1): No coração do Óio, bem perto do Morés (Ernesto Duarte / Carlos Vinhal)