domingo, 18 de setembro de 2022

Guné 61/74 - P23625: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (12): A Op Ametista Real: o batalhão de comandos em Cumbamori, no Senegal, 19 de maio de 1973 (Amadu Bailo Djaló, alf graduado 'comando', 1940-2015)

Guiné > Brá > 1973 > Cerimónia das promoções dos comandos africanos (pág. 257 da edição em livro)

Guiné > Brá > 1973 > Foto nº 108 > O general Spínola a dirigir-se ao Batalhão de Comandos da Guiné, em Brá. À direita, os majores Almeida Bruno e Raul Folques e atrás, por baixo do emblema dos Comandos, o tenente graduado 'comando' Zacarias Saiegh, de camisa mais clara. Fotos retiradas, com a devida vénia, do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, pág. 256)

Batalhão de Comandos da Guiné (Brá, 1972/74): guião
 

A Op Ametista Real,  19 de maio de 1973

por Amadu Bailo Djaló (2010, pp. 248-260) (*)

Em homenagem à  memória do nosso camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o livro, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" e grande amigo do autor, e coeditor jubilado do nosso blogue,  nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui o excerto, sem a totalidade das respectivas fotos, relativo à Op Ametista Real, Cumbamori, Senegal, 19 de maio de 1973 (correspondente às pp. 248-260 da edição em livro).  

Este é um valioso (e raro) testemunho, escrito na primeira pessoa do singular sobre uma operação arriscada e temerária, realizada em solo estrangeiro, contra a base do PAIGC em Cumbamori, e que permitiu aliviar a pressão militar sobre Guidaje. Nove militares do Batalhão de Comandos da Guiné morreram na Op Ametista Real. O Amadu Djaló até então 2º sargento graduado 'comando', será depois promovido a alferes, e irá fromar, com o tenente graduado 'comando' Jamanca a CCAÇ 21.


(...) 51. O Batalhão de Comandos[1] em Cumbamori, Senegal

Embarcámos em Bissau, ao início da tarde de 18 de maio de 1973, numa lancha de desembarque, e navegámos durante a tarde e a noite toda até Ganturé[2].

Quando desembarcámos, já passava do meio da tarde, encontrámos soldados conhecidos. Estávamo-nos ainda a cumprimentar, ouvimos um companheiro gritar alto “atenção, ataque!”

Ouvimos as saídas de morteiros 120. Não falando nos estilhaços, só os rebentamentos desorientavam. Cada um procurou um local para se abrigar, mas a flagelação[3] não durou mais de cinco minutos. Para nós, foi um sinal do PAIGC. Acalmámo-nos e rimo-nos um bocado, enquanto comíamos da comida que nos trouxeram.

Mantivemo-nos em Bigene até aproximadamente às 22h00, que tinha sido a hora destinada para nos prepararmos para a saída. Mais ou menos, uma hora depois, começámos a andar rumo ao objectivo para cumprir a missão de atacar e destruir os locais que estavam a servir de base às flagelações a Guidaje[4] e a toda aquela zona, Bigene, Barro, Binta.

O agrupamento onde ia o comandante Almeida Bruno[5] seguia à frente, em direcção à zona de fronteira com o Senegal. Foi uma noite toda a andar, até atingirmos uma estrada alcatroada, paralela à fronteira, de Koldá a Ziguinchor, entre Tanafo e Samine, mais próximo deste. Portanto, bem dentro do Senegal[6].

A certa altura foi-nos ordenado um alto e ali nos mantivemos. Tínhamos sido avisados que a aviação vinha a caminho. Neste intervalo ia a passar uma viatura das obras que andava a carregar material para a estrada.

Como tínhamos recebido ordens para não deixarmos passar nenhuma viatura[7], o Alferes Tomás Camará mandou-a parar. O condutor não quis obedecer ao sinal de stop, mas como viu muitos militares armados parou mesmo. O Major Almeida Bruno abeirou-se dele e disse-lhe que “hoje não há trabalho. Vai avisar o PAIGC de que estamos aqui à espera deles”. Mas o condutor não deve ter ido ter com o PAIGC, arrancou a correr na direcção de Samine.

Nós continuávamos a aguardar a entrada da aviação, que não devia demorar. E poucos minutos depois começámos a ouvir os ruídos dos aviões e, nessa altura, levantámo-nos para nos prepararmos para os ataques aos objectivos, que eram diferentes para cada companhia.

Por volta das 07h00, mais ou menos, começámos a ouvir os rebentamentos das bombas dos aviões, uns atrás dos outros. A seguir, avançámos, formados em bigrupos e lançámo-nos ao ataque.

Lembro-me de ter entrado numa clareira e, depois mais nada, desmaiei. Soube mais tarde que tinha sido atacado na cabeça por um enxame de abelhas. Tiraram-me dali, não sei de onde nem para onde. Dei por mim deitado no chão, a ouvir uma voz, era o capitão Folques a dizer tratem o homem, e eu a pensar no que teria acontecido. Não me lembrava de nada do que se passou, nem me lembrava do local onde estava, nem o que estava ali a fazer. Sentia dores e não via nada, só ouvia as vozes. Minutos depois, recuperei a memória e já me lembrava do que me tinha acontecido na saída e do ataque de abelhas. E eu, a falar para mim, estou deitado no chão, devo estar a morrer.

Perguntei qualquer coisa mas ninguém deu resposta. Levantei-me a custo, comecei a ver, sentia dores na cabeça, na cara, nas mãos. Então, não estou a morrer! Mais animado, procurei a minha arma e as cartucheiras, era um soldado radiotelegrafista do meu grupo que tinha o meu material. Tinha trazido arma, levava a minha arma, assim estava mais tranquilo, tão tranquilo que me preparei para avançar.

Alguns homens de um dos nossos bigrupos, que caminhava na nossa retaguarda, quando nos viram, não estiveram com cerimónias, atiraram-se para o chão e abriram fogo sobre nós. Fizemos o mesmo, respondemos e durante cerca de um minuto o fogo intensificou-se. Não sei porquê, parámos o fogo, os dois lados ao mesmo tempo. Começámos a ouvir gritos “Comandos, Comandos”[8]. Restabelecido o contacto procurámos saber dos feridos. Eles não tinham nenhum e nós também não, por sorte.

Juntámo-nos e continuámos o avanço para o local onde se deveria encontrar o comandante Bruno. Quando chegámos, instalámo-nos e ficámos a aguardar ordens. Havia grupos que ainda não tinham regressado ao local.

Neste espaço de tempo, foi recebida uma mensagem de um grupo a pedir apoio. Tinha sofrido baixas e pedia auxílio para os tirar daquele local. Já íamos a sair e nova mensagem chegou a dizer que já não precisavam. Que o grupo do Marcelino estava a trazer os feridos e os mortos para o local onde estávamos. Entretanto, começámos a preparar as macas para facilitar o transporte. Sabíamos que a retirada ia ser feita na direcção de Guidaje. Não demoraram muito.

Um dos feridos estava a contar-me como tinha sido atingido quando chegou o 1º cabo José Có, que tinha sido meu instrutor na recruta em Bolama.

− Amadu, onde é que estamos?

− Aqui é o Senegal − respondi.

− Então, vou-me embora. Estive ali à frente, ouvi muitos barulhos, de gente a falar e a gritar alto, barulho de gente a cortar ramos das árvores para fazer macas, olha, era tanto barulho que parecia o mercado de Bandim.

Só voltei a ver o José Có em Guidaje. Saí do local onde estavam quatro ou cinco feridos e o corpo de um soldado, para verificar o andamento dos trabalhos das macas e, momentos depois começaram os rebentamentos.

Foi um inferno. Ao primeiro estouro ninguém pensou em mais nada senão em escapar dali. Eu corri para a frente, com sete ou oito soldados, armados de bazucas e RPG, para respondermos ao fogo. Todos dispararam uma vez, outros duas vezes, depois saíram dos locais, porque a posição deles estava denunciada quando fizeram fogo. Sabíamos isso da instrução.

Fiquei muito satisfeito com eles, porque foi com os disparos que fizeram que travámos a contra-ofensiva do PAIGC e dos páras senegaleses[9].

O tenente Jamanca estava à minha esquerda, sentado, com as pernas estendidas, encostado a uma pequena árvore, parecia exausto.

− Então, o que é que se está a passar? − perguntei.

− Amadu, anda cá! Mata-me, não deixes o PAIGC levar-me! Mata-me, Amadu, mata-me!

− Tu não ficas, levámos-te de qualquer forma. Não ficas aqui! Descansa um pouco, Jamanca!


Durante esta conversa vi o Alferes Melna, de pé, com dois soldados, um deitado, de frente para eles.

 −  Melna, de quem é esse corpo?

− É o Alferes, o Mama Samba Baldé!

Fui para a beira deles. O Melna apontou para uma árvore e perguntou-me se eu sabia de quem era o corpo que estava lá. Não, não sabia, respondi.

− É o corpo do José Vieira[10].

Ouvi o Jamanca chamar-me:

 − Vai chamar Demba[11].

Dirigi-me para um grupo de soldados e perguntei pelo Demba.

  −  Já retiraram todos, só estamos nós aqui −  respondeu alguém.

Quando transmiti ao Jamanca o que tinha ouvido, ele não queria acreditar. Depois, levantou-se e foi ver com os seus olhos. Não viu nenhum dos seus oficiais e abanou a cabeça.

No local estávamos 31 militares, três capitães europeus e vinte e oito comandos africanos: um tenente, um alferes, não sei quantos sargentos e praças. Os capitães eram o Folques, o Matos Gomes e o Ramos, que era paaquedista.

O grupo ainda ficou mais reduzido, pouco depois. Quando tentava recuperar o corpo do Alferes Mama Samba, o Melna[12] foi atingido gravemente nas pernas com estilhaços de uma roquetada e os ossos ficaram a ver-se.

O guarda-costas do alferes estava atrás do Melna, mas só o alferes e outro soldado apanharam com os estilhaços. Depois de atingido, o Melna tirou a carteira onde levava o mapa e a bússola do pescoço e pousou a Kalash. Quando estava a tentar ver o estado em que tinha as pernas, toda aquela zona foi varrida por uma série de rajadas.

Tentámos ir lá, arrancá-los, tirá-los dali, uma, duas, três vezes. Não conseguimos. Na terceira tentativa o capitão Folques foi também atingido numa perna, uma bala perfurou-a de um lado a outro. Demos tudo por tudo, mas não conseguimos chegar lá. A força deles era maior, naquele local.

De todo o pessoal que partiu, quatrocentos e noventa e tal militares com dois guias de Bigene, estávamos ali vinte e nove, porque um dos soldados do Melna também tinha sido atingido gravemente. Conseguimos abandonar o local, comigo em último lugar, a olhar para trás, de vez em quando, com a imagem do Melna, que ainda hoje está na minha cabeça. Ele olhava para nós e voltava a cara para o lado de onde faziam fogo contra nós. E ainda consegui ouvir um grito, pareceu-me de contentamento.

Estavam a apanhar o Melna, pensei. "Apanharam Melna", gritava eu alto. Uma dor cá dentro, no coração, é o que ainda hoje sinto quando me vem à memória a imagem dele, a olhar para nós e para o outro lado, o do inimigo.

Mas para trás ficaram mais três ou quatro feridos que o grupo do Marcelino tinha trazido para aquele local. Não sei quem era o comandante deles, só sei que também lá ficaram.

Continuámos a retirar em direcção à nossa fronteira. Não podíamos forçar muito, porque o Jamanca só podia andar com o apoio de alguém e o capitão Folques, com a perna ferida, também tinha muita dificuldade em andar e estávamos ainda longe de Guidage.

Pedimos apoio à aviação, mas recusaram. Disseram que estavam a voar muito alto, que era difícil localizarem-nos. Quando ouvi a resposta do ar, perguntei ao meu soldado, que transportava o morteiro, se ele tinha ainda alguma granada de fumos de morteiro, para a aviação ver onde nós estávamos. O capitão Folques transmitiu para os aviões que íamos lançar uma granada de fumos. Tomei conta do morteiro e fui eu que disparei, para sinalizar o local a partir do qual os aviões já podiam bombardear.

Uma grande bola de fumo, branca, já tinham visto dos aviões, ouvimo-los dizer. A partir deste momento, o Capitão Folques[13] disse "a sueste do fumo, a sul, a sudoeste e a oeste, arrasar tudo, tudo!" ‘

Vimos bem a potência do bombardeamento e sentimo-la também, enquanto continuávamos a retirar lentamente. Do ar, perguntaram se estávamos a ser seguidos, nós respondemos que não. Então, “Pentágono”[14] disse que estavam a ver uma grande coluna na estrada e que iam destruí-la. A partir desta comunicação, não ouvimos nem mais um tiro atrás de nós. E atrás de nós, já não havia mais ninguém nosso.

Essa granada de fumo ajudou-nos muito, talvez tenha sido a nossa salvação. Não me lembro do nome do soldado que acarretou o cunhete de granadas de fumo, mas lembro-me de ele me responder que eram granadas de morteiro de fumo, quando lhe perguntei "granada de quê?"

Esta conversa aconteceu, depois do grupo estar pronto para a saída. Leva uma ou duas, respondi sem muita certeza. Nunca tinha levado granadas dessas de morteiro, de fumo só usávamos granadas de mão, mas como era uma operação fora do território nacional, talvez viesse a ser útil. Quem adivinhava?

Chegámos junto do arame farpado do aquartelamento de Guidage, entre as 18 e as 19h00[15], mortos de sede e de fome. Em Guidaje não havia nada para comer. Nem medicamentos[16].

Fomos avisados de que partíamos no dia seguinte, às 07h00[17], a corta-mato na direcção da estrada Farim a Binta. O programa era sair de Guidaje, em marcha forçada, a corta-mato, pela estrada de Farim a Binta. Ia ser uma grande volta para quem quisesse ir, ninguém era transportado.

Quem cair, caiu. Seja quem for, fica no local. Se não vai aguentar, então é melhor não arriscar. Quem quiser ficar em Guidaje tem que saber que não há comida. E outra coisa mais, para quem quiser ficar aqui: não sabemos quando sairá de cá, nem em que meios o fará, porque a estrada está como um campo de milho, só que não tem milho, tem minas. Já muitas vidas ficaram nesta estrada, a picá-la. E de avião, também não sabemos quando vai haver, porque já foram abatidos 3 ou 4 nesta área! Então, quem quiser ficar, pode ficar, mas têm que ter muita paciência até quando houver possibilidade de os retirar. 

Foram estas as palavras que todos ouviram. O aviso correu depressa, à volta de todo o arame farpado e ficou a noite para cada um pensar na sua vida.

Logo de manhã, ainda antes das 06h00, começámos os preparativos. Viu-se logo quem queria arriscar, quem estava decidido. Agora, não era hora de falar, se ia ou não ia.

Chegada a hora, partimos, decididos, não me lembro de olhar para trás, na direcção da estrada entre Farim e Binta.

O objectivo da etapa era Binta. A certa altura o calor começou a apertar e ainda era de manhã. As baixas começaram a surgir, sem ataques armados, alguns afrouxaram a marcha, um ou outro caiu. Era para aí meio-dia quando o major Almeida Bruno mandou fazer um alto para o pessoal descansar um pouco. Trinta minutos, mais ou menos, depois, recomeçámos a marcha. Falar do calor que fazia, não adianta. Toda a gente da Guiné sabe como é. A marcha forçada estava a ser difícil para alguns colegas, até o guia se foi abaixo.

A partir de um dado momento, o comandante 
[Almeida] Bruno e eu fomos para a frente, eu a abrir a coluna, o nosso major em segundo, o segundo guia era o terceiro homem, sempre a andar sem parar, com a estrada ainda longe. Quando chegámos com o pôr-do-sol[18] ao local que queríamos atingir, ouvi o comandante pedir pelo rádio, na ponte, os cavalos[19] para nos virem buscar.

Quando chegou a primeira viatura, pensei que íamos embarcar. O major disse “Amadu, vamos andando”, chegou a segunda disse o mesmo. Nessa altura, eu disse para mim, “se eu sabia, ficava para trás”. Cada viatura que chegava, o nosso comandante mandava passar para trás de nós, sempre a dizer “Amadu, vamos andando”. Eu estava muito cansado, mesmo muito.

Quando voltou uma viatura sem ninguém ele disse que agora era a nossa vez, que já não havia ninguém para trás. Fomos dos últimos a entrar em Binta. Atrás de nós cerca de quarenta homens arrastavam-se ainda na estrada, foram chegando durante a noite. Alguns colegas nossos tinham voltado para trás para ajudar os atrasados. Aproximavam-se do portão e faziam sinal às sentinelas. Quando chegámos a Binta entrámos logo na LDG.

Na lancha soubemos o que tinha acontecido com dois soldados nossos, que tinham ficado em Bigene e não participaram na operação. Um, do grupo do Marcelino da Mata, não foi porque estava bêbado e o outro, dos Comandos, porque se queixava de fortes dores de cabeça.

O que aconteceu com eles? Quando a lancha se estava a deslocar de Ganturé para nos vir buscar a Binta, ninguém sabe como ou porquê, o soldado do Marcelino, o Abdul Raman disparou o lança-roquetes. O disparo atingiu-o e desapareceu na água[20]. O outro, o Malan Baldé, o das dores de cabeça, que ia ao lado, foi atingido por estilhaços nas duas vistas e ficou cego.

Com todo o pessoal embarcado, iniciámos a navegação de manhã[21]. Todos calados, pensando em nada. Quando chegámos ao Cacheu, horas depois, ainda estávamos em silêncio. Mandaram-nos saltar do barco e aproveitámos para nos abastecermos no mercado do Cacheu. Eu comprei um grande peixe. Depois, destino Bissau.

Chegámos à tarde. Com as viaturas ali, à nossa espera, foi um trabalho pequeno tomar os lugares e rolar para o quartel. Quando chegámos a Brá, fizemos o costume, entregámos as armas e os equipamentos. Disseram-nos para estarmos no quartel no dia seguinte, para conferirmos quem tinha ficado para trás, no território do Senegal, quem tinha sido ferido, quem tinha ficado no nosso território, no Ingoré, em Barro, em Binta, em Farim.

Os números dos desaparecidos não batiam certo[22], iam mudando. Depois do 25 de Abril ainda apareceu um soldado, Aba Coné, um balanta, que tinha sido ferido com o alferes Melna, com os estilhaços da mesma roquetada.

Três dias depois[23] de Cumbamori, o comandante deu-nos uma semana de descanso. No dia combinado, quando cheguei ao quartel a ordenança do comandante Bruno disse-me para eu estar no gabinete dele, às 10 horas.

 − Não sabes por que é que me mandou chamar?

Não sabia, mas disse que tinha mandado chamar mais oito homens e mostrou-me a lista. Eram todos meus amigos.

Chegada a hora, concentrámo-nos no gabinete do major Bruno, ansiosamente à espera, ninguém sabia de quê.

Era para nos comunicar que dois tenentes e seis alferes iam dirigir duas companhias. O tenente Jamanca ia ser o comandante de uma companhia de Fulas. E os alferes eram o Demba Chamo Seca, o Ali Sada Candé, o Braima Baldé[24] e eu, Amadu Bailo Djaló

Para a outra companhia iam três oficiais, o Tomás Camará, o Vicente Pedro da Silva e o João Uloma, o felupe. Dois furriéis, um dos quais o Hélder Pereira[25], da CCaç 18, com vários louvores, iam ser integrados na companhia do Tomás Camará.

Duas companhias comandadas por oficiais dos comandos africanos: a CCaç 20, comandada pelo Tenente Tomás Camará iria para Gadamael Porto. A CCaç 21, uma companhia quase só constituída por militares de etnia fula, comandada pelo Tenente Jamanca, iria ficar sediada em Bambadinca.

Três dias depois, embarcámos para Bolama e, passadas duas semanas, o General Spínola atribuiu aos quadros das duas companhias a Medalha de Lealdade e Mérito[26], em cobre. E poucos dias depois, fomos chamados a Bissau, para sermos graduados: o Tomás Camará em tenente e eu em alferes.

Depois de voltarmos a Bolama, esperava-me novo destino. Bambadinca [a CCAÇ 21]. (**)

[Seleção / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ] 



Lisboa > 2009 > Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten general 'comando' ref Almeida Bruno (1935-2022)  (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné, e ambos Torre e Espada) e o nooso saudoso grã-tabanqueiro Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do autor e do editor ("copydesk") Virgínio Briote:

[1] Nota do editor: designação oficial do que veio a ficar conhecido por Batalhão de Comandos Africanos. A unidade foi criada em 1 Abril 1973, tendo a sua organização sido aprovada pelo Ministro do Exército, em despacho de 21 Fevereiro 1973.

[2] Nota do editor: Ganturé, porto no rio Cacheu que servia Bigene onde se encontrava o comando do COP.

[3] Ataque de morteiros e foguetes, disparados do lado de lá da fronteira.

[4] Nota do editor: Guidaje estava praticamente isolada. A guarnição era composta por cerca de duas centenas de homens da CCaç19 e do PelArt24. Junto ao aquartelamento havia uma pequena tabanca. As entradas pelo sul estavam praticamente cortados, com as vias de acesso semeadas de minas.

A própria FAP estava limitada, uma vez que nos primeiros dias de Maio, um T-6 e dois Dornier 27 tinham sido abatidos por mísseis.

Calcula-se em cerca de seiscentos o número de homens que o PAIGC tinha na zona, comandados por Francisco Mendes “Chico Té” e Manuel dos Santos “Manecas”. O PAIGC abastecia-se a partir de uma base em Cumbamori, Senegal.

Segundo o relatório, na tarde de 19 de Maio de 1973, cerca de 450 homens do Batalhão de Comandos da Guiné, divididos em três agrupamentos (efectivos de uma companhia), embarcaram em lanchas da marinha e subiram o Cacheu até Bigene, onde desembarcaram ao final do dia. À meia-noite começaram a deslocar-se para Norte e entraram no Senegal por volta das seis da manha do dia 20.

[5] Nota do editor: a ordem de progressão era o Agrupamento “Bombox”, comandado pelo capitão Matos Gomes, o agrupamento “Centauro” pelo capitão Raul Folques e o agrupamento “Romeu” pelo capitão António Ramos e onde seguia o Major Almeida Bruno. Informação de “Guerra Colonial”, de Aniceto Afonso e C. Matos Gomes.

[6] Nota do editor: na chamada “Grand Route” do Casamance, que estava em construção. As NT tinham os objectivos marcados nas fotografias aéreas referenciados a sul desta estrada em construção.

[7] Nota do editor: passaram autocarros e viaturas da construção civil de uma empresa francesa. Ao agrupamento “Bombox”, quando começou o bombardeamento da aviação, surgiu, num Peugeaut 404, um engenheiro francês, que, de olhos arregalados, se viu rodeado de negros. O Capitão Matos Gomes mandou-o desaparecer. Estava iminente o ataque à base.

[8] Nota do editor: o agrupamento do Capitão Folques tinha ficado a sul da base enquanto o “Bombox” atacou a norte. Por volta do meio-dia o Major Almeida Bruno deu ordem ao “Bombox” para sair do local e mandou avançar o agrupamento “Centauro”, do Capitão Folques, para se intrometer entre o “Bombox” e o PAIGC, numa manobra de ruptura do contacto. Seguiu-se o combate e a confusão. Dois agrupamentos de Comandos Africanos, mais o PAIGC e mais forças do Exército do Senegal, praticamente com fardamento e armas idênticas, todos pretos excepto quatro brancos, engalfinhados aos tiros e quase à bofetada. Daí o grito Comandos para se orientarem. E, como a confusão já era pouca, surgiu o grupo do Marcelino da Mata, que veio aos apitos e aos gritos e a pegar fogo ao capim, onde as NT tinham juntado os foguetões capturados na base de Cumbamori, que, aquecidos pelo incêndio, seguiram como torpedos pela bolanha.

[9] O Exército do Senegal trouxe guerrilheiros do PAIGC em viaturas e apoiou-os contra nós, com canhões sem recuo e auto-metralhadoras. O comandante daquele sector senegalês, um Major chamado Djawara, contactou com o Major Bruno no posto de comando, que o nosso comandante tinha montado numa pequena vila senegalesa, e pediu-lhe para irmos combater para trezentos metros a Sul, onde ele dizia que passava a fronteira, ninguém sabia se passava se não. Já depois de 1974 tive conhecimento que o Presidente do Senegal, Shenghor, disse ao General Spínola em Paris que o tal major tinha sido abatido no decorrer dos combates.

[10] Soldado da 1ª CCmds. Um mês depois de ter acabado a comissão, solicitou a prorrogação. Esta era a 1ª saída depois de reintegrado.

[11] Demba Chamo Seca.

[12] Nota do editor: os corpos do Alferes Melna e os de outros Comandos, foram recuperados pelas NT e trazidos para Guidage, onde se encontram enterrados.

[13] Tínhamos no ar o Capitão Baptista da Silva, numa Dornier a fazer PCV.

[14] Indicativo da patrulha aérea.

[15] Nota do editor: de 19 Maio 1973.

[16] Guidaje estava cercada, não era reabastecida há algum tempo. Os feridos acumulavam-se num abrigo, com as feridas a gangrenarem. Cheirava a carne podre, a sangue coalhado e o ar parecia de um jazigo. Foi nesse abrigo que o nosso Capitão Folques e os outros Comandos feridos ficaram a aguardar as evacuações. Nem ligaduras havia.

[17] Nós tínhamos que sair rapidamente de Guidaje. Com os efectivos do Batalhão de Comandos, o número de militares deveria andar perto de seiscentos homens dentro do aquartelamento. O que podia ser um desastre para nós se a povoação fosse atacada, que era o que esperávamos. Não havia tempo para recuperar. O comandante decidiu seguir a corta-mato na direcção de Binta. Soubemos mais tarde que ainda pensou seguirmos directamente ao Cufeu, para atacarmos uma base de lançamento de Strella, localizada pela aviação. Segundo ouvi dizer parece ter sido a primeira ideia que lhe veio à cabeça e terá mesmo dado ordem para nos dirigirmos para Cufeu, mas nós já não andávamos, arrastávamo-nos. Ainda chegámos às proximidades do local, mas nós não estávamos em condições para o assalto. Finalmente, o comandante mandou seguir para Binta, até à estrada Farim – Binta – Barro. E foi aí, que fomos recolhidos em viaturas e transportados para a LDG, comandada por um 1º Tenente chamado Bilreiro.

[18] Nota do editor: de 20Mai73.

[19] Viaturas.

[20] Nota do editor: não há registo do óbito deste militar, sequer “desaparecido em acção” ou “corpo não recuperado.

[21] De 21 Maio 1973. Esperámos algumas horas em Binta. O Major Bruno e os Capitães Matos Gomes e António Ramos viajaram para Bissau, de helicóptero, para se reunirem com o General Spínola. Em Binta não havia comida para nos darem, foi a própria população que nos matou a fome.

[22] Nota do editor: os números oficiais apontam para nove mortos em combate, onze feridos graves e vinte e três ligeiros.

[23] Nota do editor: 4 Junho 1973.

[24] Braima Baldé pertencia à família real do Corubal. Era uma pessoa muito reservada. Incorporado em 1960, pertenceu à B.A.C. e esteve destacado no esquadrão de Bafatá. Por feitos em combate recebeu o prémio Governador da Guiné. Em 1969 para além dos africanos ex-Comandos foram convidados outros que se tinham destacado em combate. Braima fez o curso de quadros, em Brá, sob a orientação do Capitão Barbosa Henriques. Terminado o curso, como furriel graduado, esteve em Fá Mandinga, na formação da 1ª CCmds Africanos, de que o Capitão graduado João Bacar Djaló foi o nosso comandante. Era 1º sargento quando participou na operação “Ametista Real”, em Cumbamori, Senegal. Ao Braima calhou-lhe ir no agrupamento onde ia o Major Almeida Bruno. Foi muito falada, na altura, a história de que Braima Baldé pode ter salvado a vida do nosso comandante quando o Major Bruno, ao avistar um grupo de militares, tê-los-á chamado, pensando que eram militares nossos. Eram páras senegaleses. O Braima apercebeu-se, gritou-lhe que se abaixasse, e, segundos depois, começaram a ser alvejados com rajadas. No regresso, já em Guidaje, o major tirou os galões de um alferes europeu e colocou-os nos ombros do Braima Baldé. Quando se deu o 25 de Abril, o PAIGC começou por lhe atribuir um cargo numa secretaria em Bambadinca. Depois executou-o, em 1975, em dia e local que ninguém disse.

[25] Hoje Tenente-Coronel.

[26] Nota do editor: em Ordem de Serviço nº 34, de 23 de Agosto 1973, do CTIG, o Brigadeiro Comandante Militar louvou o Alferes Graduado Comando Amadu Bailo Djaló, da 1ª CCmds Africanos: “porque em todas as operações e acções em que tomou parte, se revelou sempre um combatente exemplar, muito valente, corajoso, determinado e de elevado espírito de sacrifício e abnegação. Militar de elevado espírito de missão, responsável e muito generoso é de inteira justiça realçar o seu excepcional comportamento na operação “Ametista Real”, onde comandou o seu grupo de combate com competência, serenidade, muita coragem, agressividade e estoicismo. Por tudo quanto se nota, é digno de ser apontada a sua conduta como de verdadeiro Comando, sendo-lhe conferido o presente louvor como público testemunho das suas extraordinárias qualidades de chefe militar e de combatente.”

[27] O pai do Alferes Carolino Barbosa era comerciante no sul da Guiné e tinha sido morto pelo PAIGC.

[28] Nota do editor: de 11 Julho a 11 Agosto 1973 e de 21 Novembro a 16 Dezembro 1973.
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Militres  do Batalhão de Comandos da Guiné mortos em Cumbamori, Senegal, durante o assalto à base IN, Operação Ametista Real’, 19 Maio 1973.

  • Anso Baldé, Soldado, 1ª CCmds; 
  • José Vieira, Soldado, 1ª CCmds; 
  • Pedro Melna, Alferes Graduado, 2ª CCmds;
  • Mama Samba Baldé, Alferes Graduado, 3ª CCmds:
  • Saliu Sané, Soldado, 3ª CCmds;
  • Becute Tungué, Soldado, 3ª CCmds;
  • Carlos Intchama, Soldado, 3ª CCmds;
  • Armando Beta Santa, Soldado, 3ª CCmds:
  • Mama Samba Embaló, Soldado, 3ª CCmds;
 Fonte: Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp. ) 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4359: Tabanca Grande (143): Amadu Bailo Djaló, Alferes Comando Graduado, incorporado no Exército Português em 1962 (Virgínio Briote)

(**) Último poste da série > 14 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23525: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (11): "Se eu de ti me não lembrar, Jerusalém", poema de Luís Jales de Oliveira (ex-fur mil trms, CCAÇ 20, 1972/74)

Vd. também poste 18 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal

sábado, 17 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23624: Os nossos seres, saberes e lazeres (526): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (68): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 6 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Alguém lançou a ideia de ir visitar um património extraordinário que uma fundação restaurara em 2010, a Villa Empain, era uma boa ocasião para se fazer 3 num: conhecer esta prodigiosa vila, considerada um expoente da Arte Deco sob a influência Bauhaus, visitar a exposição dedicada à imagem da mulher nas artes plásticas ao longo da humanidade e, de seguida, de ir à cave da vila apreciar uma exposição consagrada a Michel Polak (1885-1948), o arquiteto que construiu este tesouro. Villa Empain, criada em 1931, depois de muitas peripécias e de um doloroso período de abandono e vandalismo, foi restaurada em 2010, com os seus mármores finíssimos criando policromias espantosas, com as suas madeiras exóticas, portas e ferragens realizadas por artesãos topo de gama, completamente refeita a piscina com o seu chão de mosaicos azuis. Em suma, um refinamento de pormenores e uma coerência do conceito arquitetónico, tudo com linhas muito simples mas com resultado visual excecional. Polak já era nome sonante na arquitetura de Bruxelas, em 1928 construiu a Résidance Palace, ainda hoje um dos edifícios mais elegantes de Bruxelas, um expoente arquitetónico de antes da guerra. Antes de ver a exposição, deambulando por este edifício de valor excecional, podemos confirmar como Polak utilizou todas as tecnologias modernas e introduziu novos conceitos. Irá ficar na história da arquitetura por empreendimentos luxuosos de hotéis, cinemas e grandes armazéns. Mas hoje vamos ficar sem fôlego com o que ele criou, a caminho de um século, numa das avenidas mais caras da capital belga.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (68):
Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia – 6


Mário Beja Santos

Reservou-se a manhã à visita a Villa Empain, uma fascinante curiosidade concebida dentro dos cânones da Arte Deco e o modernismo, sente-se desde que entramos até sairmos que o arquiteto Michel Polak, figura essencial da Arte Deco de Bruxelas, caprichou, dando satisfação ao sonho de um jovem de 23 anos, Louis Empain, segundo filho do riquíssimo empresário o barão Edouard Empain, tudo é sumptuoso, concebido para deixar o visitante de boca aberta. A Villa foi construída no início da década de 1930 (1931), está numa avenida hoje rebatizada Franklin Roosevelt. Polak, inequivocamente, sentia-se atraído pelas iniciativas experimentais da Bauhaus, como iremos ver nas imagens seguintes, a preocupação é a luz; mas, ao contrário dos pioneiros alemães, Polak usou materiais dispendiosos, Empain abriu os cordões à bolsa e aceitou mobiliário e artes decorativas a preços dispendiosos. O jovem proprietário pouco gozou do seu sonho, foi atraído pelo Canadá e em 1937 ofereceu a sua Villa ao estado belga. Começou aqui um período tormentoso, pensou-se em transformar a Villa no Museu Real das Artes Decorativas Contemporâneas, veio a guerra, o exército alemão ocupou-a, fim do conflito, tomou-se a decisão de instalar a embaixada da URSS na Villa, o que contrariava as cláusulas da doação, o património voltou ao seu primitivo proprietário que ainda procedeu aqui a exposições consagradas à arte contemporânea. Depois houve a venda da Villa ao industrial do tabaco, por aqui andou a radiotelevisão luxemburguesa, seguiu-se um período sombrio, a Villa foi progressivamente abandonada, parcialmente destruída e vandalizada. A Fundação Boghossian adquiriu-a em 2006, procedeu-se a um restauro minucioso até 2010. As instituições que respondem pelos monumentos e sítios foram exigentes no restauro, por exemplo a piscina e a pérgola que a envolve foram integralmente reconstruídas à primitiva, o mesmo aconteceu com as madeiras, mármores, ferragens, algerozes. Agora é só visitar um património refinadíssimo com granitos polidos, belos mármores, madeiras exóticas, ferragens magnificamente trabalhadas, vitrais e mosaicos que arregalam o olho.
Chegámos com minutos de antecedência, deu para saborear o espetáculo de uma embaixada ali em frente, escusam de me perguntar se era o dia do país, se se tinha casado um monarca ou falecido um primeiro-ministro, era um corrupio de viaturas diplomáticas com trintanários de fardas refulgentes à porta.

Até os jardins não escapam, bem mantidos, com esculturas interessantes, agora é entrar e maravilhar.
Já estamos no rés-do-chão, comprado o bilhete no antigo escritório de Louis Empain, vai-se para o grande hall central, lá de cima vem um foco de luz que faz brilhar os mármores que cobrem o solo e as paredes. E por ali se anda a ver aquelas belas madeiras, as portas, os apliques que fazem intensificar a luz.
Em vão se tenta digerir aquela alcavala de pormenores, desde uma grelha em ferro forjado que separa o hall central do salão de festas, um trabalho esplêndido de ferragem, vejam-se os pormenores escultóricos e o belo relógio.
O visitante perde a cabeça, já foi bisbilhotar a grande janela envidraçada que dá para os terraços e para a piscina, impossível não dar uma olhadela pelas escadas que dão para um salão íntimo que é hoje o restaurante da Fundação. As paredes chamam à atenção por terem estuque-mármore, uma técnica especial que procura imitar os mármores nas suas estruturas e tonalidades. Há para ali um bar chamado bar à americana, elemento particularmente em voga daqueles anos 1930, ornamentada com uma pequena fonte em prata com a forma de peixe. E daqui se avistam as escadarias que dão acesso aos antigos quartos do primeiro andar.
O salão de festas tem uma particularidade que é um conjunto de placas quadradas em vidro, uma obra assinada pelo artista francês Max Ingrand, uma alegoria à Via Láctea, cujos motivos são gravados no vidro com aplicações de prata, estanho e ouro. Ora vejam.
Desde a sua origem, a grande escadaria de mármore que dá para o hall central foi banhada de luz graças a uma estrutura envidraçada. Tratava-se de uma obra de estilo neorrenascentista que infelizmente desapareceu e em seu lugar temos agora uma obra em vidro, desde 2014, da autoria do artista coreano Bang Hai Ja.
Exemplos de esculturas nos jardins da Villa Empain

Eu não queria entrar em pormenores sobre o que se vai ver no primeiro andar, fica para o próximo texto, é uma exposição sobre o retrato da mulher, com obras de arte de primeiro plano. Esta piscina é uma das primeiras piscinas privadas na Bélgica, foi concebida por Polak como um espelho de água refletindo a fachada traseira da casa. Tem um volume de 500m3 e uma profundidade de 3,80m. Considerada como uma das maiores e mais modernas da época da sua construção, como se disse, foi inteiramente reconstruída no restauro. À volta da piscina, uma pérgola abriga um chão em mosaico. Debaixo dela, atrás da piscina, há uma escultura em granito negro do artista egípcio de origem arménia Armen Agop.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23605: Os nossos seres, saberes e lazeres (525): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (67): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 5 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23623: (Ex)citações (416): Bedanda, erros e abusos, adesão dos balantas, biafadas e nalus ao PAIGC, batizado muçulmano. etnocentrismo... (Luís Graça / Cherno Baldé / António Rosinha)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009, domingo > 10h25 > Festa de baptizado muçulmano: Preparação da comida (I) 


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > 
10h25 > Festa de baptizado muçulmano: Preparação da comida (II)... Há também o sacrifício de um carneiro nesta cerimónia destinada a escolher nome  da criança.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > 10h26 >  Festa de baptizado muçulmano: Rapando a cabeça da criança, com uma gilete...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > 10h34 >  Festa de baptizado muçulmano: Mãe e filho. (Fonte: Poste P7686) (*)

Fotos (e legendas) : © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem  complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


1. Selecção de comentários aos poste P23615 (*)

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Nunca houve uma autocrítica das autoridades portuguesas (nem mesmo no tempo do Spínola, que reconheceu "erros e abusos" do passado...) em relação à aparentemente "tão fácil" adesão das populações do sul da Guiné à luta pela independência, sob a bandeira do PAIGC (balantas, biafadas, nalus...).

Mamadu Djaló, futa-fula, mulçulmano, um homem crente, sábio, tolerante, com valores, não gostou do que viu em Bedanda... E Bedanda não lhe deixou saudades. O mesmo Mamadu que deu o seu melhor (tinha cicatrizes no corpo), nomeadamente nos Comandos e na CCAÇ 21, pelo Portugal em que ele acreditava... O mesmo Mamadu que morreu, sozinho, no Hospital das Forças Armadas sem que Portugal alguma vez lhe tivesse reconhecido o seu sacrifício.

14 de setembro de 2022 às 14:01

(ii) Cherno Baldé:

Foi um grande prazer ler este excerto do livro do Amadu Bailo Jaló, uma memória prodigiosa, própria dos aprendizes do Alcorão (livro sagrado dos muçulmanos) e um formidável trabalho de tradução construtiva do amigo Briote.

Com estes testemunhos, começa a ficar claro, para quem ainda não sabia, porque é que a população do Sul, designadamente Balanta,  foi obrigada a escolher o outro lado da guerra, onde ninguém podia ficar neutro e/ou indiferente.

Todavia o Amadu Jaló deu alguns sinais de etnocentrismo ao julgar a comunidade Balanta segundo a tradição Fula e muçulmana do baptismo de uma criança, quando pensa que, necessariamente, devia haver bolinhos de farinha de arroz e nozes de cola num baptismo de Balantas, quando, na verdade, não tem nada a ver uma e outra coisa.

Também, suponho que o nome do prisioneiro de Cacine seria Mutna e não Mutna.

De resto, foi uma leitura bastante aprazível, esperando mais notícias deste fabuloso livro da vida bem movimentada de um valoroso Comando, Guineense e Português.

PS - A localidade designada por Sancoia no presente texto deve ser a mesma que nos mapas e grafias actuais é "Sanconha", perto da fronteira com a República da Guinée-Conakry. Não quero dizer que o Amadú esteja errado, pois que em África e na Guiné em particular há muitos casos em que as grafias se afastam do designação real por desconhecimento, erros de pronúncia ou de tradução.

15 de setembro de 2022 às 00:55


(iii) António Rosinha:

Nunca houve autocrítica das autoridades portuguesas, dizes tu, Luís Graça.

Talvez de facto Spínola como Presidente da República no 25 de Abril soubesse de alguns erros e abusos, mas não devia ser nem Spínola nem quem lhe sucedeu que devia mencionar os abusos, quem devia mencionar e seleccionar os abusos foi quem os sofreu.

Lembrou-me este pormenor uma intervenção de declaração na Internet de uma senhora nigeriana, súbdita de Isabel II, que a propósito de tantas loas a sua majestade, simplesmente diz que foi no reinado dela que se deu a terrível guerra civil na Nigéria...(e assim por diante).

Ora, estava ela a referir-se aquela que nós chamamos a Guerra do Biafra, que foi tremenda, talvez só em Angola com os 28 anos de guerra se assemelhe, estava essa senhora a atribuir responsabilidades à Inglaterra nessa guerra, e já haviam passado sete ou oito anos após a independência, como sabemos, quem tenha acompanhado.

Luís Graça, o povo africano, não os políticos, o povo africano é que vai julgar a Europa. Vai julgar e responsabilizar. E já o está fazendo, lentamente, mas já o está fazendo.

Parece-me a mim, talvez eu esteja a ver erradamente. Mas aquela súbdita de sua majestade penso que não está sozinha nas suas ideias.15 de setembro de 2022 às 15:34 (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7686: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (2): 6/12/2009, domingo, 1ª consulta, um baptizo muçulmano, um casório católico, uma visita a uma fábrica de caju... 7/12/2009, 2ª feira: 1º dia de consultas. 42 doentes à porta do C.S. Materno-Infantil de Iemberém

(**) Vd. poste de 14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

(***) Último poste da série > 15 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23620: (Ex)citações (415): Hoje decidi fazer mais uma pequena viagem ao passado, em Cobumba (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23622: Convívios (940): 49º almoço-convívio do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, na próxima quinta feira, dia 22 de setembro de 2022, em Algés... Inscrições até ao dia 19, segunda-feira (Manuel Resende)


1. Mensagem da Tabanca da Linha com data de 14 de Setembro de 2022:

Dia 22 temos convívio da Magnífica Tabanca da Linha em Algés, no sítio do costume, o  restaurante Caravela d'Ouro, em Algés.

Inscrições até dia 19, segunda-feira.

Se já te inscreveste, não respondas.
Este convite destina-se a quem não viu pelo Facebook.
Já somos 51 inscritos

Abraço e até 22
Manuel Resende

Lista (provisória) dos inscritos

2. Almoço > Informações úteis

A partir das 12,30 h...

APERITIVOS DIVERSOS > Bolinhos de bacalhau - Croquetes de vitela - Rissóis de camarão - Tapas de queijo e presunto - Martini tinto e branco - Porto seco - Moscatel.

Às 13 Horas:

SOPAS > Creme de Marisco ou Canja

PRATO DE CARNE > Bacalhau à Lagareiro

SOBREMESA > Salada de fruta ou Pudim | Café

BEBIDAS > Vinho branco e tinto (vinho da casa) – Águas - Sumos - Cerveja

PREÇO POR PESSOA:  23.00€
(Crianças dos 5 aos 10 anos pagam metade)

Inscrições até ao dia 19 de Setembro de 2022 para: 
Manuel Resende, Tel - 919 458 210
Mail - manuel.resende8@gmail.com - magnificatabancadalinha2@gmail.com
ou dizendo "vou" ao convite no nosso grupo no Facebook

NOTA IMPORTANTE:

Agradecemos que todos paguem à entrada. Dirijam-se à caixa do Restaurante no Rés-do-chão. Quem não tiver Multibanco, por favor traga a quantia certa.

Depois do pagamento e depois das 12,30h, podem subir para a sala do 2º Piso.

Aguardo as vossas inscrições.
Manuel Resende

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23492: Convívios (938): Almoço de confraternização do pessoal da 2.ª CART/BART 6521 (Có, 1972/74), dia 24 de Setembro de 2022 em Cacia - Aveiro (José Morgado)

Guiné 61/74 - P23621: Notas de leitura (1495): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Começo por pedir desculpa por demorar a publicação do final da história do BCAÇ 513, a que atribuo enorme importância pela natureza do relato, francamente não sei porque não concluí a recensão ao tempo, voltei à biblioteca da Liga dos Combatentes, fiz a necessária releitura de fio a pavio, compulsei as operações das três companhias de artilharia, a de caçadores, os relatórios dos pelotões de reconhecimento, e sou levado a considerar que quem queira estudar a guerra da Guiné irá ficar com uma imagem bastante rigorosa do Sul em 1963, todo o comércio se desarticulou, a Casa Gouveia e a Ultramarina fecharam as portas, tudo foi saqueado e incendiado e coube particularmente à BCAÇ 513 e às suas diferentes unidades o esforço hercúleo de procurar contrariar o que ninguém podia prever, sobretudo numa Guiné de 1962 tinha escassíssimas unidades militares.

Um abraço do
Mário



Um documento eloquente, peça de historiografia: A história do BC 513 (3)

Mário Beja Santos

Por que motivo atribuo tanto relevo a este documento? Publicado em 2000, numa verdadeira edição para amigos, a História do BC 513, da autoria de Artur Lagoela, abre luz sobre o primeiro ano da guerra, o estado do conflito na região Sul, os colonos e os comerciantes já tinham desaparecido e as populações, espavoridas ou rapidamente afetas ou constrangidas, com maior ou menor brutalidade, pelo PAIGC, tinham-se disseminado pelas pequenas vilas à sombra das tropas portuguesas, ou nas matas ou na República da Guiné.

Peça de historiografia, pelo acervo informativo, mas igualmente um documento de ternura e de respeito pela memória, basta pensar na dedicatória do exemplar oferecido à Liga dos Combatentes: “De todos nós, combatentes do BCAÇ 513, que prestou serviço na Guiné entre 25 de julho de 1963 e 25 de agosto de 1965, daqueles que por lá perderam a vida e daqueles que voltaram deixando lá parte dela, aqui fica um muito pouco de nós, num livro chamado História do Batalhão, e também um grande reconhecimento que os combatentes sabem ter por quem nunca os esquece. Mas a nossa história, essa, ficará sempre por contar. Ela seria o enorme somatório de todas as histórias de todos nós, amalgamadas com todos os nossos sentimentos, todas as nossas indignações, angústias, inquietações, desesperos, raivas, medos, coragens, esperanças, desilusões, amizades, amores, tudo como unido pela fortíssima argamassa que é a irmandade que nasce e perdura entre aqueles que foram combatentes.” Assina o antigo Alferes Miliciano Sapador José Filipe da Cunha Fialho Barata.

Recapitulando, este BCAÇ irá agregar várias companhias de artilharia (494, 495 e 496), uma companhia de caçadores (411) e um pelotão Fox (888), um pelotão de morteiros (979), entre outros. Coube-lhes a região Sul, uma extensão enorme, incluindo a fronteira, Buba, Aldeia Formosa, Cacine, Mapatá, Ganjola, e mais, tudo abandonado, uma falta total de instalações, tudo para construir, não havia pistas para aviões; a guerrilha implantada na região de Incassol, nas margens do rio Corubal, nas margens do rio Cumbijã (em Bantael Silá) e em Cacine (Campeane), para além das zonas de passagem como Ganturé-Guileje. É o período em que se intensifica o uso de minas antipessoal e anticarro, se reagrupam as populações Fulas, que tinham sido atacadas e expulsas nos itinerários Guileje-Mejo-Nhacobá-Buba-Fulacunda, todas as casas de construção europeia pertencentes a comerciantes tinham sido destruídas, as da Casa Gouveia e as da Ultramarina. Não havia, na época em que o Batalhão chegou ao Sul, ainda destacamento em Guileje. Os grupos da FLING foram rapidamente ultrapassados pelo PAIGC, a população Beafada aceitou colaborar com este partido.

Cada vez que leio estes relatos que se copiam uns aos outros sobre a passividade ou a incapacidade de resposta das nossas tropas à extensão da guerrilha, interrogo-me se essas mentes iluminadas que destratam o trabalho de Louro de Sousa e Arnaldo Schultz que se deram ao trabalho de ler relatos como este, em que se fala da ocupação de Gadamael ou de Guileje, a abertura do itinerário Guileje-Gadamael, do itinerário Sangonhá-Cacoca, Cacoca-Cacine e a ocupação de Cameconde irá ser frequentemente flagelada.

Artur Lagoela vai apensando relatórios de operações, uns referentes à ocupação de localidades abandonadas, outros à abertura e limpeza de itinerários, a presença contumaz, não faltam emboscadas, flagelações, a guerrilha já dispõe de metralhadoras, bazucas e estão a chegar os morteiros, não há qualquer referência ainda a canhões sem recuo. Aspeto curioso que merece relevo é a permanente participação das autometralhadoras nas atividades operacionais, bem como os pelotões de morteiros. Em novembro de 1964, Guileje é já um alvo que o PAIGC não poupa. Não deixa de impressionar como o autor dispõe cronologicamente as operações, mês após mês, já não se está só na fase de abrir itinerários, pretende-se ir mesmo às bases do PAIGC, aonde há população, caso de Bantael Silá ou Darsalame, destroem-se estas populações provisórias, mas nas operações subsequentes descobre-se que a guerrilha e a população voltaram. Há parágrafos que ajudam o investigador a perceber que o dispositivo da guerrilha estava fortemente implantado no Sul, as posições ocupadas eram muito vigiadas e de difícil acesso, em abril de 1965, por exemplo, Os Fantasmas já fazem aqui operações. Há registo da ação psicossocial na região de Buba, procura-se conquistar a confianças dos Nalus de Cacine, dá-se apoio às populações dos regulados de Guileje e Gadamael, há postos de socorro em Cacoca e Sangonhá.

De maio a agosto de 1965, o Batalhão permanece no setor de Bissau, procede a patrulhamentos, não se detetam atividades subversivas. E Artur Lagoela despede-se com a listagem das baixas e louvores, agradece o auxílio da Força Aérea e da Marinha e o Tenente Coronel Luís Gonçalves Carneiro no seu relatório não deixa de mencionar que o PAIGC apresentava o Sul como região libertada, propaganda contraditada pela presença das nossas tropas, disseminada por muitos quartéis, destacamentos e tabancas em autodefesa. Como é evidente, o retrato que aqui se fixa é de um Sul onde se iniciara uma grande desarticulação já no segundo semestre de 1962, onde as populações fugiram ou aderiram ao PAIGC, fizeram crescer povoações como Buba, Fulacunda ou Aldeia Formosa, o BCAÇ 513 participou nesta operação de contrariar uma extensa terra de ninguém e é por isso com imenso valor que este trabalho de Artur Lagoela e os seus amigos, mais de meio século passado.

Para quem quer estudar a guerra da Guiné, obra de leitura obrigatória.


Bem-vindos a Sangonhá, imagem do blogue
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Notas do editor:

Vd. postes anteriores de:

15 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23526: Notas de leitura (1475): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (1) (Mário Beja Santos)
e
19 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23539: Notas de leitura (1476): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23610: Notas de leitura (1494): "Diário Pueril de Guerra", por Sérgio de Sousa; Editoral Escritor, 1999 (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23620: (Ex)citações (415): Hoje decidi fazer mais uma pequena viagem ao passado, em Cobumba (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

Cobumba - António Eduardo Ferreira - Saída do abrigo

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 13 de Setembro de 2022:

Amigo Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres bem junto dos que te são queridos.
Um abraço


Hoje decidi fazer mais uma pequena viagem ao passado

Ultimamente apareceram uns trabalhos publicados no blogue falando do sítio onde durante algum tempo esteve a minha companhia. Refiro-me a Cobumba, junto ao rio Cumbijã - o que me tem levado a pensar naquilo com que por lá fomos confrontados, e que fez com que eu entenda melhor as dificuldades que a nossa companhia lá teve de enfrentar.

Pessoal novo, por lá, só estavam crianças, algumas que diziam ser oriundas de Bedanda. Os mais velhos eram poucos, estavam por lá todo dia e de lá não saíam. Chegava a acontecer, em alguns dias, aparecerem por ali vários homens mais novos, não sabíamos de onde vinham, que passavam o tempo que lá estavam, a beber numa espécie de taberna que tinha sido feita depois de nós lá termos chegado, cujo dono servia de tradutor quando era necessário falar com alguma população que não conhecia a nossa língua. Quando chegava o fim da tarde iam todos embora, na maioria bêbados. Às vezes acontecia cenas de pancadaria entre eles em que nós agíamos como se nada estivesse a acontecer… era problema deles.

Outra coisa que me deixava algo pensativo era um filho do chefe da tabanca ir todos os dias à escola a Pericuto, que ficava próximo de Cobumba, mas onde nós não íamos. Essa escola só podia ter a ver com o PAIGC. Esse menino que era chamado por Zé, um dia disse-me que aquilo que mais os assustava, antes da nossa tropa ter ido ocupar aquela zona, era o passarinho grande - o avião quando por lá andava a bombardear. Disse-me também que quando andavam na bolanha deitavam-se, só ficavam com um olho fora de água até que o avião fosse embora.

Naquele sítio estava a maioria da formação da nossa companhia, e mais dois pelotões, assim como o pessoal encarregado do morteiro, creio que era calibre 120, e alguns elementos que tinham a seu cargo o canhão sem recuo. Já antes de nós lá termos chegado, existia um abrigo, debaixo de um mangueiro, onde parte da população, durante alguns dias, passava a maior parte o tempo - o que era para nós motivo de preocupação…

A nossa companhia ocupava dois dos três sítios que ficavam a uma distância de cerca de trezentos metros, em linha reta, uns dos outros. Havia mais um grupo de tropa que compunha o triângulo, onde existia população, não sei a que companhia pertenciam, chegaram depois de nós. Apesar de ficar a pouca distância de nós, apenas lá fui dentro uma vez, em que estava de serviço, com a viatura para retirar lixo. Se o tempo de serviço de reforço durante a noite acontecia-nos todos os dias, já o serviço de condução não era assim. Próximo do fim da nossa permanência ali, chegou a ser com um intervalo de cerca de dez dias.

Localização de Cobumba no itinerário Bedanda/Estrada de Catió


Quando fomos para lá, levámos quatro viaturas, uma acionou uma mina logo no dia que chegamos, com o passar do tempo, foram todas destruídas por minas, sendo possível recuperar só uma delas que depois acabou também por avariar no dia que viemos embora. Por consequência foi necessário cada um transportar as suas coisas às costas para a LDG até ao rio Cumbijã. Ironia do destino, eu estava tão fragilizado que não as conseguia levar, apenas levei a G3, tive de pagar a um elemento da população que tinha sido carregador do PAIGC para as levar - chamava-se Miranda, dizia ter chegado a ir com granadas à cabeça, junto com os guerrilheiros, até ao Xitole.

Outra das coisas que por lá aconteceram, que algumas vezes me ocorre à memória, tem a ver com uma menina elegante e muito bem vestida que certo dia lá apareceu, não ficamos a saber de onde tinha vindo, acompanhada por vários meninos, com uma galinha para vender, coisa que nunca tinha acontecido, nem voltou a acontecer. Galinha essa que alguns condutores lhe compramos. Isto aconteceu da parte da manhã, durante a tarde, nesse mesmo dia, fomos flagelados à distância, três vezes. Quando começou o ataque, estava o nosso camarada, o condutor Cruz, dentro da vala a começar a fritar a galinha. Toca a recolher para o abrigo, como era normal. Quando supúnhamos que a flagelação tinha terminado, voltamos a sair, pouco depois voltaram a atacar e nós recolhemos uma vez mais. Quando imaginávamos que a festa tinha acabado, aconteceu o terceiro ataque. Foi então que o Cruz, depois de sair do abrigo disse:
- Agora, voltem a atacar ou não, enquanto não fritar a galinha não volto mais para o abrigo.

Mas ao fim do terceiro ataque, naquele dia, as coisas acalmaram.

Foram estes alguns dos momentos que lá passámos, não falando nos mais dramáticos que aconteceram, que foram muitos, mas esses é melhor procurar esquecer.

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23587: (Ex)citações (414): Um "presente envenenado": a minha transferência da CCAÇ 1621 para a CCAÇ 6, em 1/7/1967, em substituição do alferes miliciano acusado de roubar o arroz às "mulheres do mato" (Hugo Moura Ferreira)

Guiné 61/74 - P23619: Lembrete (42): Convite para o lançamento de "O Gémeo de Ompada", de Carlos Vaz Ferraz, que se realiza no dia 20 de Setembro, às 18h30, na Sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglês de Lisboa

C O N V I T E


1. Mensagem do nosso camarada Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (ex-2.º CMDT Batalhão de Comandos da Guiné, 1972/74), escritor e historiógrafo da guerra colonial, com data de 15 de Setembro de 2022:

Meu caro Carlos Vinhal,
Junto envio o convite para a apresentação do meu novo romance O gémeo de Ompanda.
Teria o maior prazer na companhia dos camaradas da tertúlia e das aventuras da Guiné, do Luís Graça e Camaradas.

Aqui fica o convite com o antecipado prazer de ver e rever as gentes de África

Contracapa do livro

Um abraço amigo
Carlos Matos Gomes
Dia 20, às 18.30 no El Corte Inglês, piso 6.

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Notas do editor:

Vd. poste de 25 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23554: Agenda cultural (820): "O Gémeo de Ompanda - e as suas duas almas", por Carlos Vaz Ferraz. No dia 27 de agosto, às 17:00, o autor vai estar em sessão de autógrafos no Espaço Porto Editora | Bertrand Editora da 92.ª Feira do Livro de Lisboa e, no dia 20 de setembro, pelas 18:30, na sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés de Lisboa, sessão de lançamento da obra com apresentação de Augusto Carmona da Motta e Fernando Alves

Último poste da série de 20 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23372: Lembrete (41): 37º Encontro Nacional do Pessoal do BENG 447, Brá, Bissau, sábado, 25 de junho, Restaurante O Paraíso do Coto, Caldas da Rainha: há autocarros a partir do Porto e de Lisboa