Não admira por isso que haja, pelo menos, uma referência aos "blindados" do PAIGC (leia-se: dos seus "amigos soviéticos")(*), que terão sido utilizados, sem grande efeito prático (a não ser eventualmente psicológico) num ataque ou flagelação a Bedanda,
em 31 de março de 1974...
Eis aqui esse excerto do seu Diário da Guiné, 1972/74, de que temos, por gentileza e generosidade suas, um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp). (**)
Sobre os famosos blindados do PAIGC (que, na prática, não jogaram nenhum papel efetivo nesta guerra, pelo menos a ponto de desequilibrar os pratos da balança...), escreveu-me há tempos [ 13 de janeiro de 2010,] o Nuno Rubim o seguinte:
(...) "Luís, junto te envio cópia de um documento emanado pela 2ª Rep / Com-Chefe Guiné sobre os BRDM 2. Também existem no AHM [, Arquivo Histórico Militar,] referências ao modelo 1.
"Há uma carta do A. Cabral para o Pedro Pires (Dez 72 ) a 'sugerir' a utilização dos blindados nos ataques a alguns dos nossos aquartelamentos fronteiriços no Sul. Na Net encontrarás farta documentação sobre essas viaturas [...].
O nosso camarada António Rodrigues, em comentário ao blogue do Sousa de Castro, CART 3494 & Camaradas da Guiné, poste P136, de 9 do corrente, diz que estas viaturas blindadas já tinha usado antes, em Copá, no nordeste da Guiné (Aliás, já o tinha escrito, antes no nosso blogue, em poste de 23 de novembro de 2010):
(...) "Eu e os meus camaradas, enfrentamos essas mesmas viaturas [ duas,] durante o forte ataque desencadeado pelo PAICG a Copá, na noite de 7 para 8 de Janeiro de 1974, tendo uma delas derrubado o arame farpado e penetrado dentro de Copá cerca de 10 metros. António Rodrigues 1ª. CCAV / BCAV 8323 Copá 73/74" (...).
Diz-se neste Poste que o PAIGC a 31 de Março de 1974 apareceu com viaturas blindadas no ataque a Bedanda (Cubucaré).
Na realidade, ainda não se sabe com rigor que tipo de viaturas se tratava... É mais provável que se tratasse de veículos de reconhecimento, anfíbios (tipo BRDM), ou de viaturas de reeconhecimento para transporte de tropas (tipo BTR)... De qualquer a sua utilização na Guiné de viaturas blindadas, por parte do PAIGC (mas também pelas NT), estava muito condicionada por diversos fatores adversos: geografia, hidrografia, clima... Os especialistas da guerra colonial Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes escreveram o seguinte sobre as "viaturas de combate" do PAIGC:
(...)" Em fevereiro de 1974, foram referenciadas viaturas pesadas paraa rebocar morteiros de 120 mm no Norte da Guiné, zona de Canquelifá, junto à fronteira com o Senegal. Dias mais tarde foram detectadas, em ataque à guarnição portuguesa de Bedanda, no Interior-Sul do território, viaturas blindadas provavelmente BRDM, BTR, PT-76 ou PT-34, todas de origem soviética". (In: Afonso, A.; Gomes, C. M. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d, p. 259).
2. Aqui vai o excerto do Diário do AGA (com a devida vénia):
(...) Cufar, 3 de Abril de 1974
A guerra está feia. Bedanda embrulhou durante todo o dia, um ataque tremendo, doze horas consecutivas de fogo. A festa só acabou à noite com uma espécie de cerco à povoação levado a cabo pelos homens do PAIGC.
Em Cufar, tão próximo, além de distinguirmos nitidamente as rajadas de metralhadora de mistura com os rebentamentos dos RPG, foguetões e canhão, à noite viam-se as balas tracejantes e as explosões no ar.
Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda. Existe uma estrada que vem da Guiné-Conacry, passa junto a Guileje – abandonada pela tropa portuguesa, – entra pela região do Cantanhez e termina em Bedanda. O IN está a utilizar esse percurso para deslocar camiões carregados com todo o tipo de armamento, em seguida é só despejar sobre os aquartelamentos portugueses mais expostos e fáceis de alcançar, como Chugué, Caboxanque, Cobumba, Bedanda, Cadique e Jemberém.
Bedanda é uma povoação grande, a maior do sul da Guiné depois de Catió. Terá uns cinco mil habitantes e ontem já se falava em abandonar o aquartelamento. A população africana saiu da vila, ficando por próximo.
Bedanda levou com mais de sessenta foguetões e centenas e centenas de granadas de RPG, morteiro e canhão sem recuo. Foi medonho, há muita coisa destruída, mas tiveram sorte, contam-se apenas dois feridos, um furriel e um negro que levou um tiro nas costas. A tropa passou mais de doze horas metida nas valas.
Espera-se novo ataque a Bedanda. As NT já foram remuniciadas e há promessa de se enviarem mais militares para defender a terra. Os guerrilheiros também devem ter ido descansar e reabastecer-se.
Todas estas flagelações, apesar de serem destinadas aos vizinhos do lado, deixam marcas em todos nós. São horas, dias, meses a ouvir continuamente o atroar dos canhões da guerra. Eu ando um bocado desconexo, excitado, “apanhado”. Quase não tenho dormido, são as sensações finais, o cansaço, o desamor à mistura com o alvoroço do regresso a casa. (...)
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Notas do editor:
(*) Vd.poste de 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9368: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte I)
(**) Último poste da série > 14 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9352: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (4): Os foguetões 122 mm que vi, ouvi e contei ao longo de quase dois anos...