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sábado, 2 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26106: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (15): Uma ida, algo dramático-burlesca, da CCAÇ 3, ao Senegal



Guiné > Região do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 (1968/69) > Os temíveis "Jagudis",  de etnia balanta, nome de guerra do 3º Gr Comb, comandado pelo alf mil  A. Marques Lopes.

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edução e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Do livro de memórias do A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Editora, 2015), reproduzimos as pp. 532/546) (que também constam parcialmente da sua página do Facebook, em postagem de  12 de setembro de 2019). É uma homenagem a um dos nossos, recentemente falecido, um histórico do nosso blogue, e um grande operacional (que passou por duas subunidades, a CART 1690 e a CCAÇ3, entre 1967 e 1969)... DFA, foi reintegrado no exército. Faleceu com o posto de coronel de infantaria, na situação de reforma.


 

Uma ida, algo dramático-burlesca, ao  Senegal

por A. Marques Lopes (1944 - 2024)



(..) Como eu era o alferes mais antigo,  fiquei a comandar a companhia na ausência do capitão, que tinha ido de férias. Houve um dia em que fui chamado a Bigene, ao COP3. O cabo cripto viera com uma mensagem na mão a dizer-me que era para ir falar com o major.

No dia seguinte peguei no meu grupo de combate e numas viaturas e fui para o COP3. No gabinete do major estava também um tipo à civil. Não o conhecia mas tinha um ar que dizia logo quem era. Do alto das suas botas de cavaleiro, o comandante do COP3 apontou com o pingalim para um mapa que tinha cheio de sinais coloridos. Falou sem rodeios:

– O agente Guerra…


Sou bruxo, pensei, é da PIDE e tem ar de fuinha como o pide Alberto que vi em Bafatá. O major continuava.

–  …tem informações que a população de Sano, da parte do Senegal, anda a fazer plantações de arroz e outros produtos na bolanha que está do nosso lado. Eu quero que você vá lá amanhã confirmar isso.

Apontara para o local que o capitão Olavo já lhe tinha indicado como tendo lá uma base do PAIGC. A conversa do major vinha confirmar que a fronteira era apenas uma linha no papel.

 
–  É natural que façam isso, meu major. Antes da guerra aquilo era tudo terra deles, dum lado ou doutro, viviam em conjunto e exploravam as terras em conjunto. Após começar a guerra é que passaram todos para o outro lado mas continuaram a trabalhar aquelas terras que tinham antes. Além disso, meu major, eu acho que uns reconhecimentos aéreos podiam confirmar isso.

De facto, não percebia porque é que era preciso ir lá para ver se era assim como o pide dizia. Pareceu-me e confirmei depois que o major não tinha gostado desta parte final. O pide sorria.

–  Ó nosso alferes, eu sei que você andou no seminário e, portanto, sabe o que quer dizer estar a ensinar o padre nosso ao vigário. Você é um miliciano quase imberbe e acha que me pode estar a dar conselhos a mim? E não sabe que o arroz que eles cultivam é para alimentar os terroristas?

Ele não falara em tom acintoso mas deixou-me enrascado. Não era pelo que ele tinha dito, era um homem corajoso e sensato, já mo tinha demonstrado, até gostava dele. Era mais pelo cabrão do pide que olhava para mim com ar zombeteiro. Não tinha dito a ninguém que tinha estado no seminário e só podia ser ele que tinha essa informação. Tinha cá uma vontade de lhe ir ao focinho…

– Peço desculpa, meu major. Não era minha intenção, de maneira nenhuma.

– Há mais  
– não me deixou acabar – diga lá, ó Guerra.

O pide endireitou-se na cadeira.

– Tenho também uma informação que estará lá um bigrupo reforçado. Consta que prepara um ataque ao seu quartel, alferes, e aqui ao COP. Mas esta não é uma informação muito segura, precisa de confirmação.

– Este é o outro objectivo da sua ida lá
–  disse o major.-–  É o mais importante. Quero que confirme se está lá, de facto, um bigrupo reforçado.

–  Mas, meu major, um bigrupo reforçado é muita gente e, se se preparam para nos atacar, hão-de estar bem armados, com armas melhores e mais poderosas que as nossas. Só tenho três grupos de combate na companhia, tenho de deixar um no quartel e ir lá só com dois.

–  Que porra! Lá está você outra vez, homem! Eu sei bem isso.

Continuou a falar. Eu ouvia-o mas ia também pensando que fizera bem em levantar dúvidas desde o princípio. Palpitava-me que ele lhe estava a fazer o mesmo que o coronel do Agrupamento de Bafatá quando o mandara para levar porrada e ficar na bolanha em Sinchã Jobel. Este só não me tinha ainda dito para levar uma corda. O major acabou por me dizer que, pelo menos, conseguisse um prisioneiro para interrogar e que andaria lá num PCV para me orientar.

–  Percebeu?

–  Percebi, meu major.

Percebia e estava a ver que era pior do que daquela vez em que pusera reticências ao capitão para ir ao corredor perto do Senegal. Estava feito

– Então venha aqui  
– levou-me para mais perto do mapa. -–  Um grupo vai até à bolanha e outro, quero que seja o seu, entra no Senegal e apanha esta picada aqui, está a ver? – Eu disse-lhe que sim senhor - Podem apanhar alguém na bolanha, porque eles vão lá, ou na picada, que é o caminho que fazem. É assim, mais nada.

Despediu-me e cumprimentei o major. Ao pide não liguei.

Uma vez no quartel juntei-me com o Salgado e o Rodolfo e expliquei-lhes a ideia do major do COP.

–  Eu tenho de ir porque o major decidiu que sim. Qual de vocês quer ir?

Eles olharam um para o outro e o Salgado decidiu-se primeiro.

–  Vou eu.

Preferia que fosse o Rodolfo, mas este não disse nada, ficou calado. Procurei não fazer como o Lindolfo e o Mendonça.

–  Então, ó Rodolfo, és tu que ficas a tomar conta disto. Porta-te bem. Salgado, vai falar com os teus furriéis e diz-lhes que têm de ter os homens prontos para sair amanhã logo de manhãzinha, às cinco horas. Eu vou fazer o mesmo com os meus. Diz-lhes o que é que vamos fazer e que tenham cuidadinho com a língua. Os gajos que não falem disto com os soldados, senão toda a tabanca fica a saber e estamos feitos. Quando sairmos, e já fora do quartel, ou vou dizer a todos qual é a missão. Agora vamos aqui ao mapa.

Chegaram-se lá e eu foi apontando.

– Vamos juntos até à ponta da bolanha, esta aqui ao pé do Senegal. Aí separamo-nos, eu vou para o Senegal, por aqui, até esta picada, e tu vais para o corpo principal da bolanha, ficas lá e esperas por mim, até eu regressar - o Salgado percebeu a ideia - Vou ter de levar o Bailo comigo para me indicar o caminho para aquela picada do Senegal. Tu chegas facilmente ao teu local, não é?

 Claro, vou chegar lá nas calmas.

Fomos, então, logo às cinco da manhã..

Às vezes dava-me, esta foi uma das vezes. Ia calmo. Era como assistir ao nascer da vida. Os ainda ténues raios de sol que furavam por entre as folhas da floresta levaram-me a pensar na centelha da vida que Michelangelo representou nos tectos da Capela Sistina. Resquícios da formação religiosa. O pipilar ainda suave dos inúmeros pássaros que habitavam as árvores maravilharam-me como lembranças do despertar dolente e suspiroso da Júlia à minha beira. Mas os grunhidos ruidosos e agudos do macaco-cão eram um despertar, alertavam-me para as passadas que devia dar e o caminho a seguir. Mantinham-me atento no meio das divagações.

Chegámos ao local da separação.

–  Tens o mapa da zona?  
– perguntei ao Salgado.

–  Tenho, claro.

–  Fica aqui, então, que eu vou atravessar a bolanha um pouco mais abaixo e, se tiver problemas, podes apoiar-me com fogo desse lado. Parece-me que é melhor para eu não ser apanhado entre dois fogos. O que achas?

Era uma precaução para não cair novamente nessa situação. Os meus furriéis e os do Salgado comentaram entre eles e pareciam de acordo.

–  Está bem, pá
–  disse também o Salgado.

–  Olha, mantém o teu “banana” sempre atento, eu vou estar com o meu também. É para nos mantermos em contacto e para nos irmos informando do que se passa dum lado e doutro. Além disso, o PCV do major do COP deve estar a aparecer e ele também vai querer conversa.

Separei-me levando o Bailo à frente para me indicar o caminho até à tal picada dentro do Senegal. Vira no mapa que a fronteira ali era uma linha recta entre os marcos 132 e 133. Nem sabia se os marcos ainda existiam, mas, mesmo que existissem, deviam estar totalmente cobertos de vegetação e não adiantavam nada para saber onde acabava a Guiné e começava o Senegal. Em certo momento tanto podíamos estar dum lado como do outro. Por isso é que aquela gente não tinha fronteiras. Era tudo o mesmo.

Estávamos há quase meia hora no meio da mata. O Bailo, por indicação minha, não escolhera carreiros e a progressão não era fácil. Quando se começou a ouvir o ronronar da DO, diz o radiotelegrafista:

–  Meu alferes, está aqui o PCV.

Peguei no “banana”.

–  É pa, já vi que o Salgado está no local indicado 
–  disse o major.  – Mas você ainda não chegou, pá!. Estou a ver daqui o sítio onde devia estar.

O engraçado queria festa. Ia levar.

– Meu major, aqui no meio desta mata cerrada não é tão fácil descortinar o objectivo como aí de cima. Tenho tido dificuldades na progressão, mas o meu guia diz-me que estamos quase a chegar.

Uns segundos de silêncio. Devia ter acusado o toque, mas não se descoseu.

–  Quando chegar avise-me que eu vou andando por aqui.
Desligou.

Acabámos por chegar e emboscámo-nos na berma da picada.

– Ninguém dispara nem se mexe, só à minha ordem 
– disse.

Avisei o major da chegada e liguei ao Salgado para saber como estava. Este disse-me que não via vivalma. O PCV deu mais umas voltas e afastou-se. Ainda bem, pensei, senão os tipos começavam a desconfiar que havia ali qualquer coisa.

A certa altura, o Bailo, que estava perto a espreitar por entre uns ramos, segreda-me:

Alfero, um djipi.

Espreitei também.

– São turras?

O Bailo observou melhor.

 – Polícia Senegal  – disse.

Bonito, só faltava isto. Tinha de os tirar dali. O Bailo não usava camuflado, era guia civil, ia ver o que é que dava.

 Bailo, levanta-te e fala com eles.

Sabia que era um tipo expedito, embora às vezes até demais. Ele levantou-se logo e foi para o meio da picada. O jipe aproximou-se e parou. Os seus ocupantes sorriram.

 
 Bonjour, camarade  –  disse um deles.

Pensaram que era um do PAIGC. Era o que eu queria, que parassem confiantes. Fiz sinal para todos se levantarem e fui o primeiro a saltar. Assim que me viram, era um branco!, ficaram de olhos esbugalhados e levaram instintivamente as mãos às armas.

 Quietos! 
 gritei, apontando-lhes a G3.

Foram cercados pelo grupo e ficaram quietos. Viram logo que o branco era o comandante e um virou-se para mim.

 Banderra de Senegal amie de banderra de Portugal.

Disse isto com voz arrastada enquanto o outro abanava a cabeça de assentimento. Achei-lhes piada.

– 
Deixem-se de merdas! O que é que fazem aqui?

–  Nous avons des femmes amies au village.

Os sacanas até percebiam português. Ou não, se calhar apenas se apressaram com uma desculpa. Houve uma agitação e vi o Blétche e o Falcão de armas apontadas para a picada do lado da tabanca.

 Ninguém dispara!

Ao meu grito abaixaram as G3.

Um miúdo de sete ou oito anos arrastava apressadamente pela mão um velho. Vinham pela picada, depois de ter visto o grupo o miúdo tentava fugir.

 – Aguinaldo, vá lá buscá-los  – e disse aos outros para vigiarem os gendarmes.

A secção do Aguinaldo agarrou-os facilmente. Antes de chegarem, reparei que o velho era cego. O miúdo era o guia dele.
O velho, agitado, dizia algumas palavras que não entendia mas que me pareceram crioulo. Disse ao Otcha para saber o que andavam a fazer e para onde iam. O rapazito estava cheio de medo. O cego abria os olhos baços e franzia a boca receosa. Apercebera-se do mal invisível.

– Iam para uma tabanca aqui perto onde têm família. O velho é avô do rapaz e é cego.

Foi a informação do Otcha depois de falar com eles. A DO estava agora por cima de nós. O radiotelegrafista trouxe-me o “banana”.

 O que é que se passa aí em baixo, nosso alferes?

– Meu major, é um jipe com dois gendarmes do Senegal, apareceram aqui. Parece-me que é melhor irmos embora, já não dá para o que viemos fazer.

 
–  Eh, pá! Mande os gajos embora, e sem uma beliscadura. Não podemos arranjar problemas desses. Depois pode retirar.

Virei-me, depois, para os gendarmes.

– Allez-vous en! Levem o cego e o miúdo!

Ficaram encantados, nem se lhes notou qualquer contrariedade por não irem ter com as “femmes amies”. Elas lá estariam à espera para outra altura, certamente.

 
Agarrem nos dois e metam-nos no jipe  disse para os que cercavam o avô e o neto.

Quando os gendarmes partiram dei ordem de abandono da posição. Não era bom continuar ali pois tinha a certeza que eles iam avisar o PAIGC. Disse ao Bailo para ir por caminho mais fácil, não queria demorar muito com receio de sermos perseguidos. Metemos pela mata em direcção à Guiné e demos com uma tabanca. Estava abandonada, com alguns restos de moranças ainda, muito mato rasteiro, mas havia um grupo de bananeiras ao pé da mata. Devia ser Sarancototo, pelo que vira no mapa.

 
– Está ali uma mulher!  – gritou o Otcha.

Todos viraram a cara para lá. Ela tinha-os ouvido e virou também a cara para nós. Viu-nos e desatou a correr. Levava uma criança no bambaran, o pano para segurar as crianças às costas. Logo alguns levantaram a G3.

– Quietos!  – gritei saltando para a frente deles. – Fodo o primeiro que disparar! Clode, Falcão, vão atrás dela!

A morte de Abess nunca mais me saíra da cabeça e não queria outra situação idêntica.

Vi que o bambaran se soltara e a criança caíra no chão. A mulher virou-se angustiada a ver a criança a chorar mas olhou com terror para o Clode e o Falcão que corriam para ela e continuou a fugir internando-se na mata.

De repente o silvo de um rocket. Atiráramo-nos todos para o chão. O rocket rebentou perto das palmeiras.

– Clode, Falcão, tragam a criança! Todos para a mata!

O Clode corria com a criança nos braços. Começou o fogachal do lado do Senegal. Já abrigados na orla da clareira, disse para o Bailo:

– 
Estamos longe do alferes Salgado?

– Não tá, nossalfero. Tá perto à direita.

Mandei, depois, o furriel Fernandes ir com a secção dez metros para trás, recomendando-lhe que só disparassem morteiradas. O Lindolfo foi dez metros para a direita. Fiquei com o Aguinaldo Baldé, que tinha o Benhanté com a bazuca. Disse também a três homens da secção dele para irem dez metros para a esquerda. Era uma precaução porque tinha a ideia que eles podiam cercar-nos. Com a bazuca ali podia retê-los até decidir recuar.


– Polícias foram avisar os turras  – disse o Aguinaldo por entre as rajadas.

–  Claro.

 
– Devíamos ter matado eles.

–  E arranjávamos um trinta e um do caraças, era?.

As bazucadas do Benhanté e os dilagramas do Otcha mantinham-nos em respeito. Disse ao radiotelegrafista para ligar ao alferes Salgado. Quando o fez deu-me o “banana”.


–  Ó Salgado, estás a ver o que está a suceder?

–  Estou, pá, bem as oiço. Estou a ver que tens festa.

–  Tu daí podes dar-nos uma ajudinha. Nós estamos na tabanca que está à tua esquerda. Tens o mapa, faz os cálculos e manda-lhes umas morteiradas para a mata do lado do Senegal.

 
–  É, pá, eu já não estou no mesmo sítio. Vou a caminho do quartel.

 –  O quê!? Foda-se! Tínhamos combinado que ficavas lá à minha espera!

 –  É pá, vi que não estava lá a fazer nada.

– Vai pró caralho!  –  e desliguei.

O Aguinaldo, mesmo no meio do tiroteio, apercebera-se da conversa.

– O que foi, meu alferes?

– 
O alferes Salgado deixou-nos, foi-se embora.

– 
O alferes Salgado não é bom.

– 
É mas é um grande filho da puta  
– estava mais que furioso.

Passados mais uns minutos, disse ao Benhanté para mandar mais uma bazucada e ao Otcha um dilagrama e mandei recuar. Verifiquei que do lado esquerdo e do direito também o faziam. 

Enquanto isso o Fernandes continuava com as morteiradas. Quando nos juntámos todos ouvi a DO. Foi eu que ligou logo.

 
–  Estamos aqui com um problema, meu major.

–  Já sei. Estava na pista do quartel e ouvi. É o tal bigrupo?

–  Parece-me que não há nenhum bigrupo, meu major. Os que nos atacaram não têm esse poder de fogo, além de que não tiveram capacidade para uma manobra de envolvimento que nos lixasse.

- Podem não ter querido mostrar. Mas agora não interessa.

 Retire-se que eu vou pedir uns T6 para despejarem aí umas bujardas.

 
–  É ótimo, para ver se não vêm atrás de nós. Além disso podem dar cabo de umas plantações de arroz que eles têm na bolanha. Mas isso o meu major já sabe.

Uns segundos para engolir, como era hábito.

–  Toca a andar, homem. Eu vou para o quartel e falamos lá.

Não explodia facilmente, era verdade.

Não íamos muito longe quando os T6 apareceram. Despejaram umas tantas e foram-se embora. Mas deu para que os do PAIGC não nos fossem no encalço. Durante o caminho cheguei-me à secção do Fernandes, onde o Clode continuava com a criança ao colo.

 Nomi di bó? 
–  perguntei-lhe.

– 
 É badjudinha 
–  disse o Clode.

Ela não disse nada e chorou.

-
–  Tá bem, é rapariga. Ó Fernandes, que dia é hoje?

–  É dia 20 de Agosto, meu alferes.

–  Não. O dia da semana.

– 
 É terça-feira.

–  Então, como a miúda não quer ou não sabe ainda dizer o nome, vamos chamar-lhe Terça.

O pessoal ouviu, cochicharam entre eles e acharam piada. Era normal para eles, havia muitas Sábado e Segunda, conforme o dia da semana em que tinham nascido. Não era novidade. 

Quando  chegaram ao quartel, o primeiro que viu foi o Salgado. Foi o o primeiro proque era quem queria ver. Estva com o Rudolfo.  Dirigiu-se a ele, deG3 em riste.

–  Se me fazes aquilo outra vez, fodo-te o coiro! 

(...)

(Revisão / fixação de texto, título: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26089: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (14): assim nasceram os Jagudis, nome de guerra do meu grupo de combate, na CCAÇ 3 (Barro, 1968/69)

Guiné 61/74 - P26105: Parabéns a você (2323): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74)

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Nota do editor

Último post da série de 1 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26101: Parabéns a você (2322): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Operador Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhala, 1973/74)

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26104: Notas de leitura (1739): João Barreto, o que ainda falta saber da sua vida intelectual e científica (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Nunca imaginei que me iria dar a esta investigação sobre a vida e obra de João Barreto. O Dr. Google, sempre tão prazenteiro, fechou-me todas as portas, mas foi ali, depois de muita divagação, que cheguei ao Arquivo Histórico da Presidência da República onde, pasme-se, estava o nome de João Vicente Sant'Ana Barreto, que tivera uma proposta de condecoração para Cavaleiro da Ordem de Avis. Felizmente que havia um dossiê e nele fiz a primeira descoberta de que João Barreto fora promovido a tenente-médico em 1916 e enviado para Cabo Verde. Depois houve que folhear o Boletim Oficial da Colónia e descobrir a sua chegada, o seu estágio na cidade da Praia e os anos que passou na ilha do Fogo.Há ainda que vasculhar na imprensa cabo-verdiana da época se escreveu textos sobre a sua arte, a epidemiologia. No início de 1919 chega à Guiné, percorrerá vários lugares e localidades até assentar em Bolama e dirigir o laboratório central de análises do Hospital Civil e Militar, foi aí que começou a sua vida de autor, um cientista muito comunicativo, capaz de escrever artigos de divulgação, de comprovado rigor. Reformou-se por razões de saúde em outubro de 1931, vou agora começar à procura do que é que ele fez de 1932 a 1940, ano em que faleceu, com 52 anos.

Um abraço do
Mário



João Barreto, o que ainda falta saber da sua vida intelectual e científica

Mário Beja Santos

Quando apresentei na Sociedade de Geografia de Lisboa, no passado dia 10 de outubro, o meu estudo sobre João Barreto adverti quem me escutava que já sabia um pouco mais sobre a sua vida e obra, mas persistiam lacunas e um ambiente de nevoeiro à volta dos seus últimos anos de vida.

Permitam-me que vos conte os primórdios desta investigação. O editor e nosso confrade Daniel Gouveia telefonou-me um dia a perguntar se eu ia ao lançamento de um estudo sobre a História da Guiné de João Barreto, respondi que nada sabia, senti a curiosidade acicatada, perguntei-lhe a quem me devia dirigir, que eu contatasse a Casa de Goa, local do lançamento do trabalho. Dado o consentimento, lá fui para os lados de Alcântara, nem pressentia que iria conhecer um edifício em vias de demolição devido às obras do metro. Tocou-me a explanação do neto de João Barreto que só soubera da existência da História da Guiné há muito pouco tempo, adquirira um dos exemplares num alfarrabista que mandara fazer uma edição fac-similada para distribuir por familiares e amigos. Vi-me de repente instigado a perorar sobre o conteúdo da História da Guiné, aliás a única História até hoje existente, edição de 1938, obviamente a sofrer as rugas do tempo, poucos anos depois da edição de autor começavam os trabalhos de Vitorino Magalhães Godinho, Duarte Leite, Fontoura da Costa, Teixeira da Mota e Damião Peres, entre outros, que alteraram profundamente os conhecimentos sobre a nossa presença, o acervo literário, mexeram-se nos arquivos, sabe-se hoje muito mais, embora quem quer que se venha a acometer ao estudo da História da Guiné deverá futuramente que fazê-lo em equipa multidisciplinar envolvendo a Guiné-Bissau, Cabo Verde, Portugal, Senegal, Guiné Conacri, todos estes países deixaram rasto na chamada Senegâmbia.

Foi então que o neto de João Barreto, Aires Barreto me perguntou se eu tinha disponibilidade para investigar o que este médico epidemiologista, licenciado em 1913 na Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa, com altíssima classificação, fizera na Guiné e, se possível, qual a sua atividade em Portugal, depois de reformado. Aceitei o desafio e estou agora em condições de dizer que este médico nascido em Margão foi professor universitário em Nova Goa, aí apresentou, com recurso a moderníssimas técnicas de investigação, um estudo sobre a peste na Índia Portuguesa, fez estudos complementares em Lisboa, onde obteve boa classificação (área em que ainda há lacunas), foi nomeado tenente-médico para o Quadro de Saúde de Cabo Verde em Guiné, em junho de 1916, trabalhou em Cabo Verde de 1916 a início de 1919, na cidade da Praia e na ilha do Fogo, não se lhe conhece obra científica, a não ser os relatos mensais exigidos por lei sobre o estado da saúde pública na ilha onde passou tanto tempo. Na Guiné exerceu vários mistérios, em Bafatá, Cacheu, Farim, Bissau e Bolama. Enquanto delegado de saúde em Cacheu, foi louvado por ter coordenado com êxito uma campanha contra a peste. Dirigiu o laboratório central de análises de Bolama, encontram-se as suas apreciações em vários Boletins Oficiais da província da Guiné. Por volta de 1926 começa a publicar relatórios e artigos, é submetido a uma Junta de Saúde em 1931, e reformado.

Há passos da sua vida que me parecem inexplicáveis. O antigo governador da Guiné, Leite Magalhães, a quem prefacia a sua história e refere somente 12 anos de Guiné; em vários currículos também só se fala da sua presença na Guiné, parece que o autor pretendeu um manto de silencia sobre a sua estadia em Cabo Verde. Só conhecia uma fotografia dele, já na maturidade, era então para os seus familiares a única fotografia conhecida, veio publicada num conceituado jornal goês, Diário da Noite, no início de 1941, o seu falecimento (faleceu em Lisboa em 1 de dezembro de 1940, com 52 anos).

Há tempos, a bibliotecária da Biblioteca da Sociedade de Geografia trouxe uma história da Escola Médico-Cirúrgica de Goa sobre os seus vultos mais relevantes. Foi com enorme satisfação que encontrei um jovem médico, indumentado com bata profissional, já a enviei ao neto, que rejubilou. Prometo dar mais informações sobre o que se vier a descobrir quer quanto ao que se escreveu e não vier mencionado, e sobretudo, saber se este médico e investigador amador, difundiu nos anos que viveu em Lisboa entre 1932 a 1940, mais informações sobre a Guiné que seguramente muito amou – 12 anos ali não é amor impune.

A cidade de Bolama dos tempos de João Barreto
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Nota do editor

Último post da série de 28 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26088: Notas de leitura (1738): Quando se ensinava a literatura da Guiné-Bissau nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26103: S(C)em Comentários (50): "A malagueta no cu dos outros é refresco"... A propósito do A. Marques Lopes (1944-2024), e da comparação entre fulas e balantas (Cherno Baldé, Bissau)


Dr. Cherno Baldé,
em Bissau (2019),
colaborador permanente do nosso blogue
1. Comentários do Cherno Baldé ao poste P26089 (*)


(...) O Marques Lopes escreve: 

(...) "Gostava mais dos balantas. Eram pão pão, queijo queijo. Se gostavam, gostavam, se não gostavam, mostravam logo que não gostavam. Os fulas, está bem, estavam abertamente com a tropa, mas as suas falinhas mansas e de submissão deixavam-me muitas interrogaçóes sobre o que estaria no interior". (...)

Tem toda a razão,  o ex-alferes da martirizada CART 1690, na verdade são duas realidades diferentes, uma, a dos fulas, um povo originário do vale do Nilo, que atravessou o continente de ponta a ponta baseando-se na sua capacidade de resiliència, de adaptaçáo e integração social, habituado à a submissão ao poder hierárquico de reis, soberanos e sacerdotes de diferentes carizes e formas religiosas;  e a outra realidade, a dos balantas, que não existem em nenhum outro lado fora dos territórios da Senegàmbia (Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri) e que não reconhecem nenhum outro poder fora do seu próprio agregado familiar. 

De certeza que não seria de esperar que tivessem o mesmo comportamento sociocultural.

Todavia, não vejo muita diferençaa entre a forma de ser dos fulas e dos europeus ou asiáticos que, historicamente, são sociedades hierarquizadas e que foram longa e duradouramente submetidos ao "dikat" politico e religioso de índole variado, pelo que subsiste a mesma forma reservada e esquiva, prória de sociedades onde subsistiram classes de dominadores e dominados, em que as atitudes do tipo "pão pão, queijo-queijo" podem ser muito desvantagiosas,  quiçá perigosas.(...)




A.Marques Lopes (1944-2024)
Foto: LG (2015)

(...) O A. Marques Lopes era uma pessoa que eu admirava e apreciava muito, pela sua coragem (eu no seu lugar nunca voltaria ao teatro da guerra depois daquela história mal sucedida da mina com o seu comandante que, ingenuamente, queria dá-la como presente ao seu comandante de Batalhao). 

Uma vez confrontei-o com o conteúdo de alguns relat´POrios da sua companhia relativamente à traição e conluio com o IN das autoridades tradicionais e milicias (fulas) na área do destacamento de Cantacunda e Sare-Gana, que tinham sofrido ataques brutais com mortos, feridos e prisioneiros (retidos) de guerra entre 1966/68.

E o ex-alferes nÃo tinha dúvidas de que, entre algumas verdades e muita tristeza, havia sobretudo, alguma hipocrisia e mentiras para escamotear a verdade dos factos. E perante esses factos (de relatóRios falseados), também eles, os graduados da companhia,  se comportaram como os seus soldados fulas, pois ficaram nas falinhas mansas e com o bico fechado, para não levarem nas trombas, porque as suas vidas e o medo de sofrer represálias assim o justificava. 

Como se costuma dizer, "a malagueta no cu dos outros é refresco". Pelo que pude perceber, nas nossas conversas, era um bom homem, perspicaz e muito inteligente, um escritor com bastante bom humor. (...)

30 de outubro de 2024 às 11:32 

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG) (**)

Guiné 61/74 - P26102: Humor de caserna (80): Fui um felizardo: mandaram-me ir substituir uma enfermeira paraquedista e fazer uma evacuação no mato...Foi a primeira vez que peguei na G3, dei um tiro, para o ar...(António Reis, ex-1º cabo enf aux, HM 241, Bissau, 1966/68)



Capa do livro de  António Reis, "A minha jornada de África", 
1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, 111 pp. 




António Reis, hoje e ontem: ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes, V. N. Gaia, é membro da nossa Tabanca Grande, nº 882; é autor de dois livros de memórias da Guiné; tem página no Facebook.


Fotos (e legendas): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do seu pequeno livro de memórias, "A minha jornada em África" (2015, 111 pp.), tomamos a liberdade de reproduzir este pequeno apontamento, bem humorado, "A estrela da sorte": ele considera-se um felizardo porque só deu... um tiro e foi para o ar! (pag. 73).

Humor de caserna > A estrela da sorte

por António Reis

 Posso dizer que fui um felizardo. Enquanto que uns passaram parte do tempo fazendo fogo para dele não morrer, ou matando para sobreviver, eu apenas dei um tiro e foi para o ar.

Foi um sábado à tarde ou um domingo. Estava de serviço de escala,  quando recebo ordens para ir de helicóptero fazer a evacuação de um enfermo do mato para o hospital.

Quem desempenhava estas funções eram normalmente enfermeiras paraquedistas com o posto de tenente, mas que, por qualquer motivo, não podiam ir. E,  então, foi requisitado um do hospital. E que fosse armado. 

Eu fui o escalado.

Era a primeira vez que pegava na minha G3, que estava à cabeceira da cama com quatro cartucheiras. E, na iminência de a usar, havia que a experimentar. E experimentei-a, dando um tiro para o ar.

Entretanto deram-nos ordem em contrário e já não foi necessário ir ninguém do hospital.

No dia seguinte fui chamado para justificar o porquê de ter dado o tiro. Justifiquei-me . E ficou justificado.

(Revisão/ fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26066: Humor de caserna (79): O soldado que foge, apavorado, do bloco operatório ao ver "tantas tesouras e faquinhas"... (Maria Celeste Guerra, ex-alferes graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1962/65)

Guiné 61/74 - P26101: Parabéns a você (2322): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Operador Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhala, 1973/74)

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Nota do editor

Último post da série de 11 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26032: Parabéns a você (2321): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) e Patrício Ribeiro, Empresário na Guiné-Bissau, ex-Fuzileiro Naval (Angola, 1969/72)

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26100: (In)citações (267): Memorando sobre a Escola São Francisco de Assis, em Timor, entregue ao primeiro-ministro Xanana Gusmão através do embaixador Dionísio Babo Soares, representante do país nas Nações Unidas (João Crisóstomo)



Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  O João Crisóstomo com Xanana Gusmão:
 e "a expressão de surpresa deste por ver a Escola São Franciscoo de Assis em páginas do  blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné"…



Nova Iorque > 23 de setembro de 2024 >  O João Crisóstomo, à direita, com 3 timorenses, da esquerda para a direita: 
(i) Luís Guterres, embaixador de Timor Leste em Washington;  (ii) Dionísio Babo Soares, embaixador de Timor nas Nações Unidas;  e (iii) uma senhora, possivelmente a ministra da educação do govermo de Xanana Gusmão


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2024). Todos os direitos reservados 
[Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Crisóstomo, um "advogado de causas 
justas e solidárias"


1. Mensagem de João Crisóstomo, com data de 4 do corrente, dando conta aos amigos de Timor da correspondência trocada com o embaixador timorense nas Nações Unidas, Dionísio Bobo Soares, depois do encontro que teve em Nova Iorque, em 23 de setembro último,com o primeiro-ministro Xanana Gusmão.

Sabemos que o embaixador Dionísio Babo Soares já encaminhou para o seu governo o memorando, feito pelo João Crisóstomo, na sua qualidade de sócio da ASTIL,  sobre a ESFA - Escola São Francisco de Assis. Fazemos votos para que estas diligências tinham um fim feliz, por mor das crianças de Liquiçá, Manatti / Boebau.


(i) Senhor Embaixador Dionísio Babo Soares, Representante de Timor Leste nas Nações Unidas Nova Iorque, 4 de Outubro de 2024

Creio que os dias de grande azáfama nas Nações Unidas devem ter passado ou pelo menos estarão agora reduzidos a programas menos prementes que lhe permitam já um pouco de merecido descanso. Por isso permito-me enviar o que segue, conforme acordado por Vossa Excelência depois do encontro com o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão.

Minha esposa Vilma associa-se a mim na certeza da nossa amizade e apreço pela sua atenção e os nossos respeitosos cumprimentos.

João Crisóstomo


(ii) Ex.mo Senhor Embaixador Dionísio Babo Soares

Mais uma vez o meu "Muito muito Obrigado" pela oportunidade e convite que nos permitiu encontramo-nos de novo no dia 23 de setembro, o que me permitiu ainda o encontrar-me com Sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão (*), Embaixador Luís Guterres, Senhora Elisabeth Exposto e tantos outros que fizeram desta ocasião um dia extraordinário.

Como sabe,  aproveitei a ocasião, e em boa hora o fiz, para pedir a sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro Xanana Gusmão o favor da sua ajuda para a escola S. Francisco de Assis (por coincidiência hoje, dia 4 de outubro, é o dia de S. Francisco de Assis na Igreja Católica).

Conforme instruções do senhor Primeiro-Ministro, junto uma sinopse do que julgo ser o que Sua Excelência tinha em mente nas instruções que me deu:
 
  • A Escola S. Francisco de Assis é uma escola construida em 2017 nas montanhas de Liquiçá por iniciativa de alguns amigos de Timor Leste em Portugal e Estados Unidos, que para isso fundaram uma organização de solidariedade, a ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste ). 
  • Esta escola foi inaugurada a 19 de Março de 2018.
  • A "Escola S. Francisco de Assis, Paz e Bem” está localizada no Município de Liquiçá, Suco de Leotalá, povoação de Boebau e lugar de Manati.
  • A Escola S. Francisco de Assis está integrada na rede escolar do Ministério de Educação de Timor Leste com o número 36. 
  • O seu objectivo é providenciar às crianças de Manati /Boebau que por razões de distância e outras não têm acesso a escolas, os programas escolares instituídos pelo ministério de Educação de Timor Leste para os graus pré-escolar e ensino básico.
  • A Escola preocupa-se em formar os seus alunos no quadro dos valores universais e da cultura timorense, com especial ênfase para o ensino da língua e cultura portuguesa com  destaque para a música.
  • Quando em plenbo funcionamento a escola tem capacidade para 180 alunos, contabilizados nos dois períodos matinal e vespertinos.
  • Dadas as limitações e dificuldades ainda existentes a escola desde a sua inauguração tem funcionado e providenciado cada ano ensino apenas para 80 a 85 alunos.

Todos os encargos e despesas de construção, manutenção, ensino e outros relacionados têm até ao momento sido suportados essencialmente pelos membros da ASTIL e amigos.

A ASTIL tem neste momento 85 sócios. Deve-se a esta o seguinte :

(i) Construção da "Escola S. Francisco de Assis, Paz e Bem”, localizada no Município de Liquiçá, Suco de Leotalá, povoação de Boebau e lugar de Manati.

(ii) Construção de uma casa/residência, T3, para uso dos professores.

(iii) Construção de uma cozinha. (Esta porém como está é pequena demais e precisa de ser remodelada para maior eficiência.)

(iv) Um muro, que neste momento está ainda em vias de construção para proteção da escola e dos alunos

(v) Fornecimento de todo o equipamento escolar incluindo todo o mobiliário.

(vi) Fornecimento de formação gratuita , em média de 84 alunos, do ensino pré-escolar e ensino básico.

(vi) Pagamento das compensações, até ao momento a três professoras e um responsável de manutenção da escola. O seu bom funcionamento porém é mais devido ao sentido de solidariedade do que pelos benefícios derivados por emprego.

(vii) Os uniformes ( fardamento) e materiais escolares têm sido totalmente gratuitos.

À ASTIL se deve ainda :

(viii) A construção de uma casa /residência T3 para um antigo comandante de guerrilha em Ailok-Laram, já falecido em 2021,  que tinha uma grande família, mas que vivia em grandes dificuldades.

(ix) O fornecimento de ajuda a crianças pobres através dum programa de apadrinhamento criado pela ASTIL. Neste momento 41 crianças são ajudadas por membros da ASTIL, famílias portuguesas ou de origem portuguesa a residir no estrangeiro, nomeadamente nos Estados Unidos.

(x) Ajuda a dois jovens universitários, um de Liquiçá , que se licenciou em Gestão na Indonésia, e uma jovem, também de Boebau, que, graças também à ajuda da UNPAZ, se licenciou em Relações internacionais. Esta jovem é agora uma das professoras nesta escola S. Francisco de Assis.

A presente situação desta escola, mesmo nas condições presentes,  não é sustentável indeterminadamente. Temos feito vários contactos, nomeadamente com o Senhor Dr. Roger Soares, coordenador das escolas CAFE de Timor Leste.

A "Escola S. Francisco de Assis Paz e Bem “ para que possa continuar a funcionar precisa agora da ajuda das entidades oficiais de Timor Leste, especialmente na concessão de professores acreditados, para que possa funcionar e providenciar o ensino e ajuda a estas crianças.

O mentor e motor principal desta escola é o professor Rui Chamusco , cujos contactos são  (...).

Se achar que precisa de mais algo por favor não hesite em me contactar ou diretamente ao professor Rui Chamusco. 

João Crisóstomo (**)

(Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG)
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Notas do editor

(*) Vd.poste de 24 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26072: (In)citações (266): Será que é desta ?... Se Xanana Gusmão não vai à nossa Escola nas montanhas de Liquiçá, a nossa Escola vai ter com ele em... Nova Iorque (João Crisóstomo)

(**) Último poste da série > 26 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26082: (In)citações (267): Não às armas nucleares e às mudanças climáticas: carta do Papa Francisco e o testemunho dos Hibakusha (os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki), cuja organização, a Nihon Hidankyo, acaba de receber o Nobel da Paz de 2024 (João Crisóstomo, Nova Iorque)

Guiné 61/74 - P26099: Roteiro dos museus e outros lugares de memória e cultura, abertos (ou a abrir) ao "antigo combatente" (2): Museu da Marinha, Fragata Dom Fernando,. Submarinbo Barracuda, Planetário e Aquário Vasco da Gama... Vale a pena, mas é tudo "a pagantes"


Lisboa > Mosteiro dos Jerónimos > 
Ala oeste, com as duas torres neomanuelinas >
Entrada do Museu da Marinha.
Foto de Felix Koenig (2014)
Fonte: Adapt. de
Wikimedia Commons

1. Continuando a nossa viagem pelo roteiro dos museus e monumentos nacionais... a que têm acesso (gratuito) os antigos combatentes, bem como de outros museu, regionais, municipais e particulares a que queremos ver também reconhecido o nosso direito de visita...


Abrimos aqui, no passado dia 10, uma campanha de informação e sensibilização para que o nosso benefício (social) se alargue também, pelo menos (e para já), aos museus municipais, sociais e privados... (e mais tarde, aos monumentos) (*).
 
Vamos procurar, com a ajuda dos nossos leitores,  identificá-los e ajudar a "sensibilizar" os proprietários e gestores desses museus e núcleos museológicos (autarquias, misericórdias, Igreja, etc.) para o seu interesse também em estender aos antigos combatentes o acesso gratuito. 

Se ainda somos 400 mil (*), com as nossas famílias, facilmente ultraprassamos o milhão de potenciais visitantes...mesmo com a idade a pesar e a perda quer de mobilidade quer de poder de compra,  fatores que não nos deixa viajar para muito longe.

Teríamos que incluir nesse número (com direito a cartão de antigo combatente) a diáspora lusófona, os nossos camaradas do continente e "ilhas adjacentes" (Açores e Madeira) que deixaram a "Pátria ingrata" e foram para o Brasil, a Venezuela, os EUA, o Canadá, a França, a Alemanha, o Luxemburgo, a Suiça, o Reino Unido, a Austrália, a África do Sul, e por aí fora... 

Infelizmente, uma parte deles perdeu o contato com as suas raízes... Agora, reformados, muitos regressam, nem que seja por uns meses,  e precisa de (re)conhecer (e reconcilioar-se com) o país onde nasceram e lutaram...

2. Ora apontem mais um à vossa lista (mais um ou mais quatro):




É tudo gerido (o museu e od demais equipamentos culturais) pela Comissão Cultural da Marinha, tutelada pela Direção Cultural da Marinha, a quem compete:

(i) contribuír ativamente para o desenvolvimento da vertente cultural da Marinha;

(ii) constitui um fator de prestígio e de marcante afirmação de identidade da Marinha.

(...) "A par da sua componente operacional, a Marinha detém uma diversificada e rica área Cultural, fruto de uma história secular que se confunde com a própria identidade do país.

(...) "A Direção Cultural da Marinha tem um papel de primeira instância na abertura à sociedade, no sentido da conservação, valorização e divulgação do património Cultural, histórico e artístico da Marinha, e com esse objetivo tem vindo a desenvolver, com êxito, uma série de novas iniciativas e projetos." (...)

Ver aqui o mapa do sítio. São 4 equipamentos culturais, com destaque para o Museu da Marinha.  É uma visita que vale a pena.

(...) O Museu ocupa uma área total de cerca de 50 mil metros quadrados, dedicando 16.050 metros quadrados à exposição permanente. O espólio é constituído por mais de 20.000 peças museológicas, estando expostas apenas seis mil.

O acervo do museu é constituído por modelos de Galés, embarcações fluviais e costeiras e navios desde os Descobrimentos até ao século XIX.

Também possui uma vasta colecção de armas e fardamentos, instrumentos de navegação e cartas marítimas.

O Museu inclui um centro de documentação com 14.500 obras, um arquivo de imagem, que reúne, aproximadamente, 120 mil imagens, e um arquivo de desenhos e planos com mais de 1.500 documentos de navios portugueses antigos.(...) (Fonte: Wikipedia).


3. Mas  é tudo a "pagantes" ... Não há borlas para os antigos combatentes... Nem para os marinheiros aventureiros que andaram a chafurdar nos tarrafos, rias, rios, braços de mar e bolanhas da Guiné ?!... 

Posso ter visto mal, mas acho que não, que não há borlas... Para ver tudo, o preço completo para um "sénior" (+ 65), como eu, seria de 20,5 euros (se não fiz mal as contas; em alterantiva, pode-se comprar o passe CulturaMAR, por 11 euros).
 
Segundo o sítio oficial,   que consultámos, o Passe CulturaMAR é um bilhete conjunto, com validade de 4 meses,  para uma entrada em:

  • Aquário Vasco da Gama, 
  • Núcleo Museológico Fragata D. Fernando II e Glória (Fragata e Submarino Barracuda), 
  • Museu de Marinha 
  • Planetário de Marinha, 
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Guiné 61/74 - P26098: Lembrete (48): Biblioteca Municipal de Gondomar, sábado, dia 9 de novembro de 2024, lançamento do livro "Crónicas de Paz e Guerra" (2014, 221 pp.; posfácio de Mário Beja Santos)







1. Recorde-.se que é já no já no próximo dia 9 de novembro, sábado, pelas 15 horas, que se vai realizar, na Biblioteca Municipal de Gondomar,  a apresentação pública do meu livro, com posfácio do camarada Mário Beja Santos~(*). 

A apresentação está acargo do dr.  Manuel Maria. Todos os meus amiogos e camaradas estão convidados (**).  

Edição: Lugar da Palavra Editora, Rua Guedes de Oliveira, 126, 4435-274 RIO TINTO | www.lugardapalavra.pt | editora@lugardapalavra.pt | telef  22 099 4591 / 91 54 16141 | Depósito legal nº 535279/24 | ISBN : 978-989-731-215-1C) | 1ª edição: setembro de 2024


CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA

O SOLDADO

Nas sortes não se safou,
já homem bebeu e fumou,
em braços em casa entrou,
aa farda não se livrou.

A sorte Guiné ditou,
estúpida guerra enfrentou,
três gritos por quem lá ficou,
pelo povo se emocionou.



Posfácio 

Por considerar humanamente relevante

por Mário Beja Santos (pp. 219-221)


Quando Joaquim Costa e a sua unidade de intervenção, a briosa CCAV 8351, chegam à região de Tombali, no Sul da Guiné, decorriam modificações na manobra do Comando-Chefe, general António de Spínola, e já num quadro político-militar altamente inquietante, de profundo desalento. 

Para se entender as atividades impostas a esta unidade militar, inicialmente sedeada em Aldeia Formosa, a de reocupar posições na região do Cantanhez, onde o PAIGC circulava bastante à vontade, há que refletir sobre o que se estava a passar tanto do lado português como no pensamento estratégico de Amílcar Cabral.

Em 1972, Spínola já não tem ilusões sobre a vitória militar, disse-o frontalmente no final do ano anterior no Conselho Superior da Defesa Nacional, a situação é crítica, carece de mais recursos humanos e de novos armamentos para retomar a iniciativa, o Governo de Lisboa nada tem para oferecer. 

Na cena internacional, acentuava-se o isolamento português, a Operação Mar Verde gerou fortes anticorpos, inclusive junto de aliados tradicionais de Lisboa, levara a que a Marinha soviética estacionasse na República da Guiné. Spínola encontrou-se com Senghor, encontro amistoso, o presidente senegalês faz propostas, Spínola vem a Lisboa revelá-las, Marcello Caetano recusa categoricamente negociações, em caso extremo prefere a derrota militar. 

Do lado do PAIGC, avança-se a todo o vapor para eleições para uma assembleia popular que diga sim a uma declaração unilateral de independência e à aprovação de uma constituição do novo país, peças que o líder do PAIGC considera fundamentais para angariar apoios na ONU, na Organização da Unidade Africana, junto dos países amigos, sobretudo do bloco liderado por Moscovo. 

É nesse contexto que Spínola decide uma mudança na quadrícula, escolhe a região do Cantanhez, onde não há tropas portuguesas em permanência, e muito menos populações afetas à soberania portuguesa; envolve o Exército, a Marinha e a Força Aérea, inevitavelmente as forças especiais – a Operação Grande Empresa é posta em marcha, Joaquim Costa e a tropa comandada pelo capitão Vasco da Gama vão subir o rio Cumbijã, fundar aqui um aquartelamento e procurar outro, de nome Nhacobá, onde o PAIGC tem sustento em arroz, tudo isto muito próximo do chamado corredor de Guileje, uma linha absolutamente vital para a circulação de homens, mantimentos e armamentos do Exército do PAIGC e suas populações. 

A Grande Empresa é uma iniciativa militar arrojadíssima, é dela que Joaquim Costa irá falar.

Mas o seu livro de memórias não se confina ao que ele viveu no Tombali, tem um muito antes, o seu meio familiar, a cultura que o embebeu e de que se orgulha, os usos e costumes do seu lugar, a religiosidade, todo aquele ambiente em que ainda era impensável falar-se na sociedade de consumo, naquela atmosfera havia baldios, mercearias e tabernas e viagens extenuantes até ao local de trabalho, como ele testemunha. 

E os preparativos para a guerra, para ser furriel percorreu Caldas da Rainha, Tavira, andou em recrutas em Chaves, especializou-se em Estremoz, juntou-se à sua unidade militar em Portalegre, daqui marchou para a Guiné, Cumbijã é o destino e Nhacobá é também outra lembrança para toda a vida.

Até esta narrativa do livro de memórias, estou absolutamente seguro de que o leitor ficará cativado pela ternura que emana destas recordações do pai José, da mãe Gracinda, do elenco dos manos, dos acontecimentos do quotidiano, tudo numa aldeia onde o Minho acaba e o Douro começa, vida dura, aliviada por feiras e romarias e o embasbacamento da descoberta do cinema e também da televisão.

O autor, também conhecido por o Furriel Pequenina, falará da guerra sem alardes de heroísmo ou farroncas de que andou de peito feito às balas. Em dado passo começará um parágrafo por dizer “Por considerar humanamente relevante”, considerei a expressão um achado de tudo quanto escreveu quer na primeira edição quer na segunda. 

Fez bem em enxugar a prosa, a literatura da guerra colonial tem centenas de relatos sobre as viagens da ida, o contacto com a temperatura tropical, a má comida, aos poucos a descoberta de África, as minas e emboscadas, a profunda solidão, a chegada do correio, os mortos e os feridos, lembrança irreprimível, uma dor nem sempre discretamente contida.

Lá foram numa LDG até Buba, daqui até Aldeia Formosa. Nada de excessos no batismo de fogo, mas muita ênfase será dada às minas, as anticarro e as antipessoal. E depois do Natal em Aldeia Formosa chega a hora de partir para Cumbijã, uma terra de ninguém, um posto abandonado, também aqui se vai reocupar um lugar do Cantanhez.

E assim nasce Cumbijã, confesso que me emociona imenso as imagens daqueles tijolos amassados, vivi peripécia semelhante noutras paragens da Guiné, mais propriamente no regulado do Cuor, no Centro-Leste, uma flagelação brutal reduziu a cinzas dois terços das moranças e assentos militares, tivemos de fazer algo análogo ao que o autor descreve, Cumbijã a sair do nada e com flagelações de canhão sem recuo bastante frequentes. 
E é muito bonito saber que o forno deixado em Cumbijã ainda hoje coze pão para toda a região. 

E segue-se uma descrição sumária da Operação Balanço Final, o assalto a Nhacobá, só que, depois de muita peripécia, os Altos-Comandos decidem o seu abandono. 

Estava a fazer esta leitura e assaltou-me à mente a recordação de um outro acontecimento militar análogo, que se passou em 1968, também perto do corredor de Guileje, ao tempo do governador Schulz foi determinado construir um género de fortim que ficou conhecido pelo nome de Octógono de Gandembel, deu para muito sofrer e muito morrer, a explicação que Spínola deu para o seu abandono é que não havia população para defender (no melhor pano cai a nódoa: também não havia população a defender nestes aldeamentos por onde andou Joaquim Costa, era tudo estratégia, uma tentativa de intimidação do PAIGC, um jogo do gato e do rato).

A Grande Empresa será um assunto arrumado pelos acontecimentos de 1973, nomeadamente com a Operação Amílcar Cabral, que levou à retirada de Guileje e aos terríveis acontecimentos de Guidaje e Gadamael. Tanto sofrimento para nada.

Se já houve o antes e o durante a guerra, temos o depois, as histórias do regresso, a vida de professor depois de acabar o curso, um saltitar por Santo Tirso, Portalegre, Santarém e muito mais, um encanto de memórias avulsas, mas aonde a questão central foi o que se viveu e como se fez homem naqueles pontos do Tombali, no aceso de uma temível guerra de guerrilhas, onde aquele jovem vindo de uma aldeia entre o Minho e o Douro aprendeu que há uma camaradagem que ficará para toda a vida.

Um abraço fraterno a este contador de histórias, um narrador de afetos, exímio no que deve ser o nosso dever de memória.

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