Queridos amigos,
Não é só a extensão que justifica o conjunto de viagens, é o muito que há para ver, a grande angular que oferece a visão do Tejo enquanto vamos conversando com um grupo de poetas que falam português e que vieram do Brasil, Moçambique ou Angola ou Cabo Verde; e há projetos escultóricos refinados, imaginativos que exigem diferentes leituras, deixa-se para mais tarde as líricas trovadorescas, os poetas do Barroco ou Romântico e todo aquele belo percurso que começa por Camilo Pessanha e Teixeira de Pascoais e finda provisoriamente em António Gedeão e Ruy Belo, tempos virão para novas adições, espaço não falta e grandes escultores muito menos. E há os passeios para mirar espaço tão folgado e vegetação tão frondosa, com muitos ou poucos visitantes a nossa voz interior grita de contente e pede mais, para ver de manhã o que se viu de tarde, em dia ensolarado ou céu plúmbeo, a diversidade também conta e a contemplação até pode ganhar outras cores. É em Oeiras, este rincão de beleza e com poderosas caraterísticas de sustentabilidade.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (26):
Uma primeira visita a um parque de poetas em mais de 22 hectares de área verde
Mário Beja Santos
Inaugurado em 2003, o Parque dos Poetas sito em Oeiras exibe poetas portugueses de várias épocas (mais propriamente desde os poetas trovadorescos até aos do século XX) e poetas dos países de expressão ou cultura portuguesa. O escultor Francisco Simões e os paisagistas Francisco Caldeira Cabral e Elsa Severino responderam pela primeira fase e ao longo desta viagem são muitos os escultores que aqui deixam o seu selo, caso de Álvaro Carneiro, Fernando Conduto, Graça Costa Cabral, João Cutileiro, José Aurélio, Lagoa Henriques ou Pedro Cabrita Reis.
No ano da inauguração, foi publicado o livro O Parque dos Poetas, texto e imagem de José Jorge Letria e André Letria, uma belíssima edição. Logo na abertura, assim nos cativa José Jorge Letria: “O Parque dos Poetas é o lugar/ onde os poetas se juntam,/ no silêncio da pedra a conversar,/ sobre os frutos que a poesia,/ entre sonho e fantasia,/ é sempre capaz de nos dar./ Lá estão eles conversando/ nas alamedas ao luar,/ reinventando os versos/ e os secretos universos/ que de mansinho nos fazem parar/ como se estivessem ali mesmo ao pé de nós/ a escrever e a falar./ O Parque dos Poetas/ é um lugar sem idade/ porque os poetas/ não são novos nem são velhos/ e o seu cartão de identidade/ é o timbre do que escrevem/ para acordar a cidade/ em cada dia que passa/ com o largo gesto criador/ de quem nunca desiste/ de viver em liberdade”.
Estamos pois numa enorme extensão e seria despropositado meter o Rossio na Betesga, é preciso ir e voltar para digerir tanta beleza, percorrer com cuidado e apreciar as esculturas, talvez começar na Praça do Memorial e avançar pela Alameda dos Poetas, ou então olhar à volta o Templo da Poesia, estar ali em meditação sentado junto das fontes zen, tudo de enfiada é que não, são muitos os artistas plásticos, dezenas e dezenas de esculturas, nesse enorme espaço onde cabem equipamentos desportivos, infantis e lúdicos.
E depois vale a pena ir percebendo o faseamento do projeto: a primeira fase (dez hectares) inaugurada em junho de 2003, estão ali vinte poetas-maiores portugueses do século XX; a estes juntaram-se os treze representantes dos trovadores e dos poetas do Renascimento da segunda fase – B, inaugurada em fevereiro de 2013 (7 hectares); e em 2015, 27 esculturas do Barroco ao Romântico e os de países de expressão portuguesa. É por estes últimos que começa a nossa viagem, com a garantia de que há ir e voltar, basta estar atento ao poema de despedida de José Jorge Letria: No Parque dos Poetas,/ com o Tejo lá ao fundo,/ aprende-se que a poesia/ é um modo de estar no mundo,/ umas vezes ligeiro e vago,/ outras grave e profundo,/ pois o mistério da poesia/ assim se pode resumir:/ É o jeito mais antigo/ de dizer o que está para vir,/ sendo um estado de graça/ que envolve quem passa/ e lhe segreda ao ouvido:/ “Ouve bem o que eu te digo/ e talvez o sonho,/ porque nada está perdido,/ volte de novo a fazer sentido”.
Poeta frequentemente sarcástico, irónico, cheio de humor, disfarça com isso um lirismo puro e profundo, uma enorme simpatia humana e uma constante e aguda preocupação com o sentido da vida e do homem. Tem horror ao sentimento e ao patético, mas guarda limpidez de sentimento e um agudo sentimento do trágico que comunica com muita discrição e finura. Alguns dos seus poemas alinham-se entre os melhores da Língua Portuguesa.
Os seus poemas questionam o registo biográfico em que a figura do pai ganha importância, dando sequência a uma temática aculturativa e fundamental no universo da sua poesia. O seu discurso poético enquadra-se na poesia contemporâneo do período Colonial e também de muita poesia escrita nos últimos 17 anos de vida do país novo que é Moçambique. Poeta comprometido com os destinos do país, é preso e partilha a cela com Malangatana e Rui Nogar, nomes importantes da cultura daquele tempo. Presente em qualquer antologia lusófona, a sua poesia reflete a influência surrealista, mas é marcada pela cultura moçambicana.
Representante do modernismo, a sua escrita poética evidencia o verso livre e a abolição de qualquer barreira formal ou temática. Muitos o consideram o maior poeta do modernismo brasileiro, e é certamente um dos maiores da literatura nacional. Fundamentalmente lírico tem agudíssima sensibilidade, principalmente diante da vida. A doença foi a sua companheira e a sua musa, bem como a morte. Dotado de uma extraordinária versatilidade, ensaiou, com êxito, todos os tipos de ritmo e todas as técnicas, experimentando até o concretismo.
A sua intervenção reflete a mulher, a africana e sobretudo a angolana que ama as suas gentes e a sua terra onde sempre ansiou regressar. Ao longo da sua breve existência, dedicou-se fundamentalmente à poesia, concentrando-se principalmente na experiência angolana e remetendo para uma leitura de Angola que privilegia as alegorias da Liberdade, do Amor, da Justiça, num retrato da condição humana em toda a sua ambiguidade e complexidade.
Sem obra literária anterior, Vasco Cabral surge com o livro “A Luta é a minha Primavera – Poemas”, 1981, que reúne 59 textos escritos entre 1951 e 1974, ordenados cronologicamente em cada uma das secções do livro, espelho do seu ideário nacionalista africano. Fez parte da escola neorrealista do seu tempo. A solidariedade, a fraternidade, o amor, a dor, a alegria, a esperança, a liberdade, a poesia da vida, são alguns dos campos semânticos do roteiro poético de Vasco Cabral.
A sua obra “Arquipélago (1935)” figura como um marco da modernidade, cabo-verdiana, rompendo com a dependência dos modelos metropolitanos e antecipa em meses o aparecimento da revista Claridade, da qual foi um dos fundadores. A poesia de Barbosa, telúrica e social, traz à luz do dia os problemas do arquipélago e do cabo-verdiano anónimo/irmão: a seca, a fome, a morte por inanição, a emigração, o isolamento, a insalubridade. Em suma, a sua poesia é uma radiografia do drama social do homem cabo-verdiano.
A sua poesia está ligada a movimentos de cidadania ativa e intervenção política, tendo ocupado vários cargos de relevo, como ministra e deputada. É autora da letra do Hino Nacional de São Tomé e Príncipe. A sua poesia é de matriz nacionalista, de denúncia da situação colonial, exalta as figuras-símbolos da resistência nacional: o contratado queimando vida nas roças de cacau e café, o contratado desenraizado, o angular e sobretudo a Mulher, símbolo da Terra e da Mãe. Considerada uma das maiores poetisas africanas, foi figura importante do movimento da Negritude de língua portuguesa.
Escritor de origem timorense, a sua poesia tem duas componentes distintas: a de referência timorense com uma estilística entre modernista e panfletária e a de referência genérica e autobiográfica. Desenvolve um conceito dinâmico de Pátria, colocando-o na dependência de um exercício de pensamento, cidadania e fraternidade que lhe permitia reclamar da colonização e do racismo europeus.
Popularizado como Adé, nascido e falecido em Macau, dedicou grande parte da sua vida à divulgação do dialeto macaense, sendo autor de vasta bibliografia e de récitas, peças de teatro, operetas, etc., que também ensaiava e dirigia. Grande parte da sua atividade esteve também ligada ao desporto.
(continua)
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Notas do editor
Vd. poste de 20 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22734: Os nossos seres, saberes e lazeres (477): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (18) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 22 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22739: Os nossos seres, saberes e lazeres (478): Guerra e Desporto, um artigo de Alexandre Silveira publicado no Jornal Fayal Spor Club, enviado a partir da Mata dos Madeiros (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)