1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12,
Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Ref), co-editor da Tabanca do Centro, com data de 6 de Janeiro de 2014:
Desafiámos o nosso camarigo José Belo, a viver há quarenta anos no extremo norte da Suécia, a descrever-nos o tipo de vida e as adaptações a que um lusitano se teve que sujeitar para viver num ambiente que para nós é difícil de imaginar... e de suportar...
A resposta está aqui, explicada pormenorizadamente por este nosso camarada.
Apreciem...
Miguel Pessoa
VIVER NA LAPÓNIA
José Belo(*)
Perguntam-me como se consegue (sobre)viver na Lapónia. Em primeiro lugar há que ter em conta que esta vastíssima área do Círculo Polar está enquadrada pelas fronteiras da Noruega, Suécia e Finlândia.
Não sendo propriamente países com dificuldades económicas, as realidades locais estão muito distanciadas das realidades árticas russas, para citar o exemplo mas próximo.
As auto-estradas e estradas que ligam os centros populacionais estão bem mantidas e a funcionar 365 dias por ano, independentemente das temperaturas, com um sistema de limpeza de neve e gelo, assim como os aeroportos locais, com carreiras regulares a funcionar também 365 dias por ano, independentemente das temperaturas extremas.
Muito importantes para a economia local (exportação que sai da maior mina Europeia de ferro situada em Kiruna, para o porto atlântico norueguês de Narvik) as vias férreas estão sempre abertas.
Um serviço de urgências, com helicópteros-ambulância estrategicamente distribuídos, garante um máximo de 30 minutos de voo até aos locais mais isolados.
Os custos destes serviços, somados ao facto de todas as auto-estradas, pontes (com excepção da que liga a sul a Suécia à Dinamarca), barcos transportadores de viaturas (serviço muito importante num país com inúmeros lagos) são obviamente muito elevados. Não será por acaso que os países Escandinavos, com a Suécia à frente, são mundialmente conhecidos pelos seus altos impostos.
Quanto ao "porquê" de eu viver largos períodos do ano em tal exílio, e procurando tornar uma longa história curta... A minha mulher é filha única de um conhecido industrial sueco com negócios na Escandinávia e nos Estados Unidos.
Este senhor mandou construir uma casa para convidar os amigos e outros industriais para umas férias exóticas, com passeios de trenó, pescarias várias, e nas horas vagas dar uns tirinhos nos animais selvagens circundantes.
Como não seria propriamente parvo, fez construir a casa junto do maior parque natural europeu (e dos mais espectaculares da Suécia), que é o de Abisko.
A casa está situada na margem norte do lago Torneträsk, precisamente a meio caminho da cidade fronteiriça sueca de Karesuando a nordeste, e o porto atlântico norueguês de Narvik a oeste.
A pequena localidade de Karesuando é a situada mais ao norte da Suécia, onde termina a estrada Europa-45 e a estrada do Reino-49.
Será talvez interessante para alguns uma vista de olhos às fotos aéreas do Google-Earth, tendo como referência a estrada que liga Kíruna a Narvik na costa atlântica. Aí poderão observar montanhas e lagos mais espaços infindáveis... mas casas?!
Cerca de 2/3 da população sueca vive a sul de Estocolmo e Estocolmo está a 1700 quilómetros lá para o sul daqui.
A Suécia tem uma área 14 vezes maior que Portugal com uma população menor (Para nos "situarmos", a distância da fronteira norte sueca à fronteira sul é a mesma que a da fronteira sul sueca à cidade italiana de Milão). Dentro deste contexto não se torna tão estranho o facto de o meu vizinho mais próximo viver a 200 quilómetros da minha casa… ou mais.
Como é que aqui se vive tendo em conta os Invernos de 9 meses e os 4 meses de escuridão total nas 24 horas do "dia", a somarem-se ao curto Verão de semanas em que o Sol nunca se põe?
Uma casa de madeira nórdica (e é importante ser de madeira!), com paredes duplas e largo material de isolamento intermediário.
Isolamentos extremos tanto em alicerces como no tecto.
Janelas de vidros duplos que criam uma almofada de ar quente entre eles.
Porta exterior dupla seguida de uma entrada que permita encerrar a porta da rua antes de entrar propriamente na parte residencial.
Uma boa caldeira dupla (!) de aquecimento a óleo, construída na cave da casa.
Um muito razoável depósito exterior (subterrâneo) para o óleo.
Óleo fornecido periodicamente por camiões cisternas.
A temperatura em toda a casa mantém-se entre os 22 e os 24 graus, sendo esta a recomendada como saudável. Nesta zona ártica tanto o óleo como a electricidade são subsidiados em percentagens muito elevadas pelo Estado, numa política inteligente de procurar manter alguma ocupação populacional da área.
Aquecimento eléctrico em forma de serpentina envolvendo os canos que ligam o furo de água sob a casa (Esta água obtida de furos profundos mantém uma temperatura de 8 graus positivos ao longo do ano).
Um "pequeno detalhe" a não esquecer... os esgotos. Os canos são também electricamente aquecidos até atingirem o depósito exterior, também subterrâneo, sendo este esvaziado periodicamente pela mesma firma que fornece o óleo para aquecimento.
Quanto a alimentos, e tendo em conta as quantidades necessárias para garantir aprovisionamentos confortáveis, o problema é inverso.
A serem guardados em arrecadação exterior esta tem que estar aquecida (!!!) às temperaturas normais de um frigorífico, que estão à volta dos 8 graus positivos.
Arcas congeladoras também são importantes para guardar durante todo o ano as grandes quantidades de carne selvagem aqui abatida e consumida, para além dos diversos peixes locais como a truta e o salmão.
Entrando em detalhe, um alce fornece muitos mais quilos de carne consumível que um cavalo. As renas funcionam um bocado como os porcos na Lusitânia... tudo se consome, desde o lombo, filé, febras, perna fumada, sangue para enchidos etc.
A isto somam-se as lebres e perdizes (ambas brancas!), alguns tipos de gazelas e... por muito que aí me não acreditem... enchidos de carne de urso (Um pouco como o nosso paio)!
E, um detalhe importante: Toda esta lista, tanto de carnes como de peixes, é obtida a umas centenas de metros da casa sem ser necessário o uso de dinheiro.
Quanto a bebidas para fins "medicinais... não há casa sem um alambique (dos antigos em cobre) que não produza vodka com percentagens de álcool que aí seria vendido nas farmácias…
Para frutas, vegetais, vinhos, drogarias e tudo o resto, tanto a cidade sueca de Kíruna como a norueguesa de Narvik estão a cerca de 200 quilómetros.
Tenho que concordar que talvez seja "um pouco" para se comprar tabaco ou o jornal da tarde, mas por outro lado o bacalhau norueguês que para aí vai é em grande parte da região de Narvik, só que... aqui se compra a menos de 80% do preço que custa na Lusitânia. Deste modo, bacalhau e "coubinhas quentes" por aqui não faltam.
Quanto ao isolamento, ou dificuldades de transporte, é claro que quando
os temporais de neve, gelo e nevoeiro apertam não se pode esquecer que
estamos muitas centenas de quilómetros dentro do Círculo Polar.
Dá por vezes trabalho extremo mas é um preço que vale a pena pagar tanto pelo sossego, silêncio quase místico, e a grandiosidade desta natureza envolvente, nas suas montanhas, bosques, rios e lagos que se veem de todas (!) as janelas da casa.
Detalhes práticos... Um bom Jeep com tração às quatro rodas, de modelo de fábrica aconselhado para estas condições extremas.
Pelo menos duas "scooters" para a neve. Uma para transporte pessoal e outra para rebocar trenós de cargas várias.
Existe um aparelho muito prático que consiste essencialmente numa larga pá facilmente adaptada à frente do Jeep, que permite remover a neve e gelo nas estradas secundárias que ligam as casas às estradas principais (as tais que têm a neve continuamente removida por empresas do Estado).
No que me diz respeito, a casa fica situada a 10 quilómetros da estrada principal.
A ter que deslocar-me coloco o aparelho á frente do jeep, e ao atingir a estrada principal o mesmo é facilmente colocado sobre o tecto da viatura. É aconselhável repetir esta operação nas estradas secundárias (mesmo que não se tenha que viajar) para evitar um acumular demasiado de neve e gelo.
Mas, e como tudo na vida, com um pequeno pagamento "amigo" aos condutores que limpam dia e noite as estradas principais, estes por vezes "enganam-se" e fazem também uns percursos pelas estradas secundárias. Tendo em conta as centenas e centenas de quilómetros que limpam dia e noite… não se notam estes "enganos" a nível central.
Quanto a renas à frente dos trenós, ou os cães, claro que aqui os usamos. Mas definitivamente não nos trabalhos ou actividades do dia a dia.
As renas... são mais para passear os netos ou outros visitantes.
Os cães de trenó... servem para algumas passeatas em busca de bons locais para abrir um buraco no gelo para a pesca, ou, mais uma vez, para aquando da vinda de alguns visitantes "turísticos", tanto suecos como dos Estados Unidos.
Em verdade, os cães servem hoje mais para companhia do que para transporte útil.
Mas se julgam que os cães comem pouco (8 de trenó e 4 de reserva)... posso garantir que é um alto consumo "por quilómetro"... mesmo quando estão parados! E não é propriamente ossos o que comem!
Nestes bilhetes-postais românticos não se pode esquecer que, hoje em dia, as manadas de renas em deslocamentos são seguidas durante o Inverno por modernas e potentes scooters para a neve, e nos reagrupamentos de Primavera e Verão são utilizados helicópteros. Desde o ano passado começaram a ser aqui também utilizadas os modernos "drones" aéreos para esse fim.
Para a minha família, esta casa mais não é que um refúgio de paz.
Para a manter com os níveis de conforto, modernidade e funcionalidade neste isolamento extremo, é claro que se torna necessário um custo económico considerável e, não menos, um planeamento contínuo e sempre bem antecipado.
As profissões, tanto da minha mulher como a minha, permitiram, felizmente, os largos períodos em que aqui nos refugiámos.
Já aqui me visitaram alguns Lusitanos amigos, e por esta zona passeou um simpático casal frequentador dos almoços da Tabanca do Centro.
Aos restantes… Sejam bem-vindos!
José Belo
____________
Nota: Boa parte das fotos apresentadas neste texto foi retirada do blogue da Lapónia, http://laplandnearkeywest.blogspot.pt/, com a natural autorização do nosso camarada José Belo.
Os nossos agradecimentos.
Miguel Pessoa
____________
Notas do editor
(*) José Belo foi Alf Mil Inf na CCAÇ 2381, (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70), actualmente é Cap Inf Ref e vive na Suécia)
Último poste da série de 13 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13886: Da Suécia com saudade (47): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte VII): E depois da independência e até 1994, atingiu os 2 mil milhões de dólares! (José Belo)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 7 de fevereiro de 2015
Guiné 63/74 - P14227: Recortes de imprensa (71):Hepatite C: ex-combatentes são um grupo de risco: antes de embarcarem para África levavam, em grupo, uma vacina, que era administrada sem os cuidados necessários (SOS hepatites Portugal, fundada em 2005)
1. Recorte, do Expresso, 25/7/2011, com a devida vénia
Hepatites: Ex-combatentes são grupo de risco, 50 anos depois da Guerra Colonial
LUSA | 6:47 Segunda feira, 25 de julho de 2011
Lisboa, 25 jun (Lusa) -- Muitos ex-combatentes da Guerra Colonial começam agora a descobrir, quase 50 anos depois, que contraíram hepatite B ou C, doença que pode ser fatal, alerta a associação portuguesa que dá apoio aos doentes hepáticos.
"Temos hoje imensas pessoas que descobrem que estão infetadas, mas já o estão há mais de 40 anos, como o caso dos ex-combatentes", afirma à agência Lusa a presidente da Associação SOS Hepatites, nas vésperas do Dia Mundial da doença, que se assinala na quinta-feira.
Esta organização [, fundada em abril de 2005,] suspeita que os ex-combatentes foram expostos ao vírus em território português, porque antes de embarcarem para África levavam, em grupo, uma vacina, que era administrada sem os cuidados necessários.
Nota do editor:
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
Guiné 63/74 - P14226: A guerra vista do outro lado... Documentos apreendidos ao PAIGC em Nhacobá em 17 de maio de 1973 - Parte I (António Murta, ex-alf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)
Solidariedade - Boletim de informação, agência Novosti, 4, 1971
Foto (em muito mau estado de conservação) de um militante do PAIGC algures na ex-URSS
Guia de marcha do PAIGC
Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição de CV]
1. Mensagem, com data de 8 de janeiro último, do António Murta [ex-alf mil inf , Minas e Armadilhas, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74] [, foto atula à direita]
Camaradas amigos, Luís Graça e Carlos Vinhal..
Gostava de vos entregar, para avaliarem o interesse, de alguns documentos que trouxe de Nhacobá em Junho de 1973, depois de esta base ter sido tomada pelas nossas tropas 20 dias antes.
Dado que não gosto de me alongar muito a escrever aqui, segue em anexo um texto explicativo em Word. Também em anexo seguem os documentos que no texto refiro.
Votos de boa saúde neste ano que agora começa para o Luís e para o Carlos e suas famílias.
Saudações fraternais do
António Murta.
2. Camaradas amigos Luís Graça e Carlos Vinhal:
Mais de 40 anos depois, digitalizei algum material que trouxe de Nhacobá, pouco depois de as NT terem expulsado daquela base as tropas do PAIGC.
Isso aconteceu em 17 de Maio de 1973 com a acção da sacrificada CCAV 8351 do Cap Mil Vasco da Gama e, no dia seguinte, de novo com esta Companhia e, creio, com CCAÇ 18.
Guardei essas coisas até hoje pelo significado que têm para mim, e não tanto pelo possam valer. É pouca coisa mas dava demasiado nas vistas ter “desviado” mais documentos naquelas circunstâncias.
São:
(i) dois boletins informativos e de propaganda da ex-URSS, um de 1969 e outro de 1971; não posso precisar se existiam outros desta colecção no espólio encontrado em Nhcobá; chamam-se SOLIDARIEDADE – Para a Amizade Soviéto-Africana e eram editados pela Agência NOVOSTI. (formato 14,3 x 21,3 cm com 24 páginas cada);
(ii) um a fotografia não datada e em mau estado de conservação (está como estava), de um africano na ex-URSS; tal como os papeis que refiro a seguir, encontrava-se dentro dos boletins citados:
(iii) um discurso, não datado nem assinado, de agradecimento ao PCUS e à URSS, depois de um estágio militar naquela nação; foi redigido por alguém que se expressa em perfeito português e escreve com uma caligrafia primorosa; provavelmente o proprietário de todo o material encontrado, que era o comdt da força em Nhacobá; não parece fazer sentido ter na sua posse o manuscrito de outra pessoa;
(iv) uma guia de marcha com data de 3 de Dezembro de 1971, passada em Bolama, pequeno papel com os nomes bem claros dos intervenientes; (quem sabe, alguém os possa identificar);
(v) um pedido de ajuda de um guerrilheiro em desespero, dirigido «ao camarada Caetano Semedo»; É assinado por Fode Djassi (?) em 16-09-1971 – Gansala; esta carta e o citado discurso estavam dobrados até ao formato A8.
No meu diário é referido como fazendo parte deste conjunto, o livro “Palavras de Ordem Gerais”. de Amílcar Cabral, mas perdi-lhe o rasto.
Não creio que tenham grande importância para serem divulgados, mas ocorreu-me que se fizessem parte do espólio da nossa Tabanca, quem sabe, um dia, tenham algum interesse histórico ou, simplesmente documental. Ainda pensei fazer acompanhar estes pequenos documentos, que envio em anexo, da transcrição parcial do meu diário, onde dou conta das circunstâncias do achado (com direito a referência na história do meu Batalhão) em Nhacobá em 8 de Junho de 1973, cerca de 20 dias depois de se ter lá entrado e instalado. Mas depois pensei que é um assunto sem grande interesse para os demais.
Tratou-se apenas de uma mochila encontrada pendurada e oculta numa árvore, já depois de várias inspecções às instalações abandonadas pelos militares e pela população. Era um autêntico escritório e arquivo ambulantes, com uma quantidade surpreendente de documentação militar e particular do então comandante da base.
Foi tudo entregue ao Comandante do nosso Batalhão (4513), menos o que, alguns e eu incluído, conseguimos “desviar”, coisas sem importância militar mas que eram manga de ronco. No meu caso, conhecedor de sempre das ajudas soviéticas ao PAIGC, FRELIMO e MPLA e, com alguma formação política, ter ali à mão, pela primeira vez, as provas dessas ajudas (claro que já tinha as provas do material bélico) e o sabor das coisas clandestinas e “subversivas”, esse material tinha para mim um significado mais profundo. E, vindo de quem vinham, tornaram-se objecto de estima. Até que ficaram no esquecimento nas caves escuras da memória. Havia também uma pistola de fabrico soviético, mas sumiu. (Ainda hoje, não sei se se podem referir estes factos...).
Perante isto, fica ao vosso critério publicar, guardar ou, simplesmente eliminar. Em qualquer dos casos, passa a fazer parte do espólio da Tabanca, se o entenderem.
Os boletins SOLIDARIEDADE integrais seguem em PDF, mas tenho tudo também no formato JPEG.
Saudações fraternais,
António Murta
9 de Janeiro de 2015
Solidariedade - Boletim de informação, agência Novosti, 8, 1969
Pedido de ajuda, pungente, de um guerrilheiro, Fodé Djassi, dirigido ao camarada Caetano Semedo; com data de 6-09-1971, Gansala.
Discurso, não datado nem assinado, de agradecimento ao PCUS e à URSS, depois de um estágio militar naquela nação; foi redigido por alguém que se expressa em perfeito português e escreve com uma caligrafia primorosa; provavelmente o proprietário de todo o material encontrado, que era o comdt da força em Nhacobá.
Fotos (e legendas): Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição de CV]
Guiné 63/74 - P14225 Agenda cultural (378): De 3 a 6 de fevereiro, a televisão pública (RTP2) evoca o início, há 54 anos, da guerra colonial: filmes, documentários, debates
1. De 3 a 6 de fevereiro, a nossa televisão púlica, através da RTP2 assinala o início da guerra colonial (1961/74) através de documentários, filmes e debates. Embora possa não ser ainda consensual, este período da nossa história vai de 4 de Fevereiro de 1961 (assalto a prisões de Luanda) a 25 de abril de 1974 (a chamada revolução dos cravos, em Portugal).
RTP2 > 3ª feira, 3 de fevereiro de 2015, 23h34 A> QUEM VAI À GUERRA [vd. aqui trailer]
Quem Vai à Guerra é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera...
Entre 1961 e 1974, milhares de homens foram mobilizados e enviados para Angola, Moçambique e Guiné-Bissau para combater numa longa e mal assumida Guerra Colonial. Passados 50 anos desde o seu início a guerra é, ainda hoje, um assunto delicado e hermético, apoiado por um discurso exclusivamente masculino, como se a guerra só aos ex-combatentes pertencesse e só a eles afetasse. No entanto, quando um país está em guerra, será que fica alguém de fora?
Quem Vai à Guerra é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera, por quem quis voluntariamente ir ao lado e por quem foi socorrer os soldados às frentes de batalha. Um discurso feminino sobre a guerra.Com: Ana Maria Gomes, Anabela Oliveira, Aura Teles, Beatriz Neto, Clementina Rebanda, Conceição Cristino, Conceição Silva, Cristina Pinto, Ercília Pedro, Fernanda Cota, Giselda Pessoa, Isilda Alves, Júlia Lemos, Lucília Costa, Manuela Castelo, Manuela Mendes, Margarida Simão, Maria Alice Carneiro, Maria Arminda Santos, Maria Augusta Filipe, Maria de Lourdes Costa, Maria Laura Silva, Maria Odete Barata, Maria Rosa Redondo, Natércia Neves, Rosa Serra
Título Original:Quem vai à Guerra
Realização: Marta Pessoa
Produção: REAL FICÇÃO
Ano:2009
Duração:123 minutos
RTP2 > 4ª feira, dia 4 de fevereiro de 2015, às 23h30 > ANDAR RÁPIDO E EM FORÇA (Série documental “A Guerra”)
[Disponível aqui, na íntegra, no portal "A Guerra Colonial", parceria da RTP e da A25A]
Este episódio relata o dia 4 de fevereiro de 1961. Antes dos ataques da UPA, em Março, já o pânico dominava Luanda desde 4 de Fevereiro, quando centenas de angolanos assaltaram as prisões da cidade. A resposta portuguesa, civil e militar, leva o terror aos muceques. E a violência sem limites propaga-se a todos os grupos sociais, quando o 15 de Março lança o pavor em todo o norte. Angola reclama por apoio militar, mas Salazar só mandará “andar rápido e em força”, depois de afastar Botelho Moniz, o general que, entretanto, tentara depô-lo.
RTP2 > 5ª feira, dia 5 de fevereiro de 2015, às 23h30 > O HERÓI [vd. aqui trailer]
Após uma lenta recuperação no hospital, Vitório como milhares de angolanos, tenta a sua sorte nas ruas de Luanda.
O seu principal intento: sobreviver.
Título Original: O Herói
Realização: Zézé Gamboa
Produção: Paula Ribas [co-produção: França, Angola, Portugal]
Autoria: Carla Batista
Música: David Links
Ano: 2002
Duração: 97 m
RTP2 > 6ª feira, dia 6 de fevereiro de 2015 > 23h02 > DESCOLONIZAÇÃO - 40 ANOS
Um debate moderado por Luís Marinho sobre a descolonização, com a presença dw:
Prof. Jaime Nogueira Pinto | Embaixador de Angola - Dr. Luís de Almeida | Embaixador Francisco Seixas da Costa.
RTP2 > 3ª feira, 3 de fevereiro de 2015, 23h34 A> QUEM VAI À GUERRA [vd. aqui trailer]
A enfermeira paraquedista e nossa grã-tabanqueira Rosa Serra, uma das participantes do filme de Marta Pessoa (realizadora, ela própria filha de militar que esteve na Guiné) |
Quem Vai à Guerra é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera...
Entre 1961 e 1974, milhares de homens foram mobilizados e enviados para Angola, Moçambique e Guiné-Bissau para combater numa longa e mal assumida Guerra Colonial. Passados 50 anos desde o seu início a guerra é, ainda hoje, um assunto delicado e hermético, apoiado por um discurso exclusivamente masculino, como se a guerra só aos ex-combatentes pertencesse e só a eles afetasse. No entanto, quando um país está em guerra, será que fica alguém de fora?
Quem Vai à Guerra é um filme de guerra de uma geração, contada por quem ficou à espera, por quem quis voluntariamente ir ao lado e por quem foi socorrer os soldados às frentes de batalha. Um discurso feminino sobre a guerra.Com: Ana Maria Gomes, Anabela Oliveira, Aura Teles, Beatriz Neto, Clementina Rebanda, Conceição Cristino, Conceição Silva, Cristina Pinto, Ercília Pedro, Fernanda Cota, Giselda Pessoa, Isilda Alves, Júlia Lemos, Lucília Costa, Manuela Castelo, Manuela Mendes, Margarida Simão, Maria Alice Carneiro, Maria Arminda Santos, Maria Augusta Filipe, Maria de Lourdes Costa, Maria Laura Silva, Maria Odete Barata, Maria Rosa Redondo, Natércia Neves, Rosa Serra
Título Original:Quem vai à Guerra
Realização: Marta Pessoa
Produção: REAL FICÇÃO
Ano:2009
Duração:123 minutos
RTP2 > 4ª feira, dia 4 de fevereiro de 2015, às 23h30 > ANDAR RÁPIDO E EM FORÇA (Série documental “A Guerra”)
[Disponível aqui, na íntegra, no portal "A Guerra Colonial", parceria da RTP e da A25A]
Este episódio relata o dia 4 de fevereiro de 1961. Antes dos ataques da UPA, em Março, já o pânico dominava Luanda desde 4 de Fevereiro, quando centenas de angolanos assaltaram as prisões da cidade. A resposta portuguesa, civil e militar, leva o terror aos muceques. E a violência sem limites propaga-se a todos os grupos sociais, quando o 15 de Março lança o pavor em todo o norte. Angola reclama por apoio militar, mas Salazar só mandará “andar rápido e em força”, depois de afastar Botelho Moniz, o general que, entretanto, tentara depô-lo.
RTP2 > 5ª feira, dia 5 de fevereiro de 2015, às 23h30 > O HERÓI [vd. aqui trailer]
Luanda é uma cidade assaltada por milhares de pessoas, à procura de uma só coisa: sobreviver
Vitório regressa da guerra. Uma guerra que durou quase três décadas, na qual entrou forçado, aos 15 anos, como soldado raso, pau para toda a obra. Vitório matou gente, viu os amigos morrerem, passou fome e antes de ser desmobilizado, pisou uma mina e perdeu uma perna.
Vitório regressa da guerra. Uma guerra que durou quase três décadas, na qual entrou forçado, aos 15 anos, como soldado raso, pau para toda a obra. Vitório matou gente, viu os amigos morrerem, passou fome e antes de ser desmobilizado, pisou uma mina e perdeu uma perna.
Após uma lenta recuperação no hospital, Vitório como milhares de angolanos, tenta a sua sorte nas ruas de Luanda.
O seu principal intento: sobreviver.
Realização: Zézé Gamboa
Produção: Paula Ribas [co-produção: França, Angola, Portugal]
Autoria: Carla Batista
Música: David Links
Ano: 2002
Duração: 97 m
RTP2 > 6ª feira, dia 6 de fevereiro de 2015 > 23h02 > DESCOLONIZAÇÃO - 40 ANOS
Um debate moderado por Luís Marinho sobre a descolonização, com a presença dw:
Prof. Jaime Nogueira Pinto | Embaixador de Angola - Dr. Luís de Almeida | Embaixador Francisco Seixas da Costa.
RTP2 > 6ª feira, dia 6 de fevereiro de 2015 > 23h68 > A COSTA DOS MURMÚRIOS [vbd. aqui trailer]
Uma visão feminina sobre a Guerra Colonial
"Sim, é verdade, nesse tempo chamavam-me assim... Nesse tempo Evita era eu..."
Evita recorda e corrige uma história que já lhe pertenceu.
No final dos anos 60, Evita chega a Moçambique para casar com Luís, um estudante de matemática que ali cumpre o serviço militar. Nos dias que se seguem, Evita rapidamente se apercebe que Luís já não é o mesmo e que, perturbado pela guerra, se transformou num triste imitador do seu capitão, Forza Leal.
Os homens partem para uma grande operação militar no norte. Evita fica sozinha e no desespero de tentar compreender o que modificou Luís, procura a companhia de Helena, a mulher de Forza Leal. Helena, submissa e humilhada, é prisioneira na sua casa onde cumpre uma promessa. É ela que vai mostrar a Evita o lado mais negro de Luís e a tenta atrair numa relação ambígua de destruição e morte.
Perdida num mundo que não é o seu, Evita cai numa teia de violência mesquinha, sem glória e sem honra. A violência de um tempo colonial à beira do fim. Um tempo de guerra, de perca e de culpa.
Trata-se de uma visão feminina sobre a Guerra Colonial, que assinalou a estreia da realizadora Margarida Cardoso no domínio da ficção cinematográfica e tem integrado importantes festivais de cinema, entre os quais se destacam a selecção para o Festival de Veneza 2004, na secção Giornate degli Autori, a participação no Festival de Manheim, durante o qual foi distinguido com o prémio especial do júri internacional e as mais recentes participações no Festival de Cinema Latino, em Chicago e no CINEPORT 2005.
"A Costa dos Murmúrios" é a adaptação livre do romance da escritora portuguesa Lídia Jorge.
"A Costa dos Murmúrios" foi distinguido com o Prémio Revelação, na 7º edição do Festival de Cinema Europeu, Cinessonne 2005
Ficha técnica:
Uma visão feminina sobre a Guerra Colonial
"Sim, é verdade, nesse tempo chamavam-me assim... Nesse tempo Evita era eu..."
Evita recorda e corrige uma história que já lhe pertenceu.
No final dos anos 60, Evita chega a Moçambique para casar com Luís, um estudante de matemática que ali cumpre o serviço militar. Nos dias que se seguem, Evita rapidamente se apercebe que Luís já não é o mesmo e que, perturbado pela guerra, se transformou num triste imitador do seu capitão, Forza Leal.
Os homens partem para uma grande operação militar no norte. Evita fica sozinha e no desespero de tentar compreender o que modificou Luís, procura a companhia de Helena, a mulher de Forza Leal. Helena, submissa e humilhada, é prisioneira na sua casa onde cumpre uma promessa. É ela que vai mostrar a Evita o lado mais negro de Luís e a tenta atrair numa relação ambígua de destruição e morte.
Perdida num mundo que não é o seu, Evita cai numa teia de violência mesquinha, sem glória e sem honra. A violência de um tempo colonial à beira do fim. Um tempo de guerra, de perca e de culpa.
Trata-se de uma visão feminina sobre a Guerra Colonial, que assinalou a estreia da realizadora Margarida Cardoso no domínio da ficção cinematográfica e tem integrado importantes festivais de cinema, entre os quais se destacam a selecção para o Festival de Veneza 2004, na secção Giornate degli Autori, a participação no Festival de Manheim, durante o qual foi distinguido com o prémio especial do júri internacional e as mais recentes participações no Festival de Cinema Latino, em Chicago e no CINEPORT 2005.
"A Costa dos Murmúrios" é a adaptação livre do romance da escritora portuguesa Lídia Jorge.
"A Costa dos Murmúrios" foi distinguido com o Prémio Revelação, na 7º edição do Festival de Cinema Europeu, Cinessonne 2005
Ficha técnica:
Título Original: A Costa dos Murmúrios
Com: Beatriz Batarda, Carla Bolito, Monica Calle, Sandra Faleiro, Custódia Galego, Adriano Luz
Realização: Margarida Cardoso
Produção: Maria João Mayer
Autoria: Cedric Basso, Margarida Cardoso
Música: Bernardo Sassetti
Ano:2004
Duração:115 minutos
Com: Beatriz Batarda, Carla Bolito, Monica Calle, Sandra Faleiro, Custódia Galego, Adriano Luz
Realização: Margarida Cardoso
Produção: Maria João Mayer
Autoria: Cedric Basso, Margarida Cardoso
Música: Bernardo Sassetti
Ano:2004
Duração:115 minutos
RTP2 > 4ª feira,dia 11 de fevereiro de 2014, às 00h15 > GUERRA OU PAZ [vd. aqui trailer]
Uma outra face da guerra e a sua influência na sociedade atual. Entre 1961 e 1974, 100.000 [?] [, é uma grosseira gralha da produção!, foram mais de 1 milhão!] jovens portugueses partiram para a guerra nas ex-colónias . No mesmo período, outros 100.000, saíram de Portugal para não fazer essa mesma guerra. Em relação aos que fizeram a guerra já muito foi dito, escrito, filmado. Em relação aos outros, não existe nada, é uma espécie de assunto tabu na nossa sociedade. Que papel tiveram esses homens que "fugiram à guerra" na construção do país que somos hoje? Que percursos fizeram? De que forma resistiram?
Ficha técnica:
Título Original: Guerra ou Paz
Com: António Setas; Arlindo Barbeitos; Cláudio Torres; João Freire; José Mena Abrantes; Luis Cilia; Manuel dos Santos Lima; Manuela Torres; Rui Simões
Realização: Rui Simões
Produção:Real Ficção - ICA/MC/RTP
Ano: 2012
Duração: 77 minutos
Ficha técnica:
Título Original: Guerra ou Paz
Com: António Setas; Arlindo Barbeitos; Cláudio Torres; João Freire; José Mena Abrantes; Luis Cilia; Manuel dos Santos Lima; Manuela Torres; Rui Simões
Realização: Rui Simões
Produção:Real Ficção - ICA/MC/RTP
Ano: 2012
Duração: 77 minutos
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Nota do editor:
Último poste da série > 31 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14207: Agenda cultural (377): Nós, os portugueses, e os 7 mil milhões de outros: Fundação EDP, Museu da Eletricidade, Lisboa, 7 de fevereiro, 16h00... A não perder!
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Guiné 63/74 - P14224: Notas de leitura (679): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (6): A Terceira Geração d'Os Coelhos (2)
1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica a segunda parte do capítulo dedicado à Terceira Geração.
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Notas do editor
(*) Poste anterior de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14219: Notas de leitura (677): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (5): A Terceira Geração d'Os Coelhos (1)
Último poste da série de 6 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14223: Notas de leitura (678): “Morreremos Amanhã”, por Carlos Tomé, Artes e Letras, Ponta Delgada, 2007 (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P14223: Notas de leitura (678): “Morreremos Amanhã”, por Carlos Tomé, Artes e Letras, Ponta Delgada, 2007 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Abril de 2014:
Queridos amigos,
Para bem da literatura e das memórias dos combatentes, não há padrão narrativo para os nossos relatos que podem integrar emboscadas e flagelações, medo e solidão, heroísmo e bravura, abnegação ou medo, são ingredientes mas há outros mais.
Carlos Tomé explora o cumprimento de uma dívida, vem assaltado pelo remorso, evoca aquele desconforto de que muitos de nós sofremos de não termos cumprido uma obrigação a pedido de um camarada. Carlos Tomé consegue uma obra equilibrada entre a simulação de uma reportagem, coisas da sua profissão, e o reencontro com o amor do seu mais íntimo camarada de guerra, tudo numa tessitura de plausibilidade, dois cinquentões solitários sentem-se capazes de recomeçar a vida.
E há as memórias escritas que o Rui deixou. Ele promete dar-lhes forma. Como se diz algures, só se morre quando ninguém se lembrar de nós, até lá mesmo os que combateram em África estarão presente nos testemunhos que lhes dedicarmos.
Um abraço do
Mário
Não consigo livrar-me daquilo, é o meu inferno privado
Beja Santos
“Morreremos Amanhã”, por Carlos Tomé, Artes e Letras, Ponta Delgada, 2007 é um romance que procura ir mais além das contingências de um teatro de operações, versa duas questões raramente abordadas frontalmente na literatura da guerra em África: Qual a dimensão do remorso e como o gerimos no ramerrão do quotidiano? Como subsiste, na nossa mente, a história da guerra depois da guerra, a que continua na memória dos sobreviventes, onde temos dívidas morais para pagar e torneamos permanentemente a incomodidade, a dilaceração do espírito?
O autor é jornalista e tem a sua vida profissional ligada à RTP Açores, desde 1976. “Morreremos Amanhã” não é a sua estreia literária mas será porventura a sua primeira incursão na guerra. Combateu em Angola, como oficial miliciano de Operações Especiais, entre 1972 e 1974.
O remorso não é obsidiante mas a memória dos acontecimentos não o larga:
“Aquele tiro, todos os dias o ouço.
Ecoa na minha cabeça, num pontinho bem definido, atrás do ouvido esquerdo.
Às vezes surge sem aviso, no meio de uma conversa, na rua, no cinema, a meio da noite. Outras, adivinho-lhe o estampido à passagem de uma motorizada barulhenta ou quando algo cai, um vidro se estilhaça. No instante imediato, a minha cabeça parece explodir, sacudida por esse som que nunca consegui esquecer e me parece, até, cada dia mais nítido”.
Ele é jornalista, recebeu a incumbência de ir fazer uma reportagem a S. Miguel, as térmitas estão a destruir edifícios fundamentais do centro da cidade de Ponta Delgada. Tomou a decisão, passadas estas décadas, de procurar a Alice Tavares, a viúva do Rui, tem uma promessa para cumprir.
A guerra perpassará ténue e diáfana no contexto deste romance, mas é o condimento poderoso da amizade entre Tozé e Rui, fizeram uma jura de honra. Vacinados em Luanda, Rui Tavares tem a premonição que nunca mais irá voltar a ver a Alice, a família, os Açores. Tozé volta-se para Rui e propõe-lhe a seguinte combinação: se só um sobreviver dará um mês de ordenado à mulher amada. O Rui aceita. Rui já está em Ponta Delgada, bate à porta da Alice, na rua de Santa Catarina. Alice está maravilhada com o encontro, sempre previra aquele encontro, sempre ansiara ouvir da boca do maior amigo do Rui as razões da sua morte. A saudade não passou, transformou-se: “Já não choro quando me lembro do Rui, não me tranco no quarto, ao escuro, por dois ou três dias, e não rejeito o lado bom da vida. Tenho saudades, Tozé. Mas não é tanto saudades dele. São saudades da vida que não chegámos a viver os dois”. Conversam, Alice quer saber notícias da Luísa, Luísa e Tozé separara-se dois anos após o regresso de Angola. Marcam encontro para o dia seguinte, Tozé não teve coragem de cumprir o acordo que fizera com o Rui.
A reportagem sobre as térmitas é convincente, a desinfestação é cara, há monumentos como o Convento da Esperança que estão profundamente afetados. Interpolam-se cenas da guerra, ganha realce o acidente que vitima Rui Tavares, este estava a jogar às cartas numa divisão, ao lado, um furriel a limpar a G3 descarregou inadvertidamente a arma sobre uma parede de fraca espessura, atingiu Rui Tavares no pescoço, esvai-se em sangue. Isto em Mucondo, não muito longe de Nambuangongo. Tozé está ao lado do Rui naqueles momentos de estertor. A reportagem continua, Tozé está no Convento da Esperança, onde se guarda a imagem do Santo Cristo dos Milagres, e ele lembra-se que o Rui nunca se separava de uma pequena medalha do Santo Cristo, trazia-a, sempre, pregada com um alfinete, no interior do bolso esquerdo dólmen. “Se me acontecer alguma coisa, pá, deixa-a ir comigo”.
Tozé percorre Ponta Delgada e descreve-a na perfeição, visita os estabelecimentos afetados pelas térmitas, toma notas. Continua as entrevistas, um biólogo assegura-lhe que é impossível erradicar a praga. O seu pensamento viaja para a guerra de Angola, e lembra-se da salalé, a formiga aí constrói em altura: “Muitas dessas construções, enormes, por vezes com mais de dois metros de altura, surgiam, quase da noite para o dia, na improvisada pista de aterragem do Mucondo. Em dia de avioneta tínhamos de arrasá-las. À picareta”. Alguém, na Direção Regional da Habitação, dá-lhe conta das comparticipações do Governo e dos empréstimos a juro bonificado para todas estas obras.
Tozé vai jantar a casa da Alice, as suas recordações viajam até Mucondo, Tobias, um guerrilheiro capturado, pedira-lhe insistentemente para ir buscar a família, o capitão e os outros alferes opuseram-se, parecia a armadilha descarada. A operação correu bem, reganhou-se a confiança da população. Alice pede a verdade, Tozé conta-lhe o acidente com a armada de fogo. A única mentira foi de que o Rui não sofrera muito, ele bem vira aquele ferimento e os borbotões de sangue saindo da jugular seccionada. Alice entrega-lhe uns apontamentos do Rui que vinham dentro das cartas, eram notas para um livro que pretendia escrever quando regressasse, o que dá aso a vastas rememorações, por exemplo: “Cheguei a Angola com uma ideia errada do que acontece em combate. Soubesse que ia entrar numa guerra, pensava ter treinado o suficiente para enfrentar situações difíceis e, com um pouco de sorte, sair delas com vida. Mas não há um simulador para o medo. Nem treino para a estupefação ao som de uma rajada. De um momento para o outro somos invadidos, brutalmente, pela certeza de que alguém nos quer matar. O choque com a realidade é duro”. Todos aqueles apontamentos do Rui deram para recordar várias operações no Norte de Angola, havia ali notas de profunda indignação do Rui pela quase escravatura montada pelos fazendeiros:
“O que não revelava era a existência de uma cantina onde, a preços exorbitantes, vendia tudo o que aos desgraçados poderia interessar. Fornecia açúcar, arroz, farinha, feijão, mas também roupas, sapatos, rádios a pilhas, óculos de sol.
De tanto de endividarem, quase todos ficavam de um ano para o outro, cada vez mais presos. Trabalhavam, já, por menos de um terço do terço que lhes cabia. Uns míseros tostões. O grosso ficava nos bolsos do fazendeiro, para abater na dívida.
O motim que os bailundos desencadearam só não acabou mal porque fomos chamados a intervir. Foi lá o Rui com os seus homens. Como ele próprio disse, o 7.º de Cavalaria desta vez salvou o bandido”.
E veio a propósito o pedido do sargento Figueiredo de trazer duas ou três raparigas de Quibaxe para consolar a companhia, deu-se luz verde, a operação seria supervisionada pelo furriel enfermeiro. Tudo correu lindamente, as meninas regressaram um mês depois desfeitas em lágrimas, nunca tinham encontrado gente tão civilizada.
Caminhamos para o desfecho, o jantar termina e fala-se na manhã seguinte em irem ao cemitério. Desta vez, Tozé arranja coragem e entrega-lhe o envelope que Alice prontamente devolve, não se podia insistir, o fundamental fora a nobreza do gesto. Tozé acaba de ler as últimas notas deixadas pelo Rui: “O 25 de abril veio trazer-nos mais esperança. Não queremos morrer aqui. Estamos demasiado longe das nossas casas, das nossas mães e das nossas mulheres. Havemos de morrer, sim, mas não aqui. E morreremos amanhã, se Deus quiser, de velhice, de cancro, de colapso cardíaco ou de outra maneira qualquer”. Rui pensa “Morreremos Amanhã é um bom título".
Ainda há algumas lembranças esparsas daquela guerra. Mas algo aconteceu entre Alice e Tozé. Alice corresponde a um beijo mas responde prontamente: “Pensei estar livre. Mas não estou. A tua vinda fez-me recuar muitos anos. Reabriu feridas que já estavam curadas. Preciso de tempo para me situar, de novo, e para voltar à mulher que sou”. Reconhecem que ainda é muito cedo para eles, precisam de tempo. E despedem-se, já estão a preparar o reencontro. Tozé é um solitário, reencontrou o amor, está embevecido com S. Miguel.
Nós só morremos no dia em que mais ninguém se lembrar de nós nem de quantos combateram em África.
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14219: Notas de leitura (677): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (5): A Terceira Geração d'Os Coelhos (1)
Queridos amigos,
Para bem da literatura e das memórias dos combatentes, não há padrão narrativo para os nossos relatos que podem integrar emboscadas e flagelações, medo e solidão, heroísmo e bravura, abnegação ou medo, são ingredientes mas há outros mais.
Carlos Tomé explora o cumprimento de uma dívida, vem assaltado pelo remorso, evoca aquele desconforto de que muitos de nós sofremos de não termos cumprido uma obrigação a pedido de um camarada. Carlos Tomé consegue uma obra equilibrada entre a simulação de uma reportagem, coisas da sua profissão, e o reencontro com o amor do seu mais íntimo camarada de guerra, tudo numa tessitura de plausibilidade, dois cinquentões solitários sentem-se capazes de recomeçar a vida.
E há as memórias escritas que o Rui deixou. Ele promete dar-lhes forma. Como se diz algures, só se morre quando ninguém se lembrar de nós, até lá mesmo os que combateram em África estarão presente nos testemunhos que lhes dedicarmos.
Um abraço do
Mário
Não consigo livrar-me daquilo, é o meu inferno privado
Beja Santos
“Morreremos Amanhã”, por Carlos Tomé, Artes e Letras, Ponta Delgada, 2007 é um romance que procura ir mais além das contingências de um teatro de operações, versa duas questões raramente abordadas frontalmente na literatura da guerra em África: Qual a dimensão do remorso e como o gerimos no ramerrão do quotidiano? Como subsiste, na nossa mente, a história da guerra depois da guerra, a que continua na memória dos sobreviventes, onde temos dívidas morais para pagar e torneamos permanentemente a incomodidade, a dilaceração do espírito?
O autor é jornalista e tem a sua vida profissional ligada à RTP Açores, desde 1976. “Morreremos Amanhã” não é a sua estreia literária mas será porventura a sua primeira incursão na guerra. Combateu em Angola, como oficial miliciano de Operações Especiais, entre 1972 e 1974.
O remorso não é obsidiante mas a memória dos acontecimentos não o larga:
“Aquele tiro, todos os dias o ouço.
Ecoa na minha cabeça, num pontinho bem definido, atrás do ouvido esquerdo.
Às vezes surge sem aviso, no meio de uma conversa, na rua, no cinema, a meio da noite. Outras, adivinho-lhe o estampido à passagem de uma motorizada barulhenta ou quando algo cai, um vidro se estilhaça. No instante imediato, a minha cabeça parece explodir, sacudida por esse som que nunca consegui esquecer e me parece, até, cada dia mais nítido”.
Ele é jornalista, recebeu a incumbência de ir fazer uma reportagem a S. Miguel, as térmitas estão a destruir edifícios fundamentais do centro da cidade de Ponta Delgada. Tomou a decisão, passadas estas décadas, de procurar a Alice Tavares, a viúva do Rui, tem uma promessa para cumprir.
A guerra perpassará ténue e diáfana no contexto deste romance, mas é o condimento poderoso da amizade entre Tozé e Rui, fizeram uma jura de honra. Vacinados em Luanda, Rui Tavares tem a premonição que nunca mais irá voltar a ver a Alice, a família, os Açores. Tozé volta-se para Rui e propõe-lhe a seguinte combinação: se só um sobreviver dará um mês de ordenado à mulher amada. O Rui aceita. Rui já está em Ponta Delgada, bate à porta da Alice, na rua de Santa Catarina. Alice está maravilhada com o encontro, sempre previra aquele encontro, sempre ansiara ouvir da boca do maior amigo do Rui as razões da sua morte. A saudade não passou, transformou-se: “Já não choro quando me lembro do Rui, não me tranco no quarto, ao escuro, por dois ou três dias, e não rejeito o lado bom da vida. Tenho saudades, Tozé. Mas não é tanto saudades dele. São saudades da vida que não chegámos a viver os dois”. Conversam, Alice quer saber notícias da Luísa, Luísa e Tozé separara-se dois anos após o regresso de Angola. Marcam encontro para o dia seguinte, Tozé não teve coragem de cumprir o acordo que fizera com o Rui.
A reportagem sobre as térmitas é convincente, a desinfestação é cara, há monumentos como o Convento da Esperança que estão profundamente afetados. Interpolam-se cenas da guerra, ganha realce o acidente que vitima Rui Tavares, este estava a jogar às cartas numa divisão, ao lado, um furriel a limpar a G3 descarregou inadvertidamente a arma sobre uma parede de fraca espessura, atingiu Rui Tavares no pescoço, esvai-se em sangue. Isto em Mucondo, não muito longe de Nambuangongo. Tozé está ao lado do Rui naqueles momentos de estertor. A reportagem continua, Tozé está no Convento da Esperança, onde se guarda a imagem do Santo Cristo dos Milagres, e ele lembra-se que o Rui nunca se separava de uma pequena medalha do Santo Cristo, trazia-a, sempre, pregada com um alfinete, no interior do bolso esquerdo dólmen. “Se me acontecer alguma coisa, pá, deixa-a ir comigo”.
Tozé percorre Ponta Delgada e descreve-a na perfeição, visita os estabelecimentos afetados pelas térmitas, toma notas. Continua as entrevistas, um biólogo assegura-lhe que é impossível erradicar a praga. O seu pensamento viaja para a guerra de Angola, e lembra-se da salalé, a formiga aí constrói em altura: “Muitas dessas construções, enormes, por vezes com mais de dois metros de altura, surgiam, quase da noite para o dia, na improvisada pista de aterragem do Mucondo. Em dia de avioneta tínhamos de arrasá-las. À picareta”. Alguém, na Direção Regional da Habitação, dá-lhe conta das comparticipações do Governo e dos empréstimos a juro bonificado para todas estas obras.
Tozé vai jantar a casa da Alice, as suas recordações viajam até Mucondo, Tobias, um guerrilheiro capturado, pedira-lhe insistentemente para ir buscar a família, o capitão e os outros alferes opuseram-se, parecia a armadilha descarada. A operação correu bem, reganhou-se a confiança da população. Alice pede a verdade, Tozé conta-lhe o acidente com a armada de fogo. A única mentira foi de que o Rui não sofrera muito, ele bem vira aquele ferimento e os borbotões de sangue saindo da jugular seccionada. Alice entrega-lhe uns apontamentos do Rui que vinham dentro das cartas, eram notas para um livro que pretendia escrever quando regressasse, o que dá aso a vastas rememorações, por exemplo: “Cheguei a Angola com uma ideia errada do que acontece em combate. Soubesse que ia entrar numa guerra, pensava ter treinado o suficiente para enfrentar situações difíceis e, com um pouco de sorte, sair delas com vida. Mas não há um simulador para o medo. Nem treino para a estupefação ao som de uma rajada. De um momento para o outro somos invadidos, brutalmente, pela certeza de que alguém nos quer matar. O choque com a realidade é duro”. Todos aqueles apontamentos do Rui deram para recordar várias operações no Norte de Angola, havia ali notas de profunda indignação do Rui pela quase escravatura montada pelos fazendeiros:
“O que não revelava era a existência de uma cantina onde, a preços exorbitantes, vendia tudo o que aos desgraçados poderia interessar. Fornecia açúcar, arroz, farinha, feijão, mas também roupas, sapatos, rádios a pilhas, óculos de sol.
De tanto de endividarem, quase todos ficavam de um ano para o outro, cada vez mais presos. Trabalhavam, já, por menos de um terço do terço que lhes cabia. Uns míseros tostões. O grosso ficava nos bolsos do fazendeiro, para abater na dívida.
O motim que os bailundos desencadearam só não acabou mal porque fomos chamados a intervir. Foi lá o Rui com os seus homens. Como ele próprio disse, o 7.º de Cavalaria desta vez salvou o bandido”.
E veio a propósito o pedido do sargento Figueiredo de trazer duas ou três raparigas de Quibaxe para consolar a companhia, deu-se luz verde, a operação seria supervisionada pelo furriel enfermeiro. Tudo correu lindamente, as meninas regressaram um mês depois desfeitas em lágrimas, nunca tinham encontrado gente tão civilizada.
Caminhamos para o desfecho, o jantar termina e fala-se na manhã seguinte em irem ao cemitério. Desta vez, Tozé arranja coragem e entrega-lhe o envelope que Alice prontamente devolve, não se podia insistir, o fundamental fora a nobreza do gesto. Tozé acaba de ler as últimas notas deixadas pelo Rui: “O 25 de abril veio trazer-nos mais esperança. Não queremos morrer aqui. Estamos demasiado longe das nossas casas, das nossas mães e das nossas mulheres. Havemos de morrer, sim, mas não aqui. E morreremos amanhã, se Deus quiser, de velhice, de cancro, de colapso cardíaco ou de outra maneira qualquer”. Rui pensa “Morreremos Amanhã é um bom título".
Ainda há algumas lembranças esparsas daquela guerra. Mas algo aconteceu entre Alice e Tozé. Alice corresponde a um beijo mas responde prontamente: “Pensei estar livre. Mas não estou. A tua vinda fez-me recuar muitos anos. Reabriu feridas que já estavam curadas. Preciso de tempo para me situar, de novo, e para voltar à mulher que sou”. Reconhecem que ainda é muito cedo para eles, precisam de tempo. E despedem-se, já estão a preparar o reencontro. Tozé é um solitário, reencontrou o amor, está embevecido com S. Miguel.
Nós só morremos no dia em que mais ninguém se lembrar de nós nem de quantos combateram em África.
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14219: Notas de leitura (677): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (5): A Terceira Geração d'Os Coelhos (1)
Guiné 63/74 - P14222: Parabéns a você (857): Ana Duarte, Amiga Grã-Tabanqueira; Fernando Franco, ex-1.º Cabo Caixeiro do PINT 9288 (Guiné, 1973/74); Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1621 e CCAÇ 6 (Guiné, 1966/68) e José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14217: Parabéns a você (856): José Belo, Cap Inf Ref, ex-Alf Mil da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/72)
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