quarta-feira, 5 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22172: Historiografia da presença portuguesa em África (261): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Fica por saber se este brilhante general nascido em Varsóvia e falecido em Tavira, cumulado com as mais importantes condecorações portuguesas, andou por Cabo Verde e pela Guiné por sua iniciativa ou missão governamental. O que fez é uma autêntica corografia, uma descrição em grande ecrã, temos história, administração, o estado das praças e dos presídios, localizando a presença portuguesa, faz recomendações de índole política, vê-se que estudou e que falou com quem conhecia os diferentes contextos, não esconde a fragilidade da presença portuguesa, procede a um roteiro das atividades económicas e do sistema defensivo. É trabalho de leitura obrigatória para quem quer conhecer a Guiné da primeira metade do século XIX, sabia-se que o tráfico de escravos tinha os seus dias contados, era preciso injetar novos processos para que a colonização da Guiné frutificasse, o que não aconteceu. Ao tempo em que Chelmicki publica este magnífico documento, Honório Pereira Barreto tem na forja a sua desembaraçada Memória da Senegâmbia Portuguesa, onde diz verdades com punhos, só que Portugal caminha para a Regeneração e o fontismo e os negócios brasileiros ainda eram muito atrativos. As consequências, pesadíssimas, irão sentir-se ao longo da segunda metade desse século, com o ziguezague das guerras de ocupação, uma quase metade da Guiné enfronhada em guerras étnicas, os Fulas a impor a submissão de outras etnias e a estabelecer alianças com os Portugueses, tudo numa enorme medorra, nem na fortaleza de S. José de Bissau se vivia e podia dormir seguro. E sabe-se muito bem no que deu esta ténue presença portuguesa.

Um abraço do
Mário



Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (3)

Mário Beja Santos

José Conrado Carlos de Chelmicki é autor da "Corografia Cabo-verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde e Guiné", em dois volumes, tendo sido o primeiro publicado em 1841. Este tenente do Corpo de Engenharia nasceu em Varsóvia, é um jovem quando vem combater pela causa liberal em Portugal, distingue-se pela sua bravura, foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, da Torre e Espada, de Nossa Senhora da Vila Viçosa, igualmente condecorado em Espanha, distintíssimo oficial colocado em vários pontos do país, deve-se-lhe uma obra singular, uma descrição ampla e certamente documentada de uma Guiné que poucos anos depois da publicação dos Tomos I e II é alvo de um documento que vem confirmar o que ele observara na sua digressão numa Guiné sem fronteiras, refiro-me concretamente à Memória da Senegâmbia, de Honório Pereira Barreto.

Recorde-se que o nosso narrador procede a uma resenha histórica, fala na divisão da Guiné Portuguesa em dois distritos, no texto anterior fez-se um resumo de tudo o que ele nos diz do distrito de Cacheu e vamos seguidamente falar do distrito de Bissau. Abarca a fortaleza de S. José, as ilhas de Bolama e das Galinhas, o Ilhéu do Rei, Fá e Geba, computando a população sujeita às autoridades portuguesas em três mil habitantes. A Força Armada do distrito era composta por 145 praças. Falando em S. José, observa que há um ponto que Portugal possui na Ilha de Bissau sujeito a vários régulos, e que tem doze léguas de comprido sobre seis de largo. Recorda que foi no reinado de D. José I, em 1766, que se mandou construir a fortaleza que tem a forma de um quadrado abaluartado. A aguada faz-se uns 300 passos ao sul da praça, à beira-mar, nalguns poços escavados na profundidade de 5 a 6 palmos de areia, e trata-se de uma água que não é agradável ao paladar. É uma descrição minuciosa, temos um militar por detrás: “O fundeadouro defronte da praça é muito seguro em todas as estações porque o mar está sempre em calma com um fundo tão firme que com boas amarras em tempo algum há perigo. Apesar da bondade do porto, as entradas e saídas são de muita demora, visto que não é possível bordejar por causa dos numerosos baixos”. Dá elementos sobre o povoado de Bissau: “Umas 300 habitações, todas miseráveis palhoças, sendo seis mais sofríveis abertas com telha, formam a povoação que jaz debaixo do fogo da praça. Aqui assistem alguns negociantes portugueses, e o resto são pretos cristãos ou apenas batizados. Os gentios vizinhos não têm nenhum respeito, nem temor, deixam tremular a bandeira portuguesa por ser do seu interesse, tirando daqui a pólvora, aguardente e outros artigos que já são para eles quase de primeira necessidade. Todavia, vêm sempre ao mercado armados, e dizem por vezes que chegando as chuvas hão-de arrasar a fortaleza. É muito frequente matarem alguns habitantes da povoação e entram quando querem em casa do governador sendo muitas vezes paisano e negociantes, habita fora das portas da fortaleza, tiram-lhe o chapéu da cabeça ou algum outro traste que lhes agrada, e tudo isso ele sofre impunemente. O comércio é na totalidade explorado por Franceses, Ingleses e Americanos, porque navios portugueses poucos lá vão”.

E dá-nos igualmente outras informações sobre a nossa posição no distrito. Fala assim do Ilhéu do Rei: “Defronte do fundeadouro da Praça de Bissau está o lindo e arborizado Ilhéu do Rei, chamado pelos Ingleses e Franceses Sorciers e que nalgumas cartas portuguesas vem denominado de Superstição: nome que lhe foi dado por existir neste ilhéu a crença de que qualquer indivíduo que for caçar ou matar alguma coisa ali infalivelmente morre em breve. É de suma importância ocupar este ilhéu e talvez estabelecer ali sede das autoridades. O Governador Marinho por intervenção do Sr. Honório (Pereira Barreto) obteve em 1837 do gentio a cessão dele; resta agora fazer algum forte e construir casas para o governador e a tropa”.

É pormenorizado na descrição das ilhas dos Bijagós, faz largos comentários à cobiça inglesa, e depois segue para descrição de Fá e Geba. Fá situava-se a 40 léguas acima de Bissau, era uma posição ocupada depois de 1820, então um comerciante português dera início a uma feitoria que nos primeiros anos trouxe prosperidade, o comerciante morreu e o governador de Bissau mandou alguns soldados para ali. “Porém, não há forte algum, no ano passado havia um sargento e seis soldados desarmados que moram numa palhoça. O território pertence à Fidalga de Fá”. Geba situava-se a 60 léguas acima de Bissau, território de Mandingas. No princípio do século XIX tinha até 2 mil batizados que habitavam em 400 casas baixas. “Hoje existem ali só seis brancos. Há uma igreja que muitas vezes está sem sacerdote”.

Este general de origem polaca mostra que estudou metodicamente a geografia, as populações, o comércio, a indústria, é extremamente crítico sobre o estado geral das fortificações: “Não há senão miseráveis fortins, que fora do alcance da sua artilharia não exercem influência nenhuma, e os portugueses estabelecidos preferem o ganho fácil na troca dos géneros, à nobre, honrada e já tão adiantada arte nos países civilizados, a arte de cultivar a terra. O nome do colono tão estimado e honrado, é aqui ignorado. A fazenda da D.ª Rosa de Cacheu, no Poilão do Leão, é a única que existe nos limites da Guiné Portuguesa. Nos últimos anos, principiou o Sr. Honório alguma cultura da ilha de Bolama, e o Sr. Matos na das Galinhas; mas isto são coisas tão insignificantes que mal se podem mencionar. Talvez até a de Bolama já acabasse, desde que no ano passado os Ingleses invadiram esta ilha e roubaram ao colono 300 escravos que empregava nesta cultura. Na vizinhança de Farim, o Sr. Pascoal comprou terrenos que à falta de força não pode nem sequer semear por causa dos atrevidos ladrões gentios. A agricultura portanto não faz ainda nenhuns progressos nesta parte de África". E considera que chegou o momento de falar da população gentílica:
“Cada aldeia dos gentios é cercada de um vasto território, composto de bosques, prados e terras que são concedidas a quem quiser encarregar-se do trabalho e das despesas. No resto pastam os gados. Não é conhecido entre eles o direito da propriedade. A terra entanto é tão fecunda, que sendo húmida em oito dias depois de semeada já é um prado, em dois meses um campo coberto de espigas douradas. Nestes climas de fogo, a água é a principal condição de fertilidade. Todos os cereais, é verdade, são pequenos, de grão muito duro, mas em paga a natureza oferece aos mandriões dos habitantes palmas de diversas qualidades, milhares de várias árvores de fruta, debaixo das quais, tendo a sombra para abrigo e descanso, o suculento fruto lhes serve de alimento”.

E curiosamente vamos passar a ter informação sobre a cultura do arroz: “É principalmente cultivado no país dos Felupes, país abrangido entre o rio de Cacheu e o de Casamansa, ocupando uma região de mais de vinte léguas quadradas. Como o terreno é em parte lodoso, em parte arenoso, mas em geral cortado de regatos e alagadiço, promove muito as cearas de arroz que aqui se chamam bolanhas; como todavia, por falta de indústria nos seus trabalhos rurais, são expostos a verem num momento, pela invasão do mar, frustradas todas as esperanças da colheita. Não vendem nunca os Felupes a colheita do ano anterior sem terem já a do corrente segura. A única produção deste país é um arroz ordinário, muito miúdo, mas de bom gosto e de muita nutrição. A cor escura que ele tem, resultará talvez, como observou muito judiciosamente o Sr. Lopes Lima na sua Memória sobre os Felupes, de arrecadarem eles o seu arroz na palha dos sótãos das casas, aonde durante o decurso de todo o ano é exposto a um fumo insuportável. Nas beiras do rio de Cacheu cultiva-se também bastante arroz, que é muito claro, e de onde o vêm buscar os Ingleses da Gâmbia, e depois debaixo do nome desta sua colónia metem em comércio. A culpa disso não é só do Governo, como dos negociantes portugueses que deixam explorar aos estrangeiros um género tão lucrativo, não se lembrando que tomando o meio termo das importações, sai de Portugal só pelo arroz, 1 milhão e 300 mil cruzados por ano”. Refere igualmente Chelmicki que há culturas de milho, arroz, algodão e uma espécie de milho-painço nas vizinhanças das aldeias. Também refere que os Papéis de Bissau cultivam o arroz e o fundo. A lavoura dos Mandingas difere no milho e no arroz dos mais gentios. Mais adiante tem outra curiosidade: “Noutro tempo houve ali um grande ramo de comércio para Portugal, pimenta da Guiné. Os holandeses ao fim de muitos esforços conseguiram desacreditar tanto esta como a de S. Tomé, para poder lucrar mais na sua, que traziam das Molucas; por isso hoje, totalmente deixado ao esquecimento, esta especiaria já não é procurada”.

Exposto o estado da agricultura em Cabo Verde e na Guiné, enfatiza as causas, tome-se em consideração que ele está conjuntamente a falar de Cabo Verde e da Guiné: a imensidade dos morgados; os caminhos impraticáveis; a falta de instrução e educação; a miséria em que são criados os habitantes; a falta de povoações e o facto de não se facilitar aos colonos estrangeiros o seu estabelecimento. Mas Chelmicki ainda tem muito para nos dizer, a indústria, o comércio, o sistema defensivo e muito mais.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22147: Historiografia da presença portuguesa em África (260): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22171: Parabéns a você (1960): Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835 (Gandembel e Nova Lamego, 1968/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22166: Parabéns a você (1959): Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAV 3366/BCAV 3846 (Susana e Varela, 1971/73)

terça-feira, 4 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22170: Consultório militar do José Martins (66): Heráldica Militar: Respondendo a dois "enigmas" apresentados pelo Serra Vaz (ex-fur mil inf / op esp, CCAÇ 2335, Angola, 1968/70)



Imagem nº 1


Imagem nº 2


Imagem nº 3

Fotios: Cortesia de Serra Vaz (2021)



1. Mensagem do Serra Vaz, ex Fur Mil Inf / Op Esp CCAÇ 2335, Angola (Madureira, Nambuangongo, Zala, Malange), 1968/70, membro da nossa Tabanca Grande, estudioso da heráldica militar e dos nossos memoriais:

Date: quarta, 21/04/2021 à(s) 11:10
Subject: Pedido de informações


Amigo Luís Graça:


Os meus cumprimentos. Já falámos há algum tempo, e apesar de eu ser um sanzaleiro porque estive em Angola, tu tiveste a amabilidade de me incluir no teu Blogue.

Como eu disse na altura, estudo diversas matérias sobre a nossa guerra passada , sendo uma dessas matérias a HERÁLDICA MILITAR: O estudo de toda a simbologia de todas as Unidades militares mobilizadas para as Campanhas de Africa 61/74.

São milhares de guiões, flâmulas, bandeiras, emblemas, crachás. E também incluo o estudo das divisas; nomes etc, etc.

Assim sendo, venho por este meio expor junto dos meus ilustres camaradas tabanqueiros, dois enigmas na expectativa de que alguém me possa elucidar:

ENIGMA 1; duas primeiras imagens em anexo (Vd,. imagens nºs 1 e 2, acima.)

Em toda a simbologia relativa à Guiné aparece (quase) sempre no canto superior direito aquele pequeno "pau" encimado por uma cabeça de um negro. O que é aquilo? Um amuleto? E que significado tem? Refere-se a alguma etnia em particular?

ENIGMA 2. A terceira imagem: emblema da Companhia de Milícias de Jugudul.... Em cima, no que parece ser uma divisa lê-se: "Ape Cumbainhi". O que quer dizer? E em que dialecto?

Desde já muito grato pela atenção dispensada, me subscrevo com abraço, 

Serra Vaz
ex Fur Mil Inf /  Op Esp  CCAÇ. 2335
Angola (Madureira; Nambuangongo; Zala, Malange) Jan 1968 / Abr70
 
José Martins, ex-Fur Mil Trms,
CCAÇ 5, Gatos Pretos, 
Canjadude, 1968/70)

2. Resposta do nosso colaborador permanente José Martins, com data de 3 de maio, às 22:28:

Viva

De heráldica nada sei. Quanto à Heráldica Militar sei que não obedece a qualquer norma, ou seja, parece que é naïf.

Dos exemplos que foram anexados, existe uma analogia entre todos os Brasões das antigas províncias.

Em baixo, o ondeado significa o mar: à esquerda, tem as quinas nacionais e á direita tem um símbolo diferente para cada uma das províncias.

No da Guiné sempre ouvi tratar-se da "cabeça de um preto", não sabendo qual o simbolismo.

Abraço, Zé Martins

Guiné 61/74 - P22169: (Ex)citações (384): Em louvor das "nossas lavadeiras" que, na sua esmagadora maioria, não foram "lavadeiras lava-tudo"... (Joaquim Costa / Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / José Teixeira / Jorge Pinto / Luís Graça)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "Lavadeiras da Fonte Antiga... Todos os soldados tinham a sua lavadeira. A lavagem da roupa era feita na tabanca com água retirada através do único furo,  feito por uma companhia de caçadores estacionada em Fulacunda em 1969/70], a CCAV 2482, "Boinas Negras"[,subunidade que esteve em Fulacunda entre 30 de Junho de 1969 e 14 de Dezembro de 1970, data em que foi rendida e partiu para Bissau].

 Contudo, quando havia muita roupa para lavar, as lavadeiras deslocavam-se à Fonte Antiga que se localizava na parte exterior do aquartelamento e portanto sujeita a “surpresas” [, acções do IN].


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Comentários ao poste P22028 (*) sobre um tema - as lavadeiras  (e as relações com os militares que passaram pela Guiné) - , sobre o qual temos mais de 3 dezenas de referências...  

O tema tem-se prestado, desde o início da guerra colonial / guerra do ultramar, há 60 anos,  a especulações e generalizações  abusivas, levando a criar-se o estereótipo de que as lavadeiras  também  faziam (ou eram obrigadas a fazer) "favores sexuais", como se  os militares portugueses, em geral,  se tivessem comportado como "tropa ocupante" (, segundo a propaganda do PAIGC).., E, pior ainda, como uma cambada de "predadores sexuais".

Enfim, há quem diabolize os antigos combatentes com o velho chavão do sexo em tempo de guerra, esquecendo-se que muitas das "nossas lavadeiras" também eram mulheres ou familiares dos nossos camaradas guineenses, ou elementos da população que vivia dentro do mesmo "perímetro de arame farpado" onde flutuava a bandeira portuguesa... 

Há quem nos queira ver com os olhos de hoje, os novos "santos inquisidores,", os do feminismo, dos direitos humanos, do revisionismo da história, do pós-colonialismo, do pós-modernismo, enfim, do "politicamente correcto"...  É bom lembrar aqui, e a propósito, o saudável e pedagógico discurso do PRP no dia 25 de Abril de 2021, na Assembleia da República (**)...

Nada como recorrer aos testemunhos dos nossos camaradas que estiveram no CTIG, entre 1961 e 1974. Dos outros teatros de operações  não temos falado (nem falamos), porque não estivemos lá. E como não há tabus no nosso blogue (só evitamos  falar de política, futebol, religião... e desertores!), não temos pejo em lembrar aqui  as "nossas lavadeiras", sempre que nos apetecer. E sem pedir licença a ninguém!... Não, as nossas lavadeiras não eram "lavadeiras lava-tudo"...  Havia exceções, claro.. Mas a exceção confirma a regra. 

Lembro-me que à minha, em Bambadinca (, infelizmente já não sou capaz de me lembrar do nome... "Binta" ?), pagava acima da tabela "tácita": pagava 100 euros... E desculpava-lhe uma ou outra peça de roupa  estragada ou extraviada... Sei que era jovem, mandinga, sem ser particularmente bonita, mas também ela filha de lavadeira que, em meados dos anos 60, terá tido um filho de um militar... A minha lavadeira, que falava um crioulo "carrancudo", trazia geralmente às costas o meu mano mais novo, de feições "arianas"... Bambadinca era já um meio semi.urbano, com muita população "refugiada", vítiam do terror do PAIGC... 100 pesos pagos a uma lavadeira já era bastante dinheiro para quem nada tinha: lembre-se que era um sexto do pré do soldado guineense de 2ª classe... 

Com o fim da guerra (e com o fim destas e doutras entradas de dinheiro no rendimento das famílias, incluindo a partida dos cmerciantes locais), agravaram-se as condições de fome e miséria da população de Bambadinca. E, infelizmente, a independêmcia trouxe também o triste espectáulo do revanchismo, da "justiça revolucionária", do "poilão dos fuzikamentos", dos ajustes de contas contra "os cães e as cadelas do colonialismo"...  O que terá sido feita da minha "Binta", da sua mãe e do seu mano, "fidjo di tuga" ?... 

Fica aqui um aviso aos nossos camaradas, que falam com os jornalistas, contam histórias  e disponbibilizam fotos dos seus álbuns, sem a devida "legendagem e contextualização"... Sessenta anos depois alguns jornais lembraram-se que os antigos combatentes, agora com os pés para a cova, ainda têm "histórias e fotos exóticas" (e até "escabrosas") que ajudam a vender jornais e aumentar as audiências, em tempo de pandemia... Porque os fotojornalistas profissionais e os nossos "fotocines", esses, preferiram não arriscar o coirão no mato da Guiné... (Há quem os desculpe: o regime e o exército não os terão deixado trabalhar...). (LG)


(i) Tabanca Grande Luís Graça

É um dos mais bonitos elogios que já li sobre as "nossas lavadeiras" e "o dia da lavadeira" (que, tanto quanto me recordo, era à quinta-feira, em Bambadinca):

(...) "O dia da lavadeira era o mais esperado da semana no quartel. Vinham em rancho com os seus trajes coloridos, com a trouxa de roupa à cabeça e uma alegria contagiante nos rostos. Aguardavam impacientes junto ao sentinela a autorização para entrarem no quartel, o que geralmente acontecia ao meio da tarde, e era vê-las entrar em grande algazarra, de sorrisos rasgados, dispersando-se pelo quartel como rebanho comunitário acabado de chegar, do monte, ao povoado.

"Quem não viveu e/ou participou na guerra colonial, ouvindo falar das lavadeiras dos militares logo associa a alguém que lavava a roupa e não só. Nada de mais errado e injusto para a maioria destas mulheres: dignas, afáveis, competentes e que compreendiam melhor do que ninguém o sofrimento e angústias destes jovens, ansiosos por regressarem à terra e ao seio da família, desculpando-os de um ou outro pequeno devaneio, sabendo que nelas projetavam alguém bem longe para além do oceano." (...)

23 de março de 2021 às 11:58
 

(ii) Valdemar Queiroz:

Costa, mais um belo texto.

Vamos à lavandaria, dizíamos nós, quando em Contuboel íamos à praia do rio Geba e passávamos junto da lavandaria (umas pedras junto do rio) ver as bajudas lavadeiras de tronco tu e saiote molhado a lavar a roupa da rapaziada da tropa.

No Quartel da nossa CART n11, em Nova Lamego, não havia um dia certo para as lavadeiras entregar a roupa lavada e recolher a suja. A nossa CART 11,  de soldados fulas, com os quadros e poucos soldados metropolitanos,  não dava grande negócio às lavadeiras que na maioria eram as mulheres ou familiares dos nossos soldados.

Julgo que em Contuboel seria assim, mas lavadeiras em Nova Lamego tinham uma tabela de preços. Não era um preçário especial à peça, era um preçário à patente ou seja os soldados pagavam um preço, os furriéis, o 1º. sargento, os alferes e capitão pagavam cada um preço diferente pelo mesmo tipo de roupa lavada. 

Toma lá qu'é democrático, diríamos nós agora, mas a explicação dada era bem simples: ganha mais patacão, paga mais à lavandeira, diziam.
Quanto ao resto, havia sempre a mesma 'lava tudo?' mas no geral o respeitinho era muito bonito.

23 de março de 2021 às 15:05

(iii) Cherno Baldé

Caros amigos,

O tema é deveras interessante e a descriçao do Joaquim Costa é quase perfeita, como costuma dizer o nosso Luis Graça, nem tudo era a preto e branco, claro.

 “Os pequenos devaneios” desculpáveis, devido as saudades da terra natal aconteciam, assim como aconteciam inúmeros outros casos dos quais os de “lava tudo”, porque se a tropa passava por respeitar a disciplina militar na geralidade, com a irreverência já conhecida e que muitas vezes se evidênciava através do dedo médio nas costas do chefe hierárquico, com o pessoal africano e sobretudo com as mulheres já era muito diferente, pelo que estas quando tinham mesmo que entrar no quartel por obrigação do serviço mas também porque dava algum gozo apreciar a rapaziada branca (acho eu), faziam-no com algumas cautelas como por exemplo levar um bébé as costas, mesmo não sendo a mãe para intimidar e afastar os mais atrevidos ou levar um(a) guarda-costas que seguia grudada(o) as suas costas para gritar e fazer barulho quando as apalpadelas passavam do limite e não eram consentidas. 

Com as minhas primas-irmãs na condição de lavadeiras, faziamos várias vezes de guarda-costas a uma delas, a mais velhas, pois a mais nova nunca queria e fugia de nós como do diabo pelo que, claro está, ela era suspeita de práticas menos decentes aos nossos olhos.

Mas, para dizer a verdade, até 1970, periodo que coincide com a chegada da CART 2742 do Cap Carlos Borges Figueiredo (todas as anteriores eram muito bélicas e acreditavam poder ganhar aquela guerra), a nossa verdadeira motivação, enquanto guarda-costas, era conseguir o livre trânsito que nos permitia atravessar a porta d’armas e deambular dentro do quartel e, eventualmente, conseguir um pedaço de pão com ou sem marmelada, com ou sem autorização ou uma latinha de sardinhas quando não era a milagrosa Coca-Cola espumante, o que raramente acontecia. Mas, valia sempre pela aventura de entrar naquele lugar proibido que atraia a nossa curiosidade sobre aquela gente estranha vinda de outras paragens, jovem e saudável e de hábitos muito esquisitos.

As meninas e mulheres lavadeiras da nossa aldeia sabiam que os rapazes não eram de confiança, pois com eles na guarda, as cunhas eram permitidas e, nesse caso, faziam vista grossa ou abandonavam o local para ir atrás da bola a troco de pouca coisa e assim o truque do bébé nas costas era o recurso mais seguro para entrar no quartel que mais parecia um ninho de vespas para as nossas mulheres.

Gostaria de esclarecer que, geralmente, todas as mulheres queriam ser lavadeiras e ganhar algum dinheiro da tropa, mas dos casos que conheço em concreto, so as meninas e mulheres solteiras eram permitidas a ter laços contratuais com a tropa (os brancos) e estas por sua vez podiam ou não dividir os seus clientes (contratantes) a outras mulheres casadas que se encarregavam de lavar e passar a roupa ou so lavar e entregar a lavadeira contratada para o serviço. E quando recebia dos seus clientes o valor do contrato entregava repartia com as outras co-lavadeiras que ficavam na sombra e nunca eram conhecidas por seus clientes. E esta pratica nao era isenta de problemas que so vinham a tona quando se verificava a perda ou mau estado de alguma peça, por falta de alguns botões, entre outros casos.

 23 de março de 2021 às 17:59

(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

Irei publicar em breve uma lista dos mais de 30 postes publicados com o descritor (ou marcador) "lavadeiras"...Há histórias edificantes (e outras menos...).

Também tenho a mesma iamgem do Joaquim Costa, a do dia da lavadeira, se bem que a CCAÇ 12 não fosse uma unidade de quadrícula e andasse muitas vezes no mato...

No nosso caso, em Bambadinca, era junto do edifício do comando, quartos/camaratas, e messes de oficiais e sargentos... Recorde-se que: (i) as praças dormiam em camaratas (, com exceção dos gyuineenses, que vivia na tabanca); (ii) os furrieis/sargentios viviam em quartos com 5 camnas); (iii) os alferes, em quartos de 3 camas: (iv) os capitães e oficiais superiores eram os únicos que tinham quartos individuais...

Parecia uma feira e era, aqui como em outros lados, um momento de "socialização" e de convívio... Uma feira, colorida e animada, com muita gente da tabanca (miúdos, bajudas e mulheres grandes, de várias etnias, com destaque para fulas e mandingas...) a entregar roupa suja e a receber roupa lavada...

Eu pagava 100 escudos à minha lavadeira, que era mandinga. Não tenho ideia de me ter perdido menhuma peça.

23 de março de 2021 às 22:39

(v)  José Teixeira;

A minha lavadeira em Mampatá era a jovem bajuda mais linda que havia na tabanca. Como era uma tabanca pequena e apenas havia um Grupo de Combate instalado, que juntamente com um Grupo de milícia assegurava a segurança, havia uma excelente relação pessoal com os autóctones. 

O comandante da milícia era o Régulo Aliu Baldé e minha lavadeira estava comprometida com o seu filho Hamadú a cumprir o serviço militar em Bolama. Era uma jovem que impunha respeito, como, aliás, todas as bajudas e mulheres grandes, pela relação humana que se gerou e pela forma como elas se faziam respeitar. 

Fiquei preso àquelas gentes que recordo com muita saudade, apesar de só ter estado cerca de meio ano. Nos meus regressos à Guiné (e já vão cinco!) reativei as amizades e a Fatumata, o marido Hamadú e os seus filhos e outros familiares estão no meu rol de amizades.

Em Buba era uma jovem que devia ter cerca de doze anos, que tinha alguns cuidados, como andar sempre acompanhada e nunca entrar dentro da caserna. Como havia muita tropa estacionada, as bajudas e mulheres grandes quase não chegavam para as encomendas.

24 de março de 2021 às 11:45

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22028: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V: As nossas lavadeiras... e o furriel 'Pequenina'


segunda-feira, 3 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22168: Desaparecido do nosso radar (1): António Duarte de Paiva, ex-sold cond ambulâncias, HM 241, Bissau, 1968/70







1.  A propósiio do Dia da Mãe e do belíssimo texto escrito pelo Francisco Baptista (*) ("as nossas não se esquecem, nunca morrem"), foi "respescar" o primeiro poste da série, "As Nossas Mães", escrito pelo António Paiva (**).

É um poema pungente, escrito pela mãe do nosso camarada, Leopoldina Duarte: "Recordação da Saudade"... com a seguinte nota de rodapá: "O que fez uma mãe dominada pela dor"... O texto merece ser de novo reproduzido... Na altura, o Paiva explicou-nos a sua origem:

(...) "Andando por aqui, nesta casa,  só, vasculhando malas e caixinhas, algumas do meu tempo de menino, pertences de minha mãe que me deixou em 1996, sou surpreendido por uma folha de papel dobrada em 12 partes, da qual não tenho a mínima ideia de ter tido conhecimento e com os nossos tertulianos quero partilhar. Minha mãe também a eles se dirigia.

 (...) "Minha mãe, mal sabia ler ou escrever, mas em quadras soltas era mestra. Hoje tenho pena de nunca ter escrito o que ela dizia. Não sei quem lhe escreveu isto à máquina, mas pouco importa. Está com data de 10 de Dezembro de 1969, em cima, mas não consegui aqui no scan apanhar data e assinatura, preferi a assinatura Leopoldina Duarte." (...)

Recordação da Saudade

Meu filho, a tua mãe
Tanto suspira por ti,
Até chego a pensar
Que não te lembras de mim.

Se tu soubesses, meu filho,
O amor que a tua mãe te tem,
Vejo vir os aviões
E notícias tuas não vêm.

Será que tu me esqueceste
Ou a carta se perdeu ?
Mas perdoa-me, meu amor,
Se a criminosa sou eu.

Tinha a carta quase feita
E ainda fui ao correio,
Agora estou satisfeita
Porque a notícia já veio.

Lá vinha o meu querido filho
A ler o que me mandava,
Com uma cara de riso
E eu com saudades chorava.

Agora estou satisfeita
Assim como tu também,
Já recebeste notícias
Da tua mãe por alguém.

Adeus, meu filho querido,
Eu do coração te peço
Que não esqueças a tua mãe
Que aguarda o teu regresso.

Trago-te no coração
Mas ando sempre em cuidados,
Daqui mando um forte abraço
Para todos os nossos soldados.

Eu aqui peço, a Deus
E à Virgem Santa Maria,
Que seja a vossa protectora
E de todos a vossa guia.

Adeus, amor, que eu cá fico,
Com o coração em pedaços
E saudades de não te ver
Para te apertar nos meus braços.

Leopoldina Duarte

[Revisão e fixação do texto: L.G.]

2. O António Paiva desapareceu literalmente do nosso radar muiti antes de 2018... E há 99,9% de probabilidades de já ter morrido... Já em 2017 (e antes) os problemas de saúde o atormentavam, para além da solidão... Creio que foi por essa altura que falei com ele, ao telemóvel, e soube que estava a ser tratado no IPO de Lisboa. Tentei ajudá-lo com contactos.

Simplesmente, até agora ainda não encontrei nenhuma fonte, escrita ou verbal, que confirme a funesta notícia  da sua morte. O seu telemóvel deixou de tocar. O seu mail, antoniodpaiva@gmail.com, deixou de responder. O último mail que lhe mandámos dizia o seguinte_:

Assunto - O que é feito de ti, camarada ?
Data - 15/12/2018, 22:49

António: boa noite, precisamos...da tua prova de vida!... Vamos saber se este teu endereço de email ainda está ativo... Tudo OK ? Luís Graça


Ele tinha entrado para a Tabana Grande em 2008 (***). E quem mais lidou com ele foi o nosso coeditor Carlos Vinhal. 

No final de 2008 descobtriu-nos com grande alegria e entusiasmo e fez um esforço por melhorar as suas competências em matéria de literacia informática de modo a acompanhar-nos... Publicámos inclusive algumas das suas histórias, mais de uma dúzia (****).. Descobriu ainda, através do nosso blogue (e conviveu ainda com)  alguns dos nossos camaradas que prestaram serviço no HM 241 como o Manuel Freitas.

Fazia anos em 16 de dezembro, tendo nascido em 1946 (*****).



Lisboa, CulturGest > 13 de Maio de 2011 >  O António Paiva e a Giselda Pessoa numa aparição pública a propósito do filme "Quem Vai à Guerra", da jovem realizadora Marta Pessoa em cuja elenco entraram, além da Giselda, as nossas grã-tabanqueiras, Maria Arminda, Rosa Serra e Maria Alice Carneiro.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa(2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]

3. Conhecemo-nos pessoalmente, julgo eu, em 2011, na altura da apresentação do filme da Marta Pessoa, "Quem Vai à Guerra". Depois disso, a sua colaboração no nosso blogue tornou.se mais esparsa (******). Mas mandava-nos todos os anos as "boas festas"...até 2015.

Em 16 de dezembro de 2018, o nosso coeditor Carlos Vinhal escreveu a seguinte nota no seu último cartão de parabéns: 

(...) As últimas notícias que tivemos do nosso amigo António [Duarte] Paiva davam conta de que ele estava muito doente. Chegou a ir à Tabanca da Linha e a outros convívios. Vivia muito só. Telefonou em tempos ao nosso editor a pedir ajuda. Agradecemos desde já a quem nos possa actualizar o seu estado de saúde uma vez que não é possível aceder ao seu telemóvel. Talvez o Manuel Freitas, de Espinho, que organiza o convívio anual do pessoal do HM 241 (Bissau), nos possa dar alguma pista. Oxalá tenhamos hoje boas notícias do Paiva, mas o Juvenal Amado diz-nos que o nº de telemóvel que nós tínhamos até 2016, não está atribuído, o que é mau sinal.(...)

Também não tinha página no Facebook, não fazendo parte dos amigos da Tabanca Grande Luís Graça.  Em 30 de setembro de 2010, tinha mudado de endereço de email, alegadamenet por razões de segurança:

"Caro Carlos: Suspeitando de mãos alheias a entrarem no meu correio, me vi forçado a alterar o meu e-mail. Se algum camarada recebeu e-mail com escritos em meu desabono, ou mesmo servindo-se do meu mail para tal, agradeço que me informem, para que não fiquem a pairar no ar duvidas sobre a minha pessoa. Não enviar nada para o e-mail anterior." (...)

Tudo indica, infelizmente, que o António Duarte de Paiva nos tenha deixado definitivamente, sem tempo sequer para se despedir de todos nós.  Não tinha família nem amigos próximos. Não será caso virgem: ao perfazermos 17 anos de existência, há muitos camaradas de quem deixámos de ter notícias. Nalguns casos, como o do António Paiva, podemos temer o pior. (LG)

__________

Notas do editor:



(****) Vd. postes de:


24 de nvembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3511: O meu baptismo de fogo (23): Uma vacina para o enjoo... (António Paiva)

13 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3615: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (1): Corrida com triste fim

17 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3641: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (2): Aventura de Domingo

22 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3775: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (3): Ir a Mansoa, não é perigoso?

20 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3917: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (4): Não cobiçar a mulher do próximo

20 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P4058: Memória dos lugares (20): Hospital Militar 241 de Bissau (António Paiva)

5 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4143: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva ) (5): A Justiça Militar ou um processo... kafkiano

17 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4203: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (6): É uma alegria a notícia de que se vai ser pai

28 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4432: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (7): 4 dias de inferno em Junho de 1969

30 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4613: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (8): Pôr os pontos nos "is"

2 de julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4629: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (9): Dois pequenos amigos de quatro patas

30 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6075: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (10): Quando a missão não deixa ver

30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6075: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (11): Quando a missão não deixa ver




20 de julho de 2011  > Guiné 63/74 - P8580: Ordem de Serviço de 1970 do HM 241 de Bissau, uma relíquia com 41 anos (António Paiva)

Guiné 61/74 - P22167: Notas de leitura (1354): "Nos Meandros da Guerra, O Estado Novo e África do Sul na defesa da Guiné", por José Matos e Luís Barroso; Caleidoscópio, 2020 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
A investigação de José Matos e Luís Barroso deve ser tratada como um acontecimento. Habituados que temos estado a ver repetidas litanias em que uns livros copiam os outros e nada de ir aos arquivos e trazer novos factos documentais, ficamos agora a saber que o Exercício ALCORA se prontificava a disponibilizar 6 milhões de contos para comprar armamento e equipamento dado como crucial para a continuação da guerra. Ficam aqui testemunhadas as conversações com países fornecedores e como Kissinger recorreu a um expediente para nos fornecer mísseis terra-ar compatíveis com o Strela; procede-se a um rigoroso inventário do que se pretendia comprar desde a Força Aérea ao Exército, isto quando em simultâneo havia contatos secretos, seja para beliscar o ditador de Conacri, seja para um cessar-fogo na Guiné, seja autorizando novas conversações com o Senegal, enquanto na frente interna se mantinha a intransigência do discurso e Caetano dizia a Santos e Castro que era urgente preparar Angola para uma autodeterminação controlada por brancos. O que comprova que ainda há muito a investigar no sentido de se clarificar se as atividades governamentais tinham atingido a esquizofrenia ou havia uma estratégia subtilmente montada à escala governamental, de que os ultras do Regime eram totalmente desconhecedores. Se assim fosse, resta saber o pandemónio que se avizinhava.

Um abraço do
Mário


O Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné (2)

Mário Beja Santos

José Matos

"Nos Meandros da Guerra, O Estado Novo e África do Sul na defesa da Guiné", por José Matos e Luís Barroso, Caleidoscópio, 2020, é uma das obras historiográficas mais importantes para a compreensão da guerra da Guiné de publicação recente, diria mesmo de leitura obrigatória.
Basta atender ao que os autores propõem na contracapa:
“O objetivo deste livro é estabelecer a ligação entre o esforço de guerra de Portugal na Guiné e o apoio financeiro que a África do Sul disponibilizou a Portugal no início de 1974, no âmbito do estabelecimento de uma aliança militar entre Portugal, Rodésia e África do Sul, com o nome de código ‘Exercício ALCORA’. No texto anterior houve a preocupação de registar o contexto internacional que serviu de moldura para a nossa guerra colonial, quem eram os nossos aliados e fornecedores, passou-se em revista o agravamento da guerra na Guiné e o imperativo, em múltiplos domínios, de se proceder a reequipamento e a rearmamento. A questão da modernização da Força Aérea era assunto por demais premente: esta, além de desempenhar missões ofensivas, era crucial no apoio logístico, no transporte aéreo de tropas, na evacuação de feridos e nas missões de reconhecimento pela observação visual ou cobertura fotográfica. Atendendo à extensão dos territórios, exigia-se um efetivo considerável, na fase final da guerra ascendia a cerca de 700 aeronaves e cerca de 600 pilotos. No entanto cerca de 70% das aeronaves estavam tecnicamente ultrapassadas e muito usadas e havia uma falta crónica de pilotos-aviadores. Como os autores sublinham, “Além do problema da obsolescência e da falta de pilotos, era uma frota que só podia ser utilizada num ambiente com uma reação antiaérea fraca ou muito fraca, pois, no geral, os aviões portugueses eram lentos, sendo a única exceção o Fiat G.91. Além do mais, devido ao tipo de armamento que usavam e às missões que desempenhavam as aeronaves tinham que voar a média ou a baixa altitude, o que as tornava vulneráveis ao fogo antiaéreo”. E surgem os mísseis terra-ar que podiam ser facilmente disseminados por todo o território. Os planos de modernização vinham de longe, mas a partir de 1973 era uma questão de vida ou de morte. “A intenção do governo era comprar caças Mirage III para substituir os Fiat G.91, além de aviões CASA C-212 Aviocar e Reims-Cessna FTB-337G Milirôle para renovar a aviação de transporte, reconhecimento e apoio de fogo ligeiro. Estava também prevista a compra de várias dezenas de helicópteros Alouette III para reforçar a frota já existente. Neste lote de aquisições, os caças Mirage eram os aviões mais importantes, pois dariam à Força Aérea uma maior capacidade de ataque e de retaliação perante os movimentos de guerrilha”.

Os autores dão conta das diligências da aquisição de novos jatos FIAT, dos planos da Força Aérea para todo este reapetrechamento e as dificuldades encontradas, recorde-se que a França, o fornecedor dos Mirage, exigiam garantias de que estas aeronaves entrariam em operações em território senegalês. É esclarecedora a exposição que fazem sobre o Milirôle, o Aviocar, os helicópteros Alouette III e Puma SA-330. Todas estas compras eram consideradas urgentes, acompanham a vertigem de conversações ultra sigilosas no período que antecede o final da guerra. Também os autores nos dão no capítulo A Psicose dos MIG, a preocupação de Spínola em poder dispor de armamento dissuasor dos MIG-17, em Conacri. O Daily Telegraph de 2 de agosto de 1973 dava conta que o PAIGC estava a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MIG a partir da Guiné Conacri, as informações da DGS também eram altamente inquietantes embora fizesse constar que o PAIGC não iria usar meios aéreos. Há também o relato das incursões de MIG na Guiné, e mais tarde veio-se a perceber que os MIG em Conacri estavam praticamente inoperantes, os técnicos cubanos revelavam-se atónitos com a incompetência dos pilotos de Conacri.

E passamos para a questão do míssil Crotale que era dado como indispensável para a defesa de Bissau, os autores recordam a questão dos radares de defesa antiaérea e da urgência de novas compras: obuses de 155 mm, morteiros de 120 mm e de 81 mm, operações de aquisição que estavam em curso quando se deu o 25 de Abril. Eram contratos com os israelitas assinados em 1 de março de 1974. “Em relação aos lança-granadas-foguete, é decidido fazer uma encomenda à firma de Explosivos da Trafaria, que passa a produzir uma cópia do RPG-2 soviético. O Ministério da Defesa decide encomendar no estrangeiro 25 unidades de RPG-7 com cinco mil munições. Um outro tipo de equipamento que começa também a ser testado pelas forças portuguesas são os aparelhos de visão noturna por intensificação luminosa. Em maio de 1974, é autorizada a compra de aparelhos de pontaria para armas ligeiras destinados a serem instalados na espingarda G-3, além de aparelhos para armas pesadas e de aparelhos de observação de médio alcance a montar em tripé”.

Luís Barroso

Não menos importante é o capítulo que os autores dedicam ao armamento que se pretendia dos norte-americanos. O Embaixador Hall Themido descreveu os contatos estabelecidos para adquirir mísseis terra-ar portáteis, o Redeye, que podia ser disparado a partir do ombro de um homem, tal como o Strela. Mas havia o embargo de armas, Washington não podia vender diretamente a Portugal. Caetano usa o único trunfo que tinha disponível: a Base das Lajes. Aquando da guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973, Nixon enviara um verdadeiro Ultimatum a Caetano, não ceder a Base das Lajes acarretaria graves consequências nas relações luso-americanas. “A intenção portuguesa era comprar os famosos mísseis portáteis Redeye, o qual seria depois complementado com os meios antiaéreos e aeronaves Mirage a adquirir da França”. Kissinger encontrou uma porta de saída para a venda destas armas. Num encontro havido em 9 de dezembro de 1973, em Bruxelas, com Rui Patrício, este declarou ao secretário de Estado norte-americano que a situação militar na Guiné podia tornar-se crítica com a utilização de aviação por parte do inimigo e que poderia mesmo evoluir para ataques aéreos contra Bissau, não tendo as forças portuguesas meios eficazes para se defenderem deste tipo de ataques. Ora a porta de saída encontrada por Kissinger era fornecer os mísseis por Israel através de um intermediário alemão. “O número de mísseis encomendado mostra que os Redeye não se destinavam apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também a outros pontos das colónias portuguesas. Os mísseis custariam 209 mil contos, não havendo qualquer informação de que este valor seria coberto pelo empréstimo sul-africano. Mas os norte-americanos não davam ponte sem nó, havia também a oferta de uma central nuclear que depois do 25 de Abril não voltaria a ser mencionada em futuras negociações do Acordo das Lajes".

O derradeiro capítulo do trabalho de José Matos e Luís Barroso versa os contactos secretos no fim do regime: o encontro em março com a delegação do PAIGC em Londres, a série de contatos secretos desenvolvidos por Marcello Caetano em Paris, em abril de 1974, de forma a conseguir com a ajuda dos Serviços Secretos Franceses encontros com as fações mais moderadas dos movimentos de libertação para negociar a independência ou autodeterminação das colónias portuguesas. Pedro Feytor Pintor confirma o móbil destes encontros. Os autores não mencionam outras diligências como as promovidas por Jorge Jardim, alguns encontros em Roma, e temos como certo e seguro o propósito de um reduto branco sonhado por Marcello Caetano para Angola e transmitido no início do ano a Santos e Castro.

Enfim, os autores equacionam como o regime de Caetano procurava desesperadamente reforçar a capacidade militar das forças portuguesas, apoiava operações portuguesas contra a Guiné Conacri, eram autorizados na Guiné contatos com o Senegal retomando uma iniciativa política do tempo de Spínola e, como se procurasse ultrapassar a pressão do tempo, fazia constar internamente que o Ultramar seria defendido por todos os meios. “Marcello Caetano precisava principalmente de tempo para levar a cabo as reformas que tinha em mente, mas, para isso, precisava de continuar a combater as guerrilhas e, sobretudo, evitar o colapso militar na Guiné, o que exigia novos meios de combate, que só seriam possíveis com a ajuda de Pretória. É interessante verificar a este nível as listas de material enviadas às autoridades sul-africanas, que mostravam bem as necessidades das tropas portuguesas em Angola e Moçambique, que iam desde armamento até sacos-cama e até arcas-frigoríficas. No entanto, os problemas não se limitavam apenas ao campo material. Um relatório da 3.ª Repartição do Comando Territorial Independente da Guiné, elaborado já depois do 25 de Abril, dava conta de outras dificuldades: falta de quadros experientes no comando e na conduta das operações, deficiente instrução prestada às tropas por graduados inexperientes e desinteressados e falta de motivação ideológica para defender um território que na ideologia oficial do regime era português. Tudo isto degradava o moral das tropas e fazia antever novos desaires para as forças portuguesas".

Como se pode verificar, temos aqui uma investigação com ida aos arquivos e a repescagem de documentos novos que alteram o conhecimento que detínhamos sobre tudo o que se passou ao nível dos empréstimos do Exercício ALCORA e como eles seriam aplicados para suster o ímpeto da guerra. Uma obra de consulta obrigatória, a partir de agora.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22141: Notas de leitura (1353): "Nos Meandros da Guerra, O Estado Novo e África do Sul na defesa da Guiné", por José Matos e Luís Barroso; Caleidoscópio, 2020 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22166: Parabéns a você (1959): Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAV 3366/BCAV 3846 (Susana e Varela, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22158: Parabéns a você (1958): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

domingo, 2 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22165: As Nossas Mães (16): As mães nunca se esquecem, nunca morrem (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)



1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviada hoje mesmo ao nosso Blogue com um texto alusivo ao Dia da Mãe, que neste dia se comemora:


MÃE

Muito sangue já correu a dar vida a meninos, meninas, mulheres e homens, muito sangue se perdeu lavado em águas de lavadouros e ribeiros. Sangue de mães, com lágrimas de dor e de alegria, que dão vida, amor e carinho, (mãe porque partiste, diz a canção).

Uma avó paterna que por índole ou necessidade, (enviuvou cedo) deu uma educação espartana, com pouco carinho aos filhos varões (o meu pai adorava-a).

Uma avó materna, mais severa para o homem do que para os filhos, por causa de alguns excessos. Soube escolher o homem certo, humilde, honrado, trabalhador, com alguns desequilíbrios e desgostos afectivos, aos sete anos, sendo filho único estava órfão de pai e mãe, ela com palavras severas e meigas ajudou-o a fazer um bom marido e um bom pai.

Tantas tias que tive, do lado do meu pai, da minha mãe, das primas da minha mãe que tiveram tantos filhos, alguns morreram pequeninos, outros, a maioria, "vingaram" e criaram-se. A elas, tal como à minha mãe, nunca as ouvi queixar das dores e dos trabalhos que eles davam. Mulheres heróicas, com quatro, oito, dez e doze filhos que choravam pelos "anjinhos" quando morriam mas que passado um ano iam dar o mesmo nome ao outro filho que nascia.

Do amor maternal dessas mulheres mais próximas que conheci não me atrevo a dizer qual era o maior, nem de outras que conheci menos, isso não se pode medir, é um segredo afectivo, é uma reserva de vida, que cada filho guarda.

As mães nunca se esquecem, nunca morrem, estão sempre ao nosso lado para nos apoiarem, estão dentro de nós como nós já estivemos dentro delas.

Obrigado minha mãe
Um beijo grande

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE MAIO DE 2011 > Guiné 63/74 - P8201: As Nossas Mães (15): Carta à Minha Mãe (José Eduardo Oliveira)

Guiné 61/74 - P22164: Blogpoesia (733): "Madrugada de Abril"; Ninguém a viu chegar"; "Liberdade" e "Mais uma visita", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação semanal de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66):


Madrugada de Abril

Um clarão ribombou nos céus.
A guerra possível estalou.
As forças mandantes podiam pegar em armas,
Defendendo seu poder.
Nada aconteceu.
As ruas encheram-se de cravos.
Era o perfume da liberdade.
Até que enfim. Chegou.
Rebentou a euforia.
Vieram, porém, os meliantes.
Com desejos de devorar.
Vindos do leste comunista.
Num repente invadiram as searas.
Chegaram-lhes fogo.
Os oportunistas se lançaram a destruir.
Levando tudo à frente.
Com razão e sem razão.
As herdades, as grandes empresas, só por si, são más.
Há que as esganar.
Foi um espectáculo triste,
De cima a baixo pelo país.
Do norte ao sul.
Só quem tudo isto viveu
Pode falar e avaliar.
Pelo menos, o ultramar acabou.


Berlim, 25 de Abril de 2021
16h53m
Jlmg


********************

Ninguém a viu chegar

Era madrugada. Todos dormiam descansados.
Acostumados à sua sorte.
Viveram sua infância e juventude.
Serviram a pátria como uma deusa.
Foram à guerra da independência.
Nunca se queixaram de sua sorte.
Voltaram em paz na consciência.
Dever cumprido.
Tudo era paz e liberdade.
Mesmo que amordaçada.


Berlim, 26 de Abril de 2021
19h21m
Jlmg


********************

Liberdade

Princesa rainha das quimeras.
Nuvem sobranceira planando nas alturas como o sol.
Iluminando pobres e ricos por igual.
A aspiração da liberdade é o oxigénio que respiramos.
Como o sangue que corre nas nossas veias.
Vivificando nosso corpo.
Trave-mestra desta nave gótica da catedral.
Montanha piramidal apontando as alturas.
Arca salvífica de Noé que nos salva dos dilúvios.
A companheira que nos segue e ilumina nossas passadas.


Berlim, 26 de Abril de 2021
18h8m
Jlmg


********************

Mais uma visita

Visitar os presos e os que esperam
É tarefa e dever dos que estão em liberdade.
A vida é uma roda em movimento.
Nunca se sabe se, um dia, será a minha vez.
Visitar os filhos, um de cada vez,
É dever dos pais que os geraram.
Eles nos aguardam como os passarinhos,
De bico aberto, onde nasceram.
É isto que dá consistência à vida.
De contrário, seríamos um monte de companheiros,
Ou de condenados a andar...


Berlim, 29 de Abril de 2021
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22140: Blogpoesia (732): "A elegância do condor"; A dor e a alegria"; "Cantando melodicamente" e "Calças de ganga", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728">

Guiné 61/74 - P22163: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VII: Um mês em Bambadinca, de 7 de setembro a 9 de outubro de 1965


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca >CCAV 678 ( 1964/66) > Fevereiro de 1966 > Vista aérea de Bambadinca, tirada do lado do Rio Geba e da estrada Bafatá-Bambadinca, vendo-se em primeiro plano parte da tabanca, atravessada a meio pela estrada; e em segundo plano, a íngreme (e poeirenta, no tempo seco) rampa de acesso ao aquartelamento e aos edifícios administrativos da localidade já então existentes (posto administrativo, correios, escola, capela...)...

A engenharia militar fez obras em meados de 1968: o aquartelemento a partir daí já não tinha nada a ver com aquele que o João Crisóstomo conheceu em setembro de 1965...

Foto (e legtenda): © Manuel Bastos Soares (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque)


Parte VII - Um mês em Bambadina, 
de 7 de setembro a 9 de outubro de 1965


BAMBADINCA

(i) Dias 7, 8 e 9 de Setembro de 1965: transferência da CCac  1439 do Xime para Bambadinca.

A nossa permanência em Bambadinca foi apenas de um mês, razão porque não tenho muita memória dessa estadia. Lembro que as instalações eram muito melhores do que no Xime; A povoação era grande, tinha um posto de correio, havia alguns “sítios" onde se podia ir comer etc e estávamos relativamente perto de Bafatá, mas não me cheguei a aproveitar disso. Só iria conhecer Bafatá bastante mais tarde, quando estive destacado em Missirá.

Lembro bem a estrada que levava ao cais onde, salvo raras excepções em que havia melhores meios, apanhávamos uma jangada para atravessar o Rio Geba para a margem oposta onde ficava Finete e outros pontos como Missirá , Mato Cão, Enxalé e Porto Gole.

Este mês em Bambadinca foi um período sem grandes revezes, mas também sem sucessos dignos de destaque, como se pode confirmar pelo que segue:


(ii) Dia 10 de setembro: Saída para Missirá para executar as operações Brio e Garbo.

Chegados a Missirá foi-nos dito para descansarmos bem essa noite de 10 para 11, pois os próximos dias vamos precisar de estar em boas condições físicas para os próximos dias. Não sei como sucedeu, mas sei que para o capitão e para mim houve uma palhota onde havia uma cama grande de ferro à maneira europeia. Fiquei satisfeito e mais socegado; pelo menos não tinha de dormir no chão. E foi nessa cama, sem sequer tirar as botas,-- que era preciso estar pronto para tudo-- que me deitei , partilhando a larga cama com o capitão Pires. 

 Mas eu não conseguia dormir e o mesmo sucedia com o Capitão Pires. Começamos a falar nem sei de quê, mas lembro-me que me sentia deprimido; 11 de Setembro era um dia que eu nunca esquecia, dia de aniversario da minha irmã mais nova. E naquele dia não a podia ver nem sequer telefonar… Talvez para dar largas ao meu mau humor queixei-me do calor e das melgas…"isto é azar", disse eu, "imagine que hoje faz anos a minha irmã e eu nem um telefonema lhe posso faze"...

E aí o Capitão Pires que estava talvez bem mais chateado do que eu mandou-me calar: “Ora gaita, João, vê se dormes e cala-te ; eu também faço anos hoje e não me estou a queixar!"…

 Ainda hoje lembro sempre o meu capitão Pires no dia 11 de setembro…


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bambadinca, Finete, Missirá e Mansoná, e os rios Queba Jilá e Passa, a noroeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


(iii) Dia 11 de setembro de 1965: Op Brio

Umas horas depois, bem escuro ainda, já estávamos a caminho para a Operação Brio uma supostamente pequena operação de patrulha e reconhecimento a Norte de Missirá, Objectivo; Mansoná (Vd. infografia).

O planeado era ir e voltar no mesmo dia, que para o dia seguinte já havia outra operação planeada há muito tempo …. Ainda de noite, ao longo duma picada, de repente vi toda a gente a mexer-se e correr dum lado para outro despindo fardas , atirando armas e tudo ao chão : sem nos apercebermos disso estávamos passando em cima duma patrulha de formigas e foi o " ver se te avias”..

Embora não seja tão mau como um ataque de abelhas, não é coisa que se esqueça facilmente. Depois de muita confusão a decisão foi continuar, para logo a seguir termos de voltar : o volumoso caudal no rio Passa e a muita lama e água no leito do rio Queba Jilá tornaram impossível continuar .


(iv) Dia 12 de setembro de 1965: Op Garbo

Patrulha de reconhecimento e combate à região de Banir (a norte de Mansoná). Embora se tivesse exposto o problema da impossibilidade de cambar o rio Passa e o Rio Queba Jilá ao Exmo comandante do BCaç 697, foi ordenado que se fizesse uma batida a qual pela segunda vez se verificou a sua impossibilidade. 

As NT regressaram a Bambadinca no dia 13, absolutamente extenuadas e com as pernas em ferida devido a uma reacção alérgica que motivou a inoperacionalidade de cerca de 60% do pessoal da companhia.

Na verdade era impressionante o estado em que alguns apresentavam as pernas dos joelhos aos pés : era uma úlcera inteira; o facto de todos os afectados apresentarem o problema em grau bastante grave , enquanto outros, como foi o meu caso, não termos sofrido absolutamente nada, levou-me a pensar que essa alergia deve ter sido motivada pelo ataque de formigas no dia anterior. Nenhum dos que estavam sem essa alergia se lembrava de ter tido qualquer mordida das formigas.


(v) Dia 17 de Setembro de 1965: Op Triunfo


Um grupo de combate da CCaç 1439 participou na Operação Triunfo, indo reforçar as forças da CCav 678 ao Poindon no subsector do Xime. Esta operação encontra-se referida nos relatórios da referida Companhia.


(vi) Dia 29 de Setembro de 1965: Op Sota


Saída de Bambadinca a fim de realizar a Operação Sota, patrulha de reconhecimento e combate na margem esquerda do Rio Burontoni. Foi imposto que esta operação se realizasse num itinerário diferente e desconhecido desta companhia, seguindo o itinerário da Bambadinca - Amedalai - Chacali - Chicamael (vd. carta do Xime).

Não se notava qualquer vestígios de picada pelo que o guia não conseguia encontrar o caminha exacto seguindo a corta mato. Depois de mais de 24 horas de contínua marcha sem que se tivesse encontrado vestígios de acampamentos IN em virtude de o guia se ter perdido de pista e porque todos o pessoal se encontrava num extremo grau de fatiga e consequentemente impossibilitado de reacções adequadas em presença do IN, foi solicitado ao PCV ordem para regressar ao Quartel..


(vi) Dia 9 de Outubro de 1965: partida para o Enxalé

A CCaç 1439 foi transferida para a zona de Enxalé, tendo ocupado os destacamentos de Porto Gole, Enxalé e Missirá.

(Continua)