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quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26097: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (39): Gabu, a antiga Nova Lamego... tem apenas uma rua de jeito


Foto nº 1A


Foto nº 1B


Foto nº 1, 1A e 1 B > Guiné > Gabu > 27 de outubro de 2024  > A melhor rua em Gabu...tirei poucas fotos,  tive vergonha de tirar a mais Fotruas.



Foto nº 2


Foto nº 2A

Foto nº 2 e 2A > Guiné > Gabu > 27 de outubro de 2024  > Estrada por detrás do Hospital



Foto nº 3


Foto nº 3 e 3A > Guiné > Gabu > 27 de outubro de 2024 > Traseira do hospital


Foto nº 4


Foto nº 4A

Guiné Foto nº 4 e 4A >  Guiné > Gabu > 27 de outubro de 2024  > depósito de água da cidade de Gabu na estrada que vem de Pirada. 

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do Patrício Ribeiro:, com data de 29 do corrente, terça, 00:12:


Estou de volta a Bissau. Mando-te algumas, poucas, fotos da cidade de Gabu. 

Uma é a da melhor rua em Gabu...Tirei poucas fotos, tive vergonha de tirar a mais ruas. Noutras duas mostro a estrada para o hospital e a traseira do hospital. 

Uma quarta é a do depósito de água da cidade de Gabu na estrada que vem de Pirada. 

De manhãzinha, às 6:30 estava em Bafatá, a tirar fotos à casa do Amílcar. Passadas umas horas, estava no Gabu. As fotos que te envio foram tiradas entre as 12:20 e as 14:20.

Mantenhas,
Patrício.

2. Comentário do editor:

Segundo a Wilipedia, e o censo de 2009,  o sector de Gabu tinha  uma população de c. 81, 5 mil  habitantes. A cidade em si concentrava cerca de  41, 6 mil.   A  área territorial é de 2 122,8 km². Era então a mais populosa cidade do país, depois de  Bissau (de que dista 263 km). Há uns anos atrás funcionava como um relativamente importante centro de comércio.

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26093: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (38): Bafatá, terra natal de Amílcar Cabral (1924-1973)

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26096: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (30): quem é que não andou descalço na rua ?!...



Pàgina do Facebook da Càmara Municipal de Lisboa > 5 de dezembro de 2020. 17:00 > Aconteceu no dia 5 de Dezembro de 1931...

“Uma disposição acertada.

"O pé descalço nas ruas de Lisboa acabou. Começou hoje a vigorar a determinação do governo civil que não permite trânsito pelas ruas da cidade às pessoas que se apresentem descalças. Como se sabe, não era apenas por miséria, mas sim por hábito, com muitas pessoas sobretudo pertencentes a colónia ovarina que resolviam andar descalças, oferecendo à maioria da população o espectáculo impróprio de uma capital. Já em tempos o falecido comandante da Polícia senhor Ferreira do Amaral, tomou providências no sentido de acabar com o pé descalço. A breve trecho, porém esta disposição caiu em desuso, voltando o pé descalço a fazer a sua aparição nas ruas de Lisboa, sem ser incomodado pela polícia."  Fonte: "Diário de Lisboa", 5 dezembro 1931
Imagem do “Notícias Ilustrado” | Hemeroteca Municipal | Adapt. livre do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)




Liga Portuguesa de Prolifaxia Social (LPPS) > Porto > Maio de 1928 > Prospeto, impresso na Tipografia Empresa Guedes, usado na campanha contra o "pé descalço"... Quis-se acabar, "por decreto"(neste caso, por edital do Governador Civil do Porto) com o secular hábito de transitar na cidade de pé descalço... Tudo por mor da saúde pública, da cidadania, da civilização, da economia... Portugal estava há já dois anos a viver em regime de Ditadura Militar... Mas em meados dos anos 60 ainda a LPPS batalhava contra o "hábito tão nocivo, anti-higiénico e anti-económico" (sic) do pé descalço...


Imagem: Cortesia da página do Facebook do Arquivo Distrital do Porto Arquivo Distrital do Porto > 21 de julho de 2020


1. Afinal, a "proibição do pé descalço" não era só em Bafatá, vilória (e depois... cidadezinha) da antiga Guiné Portuguesa, ao tempo do administrador, transmontano Guerra Ribeira (intendente na parte final do consulado de Spínola, por volta de 1972/73) (*).

Também na "cabeça do império", a que chamávamos "metrópole", ainda há camaradas nossos que se lembram (ou lembravam, em 2013) de a malta andar descalça, até pelo menos ao final dos anos 50/princípios dos anos 60. Vejam-se alguns comentários ao poste P11288 (*):

(i) José Câmara:

Este caso não é assim tão inédito. Na cidade da Horta, Ilha do Faial, era proibido o pé descalço na cidade. Essa regra também dificultava a vida das pessoas campesinas que, na sua labuta diária, andava quase toda descalça.

Estou-me a referir aos meus tempos de estudante liceal.



(ii) Luís Graça:


No Norte do país também era prática corrente nos anos 50 e 60,  os camponeses irem descalços para a feira, mas à entrada das vilas enfiavam os chinelos ou as tamancas, com medo da GNR... 


(iiii)  Henrique Cerqueira:

No Porto também era proibido andar descalço na via pública. Era frequente verificar as mulheres que vendiam galinhas de porta a porta e se chamavam de "galinheiras" . Como carregavam grandes cestos com galinhas, era normal vê-las descalças e,  quando viam o polícia, calçavam de imediato as socas ou chinelos.

Era frequente haver polícias de mau carater se colocarem estrategicamente emboscados à espera dessas mulheres para as multar e então era nosso prazer de crianças estragar o esquema do policia avizando as mulheres do local onde estava o policia. Claro que esse policia não descansava enquanto não nos apanhasse a fazer alguma asneira, tal como a jogar a bola na rua e quase sempre descalços.

Isto se passava quase sempre nos jardins da Rosália, na Praça da Galiza em frente à Escola Gomes Teixeira. Quem é do Porto sabe onde é. (...)

21 de março de 2013 às 09:35

(iv) Belarmino Sardinha:
 
Para que conste, em termo de comentário, gostava de lembrar que em Évora,  minha terra natal e onde cresci e vivi até aos 18 anos, também existiam algumas regras sobre os "pé descalço", havia mesmo o Albergue Distrital de Mendicidade de Évora para onde eram levados e ali ficavam semi-aprisionados todos os que fossem apanhados descalços ou a pedirem esmola. Não eram presos em celas, mas não podiam de lá sair e tinham que trabalhar a terra de onde extraiam os produtos agrícolas...

Quanto ao trabalho posso também acrescentar que aquele que hoje é ainda um edifício actual e bem parecido onde funcionam o tribunal, registo civil etc, ao largo das Portas de Moura, que se chamava e creio manter o nome de Palácio da Justiça, foi construído, não sei se na totalidade, talvez não, mas com a mão d' obra dos presos da cadeia de Évora.

Todas estas situações eram medidas, creio que, generalizadas por todo o País, nada tendo que ver com outros aspetos de cor ou etnia...

(v) Antº Rosinha:

Havia alguns alferes milicianos, oriundos das nossas pequenas cidades, que não sabiam que muitos mancebos das grandes aldeias apenas calçavam botas diariamente quando iam para a tropa.

Muitos sabiamos como era o uso habitual de socas e tamancos no mundo rural português. Alguns sabemos o que era regar os campos "a pé".

Quem não sabe que no nosso mundo rural dos anos 50 e princípios de 60 imensos pastores e trabalhadores braçais apenas iam ao mercado comprar sapatos e ir ao alfaiate fazer um fato quando iam à inspeção militar?

Quem não sabe que havia pares de calças só ia para o lixo quando os remendos já ocupavam maior área que o tecido original?

Estranhei ver na televisão recentemente um grande escritor,  ex-oficial miliciano da guerra do ultramar, relatar como grande admiração, para um entrevistador estrangeiro: imagine que um dia um soldado me disse que a" primeira vez que calçou botas, foi quando veio para a tropa". Só um soldado?

Claro que os oficiais,  oriundos da Linha de Cascais,  não sabiam o que se passava na Linha do Vale do Tua nem na Linha do Minho.

Curioso que os angolanos, guineenses e alguns brasileiros, conheciam-nos melhor que nós próprios.

21 de março de 2013 às 12:17 

(vi) Tony Borie (EUA):


Saúdo todos, em especial o Paulo Santiago, que é oriundo de Águeda, terra onde nasci. Gostei de ler as histórias do "pé descalço"!.

Nos meus escritos, menciono algumas vezes os "Primos de Lisboa", pois ela,  a minha prima, era filha da minha tia, irmã do meu pai, oriunda dos "palheiros" das praias do lado de lá da Figueira, e que em tempos vendia peixe, com uma canastra à cabeça, pelas ruas de Lisboa, e contava a minha prima, que a minha tia, comprava um par de "chinelas" que duravam uma eternidade, pois usava a esquerda, até acabar, e depois usava a direita, também até acabar, caminhando pelas ruas de Lisboa, mancando, ora da direita, ora da esquerda, com um pé calçado, mas dentro da lei, pois andava calçada, embora só num pé!.



(vii) C. Martins:

Vai inseguro e descalço, 
caminhando sobre a calçada...
Será policia, será gente,
Gente não é certamente,
bota do policia não bate assim.

Podia-se andar descalço... 
não podia, ..mas andava-se.
Dinheiro para o calçado não havia, 
mas devia andar calçado...
devia, mas não podia..
Devia e não podia,
devia e não podia..

23 de março de 2013 às 04:20 



(com a devida vénia..:)


2. Facebook...ando, encontrei aqui um curioso prospeto da centenária Liga Portuguesa de Profilaxia Social  (LPPS) (criada no Porto em 1924),  documento esse que fez parte de uma campanha contra o "pé descalço" (Vd. prospeto acima). (**)

Reproduz-se, com a devida vénia, a seguinte postagem da página do Facebook do Arquivo Distrital do Porto, com data de maio de 1928.


Arquivo Distritakl do Porto > 21 de julho de 2020 


A PROIBIÇÃO DO PÉ DESCALÇO na cidade do Porto surgiu na sequência de uma campanha da Liga Portuguesa de Profilaxia Social contra "o indecoroso, inestético e anti-higiénico hábito do pé descalço".

Dias depois de o governador civil do Porto proibir o pé descalço na cidade, o governador de Lisboa tomou a mesma decisão para a capital.

De repente uma população com muitos pobres via-se obrigada por lei a andar calçada. Dado que se tratava de um hábito muito enraizado nos portugueses, em termos práticos, tratou-se de uma campanha longa, intensiva e rica em materiais de divulgação.

A título de exemplo, hoje partilhamos (...) a publicação da LPPS que faz referência ao edital do Governo Civil que proibirá o pé descalço no Porto, a partir do dia 20 de maio de 1928.
códigos de referência:

PT/ADPRT/ASS/LPPS/DIR/015-001/0587 (publicação LPPS)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11288: (De) caras (13): Guerra Ribeiro, natural de Bragança: de administrador colonial no tempo do Schulz a intendente no tempo de Spínola (Paulo Santiago / Cherno Baldé / António Rosinha)



Guiné 61/74 - P26095: Historiografia da presença portuguesa em África (449): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Não houvera circunstância, no texto anterior, de incluir o tratado de paz celebrado em Buba entre Fulas e Biafadas, por intervenção do Governo da Província, trabalho a que já se acometera o Governador Pedro Ignácio de Gouveia, e tinha agora o seu remate feliz. O que mais impressiona neste ano de 1886, e já estou em julho, é não haver uma só palavra quanto à perda do Casamansa, nem uma só menção à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, paradoxo maior não conheço, até porque posterior à data desta convenção ainda o administrador de Cacheu dá informações sobre o estado de saúde em Ziguinchor... O que verdadeiramente me impressiona é o relatório elaborado pelo facultativo Damasceno Isaac da Costa, não é a primeira vez que este nome vem à baila, na coleção de reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa há trabalhos por ele assinados; mas este relatório irá ser publicado às pinguinhas desde 27 de março, em quatro números de abril, em dois boletins de maio, um de junho e outro de julho impressionam pelo acervo informativo, mesmo com a inclusão de alguns dislates e imprecisões, que o leitor facilmente deterá. Dada a extensão do relatório, dar-lhe-emos sequência no próximo texto.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (8)


Mário Beja Santos

Antes de se passar diretamente para 1886, importa fazer uma referência ao Boletim Official n.º 50, de 12 de dezembro de 1885, abarca um conjunto de documentos relativos ao tratado de paz celebrado em Buba entre os Fulas e Biafadas, por intervenção do Governo da Província, é um conjunto de três atas. Na primeira, referem-se as presenças, entre outras do Governador e do comandante do Batalhão de Caçadores n.º 1, dá-se notícia das intimações ao chefe dos Fula-Forros Bacar Quidaly: entrará na praça de Buba sem representação de força nem grandeza; apear-se-á fora da paliçada, bem como a sua comitiva, e aí deporão as armas e mais símbolos de guerra; esperará que um oficial lhe comunique a permissão de entrar na praça, onde só tem ingresso Bacar Quidaly e o seu Estado-maior, todo o resto da sua gente ficará fora da paliçada; o Governador deseja ter explicações muito sérias com Bacar Quidaly, pois que o seu procedimento não tem sido dos mais corretos com o Governo, mas só será recebido nas condições acima apontadas, e em caso de recusa da sua parte o Governo tomará tal facto como um ato de desobediência às suas ordens.

Na segunda ata, referente a acontecimento ocorridos no dia seguinte (25 de novembro de 1885), Bacar Quidaly pedia permissão para ter ingresso na praça, mas para que a conferência tivesse lugar na casa que serve de quartel, para se ver próximo da sua gente, o régulo precisa de manter a autoridade sobre o seu povo, satisfez-se o pedido do régulo; a terceira ata contém a essência da reunião, quem nela participou, esteve por parte do régulo Mamadu e mais chefes Fulas e seus conselheiros, um conjunto de chefes Biafadas, tanto do Cubisseco como de Boduco. Declararam ambas as partes quererem e aceitarem a paz que o Governo lhes propõe, esquecem agravos e ressentimentos que os tornaram inimigos, procurará cada um dos povos por sua parte animar o comércio nas feitorias e estabelecimentos que existem já nos seus territórios, tomam o Governo como fiador e garantia desta paz. O Governador trazia também as suas reivindicações, estabelecia-se os limites do território do Forreá. O documento iria ser assinado por todas as partes envolvidas. Vai ganhar realce ao longo de um conjunto de boletins a publicação do relatório do serviço da delegação da Junta de Saúde da vila de Bissau, referente ao ano de 1884, pelo facultativo de 2.ª classe do quadro de saúde da Guiné, Damasceno Isaac da Costa, é um documento que transcende pela riqueza de informações tudo o que até agora nos foi dado de ler em relatórios de idêntica circunstância, é tal o acervo de informações que vale a pena aqui reproduzi-las, no seu cotejo essencial.

Começa por dizer que o concelho de Bissau compreende a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior e todos os demais pontos ocupados e a ocupar nas margens dos rios de Bissau, Corubal e Geba. Localiza a ilha de Bissau, dirá que está dividida em dez tribos com as seguintes denominações: Antula, Antim ou Intim, Cumuré, Prábis, Safim, Torre, Biombo, Bigemeta e Quitexe. O régulo de Antim tem a presunção de descender de alta prosápia, isto é, dos antigos reis da lha; o de Bandim alimenta a mesma presunção nobiliárquica. Refere o trabalho desenvolvido pela companhia de Grão-Pará e Maranhão e a construção da fortaleza, não faltaram atos de selvajaria dos gentios à volta dela. Para pôr cobro a tais hostilidades, o rei D. Pedro II ordenou ao 1.º capitão-mor de Bissau, José Pinheiro, que construísse uma fortaleza com 40 praças, um capitão-mor e um feitor da fazenda. A povoação assim amparada possuía 200 cubatas e 5 casas cobertas de telha, habitadas pelos negociantes portugueses, comissários das casas comerciais inglesas de Gâmbia e francesas de Goreia e pelos Grumetes, uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição e um hospício para os missionários. A fortaleza durou apenas 66 anos, houve que a demolir.

Depois de um largo conjunto de citações, alude aos ziguezagues fluviais no rio Geba. Dirá que os Biafadas que outrora ocupavam as margens do rio Geba fechavam a navegação quando queriam, especialmente em ocasiões de guerras que travavam com os Fulas, exigindo avultadas indemnizações às embarcações que com grandes dispêndios e grandes carregamentos transitavam no rio. Em 1847, o Governador da Província de Cabo Verde ordenou que se suprimisse a verba vexatória que a título de presentes era abonada a esses piratas que desde aquela época poucas vezes se repetiram casos de semelhante natureza. Para levar em efeito esses atos de pirataria, os Biafadas amarravam uma corda na árvore de uma margem, que passando pela superfície de água, ia terminar igualmente noutra árvore da margem oposta. Os extremos da corda traziam duas campainhas para anunciar a chegada de qualquer embarcação que tocasse a corda. Em tempos que não vão longe, esses piratas foram acossados pelos Fulas-Pretos e desde essa época cessou aquele sistema de saque às embarcações. Os Balantas, para a execução do tão mencionado plano seguem-se de troncos de árvores que espetam no rio.

O rio Corubal é bastante extenso e importante pela grande quantidade de âmbar que roja às praias. É quatro vezes mais largo do que p rio Geba até a uma maré de distância, onde se estreita para tornar a alargar. Esta estreiteza constitui a baliza dos territórios ocupados pelos Biafadas e Fulas. É junto a este lugar que está situada uma feitoria francesa denominada Granja. Raso em toda a sua extensão, o rio Corubal é somente navegável junto à margem esquerda. Da estreiteza acima mencionada, transporta-se facilmente e em menos de 24 horas para a praça de Buba, atravessando as tabancas do régulo Fula-Forro Mamadi Paté, derrotado pela nossa força militar em 28 de setembro de 1882. Segundo afirmam pessoas de todo o crédito, o rio Corubal tem a sua origem no território do Futa-Djalon e vem desaguar no oceano próximo da ilha de Bissau. Nas margens do rio Corubal, divisam-se extensas e graciosas colinas e vales, notando-se no fundo destas águas que brotando de diversas rochas e lugares correm com sussurro para desaguar no rio.

Em todos estes rios e canais habita o crocodilo, o hipopótamo, o tubarão e uma infinidade de variados peixes. Nas espessas e copadas matas que revestem as margens dos mencionados rios e no feracíssimo solo de Bissau, Geba, Corubal e outros pontos das suas dependências, encontram-se o elefante, onça, pantera, leopardo, hiena, lobo, gazela, porco-espinho e diversos outros animais, muitos dos quais são bastante interessantes.

Nas margens do rio Geba encontram-se diferentes feitorias e o facultativo refere os seus nomes dizendo que há muitas outras que estão agora abandonadas em consequência das opressões dos Fulas que habitam as margens do rio Geba. E prepara-se agora para falar da vida em Bissau.

Notícia do falecimento, em 16 de dezembro de 1885, de D. Fernando II
Ao consultar a publicação Jornal da Europa, ano de 1926, encontrei esta imagem de Bissau, a qualidade não é famosa, mas permite visualizar a zona do Pidjiquiti, as embarcações no Geba e ao fundo os poilões da Fortaleza da Amura
Imagem muito conhecida da Conferência de Berlim, 1884-1885
1.ª página do Estatuto da Província da Guiné, 1956, veja-se a definição da superfície da Província com base na Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886
A influência portuguesa na Goreia, Dacar.
Fotografia de Robin Taylor, publicada na página do Instituto Camões. Com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26071: Historiografia da presença portuguesa em África (448): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26094: Estórias do Zé Teixeira (65): Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará - O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (2) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Em mensagem de 28 de Outubro de 2028, o nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) enviou-nos o relato da aventura do seu amigo Sáculo que ambicionava a qualquer custo vir fazer a sua vida em Portugal. Hoje publicamos a segunda e última parte


Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará
O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (2)



– Pois é! Talvez não soubesses que quando se caminha sem orientação, sobretudo no deserto, temos tendência a andar em círculo  
–  disse-lhe eu.

– Andar em círculo porquê? Nós seguimos em frente, sempre em frente 
– esclareceu o Sáculo.

– Só consegues andar em linha reta, quando te orientas pelo sol, ou pela lua. As pessoas, normalmente, têm uma perna mais comprida que a outra e por consequência o tamanho do seu passo, não é igual, ou seja, a perna mais comprida dá um passa mais largo, o que leva a pessoa a fazer um desvio sistemático nessa direção. Este andar em círculo, que pode ser maior ou menor, em função da diferença na altura da perna. Eu, por exemplo, tenho uma diferença de cerca de meio centímetro. Talvez o meu círculo seja grande, e também temos de considerar a possibilidade de termos uma perna mais forte que a outra, o que também pode afetar a direção, quando não temos referências, porquanto a perna mais forte tem tendência a ser mais rápida.

– Desconhecia esses fenómenos. O certo, é que, sem querer, estávamos de regresso ao Senegal. Talvez tenha sido a nossa salvação. A polícia de fronteira prendeu-nos de imediato. Ali ficámos dois dias, mas como não tínhamos nem dinheiro nem comida, éramos um problema para a polícia. Quando passou o primeiro camião, o comandante mandou-nos subir e ordenou ao motorista que nos levasse para Linguère e nós lá fomos.

E prosseguindo:

–  Só que o camião não ia para esta cidade e o motorista deixou-nos num cruzamento, a meio do caminho. Tentámos arranjar trabalho, mas fomos apanhados pela polícia que nos voltou a prender. Eram muitas bocas a pedir pão e a polícia não tinha dinheiro, nem soluções. Eu era o único que sabia falar francês e ia-me desenrascando. Ao fim de dois dias, por ordem da polícia, voltamos a subir para outro camião que passava, que nos levou até Dacar. Procurei o meu primo que era pescador, fomos à Embaixada da Guiné-Bissau regularizar a minha situação e fui para pescador com o meu primo.

– Regressado à tua terra acabou-se a aventura, e que grande aventura!

– Já tinha outro plano em mente. Eu continuava a sonhar com Lisboa. Se não podia ir por terra, tinha de ir por mar. Fiquei em Dacar e fui à pesca na canoa do meu primo, para ganhar algum dinheiro e para me habituar a andar de barco. Nos primeiros dias não pesquei nada. Passei o tempo a vomitar estendido no fundo da canoa. Com o tempo fui-me habituando e até cheguei a apanhar um susto. Valeu-me a forma como os pescadores estavam organizados para sua segurança, ou seja, cada canoa tinha quatro horas para andar no mar, e só podia ir para determinada área. Se ao fim de quatro horas não regressasse, os pescadores que estavam em terra iam à sua procura.

Continuando, diz o Sáculo:

– Eu fui pescar com dois amigos para uma área que já conhecia. Num momento, sem contar, a canoa virou-se e foi ao fundo. Conseguimos ficar agarrados a umas tábuas e ficamos a boiar. Aguentamos, uma hora ou mais, até vermos ao longe duas canoas que vinham em nosso socorro. Safamo-nos.... Eu tinha um tio em Lisboa que tu deves ter conhecido, mas já morreu. Era filho do Samba e estava na milícia no tempo da guerra. Soube que ele estava em Bissau, fui ao encontro dele e pedi para me trazer para Lisboa. Ele era embarcadiço num barco de carga, era o que eu precisava, mas ele esqueceu-se. Escrevi-lhe várias vezes para Lisboa, pedi à minha mãe para o chatear. Eu até já estava zangado com ele, quando recebo uma mensagem para ir falar com um sujeito que estava num cargueiro ao largo de Bissau. Escondi-me no cargueiro e vim parar a Tanger. Já estava perto de Lisboa. Depois foi fácil. E já lá vão trinta anos.

– Entraste em Portugal no ano de… deixa-me fazer as contas…

– Ano de 1994, quando cá cheguei. Ainda me lembro que estava muito frio e eu andei uns dias à procura da casa do meu tio. Depois fui para as obras e nunca mais parei.

– Bateste o recorde. Dez anos para chegar de Bissau a Lisboa. Foste um homem corajoso. Parabéns!

– Era um sonho que nasceu em mim, quando os militares vieram embora, em 1974. Agora é tempo de me reformar, mas não quero voltar para a Guiné. Gosto muito de Lisboa. Tenho cá a minha família, a mulher e os filhos, imãs e sobrinhos. Toda a gente está cá, está na Suíça, está na Alemanha… e sabes quem está nos Estados Unidos a trabalhar numa empresa de segurança privada? O Iero, o meu primo, que casou com a minha sobrinha, a Djuvae, filha da Auá, a minha irmã, tua amiga.

– O quê? O sacaninha do Iero está na América?

… … … ... ... ...

A conversa não ficou por aqui. Quis que eu e minha mulher, mais a Auá e a Djubae entrássemos para o seu carro, creio que um Fiat Punto, e fossemos dar uma volta por Lisboa. Foi tempo para eu e ele voltarmos à Guiné, aos meus tempos de enfermeiro militar e ele uma criança de seis anos que todos os dias me vinha dar os bons dias e ficava à espera de um naco de casqueiro.

A Auá teria uns vinte anos e estava casada com um soldado da milícia.

Nas minhas idas à Guiné reconheceu-me, chamou-me pelo nome, reavivamos bons momentos e reativamos a amizade. O Bemba, seu marido está na Guiné. Foi ferido em combate e conseguiu, muito mais tarde, com ajuda do seu antigo comandante, a cidadania portuguesa. Ela veio a Lisboa visitar a irmã e tratar a saúde.

Sempre que eu vou à Guiné, vou a casa deles comer cabrito. O Bemba já ca esteve e fui visitá-lo a Lisboa. Agora veio a Auá e fui almoçar a casa dela, um petisco à moda da Guiné.

Ela está de regresso à sua terra. O Sáculo fica por cá. Um dia vou trazê-lo a minha casa para fazermos umas contas. Quero saber quem se apossou da minha marmita com um saboroso naco de vitela assada na brasa, naquele dia 14 de novembro de 1968 em que fomos atacados à hora do almoço. Eu pousei a marmita para me proteger e fiquei sem almoço, eu e os meus colegas, que foram a correr defender as suas posições e afastar os intrusos que queriam almoçar connosco, o rancho melhorado ganho através de um tiro de G3 perdido na noite anterior que matou uma vaca do Régulo.

José Teixeira
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Nota do editor

Vd. post de 29 de Outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26091: Estórias do Zé Teixeira (64): Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará - O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (1) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

Guiné 61/74 - P26093: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (38): Bafatá, terra natal de Amílcar Cabral (1924-1973)



Foto nº 1 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > A casa onde terá nascido o Amílcar Cabraçl (1924 -. 1973), hoje convertida em museu. ;Mural numa das paredes com a efígie do líder histórico do PAIGC,filho de mãe guineense e pai cabpo-verdiano



Foto nº 2A > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-museu de Amílcar Cabral: uma citação famosa (em crioulo):


"Nô sta na luta pa prugresu di nô tera, nô ten ku fasi sakrifisu pa nô konsigui kumpu nô tera.

"Nô ten ku kaba ku tudu injustisa, ku tudu koitadesa i sufrimentu.

"Nô ten garanti pa kada mininu ku na padidu na nô tera aôs ô amanha, tene certeza di kuma nin un mura ô paredi ka pudi tadjal"

(Amílcar Cabral)


Tradução do crioulo (LG / VQ): "Estamos a lutar pelo progresso da nossa terra. Temos que fazer sacrifício para conseguir desenvolver a nossa terra. Temos que acabar com todas as injustiças, a pobreza e o sofrimento. Temos de garantir que cada menino que nasce na nossa terra, hoje ou amanhã, possa ter a certeza de que nenhum um muro ou parede o vai deter". (Amílcar Cabral)


Foto nº 2 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-museu de Amílcar Cabral > Mural


Foto nº 3 > Guiné > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > Casa-Museu Amílcar Cabral > Parede exterior com mural... Fica junto à casa da nossa amiga Célia.



Foto mº 4 > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > A rua que desce até a casa do Amílcar. Agora é uma valeta onde corre água das chuvas.


Guiné > Foto nº 5 > Bafatá > 28 de outubro de 2024 >Rua junto a casa onde podemos ver o Sporting... (à esquerda, a seguir)


Guiné > Foto nº 5A > Bafatá > 28 de outubro de 2024 > O edifício do Sporting (e antigo cinema), em segundo plano... Com o telhado já em ruína.


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro:


Data - segunda, 29 out 2024 00:36
Assunto . Viagem ao Leste no final da chuvas 2024.


Luís, publica se entenderes.

Estas outras fotos de Bafatá, foram tiradas hoje, segunda feira,  às 6.30h ainda com pouca luz...antes do meu regresso, mais logo,  a Bissau. (Do Gabu, já te mandei também algumas fotos.)

Estas de Bafatá são tiradas  junto  à casa da Célia (onde vive há 53 anos) e à  casa onde dizem que o Amílcar nasceu. É a última rua paralela ao rio.

É uma zona onde moram poucos europeus, luso-guineenses e libaneses. Uma zona da cidade sem vida. Onde existem algumas repartições publicas.

Ab, Patrício.

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26086: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (37): Bafatá e a Célia Dinis, que merecia uma estátua e não uma medalha...

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26092: Manuscrito(s) (Luís Graça) (259): Porto Santo, e a África aqui tão perto - Parte IV - Nem os "profetas" escaparam... à guerra colonial

 

Foto nº 30 > Porto Santo > 1 de outubro de 2024 > Ponta da Calheta e vista da cota norte


Foto nº 31 > Porto Santo > 1 de outubro de 2024 > Ponta da Calheta... e os sinais geológicos da origem vulcànica da ilha...



Foto nº 32 > Porto Santo > 1 de outubro de 2024 > Ponta da Calheta... A vida que náo desiste...


Foto nº 33 > Porto Santo > 3 de outubro de 2024 > Miradouro das Flores > O Ilhéu de Baixo ou da Cal


Foto nº 34 > Porto Santo > 3 de outubro de 2024 > Miradouro das Flores > Nove quilómetros de praia que precisam de proteção contra o lobi do cimento armado (a construção, o imobiliário, a hotelaria, o turismo... )


Foto nº 35 > Porto Santo > 3 de outubro de 2024 > Outubro de 2024  > Um pequeno bosque de pinheiros raquíticos no sítio dos Morenos, na costa  Norte


Foto nº 36 > Porto Santo > 3 de outubro de 2024 > Outubro de 2024  > O dragoeiro ou "sangue-de-dragã", uma espécie  A espécie é originária da região biogeográfica atlântica da Macaronésia (Madeira, Canárias e Açores). Este foi plantado por mão humana, numa praça da Vila Baleira. Está extinta em Porto Santo, como espécie selvagem.



Foto nº 37 > Porto Santo > 3 de outubro de 2024 > Outubro de 2024  > Adro da igreja de Na. Sra. da Piedade, a igreja matriz, cuja construção remonta a  1430/1446. Foi várias vezes pilhada e destruída pelos corsários. Reconstruída totalmente em 1667.


1. Não sei se houve algum concelho do país (continente e ilhas) sem mortos na guerra do ultramar / guerra colonial... Escapou, por certo,  a ilha das Berlengas, por que não tinham habitantes permanentes (na época, só faroleiro).

Nem o minúsculo território de Porto Santo (com pouco mais de 42 km2 e c. 3500 habitantes em 1960) escapou à fatalidade de uma guerra prolongada e distante para a qual foram mobilizados c. de 800 mil portugueses (sem contar com os africanos, c. de 200 mil). 

Pois dos naturais de Porto Santo (porto-santenses e não portos-santenes...) houve pelo menos um morto, se bem que por doença, o 2º srgt iuf, Tibúrcio Alencastre Pestana, em Moçambique, em 13/8/1970.

Na visita que eu fiz à ilha, como turista (a reboque de duas canadianas!), de 29 de setembro a 6 de outubro passado, não me dei conta de qualquer pedaço de memória dessa guerra.  Há referência ao início da nossa expansão marítima, a alguns dos seus principais atores e beneficiários (a começar pelos capitães-donatários das ilhas:  João Gonçalves Zarco, ficou com o Funchal,  o Tristão Vaz Teixeira, com o Machico, e o Bartolomeu Perestrelo, com o Porto Santo...). 

Não faço ideia quantos porto-santenses foram mobilizados, entre 1961 e 1974.. Mas a ilha tem o seu martirológio, a sua lista de vítimas, por ataques de piratas e corsários bem como de epidemias e fomes... 

No Museu de Porto, de acesso grátis para antigos combatentes (Casa Colombo -. Museu de Porto Santo e dos Descobrimentos Portugueses) fiquei a saber coisas que não sabia, a começar pela estranha alcunha, "Os Profestas", que foi dada aos seus habitantes, e que já vem do séc. XVI, ou seja, do início do império...

Também a fiquei a saber mais detalhes da brutal incursão de que a ilha foi vítima, em 1617, por parte de corsários argelinos... Com uma costa tão extensa e aberta, a sul, e localizada a uns escassos 500 km da costa ocidental africana, e a mil do sul da Europa, sofreu, nomeadamente até ao séc. XVII, as incursões, pilhagens, raptos e assassínios de piratas e corsários que agiam sob várias bandeiras... A mais trágica terá sido, de facto,  a de 1617.

Foi sempre uma ilha de extrema pobreza, sofrendo os efeitos de uma dupla colonização: até ao reinado de Dom José I, vigorou o miserável sistema de "colonia" na exploração da terra, em que os colonos eram os porto-santenses e os senhorios os madeirenses...A colonia foi extinta, em Porto Santo, pelo menos "de jure", por alvará régio de 13 de outubro de 1770.

Contrastando com a Madeira, é uma ilha paupérrima, em termos de recursos materia
is, a começar pela flora, são escassas as árvores (vi palmeiras,  pinheiros, alguns dragoeiros...),. Mas a ilha, mais antiga que a Madeira, é uma joia para os geólogos...e os amantes da natureza.

A ilha do Porto Santo começou a formar-se há 19 milhões de anos, tendo emergido  há  8 milhões de anos.      A Madeira, por sua vez,  data da mesma época (há 19 milhões de anos, no Mioceno) mas só emergiu durante a  transição do Mioceno para o Plioceno, há cerca de  5 milhões de anos. O que não é nada, sabendo que os dinossauros do Jurássico,  evoluíram entre 200 e 146 milhões de anos, passeando-se entre a Lourinhã e Nova Iorque. (Estás a ver, João Crisóstomo, irás fazer o mesmo percurso, não a pé, obviamente, mas de avião,  150 milhões de anos depois...).

Para saber mais sobre a Porto Santo e os porto-santenses:


(I) População (de alcunha, os "profetas"...)




(ii) Segurança...



(iii) Economia....




Fonte:  Casa Colombo -. Museu de Porto Santo e dos Descobrimentos Portugueses) ... (Seleção, sublinhados a vermelho: LG) (com a devida vénia..)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Guiné 61/74 - P26091: Estórias do Zé Teixeira (64): Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará - O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (1) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Em mensagem de 28 de Outubro de 2028, o nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) enviou-nos o relato da aventura do seu amigo Sáculo que ambicionava a qualquer custo vir fazer a sua vida em Portugal.


Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará
O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (1)


Eram dois “putos reguilas”, o Sáculo e o Iero, que todas as manhãs, mal sentiam a minha chegada ao barraco da cozinha para “matar o bicho”, corriam alegremente ao meu encontro, e me saudavam de mão estendida e sorriso aberto: “ocurame casqueiro”! Era o mesmo que dizer, numa mistura linguista de dialeto étnico Fula e Português de quartel 

– Dá- me um bocadinho do teu pão!

Já passaram cinquenta e seis anos.

Teriam uns cinco, seis anos, quando nos despedimos, numa manhã de sol bem quente, no mês de fevereiro de 1969. Continua a bailar-me na mente essa manhã em que chorei de alegria e tristeza, enquanto recebia os abraços de despedida daquela gente, humilde, alegre, comunicativa e sobretudo sedenta de paz, e que me ensinou tanta coisa para a vida.

Continua no meu coração a imagem daquela mãe, cujo nome jaz debaixo do pó, que com o tempo sombreou a minha mente. Naquela manhã, da minha partida, depositou a criança nos meus braços, e com os olhos rasos de lágrimas disse num tom suave e firme: 

–  A tua mulher quer ir contigo!

Trouxera-me, uns tempos antes, a bebé, uma menina linda como o sol, ferida pelo paludismo que a minara em tão grande profundidade que a temperatura corporal rondava os 42º C. Já nem força tinha para gemer. Ao fim de dois dias de luta e as dores da incerteza, consegui voltar a ver o seu sorriso. O seu palrar de bebé feliz encheu de novo a casa de sua mãe, e eu tive de a receber como minha mulher. Tão pequenina e tão linda!

Pensava eu que a minha despedida seria para sempre, mas não foi.
Mampatá 2008 > A mãe da Maimuna, a minha bebé
Foto: © José Teixeira

Podia escrever sobre os acontecimentos, que pela vida fora, nos foram aproximando, mas vou apenas escrever sobre a aventura do Sáculo.

Era um dos muitos filhos do Régulo local. Ainda criança foi para a escola corânica. Segundo me disse, há dias, quando nos reencontrámos, passados cinquenta e seis anos. O pai enviava os filhos machos alternadamente para a escola portuguesa e para a escola corânica. A ele tocou-lhe a escola corânica. Com a morte do pai e pouco depois, a independência da Guiné, muita coisa mudou, e o Sáculo partiu à aventura para Bissau, sempre a alimentar o sonho que lhe enchia a alma – vir para Lisboa.

Dias duros e difíceis se seguiram, mas o sonho perseguia-o.

Estávamos em meados dos anos oitenta. Na sequência da mudança política que se operara na Guiné, com o golpe do Nino Vieira para afastar do poder os líderes do PAIGC de origem cabo-verdiana, a vida tornou-se ainda mais difícil. Era tempo de tentar a sua sorte. Era tempo de dar vida ao sonho que o perseguia há dez anos – vir para Lisboa à procura de uma vida melhor. Junta-se a um grupo de jovens quem como ele, alimentavam o mesmo sonho, sabe-se lá porquê.

Paga 2.500 USD a um engajador que lhe garantia a chegada por terra a Portugal, faz uma trouxa e parte à aventura.

Logo se apercebe que o cansaço, mais a fome, a sede e o calor iriam ser os grandes inimigos. O frio à noite também era insuportável, mas nada o fazia desanimar. Lisboa estava a dois passos, para quem tinha tanta vontade de lá chegar. Talvez desconhecesse que havia mais de seis mil quilómetros de terra para palmilhar, um mortífero deserto para atravessar, muitas matreirices dos engajadores para combater.

– Até à fronteira com o Senegal, foi fácil. Estava na minha terra. O grupo estava animado e cheio de coragem. Os pés voavam, tal era a ansiedade e a vontade de chegar ao fim da viagem. Quando entrei em Dakar no Senegal, olhei para trás e senti que não havia retorno.

Seguimos, até à fronteira com o Mali. Ao chegar à fronteira, o guia a quem tinha pagado 2.500 USD,  entregou-nos a outro guia e desapareceu. O novo guia exigiu mais 2.500 USD para nos acompanhar e indicar o melhor caminho. A primeira grande surpresa foi a traição do guia, que nos abandonou. Outras se seguiram, mas, uma coisa era certa, chegar a Lisboa não seria assim tão fácil como sonhara.

Talvez os engajadores, na sua ânsia de “ganhar dinheiro”,  me tivessem induzido em erro.

Até chegarmos à fronteira tudo nos parecera fácil. Conseguimos trabalho pelo caminho para arranjarmos dinheiro ou comida. Agora, sentíamo-nos inseguros pelo abandono do guia e só víamos areia à nossa frente. Era o deserto maliano, arenoso e seco, com um calor insuportável durante o dia, e um frio noturno de bradar aos céus, que tínhamos de atravessar. Os que tinham dinheiro continuaram em frente, os outros desejaram-nos boa viagem e voltaram para trás. Talvez se tenham perdido no caminho. Nunca mais os vi, e já lã vão cerca de quarenta anos.

O tempo passava a correr. Dia após dia, a andar sem descanso. Semanas terríveis, em que o cansaço físico que se apossou de mim. A sede atormentava-me, e a comida escasseava, mas a força anímica tudo superava.

Seguiram-se muitos dias de caminhada até à fronteira com a Argélia em pleno deserto do Saará.
Um aspecto do deserto do Saara
Foto com a devida vénia a BBC News Brasil

– Não entendo porque tiveste de atravessar o Mali e a Argélia se o caminho pela Mauritânia era mais direto 
– disse-lhe eu. –   Já fiz esse caminho duas vezes, por ser o mais curto. É um caminho seguro, em estrada com grandes retas. Já devia existir nesse tempo, com ligação entre a fronteira de Marrocos com a fronteira do Senegal. Nesse tempo o povo saarauí, liderado pela Frente Polisário estava em luta aberta com Marrocos pela sua independência do Saara Ocidental e talvez o percurso não fosse seguro...

– Não te sei responder. Eu estava a pisar terreno desconhecido. Para mim tudo era novo. O deserto, os oásis onde nos recolhíamos, as aldeias no meio do deserto, as cáfilas de camelos a “pastar”, tudo era novidade.

E o Sáculo prosseguiu a sua narrativa;

–  Chegados a um local desértico que o “passador” disse ser a fronteira argelina, apontou-nos a direção em que devíamos seguir, até encontrar uma cidade e desapareceu como por encanto. Ali ficamos cinco jovens com uma vontade danada de chegar a Portugal, perdidos no deserto, com poucos alimentos, alguma água e muita areia para pisar, sem um caminho, uma pista a seguir.
Fomos deixando pelo caminho tudo o que era empecilho, menos o garrafão de água que cada um tinha consigo e a parca comida ressequida. Seguimos na direção que nos fora indicada pelo bandido que nos traiu. Pensamos em voltar para trás, mas não sabíamos como encontrar o caminho de regresso. Era seguir em frente ou morrer. O que mais víamos eram ossos de pessoas, crânios, braços pernas… Eu pensava: 'Não me vai acontecer a mim o que aconteceu a esta gente. Eu vou seguir em frente!'... Mas quanto mais andávamos mais o desânimo se apoderava de nós.

E confessa o meu amigo:

–  Imagina a alegria que sentimos, quando ao longe surge uma bandeira no cimo de mastro, que nos fez apressarmos o passo. Não tínhamos forças para correr.

Quando lá cheguei fiquei abismado, estava na fronteira com o Senegal.

(Continua)

José Teixeira

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Nota do editor

Último post da série de 8 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25494: Estórias do Zé Teixeira (63): O “Diário” do José Cuidado da Silva (Conclusão) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)