terça-feira, 14 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13733: (In)citações (69): Amigos das ONGD Ajuda Amiga e Tabanca Pequena, é importante abrir poços, mas se a água não for "Iagu Sabi", a população abandona-os (Cherno Baldé, Bissau)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > O fur mil at inf Arlindo Roda, apurando a sua técnica de beber "iagu di bolanha, manga di sabi"...

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P13728 (*)

Caros amigos,

Esta água de bolanha de cor de leite e sabor ligeiramente adocicado era muito utilizada e, de certa forma, bem apreciada pelas populações nativas que eram obrigadas a passar a maior parte do tempo no mato (nos campos de lavoura, guarda do gado ou nos trabalhos da bolanha).

No entanto ela bem podia ser apelidada de água assassina, pelos graves prejuízos que causou e ainda continua a causar na saúde dos Guineenses.

Para quem não saiba, informo que uma grande proporção dos doentes que, através das juntas médicas, procuram tratamento especializado no exterior, sobretudo em Portugal,  tem a ver com doençaas dos rins e muitos acabam por lá ficar, porque não temos no país condições para a necessária hemodiálise que o sangue precisa com regularidade para sua purificação.

Em recentes análises de sangue que eu mesmo realizei, por razões profissionais, informaram-me que tenho uma elevada concentração de creatinina, que é uma amostra de possíveis problemas de rins devido a acumulação de impurezas.

Felizmente, para mim, não há muitos motivos para alarme, pois que já ultrapassei a casa dos 50, que é o limite máximo da esperançaa de vida de um Guineense.

Ao pessoal da Ajuda Amiga [e da Tabanca de Matosinhos] quero alertar que, sendo importante a criação dos poços melhorados de água potável para melhorar as condições de saúde das populações, não é menos importante a qualidade da mesma, pois se não for "bebível" (Iagu Sabi), o mais provavel é que seja abandonado pelas mesmas populações que, aparentemente, careciam da mesma. Para o Guineense a água tem que ser Iagu Sabi com um gosto especial para os seus paladares.

Com um abraco amigo,
Cherno Baldé (**)
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Notas do editor:


Guiné 63/74 - P13732: Os nossos médicos (78): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (10): As recordações surgem e as saudades de todos os lugares e gentes também

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vasconcelos (ex-Alf Mil TRMS da CCS/BCAÇ 3872 - Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72 - Mansoa, e Cumeré, 1973/74), com data de 9 de Outubro de 2014:

Do meu posto retransmissor, e por solicitação do camarada Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico, reencaminho a sua descrição sobre as colunas Galomaro-Saltinho, agora, isentas do pó e da ansiedade que sempre as acompanhavam.

Um abraço colectivo e as nossas saudações a todos.
Mário Vasconcelos



MEMÓRIAS DO DR. RUI VIEIRA COELHO*

10 - As recordações surgem e as saudades de todos os lugares e gentes também

Rui Vieira Coelho

Por várias vezes integrei a coluna de abastecimento à nossa Companhia do Saltinho. Era a mais longínqua da sede do Batalhão, a mais complexa sob o ponto de vista logístico e a mais difícil sob o ponto de vista operacional, pela quilometragem a percorrer, pela segurança às picadas por onde passávamos e pelo apoio até da Cavalaria com dois esquadrões, um das velhas Panhards e outro de Chaimites a escoltar a alternância de camiões Civis e Militares.

De Galomaro para Bafatá, lá seguia a nossa coluna por uma picada sobejamente conhecida por todos nós os da CCS onde transitavam diariamente colunas a nível de Grupo de Combate que faziam a ligação da sede com a localidade "Princesa do Geba", para trazer e levar Correio, peças e acessórios para a Ferrugem desempanar os Unimogs ou as Berliets avariadas, e para saborear um bom bife com batatas fritas no Restaurante das Libanesas regados com umas cervejolas bem geladinhas.

De Bafatá para Bambadinca e para o Xime já seguíamos enquadrados pelos Homens da Cavalaria, por uma estrada já asfaltada e o andamento era veloz e sem sobressaltos.



Um Grupo de Combate seguiu para o Xime a proteger dois camiões militares que foram carregar cunhetes de Munições e outro material militar como rações de combate, fardamento, armas, pneumáticos e material Rádio para comunicações.

O trabalho de descarga das barcaças vindas de Bissau processava-se com rapidez com as gruas do Pelotão de Intendência a transferir todo o material para os camiões, enquanto eu aguardava meditando por que razão estava naquele lugar, neste teatro de Guerra inimaginável a não ser por todos aqueles que como eu cumpriam o Serviço Militar Obrigatório.

O pior era depois de Bambadinca na picada para Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole, até ao Saltinho. A coluna ficava então medonhamente grande com mais camiões civis e militares carregados com mantimentos e elementos da população civil, aproveitando para se deslocar, para as diferentes Tabancas perto de Companhias e Destacamentos, dando até certo ponto um sentido de protecção e segurança de possíveis emboscadas, minas quer pessoais quer anti-carro.

A tensão visível nos rostos dos nossos camaradas e a apreensão com o imprevisto e o oculto, o inimaginável vindo de qualquer lado, com o empoeiramento vermelho do pó da picada que se entranhava por cima do fardamento, rostos e tudo o que se mexia, envolvidos por uma floresta de capim que não deixava ver um palmo à frente do nariz, o que aumentava a insegurança que todos vivíamos, uns mais que os outros. E assim fomos até Mansambo, onde alguns carros civis e militares e o Esquadrão de Panhards da Cavalaria, nos abandonaram a caminho desta Companhia do Batalhão de Bambadinca.

A coluna ficava ligeiramente mais pequena, mas todos nós sentíamos-nos mais pequenos, mais sós, mais impotentes, sem nada dizer a nossa expressão tudo dizia.
Mesmo assim a coluna continuava grande e lá íamos com redobrada cautela, bem escoltados mas com "cagaço" (pelo menos eu) do que pudesse acontecer.
E por fim chegamos à Ponte dos Fulas, sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal, de vital importância para as colunas de abastecimento para o Xitole e Saltinho.

O destacamento da Ponte dos Fulas era qualquer coisa do outro mundo, um amontoado de adobes e tijolos, bidões, abrigos cavados na terra, valas, chapas de zinco, um forno de barro feito, chuveiros com bidões como depósito, um alpendre tosco que servia de refeitório, sala de convívio, mais ao lado um atrelado com depósito de água e um Grupo de Combate que o habitava, isolados, uns barbudos, outros carecas rapadas, de camisas abertas, calções esfiapados, uns com quicos, outros sem eles, calçavam uns botas outros xanatas.

Deste grupo uma secção permanecia no Torreão de vigia à Ponte, cerca de turnos de 24 horas que iam alternando com as outras secções. Milhares de garrafas vazias de cervejas encontravam-se a circundar a ponte e as margens do rio encostadas umas às outras em continuidade com um fio condutor que as segurava. Se algo, alguém ou um animal tocasse no fio ou nas garrafas, estas batiam umas nas outras e facilmente poderiam localizar o intruso pelo tilintar, tornando vulneráveis aos focos de luz direccionada para o local e às rajadas que se lhe seguem.

Este destacamento distante 3 quilómetros do Xitole, era abastecido diariamente pela Companhia mas mesmo assim era um verdadeiro inferno permanecer dois meses naquele lugar até serem substituídos por outro Grupo de Combate. Os seus sorrisos e a amabilidade demonstrada era compensada pela generosidade dos passantes que compreendiam o isolamento daqueles camaradas, e os mimavam com algumas grades de cervejas e outras necessidades evocadas em passagens anteriores.

A ponte era uma passagem estratégica no xadrez político, militar e logístico e muito se deve a todos os que permaneceram naquele lugar, contribuindo para o bem estar de todos os outros camaradas que permaneciam neste Teatro de Operações. Bem hajam pelo vosso sacrifício em prole de todos nós.

Lá seguimos mais 3 quilómetros até chegarmos ao Xitole onde fomos recebidos pelo Comandante da Companhia, um Capitão Miliciano e pela sua esposa que o acompanhou durante toda a comissão. Uma verdadeira Mulher de Armas que pelo seu exemplo arrastou para o Xitole várias outras mulheres, esposas de outros militares em comissão no local, e que deram um toque feminino aos refeitórios, messes de graduados e sala dos soldados com melhorias substanciais no rancho e outros paparicos para que todas contribuíram .

Fomos obsequiados com bebidas bem frescas, uns salgadinhos, boas palavras e boas maneiras para sedentar o corpo e a alma de todos nós.

Mais pequena ficou a coluna, mas o objectivo já estava bem perto, o Saltinho. Enquadrados pelas Chaimites e com segurança montada ao longo da picada lá chegamos ao Aquartelamento, comandado pelo Capitão miliciano de seu nome Lourenço.

O local era paradisíaco para fim de percurso e deleitei-me olhando a água revolta nos rápidos entre os rochedos, a ponte com seus arcos em betão, as piscinas naturais, a vegetação envolvente o marulhar das águas e o seu espelhado reflectindo o Sol que nos cobria de paz e sensação de bem estar e de repouso de guerreiro bem merecido.










Fotos - Saltinho: © Rui Vieira Coelho

Após uma boa refeição e alguns momentos de lazer lá tivemos o regresso, um verdadeiro filme ao contrário, todas as mesmas caras e sensações de pernas para o ar, a juntar ao medo de voltar à rotina dos dias agridoces porque todos nós passámos na Guiné.

As recordações surgem e as saudades de todos estes lugares e gentes também.

Rui Vieira Coelho
ex- Alf Mil Médico 025622/67
Guiné 1973
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Nota do editor

(*) Vd. poste anterior de 13 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12977: Os nossos médicos (76): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (9): O PAIGC no tempo do presidente Luís Cabral, perpetrou fuzilamentos sucessivos nos "Comandos Africanos"

Último poste da série de 22 de Abril de 2014 > Guiné 63/745 - P13019: Os nossos médicos (77): Capitão médico QP António Vieira Alves, estomatologista e subdiretor do HM 241, Bissau, 1967/69 (Paulo Alves / J. Pardete Ferreira)

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13731: História da CCAÇ 2679 (70): Em "O Jagudi" - Quanto vale a vida de um homem?" (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 9 de Outubro de 2014: 

Olá Carlos, bom dia!
Na senda da lenta revelação de episódios ocorridos no âmbito da comissão militar, tanto em estrito, como em largo senso, hoje envio-te uma referência a uma intervenção de um dinâmico parlamentar da antiga Assembleia Nacional, o Pedro Pinto Leite, que (em minha opinião) conjuntamente com o Miller Guerra eram os mais afoitos deputados da chamada Ala Liberal, onde o Sá Carneiro dava a nota "snob" do oposicionista com "pedigree" civilizado.
Por infortúnio do destino, o Pinto Leite faleceu na Guiné durante uma visita no âmbito das funções parlamentares.

A referência relaciona-se com o eco dado pelo Jagudi a uma reportagem sobre a discussão da Lei de Meios, hoje designada por Lei do Orçamento, ou simplesmente Orçamento.

Com um abraço amigo
JD

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HISTÓRIA DA CCAÇ 2679

"QUANTO VALE A VIDA DE UM HOMEM?"

Decorria a tarde sem incidentes que me fizessem levantar da cama, onde folheava um livro qualquer, quando, sem que a tempestade se fizesse anunciar, alguém me procurou para me apresentar ao capitão Trapinhos.
Ao passar a ombreira da porta do gabinete de SEx.ª, deparei com ele lívido e escanzelado que de costume, e num impulso de sobrevivência, atirou-me com a pergunta impertinente:
- Você quer foder-me, ou quê?

Posta assim a questão introdutória, a que reagi com um cauteloso silêncio, num gesto tenso de perturbação agarrou numa folha de papel que jazia na sua frente sobre a secretária, e deu-me a ordem clara para ler o conteúdo, esticando o braço com o papel na ponta dos dedinhos, enquanto me lançava um olhar vermelho de ódio incontido.
Tratava-se de uma mensagem-rádio proveniente de Bissau, que cito de memória:
- Encarrega-me S.Ex.ª o Com-Chefe de recomendar que, quando conveniente, os textos a inserir no Jagudi susceptíveis de interpretações deturpada, sejam previamente esclarecidos sobre o respectivo contexto.
Assinava o Brigadeiro Comandante-Militar.

Virei a folha para ganhar tempo e inspiração, pois no verso nada era acrescentado, fiz o gesto de lhe devolver a mensagem, que ele ignorou, enquanto parecia exigir o meu esclarecimento contextual.
Deixei cair o papel sobre a secretária, e com uma inusitada lata observei:
- Isto está a ser um sucesso!

O Trapinhos ficou tonto pela surpresa da resposta, e teorizei que o Sr. Com-Chefe, secundado pelo Sr. Comandante-Militar, não manifestava qualquer opinião condenatória, antes parecia só faltar mais clareza a dar estímulo para prosseguir.

Atónito, o capitão nada disse de relevante, mas advertiu-me, que se levasse uma porrada que lhe estragasse a carreira, haveria de vingar-se convenientemente.
Coitado, ainda não estava feliz. Para melhor compreensão da origem perturbadora da vida suave do comandante da Companhia, anexo o documento publicado.


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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13570: História da CCAÇ 2679 (69): O número 2 de "O Jagudi" (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

Guiné 63/74 - P13730: Blogues da nossa blogosfera (68): Quando dois desconhecidos se apaixonam (1): Início - Blogue Molianos, viajando no tempo (António Eduardo Ferreira)

1. Transcrição de uma publicação do Blogue Molianos, viajando no tempo, do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74).

Quando dois desconhecidos se apaixonam, é uma história de amor, onde a ficção e a realidade se misturam, terá acontecido na década de sessenta do século passado, entre uma jovem da Nazaré e um rapaz de Almeirim. Começa hoje a ser publicada neste blogue, na categoria Tempos Cruzados, terá continuidade nas semanas seguintes.
Como gosto de dizer, escrevo para estar entretido… a quem tiver paciência para ler o que vou escrevendo, os meus agradecimentos.

António Eduardo Ferreira



QUANDO DOIS DESCONHECIDOS SE APAIXONAM

1 - Início

Na década de trinta do século passado, chegada a primeira semana de setembro, ia o António da Palha e a esposa Guilhermina com os três filhos a caminho da Nazaré, a banhos, como sempre faziam. Por essa altura ficavam por lá apenas uma semana, o tempo foi passando os filhos atingiram a idade adulta casaram e os pais passaram a ficar duas semanas.

O primeiro a casar foi o João, depois o Jorge e, por último a Maria do Carmo. Se os rapazes ficaram na terra, a Carminho casou com um rapaz do Pombalinho e foi morar para Santarém, a cerca de oito quilómetros da pequena quinta dos pais que ficava próximo de Almeirim. Distância considerável atendendo à falta de transportes, ainda que minimizada graças à égua e à velha carroça do pai, um dos maiores negociantes de gado bovino da região.

Não tardou muito tempo para que o António da Palha e a Guilhermina tivessem sete netos, se o António era uma pessoa alegre e feliz, em quase todos que o conheciam tinha amigos, essa felicidade aumentava sempre que nascia mais um neto, ao todo foram nove.

Sempre que chegava o mês de setembro, agora na companhia dos netos mais crescidos, lá iam eles a banhos para a praia da Nazaré, viagem que era feita na empresa de transportes Ribatejana, uma das que fazia carreira para aquela praia, ao saírem da camioneta um dos primeiros que aparecia a oferecer os seus préstimos era o moço de fretes, que a troco de uns escudos se prontificava a transportar toda a bagagem que levavam, que era sempre muita: o saco com batatas, feijões e alguns melões entre outras coisas indispensáveis para os dias em que iam estar na praia.

Mas antes de acertar o transporte com o moço era necessário alugar casa, a oferta era muita, as mulheres da Nazaré estavam sempre com atenção a quem chegava para oferecer a sua casa. Quando a mesma não era do agrado de quem acabava de chegar, elas não raramente informavam outras na mesma rua ou nas imediações.

Para o avô nem sempre era tarefa fácil, tinha que ser no rés-do-chão, ele não gostava de subir escadas, e tinha de ter casa de banho. Havia muitas que tinham apenas uma pia de despejo, como as nazarenas lhe chamavam, e o avô não queria casas assim. Para além das condições da habitação havia que ter em conta o preço da renda, ou não fosse o avô homem habituado ao negócio.

Alugada a casa era altura de entrar em ação o moço de fretes, que nem sempre conseguia levar toda a bagagem, mas o avô, a avó e a pequenada todos ajudavam. Havia anos em que o sítio onde iam morar durante o tempo em que estavam a banhos era o mesmo de anos anteriores, o que era sempre do agrado da dona da casa.

Quando chegava o fim da estadia, quase sempre sobravam algumas coisas que tinham ido para ser consumidas, sobras que lhe eram oferecidas, o que dava muito jeito pois a seguir ao verão vinha o inverno, e a vida na Nazaré por essa altura não era fácil para a maioria das pessoas.

Depois de se terem instalado na nova casa havia que comer alguma coisa, a viagem tinha sido longa, acalmado o estômago o avô apressava-se a ir procurar alguns amigos que, como ele, era sempre naquela tempo que iam a banhos, alguns nem chegavam a pisar a areia… tinham lugar por essa altura as festas em honra de Nossa Senhora da Nazaré, no Sítio, a que eles nunca faltavam, se não os visse todos nesse dia, certamente no dia seguinte haveria de os encontrar, a notícia da sua chegada ia sendo divulgada por aqueles com quem já tinha estado à conversa. Passado pouco tempo todos sabiam que ele estava por ali…

Havia alguns locais que fazia questão de visitar no dia da chegada, eram as tabernas onde ele e os amigos passavam grande parte do tempo: a casa da Parreirinha, o José da Reboicha, e o António dos passarinhos, se não fosse naquele dia, em breve na companhia dos amigos haveriam de ir à taberna do António Arnaldo tinha sempre vinho daquele que eles gostavam, do bom!

No dia seguinte havia que ir à praça, ritual para cumprir todos os dias que estivessem na praia, as compras estavam a cargo da avó Guilhermina, só a compra de carne é que era feita pelo avô, alguns dos talhantes eram seus conhecidos. A ida à praça servia também para que a rapaziada conhecida se encontrasse e, muitas vezes, combinar onde naquela tarde iam comer uns carapaus secos, assados no fogareiro a carvão e beber uns copos, normalmente onde o vinho fosse melhor. As mulheres e a pequenada passavam a tarde na praia.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13458: Blogues da nossa blogosfera (67): Jovens da Aldeia de Molianos na Guerra da Guiné, no Blogue Molianos, viajando no tempo (António Eduardo Ferreira)

Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (89): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)


Guiné > Região do Oio >  Jumbembem > CART 730 e CCAÇ 1565 (1966/68) >  Em primeiro plano, de costas, e quico na mão, o 1.º cabo operador cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre, que foi, com o Artur Conceição, sold trms, uma das primeiras testemunhas das circunstâncias trágicas em que morreu o cap mil inf Rui Anónio Nuno Romero, comandante da CCAÇ 1565, de 32 anos, casado, pai de 2 filhas (a Isabel, com 7; a Ana, com 1), natural de Portalegre, residente em Lisboa, filho de pai militar,  desenhador de construção civil a frequentar o curso de arquitetura quando foi chamado para o curso de capitães.

O Artur Conceição estava a 2 metros do local da tragédia. Embora já cadáver, o corpo do malogrado oficial foi levado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau (presume-se), e o funeral realizou-se um mês e tal depois em Lisboa, no cemitério do Alto de São João. A enfermeira na foto parece ser a Rosa Exposto, do curso de 1964, segundo apurámos junto do nosso camarada Miguel Pessoa e das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas Giselda Pessoa e Maria Arminda.

A CCAÇ 1565 foi mobilizada pelo RI 1, partiu para o TO da Guiné em 20/4/1966, e regressou a 22/1/1968. Esteve em Bissau, Jumbembem, Canjambari e Bissau. Comandantes, além do cap mil inf Rui António Nuno Romero:  cap inf  José Lopes e cap mil inf José Alberto de Sá Barros e Silva, que vive atualmente em Lisboa.

Por sua vez, a CART 730 / BART 733, foi mobilizada pelo RAL 1, partiu para o TO da Guiné em 8/10/1964, e regressou a 14/8/1966.  Pasou por Bironque, Biossorã, Jumbembem e Farim, Foi seu comandante o cap art  Amaro Rodrigues Garcia. O BART 733 esteve em Bissau e Farim.

Foto: © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Mensagem da nossa leitora Ana Paula T. Romero, com data de 8 do corrente:

Olá! Peço desculpa por estar a incomodar, mas talvez me possa fornecer algumas respostas que ainda não encontrei.

O meu nome é Ana Paula Teixeira Romero Serranito, tenho 49 anos e sou a filha mais nova do Capitão Rui António Nuno Romero, falecido na Guiné (Farim), a 10/07/1966.

Na altura eu tinha 1 ano, 5 meses e 9 dias, a minha irmã mais velha, Isabel, tinha acabado de fazer 7 anos (a 04/07) e a nossa mãe,Rosária, tinha 31 anos.

Acabei de ler a informação sobre a morte do meu pai (*)  e a curiosidade voltou.

A minha mãe felizmente ainda se encontra viva, mantem-se viúva, a minha irmã também se encontra viva, divorciada, com uma filha (35 anos) e com um neto (9 anos), e eu, casada e com uma filha de 19 anos. Os avós paternos já faleceram (avó em 1989 e avô em 2005), mas o avô, que também era militar (Sargento Ajudante), nunca comentou a morte do meu pai.

A minha mãe, pela tristeza ou pela minha tenra idade na altura do acontecido, também nunca comentou e eu confesso que cresci sempre a pensar o que tinha sucedido ao meu pai, mas também evitei perguntar pormenores à minha mãe, pois não queria colocar “o dedo na ferida”.

Se me puder dar alguns detalhes, contatos de colegas que tenham sido próximos do meu pai, agradeço.

Deixo os meus contatos [...]

Até breve e obrigada por ter criado o blog. (**)


2. Novo mail enviado no dia seguinte, 9 do corrente:

Caros Camaradas Luís Graça, Carlos Vinhal e Eduardo Ribeiro,

Peço desculpa por vos incomodar com este assunto, por tomar a liberdade de vos tratar, com todo o respeito, por Camaradas, mas gostaria de pedir a vossa ajuda.

Tal como informei ontem no mail que enviei ao Camarada Luis Graçam o meu nome é Ana Paula, e sou a filha mais nova do capitão miliciano Rui Romero, falecido na Guiné, a 10/07/1966.

Depois de ter enviado ontem o email, estive a ler com mais atenção o texto escrito pelo Artur Conceição (Era domingo, dia 10 de Julho de 1966, um dia como tantos outros por Artur Conceição)(*)  em que o Artur menciona; “…A distribuição do correio ocorria na parada quando, subitamente, se ouviu um disparo. Eu estava de serviço no posto de rádio e, a dois metros do local do disparo, que havia acontecido no gabinete mesmo ao lado” e pelo seu [, de Luís Graça,]comentário, que transcrevo abaixo, e confesso que fiquei confusa…chocada, pois nunca tive consciência que o meu pai pudesse ter cometido suicídio.

(...) “Foste corajoso ao trazer, até nós, este trágico episódio da morte do capitão Romero... Mas sejamos francos, vamos chamar as coisas pelos seus nomes: o Cap Mil Romero cometeu suicídio, em plena parada, na hora da distribuição do correio... É isso que eu leio nas entrelinhas... Por pudor, por razões culturais, para poupar a família e os amigos, nunca falamos de sucídio... A p+alavra é tabu. Por outro lado, como se o suicídio fosse desonroso, hipocriticamente o exército atribuiu a morte do Cap Mil Romero a um acidente com arma de fogo... O exército (colonial) nunca quis assumir que alguns de nós, militares, milicianos, do quadro ou do contingente geral, puseram (ou tentaram pôr) termo à vida, ou se automutilaram, por que a guerra, aquela guerra, os perturbou intensamente... Sabemos que em muitos casos houve erros de 'casting': os oficiais milicianos ou do QP eram mal seleccionados, mail treinados e formados, não estavam preparados para comandar homens no TO da Guiné... Para muitos foi uma aprendizagem dolorosa. Por outro lado, o exército não tinha especialistas para dar apoio a militares em sofrimento psíquico" (...) (*)

Afinal ocorreu na parada ou no gabinete ao lado? Foi mesmo suicídio?

Gostava tanto de saber um pouco mais daquilo que nada sei…

Um grande bem haja a todos,
Ana Romero

3.  No dia 10, o Artur Conceição, contactado por mim,  mandou-me a seguinte mensagem e texto anexo:

[, foto á esquerda, o Artur Conceição, ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém, 1964/66; por lapso, o nome deste camarada aparece sistematicamente no nosso blogue como sendo de 1965/67,,,]

 Meu caro  caro Luís Graça

(...) Escrevi mais um pequeno texto que junto em anexo, que penso possa clarificar alguns pontos, e que se achares por bem poderás enviar à Ana Paula. Podes também corrigir algo que esteja menos explicito se assim o entenderes, bem como eliminar aspectos que aches que não são relevantes .

O Capitão Rui Romero não estava na parada mas sim nos aposentos que lhe estavam reservados, e estava sozinho. Quem estava na parada eram apenas os Cabos e os Soldados. A correspondência de Oficiais e Sargentos era retirada e entregue antes da distribuição geral.

Estou ao inteiro dispor para mais esclarecimentos.

Um grande abraço
Artur António da Conceição
Damaia / Amadora



Guiné > Região do Oio > Farim > Jumbembem > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74) > 1974 >  Parada do quartel e chegada de um helicóptero com o correio.

Foto: © Fernando Araújo  (2010). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


MEMÓRIA, por Artur Conceição

Para quem conhece o local dos acontecimentos [, Jembembem,] entende mais facilmente o que em tempos [escrevi] (*). Para quem não conhece torna-se um pouco mais difícil, pelo que assim sendo importa fazer mais alguns esclarecimentos.

Quando se sai da estrada que vai para Cuntima para se entrar no destacamento de Jumbembem,   depara-se um espaço a que vulgarmente se chamava de parada.

Ao fundo desse espaço existia uma casa com apenas rés do chão, que tinha uma pequena escada de madeira que dava acesso a uma varanda que dava entrada do lado direito para a secretaria e para o lado esquerdo ao posto de enfermagem.

Do lado oposto e por detrás do posto de enfermagem ficava o espaço reservado aos aposentos do Comandante da Companhia, servia de escritório, gabinete e quarto de dormir. Mesmo ao lado e por detrás da secretaria ficava o posto de rádio.

As praças da CCAC 1565 [, a que o cap mil inf Rui Romero pertencia,] estavam a receber o seu correio, que estava a ser distribuído de um dos degraus da escada que já foi referida.

O espaço reservado para dormitório do Comandante da CART 730 estava a ser partilhado com o Senhor Capitão Rui Romero que dormia com a cabeceira para o lado do posto de rádio, enquanto o Comandante da CART 730 dormia com a cabeceira para o lado contrário.

O senhor Capitão Rui Romero estaria sentado na sua cama a ler a sua correspondência, quando ocorreu a triste tentação.

Ao ouvir um disparo ali tão perto, acorri de imediato à porta, (ou melhor dizendo, ao espaço para entrada naquela área, porque porta propriamente dita não existia), deparei com o senhor Capitão Rui Romero caído no chão,   com algumas fotos de duas meninas bastante jovens, espalhadas em seu redor e algumas cartas em cima da cama. A arma também estava no chão.

Naquele espaço não havia mais ninguém, atendendo a que se estava próximo da hora de almoço.

Nesta foto [, vd. acima,] pode ver-se em primeiro plano com o quico na mão direita o 1º Cabo Operador Cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre,  e que como pode ver-se também assistiu a uma parte do acontecimento.

[Artur Conceição, Damaia, Amadora, 10/10/2014]

4.  No mesmo dia deu conhecimento À Ana Romero deste último texto do Artur Conceição:

 Ana: Aqui ten os contactos do Artur Conceição e um pequeno texto com uma versão mais recente sobre as circunstãncias da morte do seu pai... No meu comentário [ao poste P2335, de 8/12/2007] (*), por lapso meu, fiz referência despropositada à "parada"... Não, tudo se passou à hora da distribuição do correio, e no seu quarto e gabinete... A Ana pode tentar juntar as pontas e perguntar: porquê ?... Quando se tem acesso (fácil) a armas, há mais risco de ocorrerem tragédias destas... Oficialmente, foi um acidente com arma de fogo...

Disponha sempre. Mandei-lhe esta manhã um outro mail, do meu endereço profissional.
Bom fim de semana.
Luís Graça

5. Mail enviado por L.G., na manhã de 10 do corrente, à Ana Romero [, foto à esquerda, da sua página do Facebook]:

Querida: Lamento muito que só agora saiba das circunstâncias trágicas em que morreu o pai. Mas o nosso blogue tem esse dever (doloroso) também de falar dos nossos queridos camaradas mortos, em combate, por doença, acidente ou outros motivos. Nalguns casos, temos ajudado as famílias a fazer o lutto (até agora patológico). O exército (e o Estado) tratou mal estes bravos que deram tudo pela Pátria.

Posso pô-la em conctacto com o Artur Conceição, soldado de transmissões que estava a 2 metros do gabinete onde tudo ocorreu... Ele vive aqui perto na Amadora. Mas a Ana pode primeiro falar comigo. Tem aqui o meu telemóvel (...). Ou se preferir,  eu ligo-lhe, se me mandar o seu nº de telemóvel.

Eu não conheci o seu pai. Sou mais novo na Guiné (1969/71). Mas sou o fundador deste blogue coletivo (que vai a caminho dos 700 membros e dos 7 milhões de visualizações). Como costumamos dizer, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. Convido-a inclusive a integrar a nossa Tabanca Grande (comunidade virtual, à volta do blogue, que tem mais de 10 anos), honrando desse modo a memória do seu pai.

Se quiser. mande-nos uma foto dele e outra sua. E escreva-nos duas linhas. Ou autorize-nos a publicar a sua mensagem anterior, ou parte dela. Sente-se à sombra retemperadora e fraterna do nosso mágico poillão, a árvore sagrada da Guiné. Somos uma espécie em vias de extinção, mas partilhamos memórias e afetos.

Um beijo com ternura.
Luís Graça

6. Feedback imediato da Ana Romero:

Olá, Luís!

Foi com enorme alegria que recebi o seu mail, bem como aquele que encaminhou para o Artur.

Já enviei o pedido de amizade para a Tabanca Grande Luís Graça [, página do Facebook,] e também aderi ao blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.

É claro que autorizo a publicação da minha mensagem.

Esta noite vou arranjar a foto do pai e enviá-la-ei, juntamente com uma minha.

Muito obrigada pelo seu feedback.

Bjo. Ana [telemóvel...]

Guiné 63/74 - P13728: (Ex)citações (238): Água da Bolanha... quem a não bebeu ?! (Mário Pinto, ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)

1. Mensagem do Mário Pinto [ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71]

Data: 12 de Outubro de 2014 às 15:46

Assunto: Água da Bolanha quem a não bebeu (*)

Caro Luís Graça

O tema "água da bolanha quem a não bebeu?"  remete para  mais um dos sacrifícios que nós, os ex-combatentes, estávamos sujeitos nas nossas muitas missões pelas matas e bolanhas da Guiné.

No meu sector não era a falta de água que nos afligia, pois existia muita e felizmente em quantidade. o problema é que a maioria dos poços existentes a sul de Mampatá estavam todos minados ou inquinados pelo PAIGC o que limitava o nosso abastecimento quando das nossas deslocações. Era preciso uma atenção redobrada e uma picagem maciça do terreno quando era necessário o seu abastecimento nas nossas missões a sul de Mampatá e não nos podemos esquecer dos famosos comprimidos que nos eram distribuídos para colocar na água inquinada das bolanhas e poços.

Tivemos alguns dissabores na procura do precioso líquido, lembro-me de uma vez o 1.º Cabo Enf Alves que seguia no 4.º Grupo de Combate e que regressava do corredor de Missirã, depois de lá ter permanecido 24 horas ter caído numa mina A/P na nascente de Iroel, já perto de Mampatá, quando procurava abastecer-se devido à sede que apertava.

Eram muitos os perigos que assolavam as NT à procura de saciar a sede, porque dois cantis de água que levávamos à cintura para 24 horas era muito pouco para quem com o calor tórrido da Guiné se desidratava a cada minuto que caminhava sob aquela temperatura de 45º e de uma hostilidade sem piedade para quem não estava habituado àquela intempérie. Nem a rudeza da maioria dos nossos soldados, oriundos do Alentejo e habituados ao sol e ás temperaturas elevadas da sua terra em pleno verão, aguentavam tamanha contrariedade que era a sede.

No mato que eu me lembre fomos sempre deficitários quanto a água excepto no período das chuvas, aí sim havia com fartura ás vezes até em demasia. Existia outra situação que não ajudava nada a nossa necessidade de matar a sede era a ração de combate que nos distribuíam quando saíamos, derivado à sua constituição à base de salgados e doces, o que não admirava a maioria optar por a deixar no aquartelamento e não se alimentar durante a saída.

Uns mais outros nem tanto, mas o certo é que nós todos tivemos a nossa cota parte nas águas das bolanhas.

Um abraço
Mário Pinto (**)
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 12 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

Guiné 63/74 - P13727: Notas de leitura (641): “Para um conhecimento do teatro africano”, por Carlos Vaz, Ulmeiro, 1978 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2014:

Queridos amigos,
Trata-se de um livro que não fez história mas que tem mérito de ajuntar os dados sobre as manifestações teatrais na Guiné, antes da independência, fazendo uma leitura de que o teatro africano é um compósito de instrumentos musicais, dança, representação e narrativa.
Escrito por Carlos Vaz aos 24 anos, é um manifesto de pendor revolucionário, tem a candura de fazer propostas de impossível execução como a criação Teatro Nacional Popular da Guiné-Bissau, uma ferramenta básica para a cultura guineense e para a didática revolucionária.
Para que conste, pois é matéria que merece registo.

Um abraço do
Mário


O teatro na Guiné-Bissau: Antes e depois da independência

Beja Santos

“Para um conhecimento do teatro africano”, por Carlos Vaz, Ulmeiro, 1978, é um título de apresentação das manifestações teatrais sobretudo na chamada África Ocidental, debruçando-se, à guisa de proposta, para a organização de um Teatro Nacional Popular da Guiné-Bissau. O autor é Carlos Vaz que viveu até aos 16 anos em Bissau, veio para Portugal e foi bolseiro da fundação Gulbenkian. Fez o Curso de Formação de Actores na Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional de Lisboa. Frequentou ainda cursos de cinema e de interpretação dramática das canções de Brecht. Remete-se os interessados para os elementos constantes no Google onde Carlos Vaz é referido como ator, argumentista, realizador e produtor.

Trata-se de um livro da juventude, carregado de jargão revolucionário, cheio de propostas generosas para a profissionalização na área teatral na jovem Guiné-Bissau. Em traços grossos, recorda-nos que as primeiras manifestações de caráter teatral em África têm a sua origem no animismo e na magia, e numa estreita associação com ritos, cerimónias e cultos. Não surpreende que a expressão teatral envolva a dança, a narrativa oral e a música instrumentada. Não esquecer também que os artistas tradicionais, os djidius, e os narradores-atores ou griots, são cantadores de histórias, autênticos menestréis, daí ser possível a música (de corda ou percussão), o bailado e narrativa gerarem uma atmosfera canalizada para a criação artística de pendor teatral.

Carlos Vaz resume o teatro da época colonial francesa e centra-se depois na Guiné. Observa que em meados de 1930 se instalou o teatro à maneira italiana sob a direção de Henrique de Oliveira (este teatro teve lugar em Bissau no barracão da Casa Gouveia). Mais tarde, veio a aparecer outro grupo sob o impulso de António José Flamengo, subgerente da Casa Guedes, e que trabalhara já em Portugal como ator na área da revista. Era um teatro ao agrado da elite urbana, como se pode ver da canção utilizada na revista “Chega-lhes qu’inda mexem!...”

E a Guiné progride, 
Torna-se mimosa, 
É entre as colónias, 
Um botão de rosa.

Pequenina e fértil, 
Linda sem igual, 
É título de orgulho 
Para Portugal.

Os temas dos espetáculos eram extraídos do quotidiano: crítica social dos que iam buscar mercadorias aos comerciantes e ficavam a dever, sátiras alusivas à falta de arroz, do “flit” (produto para combater os mosquitos), à falta das careiras aéreas, etc. O autor refere mesmo denúncias a missões de estudos que não cumpriam as tarefas que lhe eram confiadas, limitando-se apenas a gastar o dinheiro da Guiné portuguesa. O ator encenador Flamengo classificou este teatro de “revista africana de fantasia e crítica social”. Para além do teatro-revista houve ainda a realização de teatro infantil com temas baseados nos contos tradicionais da Guiné. Havia igualmente saraus de arte, representação de comédias como D. Ramon de Capichuela, de Júlio Dantas. Eram representações no museu da Guiné que depois transitaram para o salão de festas do Sport Lisboa e Bissau. Há ainda uma referência a um grupo de teatro de Bolama que ganhou notoriedade entre 1959 a 1961, tinha a direção de Porfírio Costa, mais conhecido por Alansó. Faz-se igualmente menção ao bailado dos Bijagós, apresentado em terreiros em que os bailarinos ao som dos tambores se apresentam caraterizados com as faces pintalgadas de alvaiade e de zarcão, vestidos com saiotes de ráfia, ostentando na cabeça caraças de boi ou capacetes multicolores.


Carlos Vaz descreve o magnífico teatro de S. Tomé que os seus textos de autores clássicos como o “Auto da Floripes” e a “Tragédia do Marquês de Mântua e o Imperador Carloto Mangano”, notabilizados pelo reputadíssimo “Tchilôni”. Depois de uma breve incursão pelo teatro angolano, dá-nos uma visão sumária do teatro contemporâneo nos países africanos de língua francesa. Por fim, com algum detalhe, esmiuça a sua proposta para um teatro didático africano ao serviço da revolução. Contraia a noção de que o teatro popular seja vulgar enquanto o teatro puro é sempre elitista, justificando que cabe aos artistas restaurar a verdadeira personalidade africana numa perspetiva revolucionária. Sugere o seguinte: organizar os grupos dispersos, ainda sem técnica do teatro moderno, mas com técnica tradicional herdada dos antepassados, num grupo devidamente especializada em técnica de teatro, que permita aproveitar as formas tradicionais desenvolvendo-as de uma forma nova e científica. Para Carlos Vaz, este teatro revolucionário seria um instrumento poderoso para as massas populares, uma frente de combate contra o obscurantismo. Haveria assim uma oficina de teatro orientado para a cultural popular, aglutinando todas as artes, seria imperioso condicionar o funcionamento do Teatro Nacional Popular a Centro Cultural da Guiné-Bissau. Graças a esta interligação, o ator estaria apto a fazer a escolha do seu estilo e dos objetivos que pretende atingir através do teatro. Apresenta mesmo um organograma pormenorizado para um teatro popular da Guiné-Bissau, com centro cultural de investigação e pesquisa, programa pedagógico, listas de colóquios ou seminários, uma direção teatral comportando atividades artísticas e atividades administrativas. Espraia-se, repete-se obcessivamente, sob o que deve ser um estilo revolucionário e popular, sob o teatro de esclarecimento como embrião de ampla cultura patriótica, científica e de massas, e postula mesmo: “Todos os artistas da Guiné-Bissau devem ir ao seio das massas, ir à fonte única, riquíssima, a fim de observar, estudar e analisar todos os tipos de indivíduos, todas as classes de massas. Atualmente o nosso povo encontra-se a baixo nível cultural, em consequência dos longos anos de dominação colonialista e por isso exige-se que a frente cultural seja um instrumento que lhes satisfaça as necessidades urgentes”. Tem também curiosidade ler os documentos em apêndice, uma análise do texto de Aimé Césaire e a descrição de uma experiência de teatro africano em Lisboa com o grupo 12 de Setembro, grupo de atores cabo-verdianos, trata-se de uma dramaturgia à volta da história da fome de 1947 em Cabo Verde.

Este livro de Carlos Vaz deve ser obviamente encarado como um momento de entusiasmo de alguém com então 24 anos que apostava na criação de uma escola de teatro para desfrute didático das massas, isto quando a República da Guiné-Bissau balbuciar as primeiras letras.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13716: Notas de leitura (640): “Guiné, a cobardia ali não tinha lugar”, por José Silveira da Rosa, edição de autor, 2003 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13726: Parabéns a você (800): Mário Ferreira de Oliveira, 1.º Cabo Condutor de Máquinas Reformado, da Marinha (Guiné, 1961/63)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13720: Parabéns a você (799): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

domingo, 12 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13725: Convívios (635): XX Encontro do pessoal da CART 566 (Cabo Verde e Guiné, 1963/65), dia 18 de Outubro de 2014 em Vila Nova de Gaia (José Augusto Miranda Ribeiro)


XX CONVÍVIO DO PESSOAL DA CART 566

DIA 18 DE OUTUBRO DE 2014 EM VILA NOVA DE GAIA


1. Mensagem do nosso camarada José Augusto Ribeiro, ex-Fur Mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal,  Outubro de 1963 a Julho de 1964) e Guiné (Olossato, Julho de 1964 a Outubro de 1965), com data de hoje 12 de Outubro de 2014, dando conta do convívio da sua Unidade.


No dia 18 de Outubro de 2014 (sábado) a CART 566, vai mais uma vez, ter a oportunidade de se reunir para recordar os bons e maus momentos passados em Cabo Verde e na Guiné.

É o 20.º Encontro da Companhia para comemorar o 49.º aniversário do do seu regresso a Portugal.

O local, como ultimamente tem acontecido, é no Regimento de Artilharia 5 (EX-RAP2) em Vila Nova de Gaia.

PROGRAMA:
10:00 - Concentração dos ex-militares, familiares e amigos.
11:30 - Missa na capela da Unidade.
12:15 - Cerimónia aos mortos da Companhia.

13:00 - Início do almoço/convívio
NO RESTAURANTE BOUCINHA:
(EN 222 - Av. Vasco da Gama, 4430 Vila Nova de Gaia -
Telef. 918 047 508)


Preço do almoço para adultos - 26 €

As inscrições serão feitas pelo telefone do Sr. TCoronel Manuel Ferreira de Carvalho, 225 507 038 (das 18h às 24) e 917 783 820 (a qualquer hora).

Camaradas da Tabanca Grande, compareçam para conhecerem os sobreviventes da CAART 566, que continuam ainda "BRAVOS E SEMPRE LEAIS"

Um abraço do vosso camarada
José Augusto Miranda Ribeiro
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13704: Convívios (634): 22 ex-militares e 42 familiares da CART 1802 (Nova Sintra, 1987/69)... No passado dia 27, em Vila Velha de Rodão, terra natal do "nosso primeiro" Silvério Dias, o "poeta todos os dias", antigo locutor do PFA

Guiné 63/74 - P13724: Fotos à procura de... uma legenda (39): Cátia Félix e a sua amiga Cidália Ferreira, viúva do António Ferreira, 1º cabo trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo




Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial > Campa do nosso camarada António Ferreira, 1º Cabo Trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo.



Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial >  Ao centro, a Cidália Ferreira e, à sua direita, o António Batista, também natural da Maia (e que já teve, até 1974,  jazigo com o seu nome e data de falecimento). No lado direito, de perfil, a filha do António Ferreira que ele nunca chegou a conhecer.


Fotos:  Maria Luís Santiago / Paulo Santiago (2009). Todos os direitos reservados


1. Recorde-se que a Cátia é amiga da Cidália, viúva do nosso malogrado camarada António Ferreira, camarada do António Baptista (o "morto-vivo"). O Ferreira foi um dos 11 mortos (militares) da emboscada do Quirafo, em 17/4/1972,  e o Baptista o único sobrevivente, aprisionado pelo PAIGC e levado para Conacri. (Só regressou, a casa, na Maia, em setembro de 1974).

A Cidália é mãe da filha que que o António nunca chegou a conhecer. A Cátia ajudou a Cidália a fazer o luto... 40 anos depois! Uma história extraordinária de solidariedade humana e de amizade que, na altura,  nos comoveu a todos!

Na primeira foto de cima, em primeiro plano, a Cátia, e atrás a Cidália e alguns camaradas nossos: o Álvaro Bastos, o Zé Teixeira, o António Pimentel, o António Baptista - o "morto-vivo do Quirafo"-, o Paulo Santiago e outros (o António Barbosa, o Santos Oliveira).

Esta(s) foto(s) da Maria Luís, filha do Paulo, merece(m) uma melhor legenda. E a Cátia, que hoje faz anos e é farmacêutica, merece um miminho especial da Tabanca Grande.  (LG).

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de outubro de 2014 > Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

Guiné 63/74 - P13723: Memórias de Gabú (José Saúde) (42): Baga-bagas, castelos de liberdade e de defesa


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

As arquitetónicas fortalezas das formigas na Guiné

Baga-bagas, castelos de liberdade e de defesa

O tema não é original e já foi tratado aqui no nosso blogue por camaradas que, tal como eu, atreveram-se traze-lo à rama de um catálogo de conformidades onde proliferam histórias transversais e sempre encantadoras. Recentemente, ocorreu-me à memória os imponentes “castelos”, em “cimento armado”, que sobressaíam em zonas limítrofes aos brejos guineenses com os quais a rapaziada se deparava numa incursão ao mato: os baga-bagas.

Numa investida subtil à zoologia da Guiné-Bissau, recorro à originalidade do crioulo, idioma nativo que interligava as diversas estirpes genéticas que, não obstante os seus dialetos tribais, compõem as etnias guineenses, sendo que os baga-bagas são esplêndidas construções feitas pelas formigas cuja “raça” específica não me atrevo a pronunciar.

Havia quem dissesse que se tratava de formigas brancas, outros aplicavam-lhe o nome de formigas baga-baga, enfim, zeloso da minha ignorância numa matéria zootécnica que considero específica, não ouso atrever-me a lançar a “graça” sobre os referidos bicharocos.

Todos nós, antigos combatentes na Guiné, conhecemos as virtualidades desses retumbantes “monumentos” que nem uma rajada de arma ligeira, ou pesada, ou uma eficaz granada de bazuca, tentavam destruir. A sua construção, bem como o conteúdo de toda a sua estruturação, era simplesmente soberba.

Comentava-se, na época da guerrilha, que os baga-bagas eram eloquentes amparos aquando os confrontos com o IN no terreno. Falava-se nos quartéis, fluentemente, que houve camaradas que, refugiados atrás de um baga-baga, terão evitado o pior para o seu estado físico. Aquele muro inquebrável era um estilo dos velhos castelos que permanecem, ainda hoje, intocáveis pelas agruras do tempo.

Felizmente, jamais me vi confrontado com tal necessidade, restava porém as trocas de impressões tidas no mato com camaradas que, obviamente, viam naquele fabuloso “monumento” um hino à força da mãe Natureza.

Como e porquê aqueles pequenos seres vivos se envolvem em tamanhos trabalhos? Ficava a interrogação. A seguir vinha a incerteza que envolvia o trabalho familiar que levava aquele exército guerreiro, compactado em secções, pelotões, companhias e batalhões, a envolverem-se em fainas intensas donde resultavam arquitetónicas fortalezas. 

Admitindo que a saliva daquele grupo de formigas é uma espécie de supercola “três” orientado para diversos fins, seguiam-se outras dúvidas: a inquebrável textura que compunha o contexto geral da obra e a sua efetiva planta.

Este tema, que considero interessante, surge constantemente à flor das minhas paixões absorvidas na guerra da Guiné. Lembro-me, perfeitamente, da azáfama permanente daqueles pequenos bicharocos. O seu constante vai e vem era motivo interessante para se consumirem mais uns minutos ao tempo de comissão.

Na minha aprendizagem sobre diversas temáticas em tempo de guerra, a figura, não de estilo mas real, é a constatação de diversos baga-bagas que conheci na região de Gabu. A sua arquitetura e simultaneamente a minuciosidade impostas por aquele tipo de formigas, conduziam-me, melhor, conduziam-nos a pressupostas interrogações sobre a vida animal naquele cantão de terra africano.

África, no seu melhor, é tão-só uma porção de território onde a imprevisibilidade do momento corteja um forasteiro cioso de conhecimentos que a história vagarosamente nos contempla.

A guerra na Guiné expôs-se, também, a atribuir-nos dados novos nos nossos estéreis conhecimentos acerca de uma guerrilha que não dava tréguas, sendo os baga-bagas – castelos de liberdade e de defesa - exemplos acabados da nossa estadia em território guineense.

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

Guiné 63/734 - P13722: Fotos à procura de... uma legenda (38): Estrada Nova Lamego-Bafatá, maio de 1970: Fomos à água... Água das Pedras ou da Bolanha ? (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Guiné > Zona leste > Estrada Nova Lamego- Bafatá > Maio de 1970 > CART 11 (1969/70) > 'Fomos à àgua: água das Pedras ou água da Bolanha'?


Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Texto e foto enviados hoje pelo Valdemar 
Valdemar Queiroz
Queiroz [ou Valdemar Silva][, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]:


Ora viva, caro Luís Graça.


Esta fotografia foi tirada, em Maio  de 1970, no percurso de Nova Lamego/Bafatá, numa coluna civil, com a segurança do 4º. Pelotão da CART 11, na paragem para 'arrefecimento' junto dum poço de água fresca (??!!).

O poço era de 'água da bolanha' (seca).: água fresca, barrenta, como se fosse água leitosa, sem bicharada, com abelhas a sobrevoarem, com os nossos soldados a dizer 'podi beber' e nós 'quero lá saber',  vai de bebermos uma água refrescante a caminho de Bafatá.

Lembro-me de, nos anos 62/63/64, ir acampar para Troia. Campismo selvagem, campismo de liberdade.(A PIDE andava por lá). Lembro-me de haver poços escavados no chão para tirarmos água, água leitosa, água sem bicharada, água com abelhas a sobrevoarem, mas água fresca e para beber.
Quem me dera estar acampado, em Troia, e a ouvir os Beatles nuns bailaricos de fim de semana. Quem me dera.

Nesta fotografia, 'Fomos á água', mais parece uma representação teatral, mas não é:

(i)   o ex-Fur Mil Macias,  o primeiro da esquerda,  com a arma à caçador, está admirado; ele, exímio caçador, alentejano, da Aldeia Nova de S. Bento [, concelho de Serpa,], não podia ter outra postura.

(ii) a seguir o ex-1º Cabo Silva também está espantado;

(iii)  e a seguir estou EU, quero lá saber 'com mais um copo' ;

(iv) depois o Fur Mil Arm Pes Canatário, de Alpalhão [, concelho de Nisa], de tronco nu, também a interrogar que água é esta;

(v) atrás está o Demba Jau, o nosso homem da Bazuca, do nosso Pelotão [, o 4º];

(vi) depois um militar que ia, de certeza a caminha da 'peluda';

(vii) mais atrás, à esquerda um condutor civil duma viatura empanada,  a precisar de água para o radiador .
E, então, do poço ninguém fala ? Este era um grande poço, antigo, para abastecer por quem lá passava.

Guiné 63/74 - P13721: Agenda cultural (340): Tributo ao pintor lourinhanense Estêvão Soares (1914-1992): uma belíssima homenanagem dos seus filhos e da terra que o viu nascer, há 100 anos... Um notável aguarelista, um apaixonado por África, suas paisagens, suas gentes


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira > "Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 14. Angola, Luganbo, aguarela, 1956


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 16. Moçambique, aguarela, 1959



Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 18. República Democrática do Congo, Jadotville (atual Likasi), aguarela, 1957


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 19. Rodésia, Salisbúria (atual, Zimbabué, Harare), aguarela, 1957


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 16. Moçambique, aguarela, 1959


Lourinhã > Centro Cultural  Dr. Afonso Rodrigues Pereira >"Tributo ao pintor Estêvão Soares" > 5-31 outubro 2014 > 17. África do Sul, aguarela, s/d

Uma belíssima e terna homenagem dos seus filhos Pedro,  Andrea e Lígia Soares
e do município onde nasceu, há 100.  No catálogo os filhos escreveram:
"Para nós, os filhos, só podemos agradecer o privilégio que é herdar este legado
e a alegria de o poder partilhar com vocês".
Fotos de Luís Graça (2014).  Cortesia dos filhos do pintor, Pedro, Andrea e Lígia Soares


1. Está a decorrer, até ao fim deste mês, na Lourinhã, na sua terra natal, a exposição do pintor Estêvão Soares (Marteleira, Lourinhã, 1914-Lisboa, 1992), comemorativa dos 100 anos do seu nascimento.


A exposição, na Lourinhã, tem 2 núcleos: (i) Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, com uma amostra de aguarelas e óleos (mais de meia centena de quadros, na posse dos filhos, Lígia, Andresa e Pedro Soares); e (ii) Biblioteca Municipal, com um acervo maios pessoal, mostrando a relação do pintor com a sua arte, o "making of" da sua obra, e o seu percurso por diferentes circuitos artísticos.

Agradecemos aos filhos a autorização para fotografar e divulgra, no nosso blogue, alguns dos quadros de temática africana.

2. O pintor tem uma entrada na Wikipédia, de que recolhemos os seguintes elementos, completados com a brochura editada, para o efeito, pela Câmara Municipal da Lourinhã

(i)  Estêvão Soares nasceu na Marteleira, Lourinhã, em 1914, e morreu em Lisboa, em 1992, aos 77 anos;

(ii) " A sua obra, tanto a óleo quanto a aguarela, constrói-se sobre alicerces figurativos e tem sido diversas vezes enquadrada na corrente naturalista. A extensa produção do artista ao longo de cinco décadas, principalmente em Portugal e nas ex-colónias de África, espelha as transformações por que passou o território continental e ultramarino durante a segunda metade do século XX";

(iii) Foi residir para Lisboa, ainda na infância; faz uma aprendizam, como autodidata, de desenho e pintura; trrabalha nas áreas da publicidade e decoração;

(iv) A partir dos 30 anos de idade, começa a desenvolver uma carreira de pintor; participa no "Salão dos Excluídos" (1944), acima chamado por integrar os artistas que haviam sido excluídos da pré-selecção para o “1° Salão de Arte Moderna" do Secretariado da Propaganda Nacional (mais tarde, SNI);

(v) Realiza a primeira exposição individual de pintura, em 1945, no átrio do Diário de Notícias;

(vi) Torna-se a partir de então presença regular nos “Salões de Inverno” da Sociedade Nacional de Belas-Artes (de que passa a ser sócio) e nos próprios “Salões de Arte Moderna” do SNI;

(vii) Nos dez anos seguintes, sucedem-se as exposições individuais e colectivas, "pondo em evidência uma obra de cariz essencialmente naturalista que retrata, com preciosos elementos de valor etnográfico, aspectos de um país onde a ruralidade era a norma e o próprio meio urbano resistia ao progresso e à industrialização";

(viii) Em 1955 faz um périplo por África, e nomeadamente pela África Austral, incluindo Angola, Moçambique, regressando só em 1961, à metrópole; é deste período que reproduzimos algumas aguarelas, com a devida a autorização do filho Pedro Soares);

(ix) Depois de uma exposição antológicaq de 101 aguarelas e óleos no Palácio do Comércio de Luanda, em 1955, "viaja, pinta e expõe em diversos territórios ultramarinos, tanto portugueses (Angola, Moçambique) quanto de outras potências coloniais europeias (Congo Belga, África Equatorial Francesa, Rodésia do Sul e Niassalândia), passando ainda pela República da África do Sul" (...);

(x) Nesta longa viagem por África, "retrata as cidades e as grandes obras públicas surgidas na última década, mas sobretudo as paisagens naturais e os povos que encontrava nas suas viagens fora dos centros urbanos, muitas vezes a regiões pouco frequentadas pelos colonos. Durante esses anos, reune um grande acervo de trabalhos que dão um valioso retrato das colónias portuguesas nos anos que precederam o eclodir das guerras de libertação" (,,,)

(xi) De regresso a Lisboa, em 1961, frequenta as tertúlias do café A Brasileira do Chiado,  relacionando-se com várias figuras do mundo artístico e intelectual da época (Abel Manta, Almada Negreiros, Arthur Duarte, e outros);

(xii) É um cidadão e um artista que acolhe com entusiasmo e esperança o 25 de abril de 194; funda, com outros artistas, o grupo Paralelo 12;

(xiii) Manterá  sempre uma forte ligação à sua terra e à Estremadura: nas décadas de 1970 e 80, expõe em diversas localidades da região oeste, incluindo a Lourinhã;

(xiv) Morreu em Lisboa, aos 77 anos, em 1992; faria 100 anos em 5 de outubro de 2014, se fosse vivo.

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13679: Agenda cultural (339): Apresentação do livro "Guerra Colonial na Revista Notícia", tese de Mestrado da jornalista Dra. Sílvia Torres, dia 9 de Outubro de 2014, na Messe dos Oficiais, Praça da Batalha, Porto

Guiné 63/74 - P13720: Parabéns a você (799): Cátia Félix, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13717: Parabéns a você (798): Benito Neves, ex-Fur Mil CAV 1484 (Guiné, 1965/67) e Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)+6