Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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domingo, 23 de julho de 2023
Guiné 61/74 - P24499: (In)citações (257): Não basta sermos velhos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)
NÃO BASTA SERMOS VELHOS
adão cruz
Esta reflexão não é só em relação ao SNS que existe, mas também ao SNS que poderia vir a existir se houvesse vontade política. Ao que o SNS poderia vir a ser, se houvesse uma vontade séria de eliminar os defeitos, as imperfeições e as carências, no sentido de o amparar no seu tão ansiado e promissor caminho de um futuro indispensável à saúde de um povo.
Hoje, o conhecimento e a experiência médica são muito grandes. A investigação científica atingiu uma dimensão incalculável e a sua aplicação prática trouxe avanços inimagináveis na assistência aos doentes. Existem muitíssimos profissionais idóneos, com excelente formação técnica e humana e com grande vontade de colaborar no radioso futuro de um SNS de alto nível, mas também se verifica o contrário, nesta furiosa corrida ao desumano negócio da saúde. Apesar de estarmos num bom lugar a nível mundial, não podemos escamotear os defeitos, grandes imperfeições e carências em toda a assistência médica em Portugal, sobretudo na incapacidade de atendimento atempado e na ausência de um exercício clínico profundo e correcto, A substituição da sábia observação clínica de um doente por um computador e por uma fábrica de exames, a avaliação clínica atamancada e a abordagem vulgarmente negligente e irresponsável da situação do paciente, pode redundar em diagnósticos errados, prescrições inadequadas e exames dispendiosos, muitas vezes nefastos e até mortais.
Vem tudo isto a respeito do doente idoso, isto é, aquele doente da chamada terceira idade. Este doente é muito diferente do indivíduo jovem. É mais atingido por doenças, especialmente doenças crónicas e tem muitas comorbilidades. Além disso, as alterações fisiológicas próprias da idade são comuns, levando a problemas de absorção, de metabolismo e de excreção de substâncias.
Chegado ao ponto intencional deste pequeno texto, eu queria dizer que quando há necessidade de prescrever um medicamento a uma pessoa idosa, os principais problemas prendem-se com as patologias não tratadas ou patologias mal tratadas, com a indicação de tratamentos e fármacos inadequados, com a polimedicação, com o baixo nível de instrução, com as fracas condições sociais e económicas, e, sobretudo, com as reacções adversas aos medicamentos e as interacções medicamentosas. O idoso tem duas a três vezes mais probabilidades de sofrer uma reacção adversa do que um jovem. Um idoso a tomar vários medicamentos tem grandes probabilidades de interacções e reacções mais graves e de mortalidade duplamente mais elevada do que as pessoas mais novas.
Neste drama da terceira idade, porque de um drama se trata, essencialmente por passar à margem da responsabilidade e do bom senso, centra-se um dos maiores defeitos e um dos mais graves problemas da assistência médica, pública e privada. Não a que é praticada por profissionais conscientes, responsáveis e competentes, mas a que se faz em muitas dessas clínicas, por vezes quase de vão de escada, que por aí proliferam. A ignorância, a incompetência e a falta de juízo crítico e clínico estão na base de boa parte da morbilidade e mortalidade desta faixa etária.
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Nota do editor
Último poste da série de 16 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24480: (In)citações (256): Sigamos a andorinha de Candoz (Luís Graça)
Guiné 61/74 - P24498: Memória dos lugares (450): Quinta de Candoz
Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 15 de Julho de 2023
A Nossa Quinta de Candoz
A casa,
a loja,
Fotos (e texto): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
as pedras,
os muros,
o chão,
as minas,
os carvalhos,
os castanheiros,
os socalcos,
as letras,
os carreiros,
a levada,
as vinhas,
as ramadas,
os montes...
A Quinta de Candoz,
na posse da família Ferreira Carneiro,
há pelo menos dois séculos.
Uma estória de loas e cantigas,
mas também de trabalhos (es)forçados.
De pão e vinho sobre a mesa.
De amor e de amizade.
Rosa, Chita, Nitas (1947-2023), Zé,
quatro dos Ferreira Carneiro, da 5ª geração,
mais as respectivas caras-metade
(Quim, Luís, Gusto e Teresa).
Pais fundadores:
José Carneiro (1911-1996) & Maria Ferreira (1912-1995), 4ª geração
(...) João Ferreira (1821-1897) & Mariana Soares (1822-1895), 1ª geração
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Nota do editor
sábado, 22 de julho de 2023
Guiné 61/74 - P24497: Facebook..ando (31): Heróis dos anos 50 (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes, V. N. Gaia)
1. O António Reis não integra formalmente a nossa Tabanca Grande. Tem apenas quatro referências no nosso blogue. Mas é um dos nossos, um camarada da Guiné: foi 1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966-68.
Tem pelo menos dois livros publicados com as suas histórias e memórias, incluindo0 aquelc cuja capa se reproduz abaixo (3ª edição agora aumentada e melhorada: "A minha jornada em África", Vila Nova de Gaia, Palavras & Rimas, 2015, 110 pp.).
Teve a gentileza de, na altura. nos mandar 3 exemplares do seu livro (*)
(iii) vive em Vila Nova de Gaia;
(iv) nasceu em 28 de fevereiro de 1944, em Avintes, V. N. Gaia (a terra da famosa broa);
(v) é casado;
(vi) é seguido por 106 pessoas;
Da sua página do seu Facebook, sabemos que o António Ramalho da Silva Reis, de seu nome completo:
(i) trabalhou como Eletrotécnico na empresa TLP - Telefones de Lisboa e Porto;
(i) andou na escola Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Gaia;
(iii) vive em Vila Nova de Gaia;
(iv) nasceu em 28 de fevereiro de 1944, em Avintes, V. N. Gaia (a terra da famosa broa);
(v) é casado;
(vi) é seguido por 106 pessoas;
(vii) tem 18 amigos em comum com a Tabanca Grande Luís Graça.

2. OS HERÓIS DOS ANOS 50
(*) Vd. poste de 17 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14759: (Ex)citações (283): Sexo em tempo de guerra... Um caso de violação, em que foi condenado um camarada do António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68, autor do livro "A jornada em África".
Fica aqui o convite para ele se sentar à sombra do poilão da Tabanca Grande, convite que já na devida altura foi feito por nós. Basta-nos uma foto atual e o seu endereço de e-mail.

Cápa do livro de António Reis, "A minha jornada em África" , 3ª ed.
(Vila Nova de Gaia, Palavras & Rimas, 2015, 110 pp.). (*)
Com a devida vénia reproduzimos aqui duas postagens da sua pãgina do Facebook:
![]() |
Porto, rio Douro, ponte Dom Luís I. Foto da página do facebook do António Reis (2023). Com a devida vénia,,, |
por António Reis (Facebook, quinta feira, 20 de julho de 2023, 11:15)
Em 1955 éramos 4, eu, o Zé Bombeiro, o António Guedes e o Oliveira Santos.
Em 1956, centenas de miúdos com 12, 13 e 14 anos atravessavam a pé o tabuleiro de cima desta ponte, uns calçados, outros descalços. Um deles era eu.
Quem não aguentava ia para moço de trolha. Eu fui para moço do Sr. Joaquim Bitangolo ganhar 11$00 diários [ cerca de 6 euros a preços atuais, valor reportado a meados de 1956] e tive sorte, porque nunca o vi bater nos moços, o que era anormal.
E dizem que éramos alegres, felizes e contentes. Uma ova! Heróis e humildes sim, ou o Cardeal Cerejeira não tivesse dito a Salazar que o povo para ser humilde tinha que passar fome. (**)
Saudades, grande amigo Zé! Descansa em paz.
Em 1954, a minha escola tinha cerca de 40 alunos (só rapazes). Dois conseguiram chegar à 4ª classe, o Mário Sancho e o Isabelino.
Em 1955 éramos 4, eu, o Zé Bombeiro, o António Guedes e o Oliveira Santos.
Em 1956, centenas de miúdos com 12, 13 e 14 anos atravessavam a pé o tabuleiro de cima desta ponte, uns calçados, outros descalços. Um deles era eu.
Com as soletas enfiadas
na cintura, só as calçava depois de ter
atravessado a ponte, porque era proibido
andar descalço no Porto, dava multa.
Profissão: moço de bate-chapas. | Local de trabalho: Campo 24 de Agosto. | Transporte: a pé, sempre a pé, cerca de 10 km, porque os moços ganhavam 5$00 diários e o meu transporte custava 3$30 para cada lado. Quer dizer que o que eu ganhava, não chegava para o transporte.
Horário: de segunda a sábado, das 8h às 17h. | O pior dia: sábado. Os moços não recebiam os 30$00 [ em meados de 1956, valeriam cerca de 16, 30 euros a preços atuais] e sem a limpeza feita, o que acontecia por volta das 19h (ainda conseguíamos chegar a casa antes da meia noite).
Quem não aguentava ia para moço de trolha. Eu fui para moço do Sr. Joaquim Bitangolo ganhar 11$00 diários [ cerca de 6 euros a preços atuais, valor reportado a meados de 1956] e tive sorte, porque nunca o vi bater nos moços, o que era anormal.
E dizem que éramos alegres, felizes e contentes. Uma ova! Heróis e humildes sim, ou o Cardeal Cerejeira não tivesse dito a Salazar que o povo para ser humilde tinha que passar fome. (**)
Facebool > António Reis > Postagem de 21 de maio de 2023 >
Antigamente havia uma canção que tinha na letra: "Ó Tono, ó Quim, ó Zé, se queres ser amigo vem à romaria". E então o Tono, o Quim e o Zé lá iam. Mas esta foto é de outra "romaria", e ai de nós que não fossemos a ela. Aqui os "foguetes" eram outros. Eu só os via e ouvia de longe, o Zé via-os em São Domingos, o Quim estava em Bissau mas ia a muitas "festas" destas (era Comando). Éramos 3 meninos a quem roubaram três ou quatro anos da nossa vida.
Saudades, grande amigo Zé! Descansa em paz.
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Notas do editor:
(**) Último poste da série > 15 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24477: Facebook...ando (30): Por onde pára a rapaziada da farda amarela da CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65)?
Guiné 61/74 - P24496: Os nossos seres, saberes e lazeres (582): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (112): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (3) (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Ninguém me mandou vir até Malines às cegas, nem me dei ao trabalho de consultar um dos guias que sempre me fazem companhia, mas confesso que cheguei, vi e lavei a alma com tanta beleza, meti-me em exposições e no programa das igrejas históricas ao alcance de agradáveis passeios pedestres. Confesso que o que mais me toca é o gótico, a generalidade do barroco (arquitetónico, pictórico e escultórico) é de tal modo maciço, imponente, pronto e disposto para uma leitura óbvia que o evito, claro que há exceções, como a igreja de S. Roque, nos seus detalhes e na sua cenografia de grande espetáculo. Mas tendo começado por uma exposição sobre obras-primas produzidas por gente de Malines, senti-me cativado pela cidade, onde encontrei uma sábia combinação entre a preservação do antigo e um moderno que não desfigura o passado, lá mergulhei neste oceano de barroco, aqui e acolá me deixei estarrecer por obras magníficas, caso do tríptico A Pesca Milagrosa, tema do Novo Testamento tratado genialmente por Rubens, como espero contar-vos na próxima semana.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (112):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (3)
Mário Beja Santos
Aqui prossegue o desafio de andar com roteiros das oito igrejas históricas que se podem percorrer a pé, dentro desta belíssima Malines. Desconhecia inteiramente que a cidade fora antiga capital dos Países-Baixos Burgúndios, um dos pontos importantes da Flandres. Não foi por acaso que organizaram a exposição sobre as joias escondidas, cem obras-primas elaboradas por gente talentosa de Malines. Por ali passa um rio, o Dyle, bem curioso fiquei quando vi a existência de uma igreja para lá do Dyle. Estive para começar a viagem pela catedral de S. Rumoldo, mas já que ia numa avenida que nasce na estação ferroviária, deixei-me seguir, senti-me atraído por esta fachada, agora que estava a organizar as imagens com exteriores e interiores das igrejas e praças senti um calafrio, não estou absolutamente seguro de que se trata da Igreja de Nossa Senhora do Vale de Lys, mas o interior é barroco, vem a seguir à imagem da fachada, juro que não estou aqui para enganar ninguém, da fachada gosto muito, quanto à pompa do interior, é fausto que não me deslumbra.
Guardei a imagem de que se trata da Igreja de Nossa Senhora do Vale do Lys, igreja conventual barroca, realização de um arquiteto da terra, com renome, Lucas Faydherbe. Passou a ser igreja dos jesuítas em 1900.
Palácio ao lado do Hôtel de Ville, estamos na Grand Place de Malines, ao fundo já se avista a catedral, a tal que tem a torre gótica mais visitada da Bélgica, 42 mil toneladas, quase 100 metros de altura, o sino maior pesa 8 toneladas, para chegar ao alto da torre é só subir 538 degraus.
Duas imagens que nos deixam ver as belas proporções da praça e o zelo e cuidado por tão valioso património.
À cautela, para que o leitor não se sinta defraudado, já que se falou em 100 metros de altura e porque a torre é património da humanidade conferido pela UNESCO, e dado que a rua é bem apertada, juntam-se duas imagens complementares. Agora é só entrar, não falta a arte funerária, retábulos medievais e um admirável Cristo na cruz de Anton van Dyck, mas há muito mais para ver.É a maior igreja gótica de Malines, o pequeno guia recomenda que se veja atentamente as sepulturas dos arcebispos e a riqueza das estátuas. O nome desta imponente catedral decorre do nome do missionário escocês Rumoldus, falecido na cidade e seu santo padroeiro. Esta catedral é do século XIII, teve a felicidade de resistir a incêndios, guerras e violências de toda a espécie, numa folha posta à disposição da entrada da catedral recomenda-se a obra de van Dyck, as pinturas de Michiel Coxcie. Recomenda a folha que se veja isto e aquilo com muito cuidado, sobretudo o altar, uma obra-prima do escultor Lucas Faydherbe, de 1665.
Pormenores de capelas laterais.
Imponente púlpito, aproveitei para me sentar e tentar acreditar que estava perante uma árvore maciça onde um escultor andou anos a preparar esta sumptuosidade para deleite dos crentes.Pus-me no altar a olha para a entrada e coro e não estou arrependido com a panorâmica obtida. Os vitrais não são seguramente muito antigos, mas estão perfeitamente a condizer. Não é por nada, mas impõe-se uma pausa, aqui perto funciona um serviço do turismo, vou até lá para saber mais coisas, já vi que aqui perto funciona um restaurante mexicano, preciso de recuperar energia e matar a sede.
Isabel de Portugal pintada por Rogier van der Weyden
É na visita à oficina do turismo que deparei com esta genealogia do passado glorioso da história da Burgúndia. Como não podia deixar de ser, participámos. Esta Isabel era a única filha do casamento de D. João I e D. Filipa de Lencastre, pertenceu à Ínclita Geração. Casou com Filipe III da Burgúndia, foram longevos para os parâmetros do tempo. Não nos podemos esquecer da nossa presença na feitoria da Flandres e como o mano, o Infante D. Pedro, andou a recrutar mão de obra para as ilhas atlânticas. E com um sucesso irrecusável, para nosso orgulho. A viagem pelas igrejas prossegue, já que me meti nesta empreitada, quero deixar o relatório completo.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 15 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24478: Os nossos seres, saberes e lazeres (581): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (111): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P24495: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte V: 7, 9, 10, 12 e 13 abril de 2023
Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2018 > Escola de São Francisco de Assis "Paz e Bem".
Fotos (e legendas): © Rui Chamusco (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação de alguns excertos das crónicas que o nosso amigo Rui Chamusco (76 anos, professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã, natural de Malcata, concelho de Sabugal, cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste) nos mandou, na sequência da sua 4.ª viagem àquele país lusófono (março-maio de 2023).
Esteve lá já 4 vezes, em 2016, 2018, 2019 e agora em 2023; é juntamente com a família luso-timorense Sobral um dos grandes pilares deste projeto de solidariedade com o povo timorense. É um exemplo inspirador, de amor à lusofonia e de solidariedade para com o povo de Timor Leste, que merece ser conhecido pelos mossos leitores. Além disso, há aspetos da história, da geografia e da cultura timorenses que nos são totalmente desconhecidos.
De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4ª estadia, 2023):
crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos)
Parte V - 7, 9, 10, 12 e 13 de abril de 2023
(…) 07.04.2023, sexta feira santa - Tarde de dilúvio
Tanta chuva em tão pouco tempo. Aqui é assim. “Tão depressa o sol brilha como se diz está a chover”. E como em terras tropicais o calor não falta, vai daí que se faz destes momentos um aproveitamento e gozo incrível.
Tanta chuva em tão pouco tempo. Aqui é assim. “Tão depressa o sol brilha como se diz está a chover”. E como em terras tropicais o calor não falta, vai daí que se faz destes momentos um aproveitamento e gozo incrível.
A Adobe e o Alif aproveitaram logo este chuveiro do céu, primeiro para lavarem a pick-up, que estava bem suja desde que galgou os caminhos de ida e volta a Boebau; depois para se divertirem em banho improvisado. Eles bem se esfregavam na tentativa de ficarem brancos como o malae (que sou eu), mas nada conseguiram.
É nisto que consiste a perfeita alegria. “E se depois de cansados os irmãos apanharem uma grande molha, e se chegando a casa não lhes abrirem a porta, escreve frei Leão, nisto está a perfeita alegria”. (Francisco de Assis, adaptação).
09.04.2023, domingo - Dia de Páscoa
Amanheceu com chuva, e sem internet. No exterior, tudo se passa igual: o despertar dos galináceos, o chilrear da passarada, a brisa matinal. Ainda não se ouvem os pregões matinais nem os aleluias pascais. Alto aí! Oiço qualquer coisa lá fora. Sim, uma criança, com um cesto ao ombro, apregoa: “Pão! Pão! Pão!...” São 7.30 da manhã.
E dou comigo a pensar: Onde está a páscoa desta criança, que tão cedo se levanta para ganhar a vida? Então as amêndoas, os ovos de chocolate, as guloseimas e outras coisas mais ignoram que também aqui há crianças que precisam desses mimos?
Amanheceu com chuva, e sem internet. No exterior, tudo se passa igual: o despertar dos galináceos, o chilrear da passarada, a brisa matinal. Ainda não se ouvem os pregões matinais nem os aleluias pascais. Alto aí! Oiço qualquer coisa lá fora. Sim, uma criança, com um cesto ao ombro, apregoa: “Pão! Pão! Pão!...” São 7.30 da manhã.
E dou comigo a pensar: Onde está a páscoa desta criança, que tão cedo se levanta para ganhar a vida? Então as amêndoas, os ovos de chocolate, as guloseimas e outras coisas mais ignoram que também aqui há crianças que precisam desses mimos?
Tanta abundância e tanta carência! Que mal distribuido está o pão!... Razão tinha o poeta António Aleixo quando escrevia: "O pão que sobra aos ricos / Distribuido com razão / Matava a fome à pobreza / E ainda sobrava pão.” E isto também é eucaristia.
Em dia de Páscoa, fica a minha prece: "Pannis angelicus fit pannis hominum / dat nobis coelicus figuris terminum... (tradução: ”O pão dos anjos torna-se o pão dos homens, / O pão dos céus dá fim às prefigurações". LG)
10.04.2023, segunda feira - Malária: sintomas e receita do “Dr. Eustáquio”
De manhã, pela fresquinha, o Eustáquio, que hoje se levantou mais cedo porque dormiu na tenda ao abrigo dos mosquitos, deu-me mais uma lição sobre defesas naturais dos timorenses contra picadas, dores e outras coisas mais. Ele diz que os timorenses têm mais resistência que os malaes, e que quando alguma coisa acontece eles procuram a solução nos conhecimentos naturais.
Em dia de Páscoa, fica a minha prece: "Pannis angelicus fit pannis hominum / dat nobis coelicus figuris terminum... (tradução: ”O pão dos anjos torna-se o pão dos homens, / O pão dos céus dá fim às prefigurações". LG)
10.04.2023, segunda feira - Malária: sintomas e receita do “Dr. Eustáquio”
De manhã, pela fresquinha, o Eustáquio, que hoje se levantou mais cedo porque dormiu na tenda ao abrigo dos mosquitos, deu-me mais uma lição sobre defesas naturais dos timorenses contra picadas, dores e outras coisas mais. Ele diz que os timorenses têm mais resistência que os malaes, e que quando alguma coisa acontece eles procuram a solução nos conhecimentos naturais.
Falou-me então dos sintomas da malária: cansaço e dores nas articulações. Qual o remédio? Casca de “ai Hanek”. procura-se a árvore, corta-se um pedaço da casca, lava-se muito bem e deixa~se ferver.
Depois de repousar e arrefecer, vai-se tomando (mas não me disse a dose). E pronto! A malária desaparece. Entretanto, levou-me a conhecer a planta “ai Hanek”. Mais uma para o meu cardápio. Quem sabe, sabe...
(…) 12.04.2023, quarta feira - Barlak e Desluto
“São costumes. É cultura.” Esta é a resposta que sempre me dão quando os questiono sobre acontecimentos em que se gastam fortunas. Aqui, em Timor é assim: o nascimento não paga imposto mas, casar ou morrer fica muito caro para esta gente. Começa com o pedido de casamento, em que a família do noivo “manefon” tem de pagar um pesado contributo à família da noiva. Tanto em dinheiro, tantas vacas (kraus), tanta cabras (bibis), tantos porcos (fahis). Tudo tem de ser negociado através de um mediador.
Depois de repousar e arrefecer, vai-se tomando (mas não me disse a dose). E pronto! A malária desaparece. Entretanto, levou-me a conhecer a planta “ai Hanek”. Mais uma para o meu cardápio. Quem sabe, sabe...
(…) 12.04.2023, quarta feira - Barlak e Desluto
“São costumes. É cultura.” Esta é a resposta que sempre me dão quando os questiono sobre acontecimentos em que se gastam fortunas. Aqui, em Timor é assim: o nascimento não paga imposto mas, casar ou morrer fica muito caro para esta gente. Começa com o pedido de casamento, em que a família do noivo “manefon” tem de pagar um pesado contributo à família da noiva. Tanto em dinheiro, tantas vacas (kraus), tanta cabras (bibis), tantos porcos (fahis). Tudo tem de ser negociado através de um mediador.
Depois acrescem as despesas do casamento, que também não são nada meigas. Mas, se de casamentos todos sabemos porque a isso estamos habituados, já o mesmo não diremos dos rituais da morte. O morto já nada diz, já nada come e nada bebe, já de nada se interessa porque “requiescat in pace”.
Os vivos aproveitam a ocasião para comerem e beberem à vontade. Pelo menos durante uma semana há comer e beber para toda a gente. E quem vai suportar todos os encargos? A família do defunto. Por isso, o membro mais velho da família é que vai determinar o que compete a cada um trazer para o festim.
Um ano depois vem o desluto. Nova festa que dura também alguns dias. Eu conheço um senhor em Boebau que, por ocasião do desluto pela morte do sogro, foi penalizado com 5.000 dólares, mais 3 Kraus, mais 15 bibis, mais 3 Fahis. Como a sua situação económica é muito pobre, teve que vender a motorizada, que há quatro anos tinha comprado com algum dinheiro que lhe saiu no jogo, para tentar amortizar a dívida que lhe foi imposta. Por este andar, quando é que irá conseguir pagar o que deve se ele não tem fontes de rendimento?
É cultura!...E se as pessoas não tiverem meios para defender a sua cultura, o que lhes sucederá? Confesso que, do que tenho por aqui observado, tenho um pressentimento de que muita coisa irá mudar na procura de melhores condições de vida.
Há tanto estômago vazio pedindo um pedacinho de pão!...
13.04.2023, quinta feira - Encontro no Município de Liquiça
Desde que chegamos que desejávamos este encontro, para conhecer o novo Presidente do Município Sr....... e para recomeçarmos o Acordo de Colaboração assinado em Novembro de 2019 pelos então presidentes da Câmara do Sabugal - engenheiro António Robalo - e do Município de Liquiça - Sr. Domingos da Conceição.
Esta colaboração ficou praticamente em suspenso devido às restrições impostas pela pandemia do Covid 19. (…)
Um ano depois vem o desluto. Nova festa que dura também alguns dias. Eu conheço um senhor em Boebau que, por ocasião do desluto pela morte do sogro, foi penalizado com 5.000 dólares, mais 3 Kraus, mais 15 bibis, mais 3 Fahis. Como a sua situação económica é muito pobre, teve que vender a motorizada, que há quatro anos tinha comprado com algum dinheiro que lhe saiu no jogo, para tentar amortizar a dívida que lhe foi imposta. Por este andar, quando é que irá conseguir pagar o que deve se ele não tem fontes de rendimento?
É cultura!...E se as pessoas não tiverem meios para defender a sua cultura, o que lhes sucederá? Confesso que, do que tenho por aqui observado, tenho um pressentimento de que muita coisa irá mudar na procura de melhores condições de vida.
Há tanto estômago vazio pedindo um pedacinho de pão!...
13.04.2023, quinta feira - Encontro no Município de Liquiça
Desde que chegamos que desejávamos este encontro, para conhecer o novo Presidente do Município Sr....... e para recomeçarmos o Acordo de Colaboração assinado em Novembro de 2019 pelos então presidentes da Câmara do Sabugal - engenheiro António Robalo - e do Município de Liquiça - Sr. Domingos da Conceição.
Esta colaboração ficou praticamente em suspenso devido às restrições impostas pela pandemia do Covid 19. (…)
Vamos começar pela área do turismo. O município de Liquiçá ficou de elaborar um plano de ação para que eu possa ser portador para a Câmara Municipal de Sabugal. E, depois veremos a sequência.
Em quanto me diz respeito, sinto-me feliz por poder ser um elo nesta cadeia de amizade e colaboração entre estes dois territórios Liquiçá / Sabugal, entre estes dois países irmãos Timor Leste / Portugal.
(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / subtítulos: LG)
(Continua)
2. Mensagens recentes do Rui Chamusco
Em quanto me diz respeito, sinto-me feliz por poder ser um elo nesta cadeia de amizade e colaboração entre estes dois territórios Liquiçá / Sabugal, entre estes dois países irmãos Timor Leste / Portugal.
(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / subtítulos: LG)
(Continua)
2. Mensagens recentes do Rui Chamusco
(i) 10/07/2023, 16:39:
Boa tarde, amigo Luís.
Conforme pedido teu, junto envio o IBAN da conta da ASTIL e algumas fotos.
Uma vez mais, obrigado pelo teu interesse por este projeto de solidariedade, que tem por objetivo contribuir para que este mundo seja um pouquinho melhor.
PS - Estas fotos reportam-se ao dia da inauguração da Escola. Depois enviarei fotos relativas a outras ações que a Astil já desenvolveu, e sobre os cinco anos já decorridos da ESFA (Escola São Francisco de Assis).
Conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL)
IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4
(ii) Quarta-feira, 00:11
IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4
(ii) Quarta-feira, 00:11
Notícia triste: a Aurora, esposa do amigo e irmão Eustáquio (João Moniz, irmão do Gaspar Sobral. que vive em Coimbra) faleceu hoje às 3:00 horas (no Hospital de Dili),
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Nota do editor
Último poste da série > 13 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24474: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte IV: 3, 5 e 6 de abril de 2023
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sexta-feira, 21 de julho de 2023
Guiné 61/74 - P24494: Notas de leitura (1599): A propósito de dois relevantes trabalhos do historiador guineense Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Aqui se retomam as teses do historiador Carlos Lopes quanto à necessidade de ter sempre em conta, quando se estuda a história da Guiné-Bissau e a definição das fronteiras de 1886 o que era o Kaabu do século XIII ao século XVIII, como não se pode iludir a historicidade e os dados vitais do Kaabunké, a despeito das divisões criadas pelas potências coloniais. O Kaabú, herdeiro do Império Mali, desintegrou-se no século XIX mas a sua herança é um dado permanente que ultrapassa as fronteiras criadas por fatores exógenos, daí as manifestações independentistas no Casamansa, tentativas de golpes de Estado, circulação de produtos agrícolas em toda a região, resistências camponesas ao pagamento de impostos, as importantes correntes migratórias e a explosão cultural com origem na cultura Kaabunké. Como diz o historiador, há que encontrar uma fórmula para que nesta região de África se consiga integrar os espaços em harmonia com a sua história.
Um abraço do
Mário
A propósito de dois relevantes trabalhos do historiador guineense Carlos Lopes
Mário Beja Santos
Numa pesquisa recente na revista Soronda, n.º 10, de julho de 1990, na revista Lusotopie, n.º 1-2, L’Harmattan, 1994, encontrei dois importantes artigos de Carlos Lopes, o primeiro referente ao Kaabú do século XIII ao século XVIII e quais as suas relações de poder, o segundo alusivo aos limites históricos de uma fronteira territorial – o que aproxima ou demarca a Guiné Portuguesa da Guiné-Bissau.
Para Carlos Lopes é indubitável que o estudo da estrutura do estado da Guiné-Bissau leva a constatar que existe um cruzamento de várias conceções de poder: uma tradicional, da qual os Malinké ou Mandingas seriam talvez a principal raiz, uma outra ligada ao desenvolvimento de certos aspetos sociopolíticos durante a luta de libertação nacional, e ainda uma outra que obedece ao modelo clássico exógeno de Estado. Portanto o estudo de relações entre o poder antigo e o moderno. A estrutura do Estado Malinké situa-se na Gâmbia, no Casamansa e na Guiné-Bissau atuais, contribuíram de uma forma decisiva para que se possa fazer um estudo pormenorizado do que foram as estruturas políticas Kaabunké. Este espraiava-se entre a Gâmbia, o Casamansa, Cacheu, Geba, Corubal, Nunez e Pongo. Os navegadores dos séculos XV e XVI registaram esta região do Norte da Gâmbia e os cursos de água que ofereceram boas condições para a navegação, até aparecerem os obstáculos do Futa-Djalon. Era um território onde o eixo económico andava à volta da orizicultura de mangal, havia uma pequena indústria de extração do sal; o ouro de Bambuk também desempenhou um papel importante no desenvolvimento da região. Os rápidos existentes nos rios Gâmbia e Corubal garantiam fronteiras naturais que protegiam as rotas comerciais.
Observa o autor:
“Muitos historiadores consideram, no entanto, que esta região constituía uma espécie de beco sem saída do mundo Malinké, pois ela era apenas o ponto ocidental mais extremo do Império do Mali. Quando, no século XVII, o Mali desaparece completamente da cena, o Kaabú encontra-se no seu apogeu. A influência Malinké torna-se também cultural, e o grande processo de malinkização vai ser uma das grandes originalidades do Kaabú. Os viajantes que visitaram a região descrevem uma forte dominação Malinké, sem, no entanto, muitas vezes fazerem referência ao centro político deste poder – o Kaabú era o provável herdeiro da riqueza comercial que estava na origem do poder maliano”. E um tanto à semelhança do seu trabalho para tese de doutoramento, Carlos Lopes enumera a decadência do Kaabú no século XIX, a estrutura social existente no Kaabunké, as razões da decadência. Assim chegamos a um argumento muito caro a Carlos Lopes, a herança política Kaabunké, uma conceção original da relação espaço e poder.
E escreve:
“É possível constatar que as estruturas atuais dos estados atrás citados (Gâmbia, Senegal, Guiné Conacri e Guiné-Bissau) continuam impregnadas das inter-relações construídas pelo Kaabú ou (a partir do século XIX) em oposição à existência deste. Embora a ideologia da construção nacional na Guiné-Bissau seja sobretudo obra dos crioulos, isso não devia impedir o estabelecimento de certas alianças étnicas em função da história antiga dos povos da região. A memória contemporânea esquece-se que os sistemas políticos tradicionais outorgavam pouca importância ao controlo territorial centralizado. No sistema de gestão do Kaabú a regra de ouro era a descentralização. A territorialidade ganha uma dimensão política com a reestruturação do espaço imposta pelas novas formas de troca introduzidas pelos europeus, nos fins do século XVIII. É nesse momento que o Kaabú perde o seu controlo político, mas a sua influência histórica não será apagada facilmente”.
No que toca aos limites históricos da fronteira territorial, o historiador lembra que defende uma hipótese que não é muito popular: a de que a existência das delimitações territoriais atuais tem contribuído para historicidades cruzadas entre o que é hoje a Guiné-Bissau, Casamansa e Gâmbia. Neste seu trabalho, o autor argumenta que o território da Guiné-Bissau é uma realidade ainda mais artificial do que a Guiné Portuguesa. Existem fundamentalmente duas formas de ler a realidade guineense: uma privilegia a componente exógena baseada na presença e historiografia europeias, outra concentra-se na historiografia endógena, obviamente que esta colide com a anterior. Quanto à tese exógena, tem a ver com a presença europeia cinco séculos num território chamado Rios da Guiné, presença europeia de Portugal, França, Inglaterra e Holanda, isolados ou associados do comércio transatlântico. Logo os navegadores portugueses fizeram distinções na região entre o norte da Gâmbia e os chamados rios do Sul.
O modelo exógeno leva os líderes africanos a pugnarem por uma conjugação de progresso, modernidade e desenvolvimento de acordo com o modelo ocidental. Foi o tratado luso-francês de 1886 que dividiu o espaço Kaabunké e procurou uma identidade para a Guiné Portuguesa. O Movimento de Libertação Nacional jamais utilizou argumentos de extensão territorial, só reivindicava a unidade política com as ilhas de Cabo Verde que obviamente nada têm a ver com o espaço Kaabunké. A defesa que a direção do PAIGC fazia baseava-se numa historicidade limitada a referências coloniais, enfatizando que os dois territórios foram geridos por uma mesma administração cuja sede se encontrava na ilha de Santiago. Ora, jamais existiu em terra firme continental um qualquer controlo territorial português. “A base ideológica justificou a construção teórica do movimento nacionalista, tal como todos os exemplos africanos deste tipo, era uma base que não podia ser articulada à existência de uma nação. A nação, tal como concebida pelo movimento nacionalista, não só se baseava no território de 1886 mas também nas estruturas que o justificam”. Tal tese assentava no credo propugnado pelo modelo ocidental e dava muito jeito às elites crioulas oriundas de Cabo Verde e da Guiné.
Passando para a tese endógena, esta é naturalmente inovadora mas muito polémica. “Trata-se de demonstrar a necessidade de perceber os fenómenos sociopolíticos da Guiné-Bissau e da região onde está inserida, a partir de uma historicidade endógena, que minimiza a relação com o exterior. É possível constatar aquilo que a tradição oral Mandinga tem vindo a martelar desde sempre: que do século XII até meados do século XIX, o território entre os rios Gâmbia e Nuno foi dominado por estruturas políticas Mandingas, primeiro criadas, depois herdeiros dos Estados do Alto Níger, nomeadamente do Império do Mali”.
O autor dá como provado que os povos desta região resistem à estruturação do seu espaço e às atuais fronteiras que o dividem, e dá exemplos que vão desde a manifestação independentista no Casamansa, aos golpes de Estado, ao recurso das línguas francas da região, à tensão militar constante nas fronteiras, às correntes migratórias, à explosão cultural, nomeadamente musical com origem na cultura Kaabunké – exemplos que demonstram que os Estados e os seus espaços estruturados não estão a ser respeitados. Segundo o autor, cabe aos intelectuais africanos o papel de conceber os argumentos que permitirão uma solução para estas irracionalidades, de modo a existir em África a integração de espaços em harmonia com a sua história. Reconheça-se como é bastante interessante esta argumentação de Carlos Lopes de o endógeno ser muito mais forte e permanente que o exógeno.
Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
Mapa da sociedade Mandinga, 1906
O korá
____________Nota do editor
Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24484: Notas de leitura (1598): "Memórias Duma Vivência em Ambiente de Guerra", por José Inácio Sobrinho; Edição de Autor, 2019 (Mário Beja Santos)
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