quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16461: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (18): A Retirada Final: os últimos militares portugueses a abandonar o TO da Guiné (Luís Gonçalves Vaz / Manuel Beleza Ferraz)



1. Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande, tem mais de meia centena de referências no nosso blogue. É professor do ensino básico em Vila Verde e é filho do falecido Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74). (tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974). E enviou-nos mais esta achega histórica dos últimos dias do Império.



A Retirada Final: os últimos militares portugueses a abandonar o TO da Guiné (últimas notícias)





Assinaturas do Acordo entre o Governo Português e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no âmbito da Descolonização de Cabo Verde (19 de Dezembro de 1974). Documento do Arquivo Nacional Torre do Tombo.

Caros Amigos:
Acabei de ler o  o livro da autoria de Jorge Sales Golias, A Descolonização Da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães, que vos aconselho a ler vivamente. Neste livro com prefacio de Carlos de Matos Gomes que afirma mesmo que "... é o trabalho sério e rigoroso, pessoal, de colocação no seu devido lugar do que aconteceu na Guiné ...", pude constatar depois de o ler com muita atenção, que apesar de no global, não dizer nenhuma "inverdade" no meu artigo (Retirada Final), já que que os principais acontecimentos históricos, bem como as suas datas coincidem com as apresentadas neste artigo e noutros também da minha autoria, existirá no entanto um erro na "cronologia dos últimos acontecimentos". 

A título de exemplo poderei referir que o pedido do PAIGC  no dia 4 de Outubro de 1974, para que as nossas tropas se retirassem na totalidade da Guiné até 15 de de Outubro, o que invariavelmente obrigou na altura "à revisão total do planeamento de evacuações via aérea e marítima", coincide de facto com os registos do CEM da altura,  pois o coronel Henrique Gonçalves Vaz afirma nos seus registos pessoais a  4 de Outubro de 1974 que:
"...Soubemos hoje que o nosso regresso se efectuaria a 15 deste mês! Novos planos, novas missões e novos aspectos de vários problemas a encarar! ..." 

No entanto, volto a referir que existe neste meu artigo sobre a "Retirada Final" uma incorreção, que gostaria de corrigir com base na Narrativa apresentada neste livro por este oficial do MFA e protagonista muito importante neste processo de descolonização da antiga Província Ultramarina da Guiné, que se relaciona com a (cronologia dos acontecimentos) entrega do último bastião das tropas portuguesas na Guiné, o Forte da Amura, da retirada das últimas forças militares por via marítima e a saída do comandante chefe das tropas portuguesas (Brigadeiro Carlos Fabião), o seu Estado Maior e os oficiais do MFA por via aérea. Como tal e segundo li neste livro do sr. coronel Jorge Sales Golias, a cronologia destes mesmos acontecimentos deu-se da seguinte forma, a saber:


Foto: © João Martins  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

 - O último acto oficial do brigadeiro comandante-chefe Carlos Fabião foi a deslocação ao Boé a pedido Comité Central do PAIGC, no dia 12 de Outubro de 1974 (dois dias antes de abandonar a Guiné) onde foi recebido por Luís Cabral;


In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angol,a Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autores das fotos: desconhecidos. (Reproduzidas com a devida vénia).
 
- No dia 14 de Outubro, pelas 3 da manhã, o comandante-chefe Carlos Fabião partiu do aeroporto de Bissalanca, juntamente com os comandantes do CTIG, da Zona Aérea, do seu Estado-Maior (onde se encontrava também o seu CEM) e os oficiais da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné. Este voo representou o penúltimo contingente das nossas tropas, e não o último. No aeroporto encontravam-se representantes do PAIGC em Bissau, nomeadamente Juvêncio Gomes, Vítor Monteiro, Constantino Teixeira, Paulo Correia e o comandante Silva Cabral (o célebre comandante Gazela); 


O Alto Comissário[1] (Vice Almirante Vicente Manuel de Moura e Coutinho Almeida d´Eça) ao lado de Aristides Pereira, futuro presidente da República, na abertura da primeira sessão da Assembleia Representativa do Povo de Cabo Verde.

Documento fotográfico do Arquivo Nacional Torre do Tombo.






[1] Nota: O então Comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho de Almeida D´ Eça, além de ter sido nomeado comandante de todas as forças dos três Ramos presentes no Teatro de Operações da Guiné a partir de 14 de Outubro, posteriormente desempenhou as funções de Governador e Alto-Comissário, de Cabo Verde (Jan75).

- O último comandante das Forças Portuguesas dos três Ramos das Forças Armadas, ainda estacionadas em Bissau, foi o Comodoro Almeida D´ Eça, já que em 7 de outubro o brigadeiro comandante-chefe determinou: "É nomeado comandante de todas as forças dos três Ramos presentes no TO (Teatro de Operações) a partir de 14 de Outubro à uma hora, o Exmo Senhor comodoro Vicente Manuel de Moura e Coutinho Almeida d´Eça com a missão de:

- O comandante das Forças Terrestres a embarcar (este sim o último contingente militar a abandonar o TO da Guiné), foi o coronel de infantaria António Marques Lopes;

- O comandante do destacamento da Força Aérea foi o tenente-coronel piloto aviador, Fernando João de Jesus Vasquez;

- Em 9 de outubro foi emanada pelo comandante-chefe a última diretiva, que detalhava o planeamento da entrega das instalações ao PAIGC (Ordem de Operações nº 1/74);

- Na manhã do dia 14 de outubro realizou-se a entrega do Palácio do Governo, tendo assistido a esta cerimónia o comodoro Vicente Almeida d' Éça em representação do Governo Português (segundo Jorge Sales Golias, este foi o último acto oficial antes da retirada de todas as Forças Portuguesas);

- Segundo o Relatório Final do CDMG (Comando da Defesa Marítima da Guiné),

- Neste mesmo dia e depois da cerimónia do último arriar da Bandeira Nacional, embarcavam as últimas tropas portuguesas (este sim, o último contingente a abandonar o TO da Guiné), para o navio NIASSA, em diversas LDG (Embarque simultâneo em LDG´s entre as 142300 e as 150130 segundo o Programa de embarque das Forças).

Como já disse todas estas informações, são fruto das investigações do sr. coronel Jorge Sales Golias, plasmadas no seu livro "A Descolonização Da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães", Edições Colibri, com prefácio de Carlos de Matos Gomes. 

Aconselho a sua leitura, pois narra de uma forma sábia o fim do nosso Império nesta antiga Província Portuguesa, mas sempre com uma contextualização dos acontecimentos políticos/militares na Guiné em relação aos acontecimentos políticos que decorriam na "antiga Metrópole", dos encontros de Dakar, de Londres e as negociações/acordos de Argel. Penso que com estas informações terei contribuído para um maior esclarecimento da "Retirada Final da Guiné" no ano de 1974.

Abraço para todos vós
Luís Gonçalves Vaz 


Imagem do Livro do sr. coronel Jorge Sales Golias

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Notas:



(**) Vd. postes de





Guiné 63/74 - P16460: Os nossos passatempos de verão (12): "Amarante, princesa do Tâmega" - Parte II... Uma terra onde a natureza, a cultura, a história, a religiosidade e a gastronomia se continuam a casar com perfeição...


Foto nº 1 > Amarante >  > Cheia do Rio Tâmega de 1939 > A ponte de São Gonçalo, o rio Tâmego e a igreja e o convento de São Gonçalo, vistos da margem esquerda > Painel de azulejos, pintado à mão, assinado por A. Martinho [ou Moutinho?], 1939,  Fª [Fábrica de] Cª [Cerâmica] do Carvalhinho, Gaia. Localização., fontanário e miradouro da Rua Cândido dos Reis.



Foto nº 2 > Amarante >  Agosto de 2016 >  A igreja e o convento de São Gonçalo. do lado direito, e a a igreja de São Domingos (, hoje museu de arte sacra),  do lado esquerdo,


Foto n º 3 > Caminho de pedra que conduz à Igreja de São Domingos (Nosso Senhor dos Aflitos) e Museu de Arte Sacra. Construção barroca,  concluída em 1725, o edifício fica sobranceiro à igreja e convento do São Gonçalo,






Fotos nºs 4 e 5 > Imagem de São Gonçalo, o "casamenteiro das  velhas" (a par do Santo António de Lisboa, que é o "casamenteiro das novas")...  A velha e a nova religiosidade popular portuguesa também presente em manifestações e culturais, como a festa de São Gonçalo, a docaria local e a poesia brejeira, ioncluindo os famosos bolos fálicos, propiciatórios da fertilidade. As vendedoras locais, ambulantes, chamam-lhes pudicamente e à boa maneira nortenha,  "ferramenta do santo". São Gonçalo, português do séc. XIII, tinha fama de ser "home abonado"... Em matéria dos tais  bolinhos fálicos (e a exemplo da não menos famosa "louça das Caldas"), há-os para todos os tamanhos, gostos e feitos:  gonçalinhos, gonçalos e gonçalões...

7

Fotos nº 6 e 7 > Pintura mural numa das capelas laterais da igreja do convento de São Gonçalo. Legenda: "Esta capela é do doutor Gonçalo Borges Pinto, inquisidor e presidente da Mesa da Inquisição; e doutor Francisco  [,.,] Puha Pinto e Antas, corregedor que foi do *Porto, e suas irmãs... os quais deixarão so rendimenmtos de todo so seus bens repartidos em 3 opartes;, uma para +áfgrcia e pobres, outra para para casar orfãs e outra se distribuir em missas pelas almas deles, instituidores: 1713." 

Comentário:  a "caridade cristã", dos ricos e poderosos, no início do séc. XVIII, era para se praticar... e sobretudo ostentar. Sem ofensa para a fé dos cristãos de hoje, e procurando interpretar o sentido do provérbio popular segundo o qual "dar aos pobres é emprestar a Deus", poderia talvez concluir-se que no imaginário da época Deus poderia ser uma espécie de banqueiro celestial, pagando as "boas obras" com "juros e dividendos"... Leituras, cada um faz as suas...


Foto nº 8 > Amarante > Agosto e 20154 > Dois ícones: o rio Tâmega e a sua ponte,  vistos da margem direita.


Foto nº 9 > Amarante > Agosto de 2016 >  Uma cidade sempre fotogéncia, a quem  os amarantinos chamam a "princesa do Tãmega".

Amarante > Cidade > Agosto de 2016 >


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Camaradas e amigos/as: Nem só da guerra e da Guiné vive o nosso blogue... Por isso temos séries como "Os nossos seres, saberes e lazeres" ou esta,  "Os nossos passatempos de verão"... Acreditem, Amarante é uma terra que dá sorte.,.. Recordo-me de lá ter ido, antes de casar, no verão de 1975, quando este país estava à beira de uma guerra civil, previsivelmente medonha, como a de 1828-1834, que deixou marcas profundas no vale do Tâmega (a par do vale do Sousa, os dois vales que foram o berço de Portugal)... Em 1975, eu que não era crente, fui lá pagar uma promessa a São Gonçalo... Casei em Candoz, em 1976, sem água benta mas com a benção do santo ... e de outros bons portugueses da lei e da grei...

Enfim, Amarante continua a ser uma terra onde a natureza,  a cultura, a história, a  religiosidade e a gastronomia se casam  com perfeição... Ponham Amarante na vossa agenda,  para uma próxima "rapidinha".,. Portugal não é um país pequeno...  e fica muito mais perto de casa (e é muito mais barato) que esses "paraísos turísticos" que nos impingem por aí...

Imaginem que Amarante até tem "o melhor restaurante da Europa" em 2014 . (Passe a publicidade, e já que não é para o meu bolso nem para o  meu palato, trata-se do restaurante "Largo do Paço", do hotel de charme "Casa da Calçada", tudo muito estrelado como nas nossas noites da Guiné; antes de morrer - que fique exarado no meu testamento vital! - , quero lá ir passar a última noite, com todos os meus anjos, demónios e irãs)...(LG)

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Guiné 63/74 - P16459: Os nossos seres, saberes e lazeres (172): From London to Surrey (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Sentia-me embalado e a falta de chuva ajudou à festa, lá fui arrastando o trólei por uma zona central de Londres.
A Primavera em flor, as cartilagens dos joelhos calmas, não contestaram os alguns quilómetros que durou a passeata.
Viajar com carga num território onde há cada vez mais videovigilância e presença policial, não é benfazejo, só traz problemas, entrei na Casa do Canadá para ver uma exposição, a máquina espiolhou o que eu trazia, até tive que tirar o cinto, desisti, depois da visita, de mais confrontos culturais, tudo na rua e apreciar o ar livre, é económico e seguro.
Londres é uma cidades mais caras do mundo, a ironia é que os seus esplêndidos museus são grátis. Adorei a passeata, tomo agora um comboio para East Croydon, depois tomo um autocarro. Ignorava na altura que mudaram as regras, tem que se comprar o bilhete num estabelecimento, fiquei aparvalhado com a conversa do condutor quando me disse ou traz bilhete ou usa o cartão de crédito. Veio uma alma salvadora e botou um cartão no leitor e não me aceitou o dinheiro, ainda há gente boa que nos safa destes pequenos sarilhos.

Um abraço do
Mário


From London to Surrey (2)

Beja Santos

Já me curvei respeitosamente perante Nelson Mandela e Winston Churchill, sigo para Whitehall, paro em frente do Cenotáfio, faça sol ou faça chuva todo o poder político britânico aqui vem em 11 de Novembro recordar os mortos da I Guerra Mundial, depositar coroas com papoilas, as imortais papoilas que lembraram ao poeta Auden as pétalas de sangue que se derramaram pela Flandres, prezo esta arquitetura dos anos 1980, uma modernidade que se ajusta completamente aos volumes e escalas deste quarteirão histórico, aqui funciona o Ministério da Saúde. Já passei o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Downing Street que não tem nada a ver com a rua calmíssima que eu conheci há 40 anos, agora são vigilâncias atrás de vigilâncias, creio que nem o mais potente esquadrão da morte por aqui passa, detive-me frente ao Museu da Cavalaria e a sua guarda imponente a cavalo, os turistas a colaborar com o folclore e os solípedes a defecarem a bosta na maior das calmas.



Prossegue a itinerância, ainda hoje estou a compreender porquê este meu comprazimento com o Arco do Almirantado, talvez por ser um fecho feliz do Mall, aqui perto Churchill trabalhava no seu bunker, e vou depois até Trafalgar, andei às voltas da Coluna de Nelson, escureceu mas o céu está admirável, não andasse eu com o tempo limitado, não me sentisse tão feliz com esta deambulação com trólei e saco às costas e enfiava-me umas horas na National Gallery, há uma exposição de Delacroix, paciência, fica para a próxima, peregrinação obrigatória é entrar em Saint Martin-in-the-Fields, tenho razões de sobra para vir aqui rezar e ouvir música. Aqui pontificaram alguns dos maestros de maior fama mundial, caso de Sir Neville Marrimer, à frente da Academia com o mesmo nome, pelo menos dois dos seus discos de vinil com gravações dos anos 1960 arderam na Guiné, mas não esqueço a companhia que ele me fez.




Está na hora de regressar, estou a fazer contas à vida se devo já fazer a inversão de marcha, palavra de honra que não importava de ir até Convent Garden e infletir por Oxford Street, mas é um risco para um septuagenário com trólei e saco às costas, o melhor é subir o Mall e resistir também à tentação de ir a Piccadilly, nunca percebi a atração por um local tão apertado, reconhecendo embora que a estátua de Eros tem graciosidade. Resignado, entro em Pall Mall, rua chiquérrima de antiquários, não resisti a esta minha inclusão na imagem, não é a qualquer momento que se está diante de um quadro adquirível por meio milhão de libras, fotografo um belo edifício no fim de Pall Mall, atravesso Buckingham, tenho que descansar os pés e encontro um lugar num banco frente à Galeria da Rainha, e já estou por tudo, ou estou diante de uma réplica do século XIX ou de uma fachada de templo grego pirateado. À cautela, vim até ao Google onde verifiquei que se trata de uma construção recente, aproveitaram as ruínas de uma capela que foi bombardeada na II Guerra Mundial. E agora vou partir para Selsdon, no Surrey, o trabalho espera por mim.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16434: Os nossos seres, saberes e lazeres (171): From London to Surrey (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16458: Patronos e Padroeiros (José Martins) (36): Forças Armadas e Segurança - Nossa Senhora da Encarnação, Padroeira do Batalhão de Infantaria n.º 7 (1917/1918)

1. Em mensagem do dia 4 de Setembro de 2016, dia do seu aniversário, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), dá-nos a conhecer mais um Patrono das nossas Forças Armadas, Nossa Senhora da Encarnação.

Boa tarde e continuação de bom Domingo.
Não podia deixar terminar o 69.º ano de vida sem enviar uma colaboração: mais um Patrono ou Padroeiro das nossas FFAA.
Desta feita, reporta-se ao ano de 1917/1918 e a Padroeira do Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 7, de Leiria, que fez parte do Corpo Expedicionário Português, até 6 de Abril de 1918, data em que foi dissolvido, por insubordinação.
Trata-se de Nossa Senhora da Encarnação, que é Padroeira da cidade, cuja festa é celebrada a 15 de Agosto. É de realçar a colaboração do meu sobrinho João Paulo, que foi o autor das fotos, a pedido expresso meu.

Abraço
José Martins


Patronos e Padroeiros XXXVI

Forças Armadas e Segurança

Nossa Senhora da Encarnação

Nossa Senhora da Encarnação, no exterior da Capela
© Foto: João Paulo Martins – Leiria - 2016


Padroeira do Batalhão de
Infantaria n.º 7 (1917/1918)

Nossa Senhora da Encarnação é uma das muitas invocações de Nossa Senhora. Neste caso, refere-se à Encarnação do seu Filho, que veio ao mundo feito Homem, como lhe anunciou o Anjo Gabriel.

No local onde se situa a Capela ou Santuário de Nossa Senhora da Encarnação, em Leiria, num dos montes que circunda a cidade, existia uma ermida em honra de São Gabriel, desconhecendo-se quem a construiu e quem lá colocou uma imagem da Santa. Foi D. Braz de Barros, primeiro Bispo da Diocese de Leiria que, a custas suas, mandou levantar outra, que ficou concluída em 1554.
Na Ermida se rezavam, manhã muito cedo, missas nos nove dias que antecediam a data da Festividade da Anunciação, correspondendo cada dia a cada mês que Nossa Senhora transportou Jesus no seu ventre. Porém, no dia 11 de Julho de 1588, levaram para assistir à missa que era rezada no altar de Nossa Senhora da Encarnação, Susana Dias, uma mulher que habitava na localidade das Cortes, e se encontrava aleijada das pernas havia 28 anos, e que, por milagre da Santa, se levantou e começou a andar. Na Ermida estava, além de muito povo que ali acorria às missas no altar de Nossa Senhora, a esposa do Marquês de Vila Real, Dona Filipa.

O milagre foi logo reconhecido, o Cabido da Catedral foi em procissão até à Ermida, dar graças, tendo a presença de muita gente, os milagres continuaram, afirmando-se que, numa tarde véspera de festa e na noite seguinte, foram vinte e oito.
Começaram a ser recolhidos donativos para ali, na Ermida de invocação a S. Gabriel, se levantar a Ermida de Nossa Senhora da Encarnação, cuja primeira pedra foi colocada no local, com toda a solenidade, com missa cantada e bênção, foi colocada da parte do evangelho, junto da porta principal, sendo D. Pedro Castilho Bispo, o quarto desta diocese.

Ermida de Nossa Senhora da Encarnação, parte sul da Capela
© Foto: João Paulo Martins – Leiria - 2016

O quartel de Infantaria n.º 7 dispôs até 20 de Abril de 1911, data em que foi publicado o decreto que ficou conhecido como Lei de Separação da Igreja do Estado, de Capela Regimental, que era a actual Igreja de Santo Agostinho. É provável que os soldados passassem a frequentar a Ermida de Nossa Senhora da Encarnação.
Talvez por essa razão, ou outra, ao embarcarem para França, integrados no Corpo Expedicionário Português, os militares do Batalhão, levaram consigo uma imagem da Santa, que os acompanhava sempre que iam para a frente, onde tinha o seu nicho e era procurada pelos seus devotos.
Este facto foi noticiado no semanário católico “O Mensageiro”, de Leiria, no ano de 1917, pela pena do seu director, Padre José Ferreira Lacerda, Alferes Capelão do RI7/CEP que, de França, ia enviando crónicas e noticias para o seu jornal.

A Nossa Senhora da Encarnação é a padroeira da cidade de Leiria, pelo que no dia 15 de Agosto é realizada a festa em sua honra, organizando-se, durante as mesmas, uma procissão que, saindo da Igreja de Santo Agostinho vai até à Ermida.

Odivelas, 4 de Setembro de 2016
José Marcelino Martins
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10173: Patronos e Padroeiros (José Martins) (35): São Lourenço de Brindisi, Frade, combatente e Santo

Guiné 63/74 - P16457: Os nossos passatempos de verão (11): "Amarante, princesa do Tâmega" - Parte I: A terra natal de um génio, Amadeo Souza-Cardoso


Foto nº 1 > Centro histórico de Amarante, com destaque para a igreja e o convento de São Gonçalo (séc. XVI-XVII), vistos do meio da  ponte sobre o Rio Tâmega.


Foto nº 2 > O Rio Tâmega e as suas pontes, em Amarante... Em primeiro plano, a célebre ponte de São Gonçalo (reconstruída em finais do séc. XVIII), a tal  que foi palco, durante 14 dias,  de 18 de abril a 2 de maio de 1809, de encarniçada e heróica luta  de defesa das populações e tropas portuguesas contra as tropas napoleónicas em retirada para Trás-os-Montes, na sequência da Segunda Invasão Francesa a Portugal  (Guerra Peninsular, 1807-1814). O gen Silveira e as suas tropas (incluindo milícias e civis mal armados) entrincheiravam-se na margem esquerda, barrando a saída dos franceses em fuga...


Foto nº 3 > Museu Municipal Amadeo Souza-Cardoso... Em primeiro plano a estátua do nossos escritor e filósofo da saudade Teixeira de Pascoaes (1877-1952), filho de Amarante, tal como o grande artista plástico Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) (, vítima da pneumónica, quando estava em Espinho; se não tivesse morrido tão cedo, a sua obra hoje teria muito possivelmente a dimensão mundial de alguns dos grandes pintores modernos com quem expôs em vida: Braque, Picasso, Duchamp, Matisse, Kandinsky, Léger).... 

Esquecido depois da sua morte precoce, em 1918, Amadeo Souza-Cardoso está a ser redescoberto, nacional e internacionalmente: veja-se o sucesso da sua exposição retrospectiva, com 3 centenas de obras,, em Paris. no Grand Palais, acontecimento já considerado como um enorme contributo para revelar internacionalmente “um dos segredos mais bem guardados da arte moderna” (sic) (palavras do historiador de arte norte-americano Robert Loescher).


Foto nº 4 > Edifício dos Paços dop Concelçho de Amarante,  de1867


 Foto nº 5 > Rio Tâmego em Amarante: a Ilha dos Amores


Foto nº 6 > Rio Tâmego, um rio que as barragens "domaram" ou estão em vias de "domar", destruindo todo um ecosssitema valioso: a jusante, a barragem do Torrão (Alpendurada, Marco de Canaveses, construída em 1988 pela EDP); a montante,  a barragem de Fridão (EDP, projeto suspenso) e o complexo hidroelétrico do Alto Tâmega, que está nas mãos da Iberdrola Portugal...


Foto nº 7 > Rua Sold José António [Teixeira] Pinto, um dos primeiros camaradas de Amarante a morrer, na guerra colonial, em Angola, em 1962. Os seus restos mortais ficaram em Angola,  A lista dos mortos do concelho é extensa: mais de meia centena, 13 dos quais na Guiné.

Amarante > Cidade > Agosto de 2016 > 

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P16438 (*):

(i) Bispo1419 [, Manuel Joaquim]

Tardou a resposta, meu caro Luís, mas aqui vai ela:

A "Varanda dos Reis" (varanda dos quatro reis) fica na linda cidade de AMARANTE. Está situada na parte superior do pórtico do edifício do convento de S.Gonçalo de Amarante.

Esta varanda/balcão é assim chamada porque nas pilastras de suporte dos arcos estão as estátuas dos quatro reis de Portugal que apoiaram a construção do convento: D. João III, D. Sebastião, cardeal D. Henrique e D. Filipe I (Filipe II de Espanha).

Abraço
Manuel Joaquim
3 de setembro de 2016 às 03:00





(ii) Tabanca Grande [, Luís Graça]:

Bingo!, Manel Joaquim... Professor é professor... 
Concordas que os "mouros" do sul devem lá ir, a Amarante, pelo menos uma vez na vida... A não perder, além da cidade (património natural - Rio Tâmega - e edificado...)., a "rota do românico", incluindo o mosteiro de Travanca. São dez monumentos do românico só no concelho de Amarante, terra de artistas e escritores... 
Ab. Luis.

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16438: Os nossos passatempos de verão (10): A varanda dos quatro reis... Onde fica ? Quem são ?... É obrigatório visitar esta cidade (e o respetivo concelho), pelo menos uma vez na vida...

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16456: Agenda cultural (496): Rui Tavares apresenta, na FNAC Chiado, Lisboa, 5ª feira, dia 8, às 18h30, o livro "Os Quatro Cantos do Império", de André Canhoto Costa




Sinopse > " Esta é a história de um cão. E do pastor que visitou os quatro cantos do império português para o encontrar.
O século XV está a chegar ao fim. As cidades de Portugal fervilham de comércio, e por todo o lado, rugem as serras dos construtores navais.

Esta é a história de Lopo, um jovem pastor, com gosto simples e pensamento rápido. A sua felicidade está em levar as cabras ao monte e correr na praia com Guiomar, filha de um Conde. Lopo e Guiomar andam sempre na companhia do Latido, um magnífico cão de água. Até ao dia em que um capitão de caravela, ao regressar da Guiné, é recompensado pelo pai de Guiomar com a oferta do Latido. A perda do animal tira à jovem a vontade de viver. E Lopo decide seguir esse capitão para recuperar o cão e, com ele, o sorriso de Guiomar.

Da cidade de Lagos à praça de Ceuta, das praias de Calecute às florestas do Brasil, Lopo visita os quatro cantos do império, arrastado pela navegação oceânica, pelos desígnios dos almirantes, os caprichos dos capitães e os sonhos do rei de Portugal.

Depois do cárcere e da traição, da violência dos mamelucos e voluptuosidade dos hindus, da sobriedade dos nómadas e pureza canibal dos índios… será que Lopo regressará a Portugal?
E o que aconteceu com o Latido?"



1. Mensagem de Margarida Damião, da editora Saída de Emergência:


Data: 5 de setembro de 2016 às 16:43
Assunto: Rui Tavares apresenta "Os Quatro Cantos do Império",  de André Canhoto Costa


Boa tarde,

Esta quinta-feira Rui Tavares apresenta Os Quatro Cantos do Império de André Costa.

Um livro que nos transporta de Lagos até à Praça de Ceuta, das praias de Calecute às florestas de Brasil, os protagonistas da história visitam os quatros cantos do império , arrastados pela navegação oceânica, pelos desígnios dos almirantes, os caprichos dos capitães e o sonho do rei de Portugal.

Aproveite para falar com André Costa e conhecer esta aventura onde o cão Latido e jovem Lopo são os heróis desta história.


Obrigada!

Margarida Damião
Dir. de Comunicação
margarida@ed.saidadeemergencia.com
tel. 96 344 19 79


Taguspark, 
Rua Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva, 
Edifício Qualidade - Bloco B3, Piso 0, Porta B,
2740-296 Porto Salvo, Portugal
Tel: +351 21 458 3772 / www.sde.pt

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Nota do editor:

Último poste da série >  31 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16433: Agenda cultural (489): Amanhã, dia de 1 setembro, estreia nos cinemas o filme, de Ivo M. Ferreira, "Cartas da Guerra", baseado nas cartas de amor e guerra de António Lobo Antunes, ex-alf mil médico, da CART 3313 (Angola, 1971/73). Descontos especiais para grupos de ex-combatentes e séniores

Guiné 63/74 - P16455: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte IX: "Bafatá: Este sol que nos enche a alma, / numa terra escura em que a noite nos abraça, se deita connosco até de manhã, / sonhei que te guardava só para mim. / Quando acordei, gritei, chamei por ti / e tu continuaste a viver, sempre linda e bela"




Guiné-Bissau > Bafatá > Outubro de 2015 > Pôr do sol


Fotos: © Adelaide Barata Carrêlo (2016) Todos os direitos reservados.
[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A Adelaide, com 7 anos,
em Lamego, em 1970
1. Mensagem de Adelaide Barata Carrelo,  com data de 29 de agosto último:


Bafatá

Este sol que nos enche a alma,
numa terra escura em que a noite nos abraça, 
se deita connosco até de manhã,
sonhei que te guardava só para mim.
Quando acordei, gritei, chamei por ti 
e tu continuaste a viver,  sempre linda e bela.


Adelaide Barata
29-08-2016

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Guiné 63/74 - P16454: Convívios (767): XXVII Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, dia 22 de Setembro de 2016, em Carcavelos (Manuel Resende, ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585)



27.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha

Hotel Riviera - Carcavelos

22 Setembro de 2016

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Resende (ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71), com data de hoje, 6 de Setembro de 2016:

Caros amigos e magníficos tabanqueiros
Estamos no mês de Setembro, mês de mais um convívio.

Assim no dia 22, quinta-feira, estaremos todos convidados para o “HOTEL RIVIERA”, no Junqueiro, em Carcavelos, ali próximo da praia com o mesmo nome. Já lá estivemos em Janeiro. Creio que foi do agrado geral.

Iremos repetir mas com uma variante será servido à mesa e o prato principal será "BACALHAU À LAGAREIRO".

Inscrições para:
Jorge Rosales – 914 421 882; jorge.v.rosales@gmail.com
Manuel Resende – 919 458 210; manuel.resende8@gmail.com

Dia 20, terça-feira, é o último dia para inscrições

Ementa: Serviço à Mesa:
1 - Saladas Simples e Compostas (4 variedades de cada à consideração do nosso Chefe)
2 - Salgados Miniaturas de rissóis, croquetes e chamuças
3 - Sopa Creme de Abóbora com Queijo Fresco
4 - Prato Quente Lascas de bacalhau à lagareiro
5 - Sobremesas Arroz Doce Salada de Fruta
6 - Bebidas Vinho branco e tinto (da casa) – Douro Águas Minerais, Sumos, Refrigerantes
7 - Café

Preço por pessoa: 20.00 €

E PRONTO... CÁ VOS ESPERAMOS.

Coordenadas GPS do Hotel: 
38º - 41’ - 05.27” Norte - 9º - 20’ - 35.11” Oeste
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16428: Convívios (766): Os "tugas" de Bafatá... Agosto de 2016, restaurante "Ponto de Encontro", do casal Célia e João Dinis a quem prestamos uma emocionada homenagem (Patrício Ribeiro, Impar Lda)

Guiné 63/74 - P16453: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (6): Pequenas Grandes Verdades



1. Mais um belíssimo texto enviado pelo nosso camarada Adão Pinho da Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), este com pequenas grandes verdades.


MEMÓRIAS DE UM MÉDICO EM CAMPANHA


6 - Pequenas Grandes Verdades

Fiquei sempre com esta paradigmática sensação desde que, por volta de 1970, encontrei no átrio da Faculdade de Medicina da Salpêtrière, em Paris, um busto holográfico de Hipócrates que parecia dizer-me: Mon fils, la vie est le chemin pour la rencontre de nous-mêmes [, "Meu filho, a vida é o reencontro de nós mesmos"]. Mas já muito antes, na guerra colonial, as longas horas a olhar para o vazio se enchiam inesperadamente de pequenas explosões, não de granadas, mas de pequenas grandes verdades de um pensamento acorrentado à la rencontre de nous-mêmes.

Sentado numa pedra junto à margem, no meio do dilema entre vida e suicídio, depois de encontrar um dedo humano na boca do peixe-serra, que tinha um fígado de um metro quadrado, dizia o filósofo, condenado a mais nove meses de mato por tentar embarcar para a metrópole uma G3, com o fim de matar o sogro que lhe havia violado a mulher:
– Este é um sítio porreiro para alguém se suicidar, não acham?

Mas não havia ninguém à volta para receber a pergunta. Concluiu que falava para si mesmo:
- Ora merda, ninguém me ouve. Mas têm de concordar que é um poço fundo, tão fundo que não dá tempo para chegar vivo lá abaixo.
– A verdade procura sempre o amor na densidade dos processos e na empatia do sofrimento. – clamava bem alto o meu amigo arquitecto, pés bem assentes no escuro do pequeno cais de madeira, entre a amplidão do espaço de uma noite estrelada e os limites das margens do Cacheu.
– Muito se tem falado sobre o facto de umas coisas da vida imitarem as outras ou não coincidirem com as outras. Não se trata de uma questão de imitação ou discordância, mas de procurar saber o que acontece quando duas coisas se juntam, naturalmente, para criar algo de novo, isto é, saber o que acontece se ambas descobrem a verdade absoluta ou se a verdade absoluta não é mais do que a verdade relativa e circunstancial dos momentos das nossas vidas.

Não entendi muito bem, mas compreendi perfeitamente porque é que ele trazia debaixo do braço meia dúzia de discos de Beethoven, em vez da espingarda.

Assim que for dia, se dia chegar a ser nesta escura paisagem, lembraremos o amigo que na véspera escrevia versos com sangue da primeira bala, com a força da vida que cedo se apagou na segunda bala, gritando entre sonhos para os jagudis que o miravam e esperavam comer-lhe o corpo:
– O valor simbólico da percepção da vida está para além das filosofias baratas, e lembra que entre as grandes verdades da vida, outras mais pequenas se encontram a uni-las, como o amor, a poesia… e a morte.

A lua ia já muito alta, e caía a pique nas águas fundas do Cacheu. Eu e o padre capelão embarcávamos numa LDM [, Lancha de Desembarque Média,] , semelhante às que fizeram o desembarque da Normandia, em direcção a Binta, que ficava vinte milhas a norte. Ele levava como missão confortar as almas e eu levava como missão tratar uma caganeira geral do pelotão que ali se encontrava. A margem esquerda do Rio Cacheu, o Oio, era uma mata completamente cerrada de tarrafe, e território dos guerrilheiros.

A meio do caminho, nas entranhas do mais absoluto silêncio, apenas apunhalado pelo arrepiante pio de alguma ave nocturna, o padre perguntou-me:
 –  O que é para si a verdade?

E eu respondi:
– Neste momento, para mim, a verdade não é esta enorme lua andar à volta da terra, mas as bazucas que, eventualmente, estarão por trás do tarrafe e nos farão mergulhar no fundo do rio, onde uma legião de jacarés esfomeados nos espera. A verdade para mim, caro padre, está no facto de estarmos aqui os dois, no coração da selva, sem termos a coragem de confessarmos um ao outro que não nos cabe um feijão no cu. O senhor com o Breviário e eu com Les Damnés de la Terre [, "Os Condenados da Terra", de Frantz Fanon], duas realidades completamente diferentes, unidas pela força de uma pequena verdade circunstancial, o cagaço.

E o Padre, com duas lanchas no fundo do rio [, possível referência à LDM 302,] desde há dois meses, ancoradas na sua cabeça, pedia explicações não se sabe a quem:
– Alguém tem de me indicar a saída da noite sem regresso, não pode haver quem não saiba o caminho da derradeira fome, do calor do resto de lume do último verso, não acha,  caro doutor?

E eu respondi:
– Já viu estes passarinhos fritos, amavelmente e inesperadamente oferecidos por dois fuzileiros, no meio do rio Cacheu, noite fora, nos confins da selva? Somos quatro dentro de uma lancha perdida no tempo, meu amigo, dois fuzileiros, um crente e um ateu. Enquanto deus anda à deriva, esta metralhadora com balas do tamanho de um palmo, não.

Os gritos sem voz das mães dos filhos que por aqui ficaram, nem sequer beliscavam o silêncio. Não havia mães nem filhos, nem momentos de aflição. Apenas medo. A sensação de que o tempo era de morte, e a superfície espelhada do rio como um vidro vermelho de sangue deram para conversar:
– A noite e o vazio estão na origem cosmológica do mundo. Sofrer pode ser apenas sorrir. A pequena grande verdade do ser dissolve-se na tensão interna de quem ama a vida. Não será verdade?

E o fuzileiro, ainda com alguns passarinhos na sertã de meio metro de diâmetro,  avançou:
– Já fiz muitas missões por este rio fora, mas nunca com um padre e um médico. Uma bênção e um privilégio, mas que, nem por sombras me dão a segurança desta Browning.

E deu um beijo na metralhadora.

Já a lua se havia sumido e o sol faiscava nas três ou quatro garrafas vazias, quando abrimos os olhos, estendidos no convés. Ainda ecoavam nos ouvidos as pequenas grandes verdades, libertadas pelo estimulante whisky que os dois fuzileiros conseguiram no contrabando:
– Parecendo às vezes um lago tranquilo de um qualquer paraíso  – diz o segundo fuzileiro–  … e embora os rios corram para o mar, este parece nascer do mar, avançando sobre nós e tentando afogar-nos como aconteceu no último afundamento da lancha.
– Pois é – comenta o padre–, parece uma blasfémia, mas os desígnios de Deus nada mais são do que interacções sensoriais e perceptivas entre realidades virtuais e realidades reais, indispensáveis à compreensão da vida e do papel do ser humano.

Esta grande verdade nada mais produziu nos presentes do que um eructante soluço.

Não se riam. Assim como a dor transforma em humilde ignorante todo o que a sofre, também a mente humana, no meio do cagaço, discorre sabiamente sobre todas as filosofias, respondi eu, com as palavras ainda envoltas em vapores etílicos: nada se confunde plenamente, nada se distingue de forma absoluta, mas toda a nossa vida comporta áreas de intersecção muito importantes. Na relação gemelar entre os seres humanos, só a queda da hegemonia dos disparates torna possível as pequenas verdades da simplicidade da vida, no seu sentido antropológico.

Ao fim de dois dias, estancada a diarreia e reacesa a luz do Espírito Santo, alguém levantou, mais ou menos a despropósito, não o modus faciendi do seguimento para norte, mas a questão da transdisciplinaridade da vida, relação profunda e não superficial entre os saberes, uma das atitudes e estratégias fundamentais no avanço do conhecimento para a justiça, para a ética, para a solidariedade e cidadania, a fim de acabar com a puta da guerra. Dizia o alferes, já no fundo da garrafa de bagaço que trouxera de férias:
– Ainda há quem pense que existe um qualquer tipo de antagonismo entre imaginação de natureza poética, política, e bélica, mas não há. O que há é uma relação podre entre a razão e anti-razão, levando à morte das pequenas verdades e à destruição do ser humano.

Ora, nada destas filosofias tinha a ver com a terrível picada de vinte quilómetros que tínhamos pela frente, através da selva, durante sete horas, entre Binta e Guidage, já na fronteira do Senegal, onde íamos tentar acalmar alguns apanhados da cuca, pertencentes ao pelotão que lá se encontrava desterrado. O ataque de um enxame de abelhas selvagens a meio do caminho, ataque mais temido do que uma emboscada, foi uma daquelas pequenas grandes verdades que se agarram como crude ao caminho da memória. Como não havia qualquer deus na farda do padre capelão a receber as angústias dos homens, concedi a mim mesmo a difícil tarefa de ser eu o senhor e dono do nosso desígnio. Com muita sorte e pequenas verdades dentro de uma caixa de ampolas de hidrocortisona, conseguimos reverter dois graves choques anafilácticos.

– Diga-me lá meu caro padre, de que nos servem as grandes verdades?
– Servem para lhe pagar, com todo o gosto, a pequena verdade de uma cerveja, quando chegarmos a Guidage.

As pequenas grandes verdades da vida continuam a dizer-me que a relação do Homem com os inúmeros fenómenos que o rodeiam, com tudo o que vê e ouve, com tudo o que entende e não entende, é a mais poderosa essência da vida. A razão do Homem, fruto da obediência ao facto de existir… é um facto.

Três perguntas:
– Não será esta cerveja, saída do fundo do bidon de gelo para uma goela a quarenta graus, um milagre?
– Acha que, algum dia, a terra engolirá os exércitos genocidas que se empanturram de vidas e se embebedam de sangue para glória do Senhor dos Exércitos?
– Há alguma razão para andar com um colar de orelhas ao pescoço ou dar um sabonete Lux às bajudas e fuzilá-las de seguida?

O capelão, com um pé no Senegal e outro na Guiné – a fronteira era o caminho da fonte – encolheu os ombros, sorriu e sentenciou:
– Sempre haverá espinhos nos olhos e aguilhões nos flancos da vida.
– Sim – respondi– , sempre haverá grandes verdades na noite do Homem, a tapar as pequenas verdades do nascer do sol.
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Nota do editor

Poste anterior de 16 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16392: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (5): O diagnóstico

Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Especialista em material de segurança cripto (Quartel General, CTIG, Bissau, 1963/66), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há mais de 40 anos...


Foto nº 1 > 

Emblema da CCAV 488, desenhado com "garrafas de cerveja" (?).. O Augusto Mota, pelas funções no QG, nunca saiu de Bissau... Tinha um amigo na CCAV 488 (Bissau e Jumbembem, 1963/65) a quem enviava jornais e revistas.


Foto nº 2: Equipa de futebol... O Augusto Mota, na primeira fila, é o quinto da esquerda para a direita.




Foto nº 2A  > Augusto Mota, assinalado a amarelo, integrando uma equipa de futebol (presume-se que seja de militares do QG).




Foto nº 3 > Uma brincadeira com as "marmitas",,,  O Augusto Mota é o segundo da direita para a esquerda, assinalado a amarelo.


Foto nº 4 > Trabalhos de construção ... Não sabemos onde...


Foto nº 5 > Cartune: "Na Guiné todos os bichos... picam!" ... Repare-se no quadro, na parede: "Sociedade  Protectora dos Maçaricos"... Nessa época, os novatos eram "maçaricos" (como em Angola), só mais tarde, provavelmente, é que se popularizou o vocábulo "periquito"... E nos aquartelamentos ainda não haveria geradores, por volta de 1963, a malta deitava-se à luz da vela... Era assim, camaradas veteranos ?

Fotos: © Augusto Mota  (2016). Todos os direitos reservados


1. Tudo começou com uma mensagem de Augusto Mota, enviando-nos uma cópia de uma "preciosidade", o programa das comemorações do 45º aniversário da UDIB, Bissau, em 28/6/1974. O endereço de email que usa é brasileiro:

Assunto: PROGRAMA UDIB 29.06.1974

Caríssimo Luís Graça,
Remexendo em coisas antigas, que em casa guardo ciosamente, encontrei o "PROGRAMA" em anexo que, no mínimo, é uma raridade. Como ignoro onde encontrar o Valdemar Rocha [, poeta do grupo do caderno de poesias "Poilão"] mas estou seguro de que gostará de receber, agradeço lhe remeta o referido documento.
Antecipadamente grato.

Atentamente,
Augusto Mota




2. Resposta do editor em 4 de agosto último:

Caríssimo Augusto: Vamos ver se o Valdemar Rocha ("Nobre Luso") te reconhece... bem como o resto da malta do "Poilão" (Albano Matos, Luís Jales de Oliveiora...) (*)... Vamos ficar em contacto, estou de férias, com menos disponibilidade para o blogue... Ab, Luís Graça


3. Novo mail do Augusto Mota, de 23 de agosto

Caríssimo Luís Graça:

Já vai sendo tempo de corresponder à sua curiosidade:

As minhas atividades na UDIB se resumiram ao sarau inerente aos JOGOS FLORAIS.

Na época era proprietário de uma livraria, representante da Santa Casa da Misericórdia (totobola), abastecia a província de jornais e revistas e era representante/correspondente do EXPRESSO, outros jornais e revistas.

Fui para a Guiné como militar, no período de 63/66, compondo o primeiro GRUPO DE MATERIAL E SEGURANÇA CRIPTO.

Regressei ao continente e voltei para a Guiné como gerente comercial (Casa Campião) [, fundada em Lisboa em 1840 por Pedro José Pereira Campião, sendo hoje a casa de lotarias mais antiga do mundo, como tal registada no Guiness Book of World Records.]

Presentemente encontro-me no Brasil (há mais de 40 anos), como funcionário público. Estou aposentado.

Tenho centenas de fotos e estou anexando algumas.

Aplausos para o blog. É bom para que a turma recorde os caminhos traçados... para mim não, que já não tenho memória.

Um abraço para todos vocês.
Augusto Mota

PS: Em "marmita" [. foto nº 3,] sou o segundo da direita para a esquerda; no futebol [, foto nº 2,] , estou na fila dos abaixados. Sou o quinto da esquerda para a direita.


4. Comentário do editor:

Augusto, temos poucos veteranos como tu, da época de 1963/65... Mas, pegando nas tuas palavras, mal de nós quando deixarmos de ter memória...

Pois muito bem, procurando interpretar a tua vontade, passas a honrar-nos com a tua presença na Tabanca Grande... Contigo passamos a ser 726 membros da Tabanca Grande, entre vivos e mortos. Somos uma espécie em vias de extinção. Espero que o Valdemar Rocha ("Nobre Luso") nos dê notícias em breve e aceite o nosso convite para se juntar a ti e a nós, neste espaço dos camaradas e amigos da Guiné,

Da CCAV 488, onde tinhas um amigo, fez parte o nosso camarada, grã-tabanqueiro, natural de Águeda,  Armor Pires Mota  [ex-alf mil  CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65; escritor, autor dos livros, entre outros, o "Tarrafo", 1965 (com edição facsimilada, com as anotações do "lápis azul" dos censores, em 2013); "Guiné, Sol e Sangue, 1968; "Cabo Donato, Pastor de Raparigas", 1991; "Estranha Noiva de Guerra", 1995: e a "Cubana que dançava flamenco", 2008].(**)

Lembras-te dele? E de mais camaradas?

Se puderes manda uma foto atual da tua pessoa. E, claro, manda as fotos que quiseres do teu tempo de militar e civil na Guiné... Com boa resolução (c. 400/600 DPI)... Muita saúde e longa vida. que os camaradas da Guiné merecem tudo!
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de agosto 2016 > Guiné 63/74 - P16360: Memória dos lugares (341): UDIB, Bissau, II Jogos Florais, Programa, 28 de junho de 1974 (Augusto Mota)

(**) Sobre as CCVAV 488 (Bissau e Jumbembem, 1963/65), vd. os seguintes postes de Armor Pires Mota:

25 de novembro  2013 > Guiné 63/74 - P12341: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (1): Diário de bordo - A primeira grande desilusão

27 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12351: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (2): Diário de bordo - Ó mar salgado!

29 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12360: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (3): Diário de bordo - Manhã azul e Deus ao leme

2 de dezembro  de 2013 > Guiné 63/74 - P12378: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (4): Cinco dias no Niassa; A primeira grande experiência e Dois alferes de uma só vez

4 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12386: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (5): Ilha do Como - Operação Tridente

6 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12397: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (6): O casamento do Jaime e da Manuela, A macaca ciumenta e O dia de santo avião

9 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12419: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (7): Os macacos vermelhos

11 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12432: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (8): Aerogramas para a Lili (1)

13 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12444: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (9): Aerogramas para a Lili (2)

16 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12458: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (10): Crónicas (ausentes) de "Tarrafo" (1): Bandeira branca, O Vicente e Palhota sem luz