sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22711: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIX: As hortinhas... dos "durões"


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > Da Esquerda para a direita os agricultores improváveis: Furriel Machado, 1.º Cabo José Carlos e Alferes Afonso.  



Foto nº 2  >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > A hortinha do José Carlos, estrategicamente plantada junto aos nossos chuveiros aproveitando a rega automática.

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa  (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem quase pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida), 
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (*)


Parte XIX - AS HORTINHAS... DOS “DUROS” DO CUMBIJÃ


Fartos de arroz com estilhaços e ração de combate, muitos procuravam por todos os meios encontrar suplementos alimentares para aguentar melhor a dureza da guerra.

Muitos recorriam aos familiares da metrópole que lhes enviavam vitaminas, chouriços, alheiras e até maranhos! Chegava já tudo (o que chegava!) estragado, mas não se desperdiçava nada!

Outros, mais à japonesa: Ensina a pescar, não ofereças o peixe... recebiam sementes de couve, tomate, alface, etc, construindo as suas próprias hortinhas.

Talvez devesse ocultar toda esta história que pode afetar, indelevelmente, a reputação destes três duros do Cumbijã, plantando hortinhas em pleno teatro de guerra!!!… A verdade sobre a guerra colonial assim o exige!

A Horta do Machado – Cientificamente perfeita (ou não fosse ele Engenheiro Técnico Agrário). Foram estudadas as correntes de ar, a exposição solar, a humidade da terra bem como o seu PH;

A Horta do Afonso – Toda ela construída tendo por base uma brochura, que lhe enviaram de Miranda do Douro (escrito em Mirandês para ninguém copiar), com o título: Hortofloricultura para principiantes.

A Horta do Zé Carlos – Construída com base no saber popular, passado de pais para filhos, bem como das informações do Borda d’água... em Crioulo.

Reconheço que só provei as alfaces do Afonso. Estas eram colhidas já lavadas, desinfetadas e temperadas, dado a rega diária feita pelos soldados que justificavam o gesto com a falta de latrinas (justificação que também aproveitei!).

Presumo, contudo, que as melhores, tendo em conta o método utilizado, seriam, obviamente, as do Zé Carlos, por ser as que mais se aproximavam do que hoje se designa de agricultura biológica.

Quem passava ao lado destas “picuinhices” (cheguei a escrever “mariquices” que logo apaguei já que hoje é proibido e, bem, utilizar este termo na tropa…) das hortinhas era o Albuquerque que muitas vezes me convidou para comer uma sopinha feita por ele, com muita hortaliça.

Recebia frequentemente sopas instantâneas “Maggi”, enviadas com muita ternura e amor pela sua Mãezinha.

Eu ficava maravilhado com aquilo. Aquecia-se a água, com o álcool e algodão do Caetano, deitava-se para dentro do tacho (creio que uma lata) a “mistela” do saco, e, quase por milagre, apareciam couves, cebolas, cenouras... Isto em 1973, nas matas da Guiné! Só de fidalgos!

Ao Albuquerque tenho-lhe uma gratidão enorme, pois que, para além dos convites para jantar e da grande cumplicidade no comando do 1º pelotão, foi quem mais agastado ficou com as pequenas, para ele grandes, injustiças que nestes contextos sempre acontecem, assumindo as dores... e a vergonha alheia. Este homem é grande. Sempre de coluna direita!



Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAV 8351 (1972/74 >   Os três magníficos furriéis do 1.º pelotão (mais tarde, eu  fui deslocado para o 2.º): Albuquerque (o condutor); Costa (primeiro da esquerda do banco de trás); Azambuja Martins (também no banco de trás) e o meu amigo que frequentou o Colégio Interno das Caldinhas (Santo Tirso) do 4.º pelotão. O jipe pertencia ao BENG  447.

(Continua)
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5 comentários:

Valdemar Silva disse...

Costa, ou não fossem os Portugueses, e não só os lisboetas de alfacinhas, uns amantes de coubinhas pencas.
Julgo que a Guiné tinha condições para uma grande exploração do tomate, talvez mais pequenos.
Digo isto por em determinada altura, julgo ter sido pessoal da Força Aérea, da pista de Nova Lamego, aproveitando o terreno lateral remexido da construção do alargamento/comprimento da pista para os FIATs, resolveu plantar tomates.
Pois, passado uns tempos apareceram tomateiros de um lado e doutro e a quase todo o comprimento da pista. Qual tomateiros do Ribatejo qual quê, havia ali um produção de tomates para toda a Árica e arredores.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

João Rodrigues Lobo disse...

Gostei de ver o jeep do Beng 447.Devo ter andado nele em 1969 ou 1970. As recordações são muitas.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quando chegámos a Bambadinca em 18 de julho de 1969, alguns dos nossos soldados, mais velhos, naturais de Badora, contaram-me que as alfaces viçosas que os "tugas" comiam, eram cultivadas numa antiga vala comum. Ao que diziam, a polícia admnistrativa de Bambadinca teria torturado e executado uns tantes "turras" balantas ali da zona...

Peta ou não, a verdade é que eu deixei de comer alfaces nas semanas seguintes... Até me esquecer da tétrica história... Mas registei-a no
meu diário.


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Tabanca Grande Luís Graça disse...

Claro, isto ter-se-ia passado uns anos anos no inicio da guerra em 1963 ou até mesmo antes. Nunca iremos saber a verdade sobre o que passou...

Unknown disse...


Carlos Machado
Amigo Costa continuo a gostar dos teus posts e da ironia com que descreves a tua passagem pelo centro de férias do Cumbudjã. As hortas eram um acrescento à abundante e variada alimentação.
Na minha horta, que só era minha porque levei sacos de sementes, sacos de várias hortícolas, mas foram os excelentes camaradas do meu pelotão que se encarregaram de tratar da horta, que dava alfaces e tomate em grande quantidade que estavam disponíveis para quem quisesse . Os tomateiros estavam sempre em produção graças à temperatura, água dos chuveiros cheia de espuma do sabonete lifebuoy e do resto do gasóleo dos bidons que serviam de chuveiro.
Um abração