Pesquisar neste blogue

terça-feira, 29 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26741: Notas de leitura (1793): Um Trajeto de Vida, por Rui Sérgio; 5 Livros, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Há um bom par de anos, ao fazer determinada recensão, deplorei a imensidade de gralhas, no mínimo três por página, e ainda por cima a história era um tanto mirabolante e com dados etnográficos e etnológicos longe da verosimilhança. Caiu-me o Carmo e a Trindade, não se devem fazer reparos tais em ambiente de camaradagem, como se o trabalho da recensão fosse obra de amiguismos, nada de pôr a má literatura pelas ruas da amargura, havia que dourar a pílula. 

Aprendi com a lição, e com estes dois livros do Dr. Rui Sérgio o que posso dizer é que me surpreendeu que no meu tempo (1968/1970) ia-se a Galomaro de jipe entregar coisas e seguia-se para Bafatá para levantar o correio, era uma estopada, mas era tudo tomado como o recreio; a retirada de Madina do Boé deu imensa força ao PAIGC, e toda aquela região do Cossé, Badora e Duas Fontes tornou-se um vespeiro, a guerrilha atravessou o Corubal, inevitavelmente houve que fazer um forte investimento militar, Galomaro passou a ser sede de um batalhão, formaram-se pelotões de milícias para evitar mais desastres, a guerrilha destruía as tabancas Fulas. 

Nesse sentido, revela-se muito útil ver estas imagens que Rui Sérgio dá à estampa a propósito da sua estadia em Galomaro. Quanto a um trajeto de vida, limito-me a contar a história, não falo em nenhum pesadelo de gralhas nem na linguagem grosseira usada com os oficiais do quadro permanente que estiveram na Guiné.

Um abraço do
Mário



Rui Sérgio, médico em Galomaro, romancista com memórias guineenses

Mário Beja Santos

Graças ao apoio que me é dado pela Biblioteca da Liga dos Combatentes em Lisboa, tive acesso a duas obras de Rui Sérgio [foto à direita], aviso que há mais livros, todos eles publicados pela 5 Livros, no Porto. 

Começando por o livro mais recente, editado no início de 2023, ficamos a saber que este alferes miliciano médico estacionou sobretudo em Galomaro, então denominado setor L5, apoiou o BCAÇ 3872 e o BCAÇ 4518. 

A obra é fundamentalmente um álbum fotográfico, o autor não deixa de aludir à africanização da guerra, era no seu posto médico que se preparavam as unidades africanas para aprenderem a prestar os primeiros socorros. “Tinham todos de saber fazer um penso oclusivo, uma ligadura ou penso compressivo, um torniquete, um membro superior ou inferior, para impedir a sangria por feridas perfurantes, uma manápula, uma imobilização da tibiotársica. Saber injetar intramuscularmente substâncias farmacêuticas.” 

Seguem-se imagens associadas à reconstrução de aldeias, à atividade dos pelotões milícias na região de Galomaro, curso de primeiros socorros; e depois um conjunto apreciável de instantâneos sobre gente com quem Rui Sérgio conviveu, sobre a vida do quotidiano em Galomaro, imagens de lavadeiras, colunas de abastecimento, bem como imagens isoladas de Bagancia-Duas Fontes, Cancolim, Saltinho, Xitole e Dulombi.

O romance Um Trajeto de Vida foi publicado em finais de 2021, vamos ficar a saber que há um jovem que aos 24 anos tirou o seu curso superior de Medicina na Universidade do Porto com altas classificações, o autor dá-nos o retrato do Dr. Penedo Couto: 

“Nem gordo, nem magro, nem alto nem baixo, bem parecido, encafuado numas calças boca-de-sino, com um blazer de cor azul marinho de botões dourados e de trespasse sobre a camisa de riscas, com colarinho de bicos, com nó de gravata monocromática azul petróleo, envolvendo um pescoço de colo curto, segurando uma cabeça de testa alta, rosto redondo de lábios rasgados e mordisqueiros, com olhos castanhos-vivos e brilhantes a encimar uma face bem escanhoada, dividida por um nariz bem centrado de perfil helénico que confere uma harmonia estética que dá nas vistas.” 

Chama-se Rodrigo. É-nos apresentada a família, de posses, há motorista e há Jaguar, a criada de quartos é doida por este menino, ele tem uma irmã. O pai trabalha numa import-export. Há viagens, a gastronomia é farta e variada. Rodrigo irá conhecer Soraia Cruz, aluna das Belas Artes do Porto, seguem-se amores arrebatados em Paris, tiro e queda, há uma passeata por Londres, regresso a Paris, confirma-se uma atração sem limites, já estão no Porto, embora venham de famílias nitidamente conservadoras, resolvem viver juntos, a menina está grávida, o Rodrigo tem um internato exigente, nasce uma filha daquela paixão assolapada, a Bruna, em 10 de junho de 1971.

No Natal o Rodrigo recebe a convocatória para o serviço militar, soldado-cadete em Mafra, Rodrigo aproveita para dizer que Portugal era governado na altura em que começou a guerra por um líder de grande craveira e com um jogo de cintura e maleabilidade a todos os títulos invejáveis. Portugal era respeitado em qualquer parte do mundo e a nossa moeda muito apreciada. 

Finda a recruta fez a especialidade no Hospital da Estrela e na Escola de Saúde Militar em Lisboa. Numa tentativa pedagógica, com a preocupação de inserir o leitor sobre as doenças tropicais, vai falar-nos da Guiné e do centro de deteção de doenças parasitárias, segue de avião para Bissau, abre-se a porta do avião e é um calor de estufa, apresenta-se ao chefe de serviço de saúde civil. Ficamos a saber qual a atividade deste alferes miliciano médico. 

“O meu trabalho consistia em pesquisar em lâminas, da picada de sangue de militares, a maioria de regresso à metrópole, de manifestações palúdicas no cumprimento do serviço militar obrigatório.”

Fala-nos da cidade, não faltarão as comezainas, muitas ostras, militares por toda a parte. E o Rodrigo cheio de saudades da Soraia e da Bruna, dos pais, da irmã, das tias e dos amigos. Procura esclarecer-se sobre aquela guerra, diz ele orquestrada por países de Leste, Cuba e também pela Suécia. 

Rodrigo arranjou habitação, Binta fazia a limpeza da casa, iremos saber que se tinha perdido de amores por um soldado metropolitano, o João Madeira morreu mas deixou a Binta grávida. Havia um jardineiro, o Braima, e passou a ser importante na vida do Rodrigo o Joãozinho, o filho da Binta. Habituou-se às chuvas tropicais, à praga de gafanhotos, à multiplicidade de cores, cheiros e pregões.

O chefe dos serviços de saúde civil apresentou ao general Spínola o plano de deteção de doenças tropicais a quatro batalhões de regresso à metrópole, havia que ir a Teixeira Pinto, Bolama, Bambadinca e Nova Lamego, as primeiras correram muito bem, seguiram do Xime para Bambadinca e a 30 km de Nova Lamego houve emboscada. 

Enquanto faz o seu trabalho no Leste, Rodrigo cogita sobre as crueldades e os horrores da guerra, como é que é possível haver gente a instigar as guerras, como é que ele podia acreditar em gente cuja ideologia era fomentar guerras? As ideologias marxistas eram as principais fomentadoras da guerrilha, chineses, checos e russos fomentavam todo o tipo de atrocidades, os outros países não reagiam, havia muita gente interessada em vir comer os despojos. 

E regressa a Bissau, a Soraia vem visitar o seu apaixonado, o pai de Rodrigo também vem, seguem-se as preocupações de regularizar a situação do Joãozinho, legalizou-se a Binta Camará, o passo seguinte seria o pedido da pensão de sangue para o Joãozinho. Depois o casal e o pai de Rodrigo viajaram até aos Bijagós, o médico ia fazer a sua itinerância de saúde civil a Bubaque, foram umas férias deliciosas, mais comezaina com ostras fresquíssimas, presunto fatiado, não falta farinheira de Arganil e linguiça.

A guerra recrudescia, chegaram os mísseis terra-ar, surgiu a guerrilha urbana, isto é, estoirou uma bomba na esplanada de um restaurante em Bissau. Começaram os planos para levar a Binta Camará e o Joãozinho para a metrópole. Entretanto, estava em formação o Movimento dos Capitães, o autor fala numa tremenda rivalidade entre os milicianos que iriam fazer parte de um quadro especial de oficiais e os meninos da Academia, onde não faltavam os oficiais do ar condicionado, são tratados por cagarolas e traidores ao juramento que tinham feito para com a pátria. O autor informa que em Bissau se liam capítulos de um livro que o general Spínola tinha em preparação, onde se preconizava uma saída política para acabar com a guerra.

A família de Rodrigo regressa a Lisboa, o pai de Rodrigo viaja até à Madeira para falar com os pais do falecido João Madeira e dá-lhes a saber que há um neto e há a Binta Camará, mais comezaina, o casal madeirense houve a história com os olhos marejados de lágrimas, depois sentam-se todos à mesa e temos a lista do ágape: espetada de vitela em pau de louro, acompanhada de batata-doce e rodelas de ananás e banana frita, depois doce de maracujá e tudo regado com vinho maduro tinto do Douro.

A guerra toma nova dimensão, agudiza-se com os acontecimentos de Guidaje, Guileje e Gadamael. Na varanda da casa de Rodrigo discute-se o futuro da Guiné, ficamos a saber que os meninos da Academia Militar eram na sua maioria uns esquerdalhos. Rodrigo vem de férias em Agosto de 1973, os oficiais do quadro permanente já estão a movimentar-se, Soraia está novamente grávida, Rodrigo, em Bissau, fica a saber que Mariama, a substituta de Binta, gosta de Braima e Braima gosta de Mariama, haverá um final feliz para esta história. 

Rodrigo volta a fazer uma itinerância militar em Bafatá a fim de rastrear um batalhão que regressava à metrópole. Depois a vida volta ao normal e na varanda da casa dele discute-se o futuro da Guiné com outros personagens. O Rodrigo vai ser evacuado com uma hepatite. Virá o 25 de Abril, Rodrigo e família não se entendem com aquela revolução e toma-se a decisão de Rodrigo se ir especializar m oncologia hematológica e transplantes medulares num hospital parisiense.

E finda aqui a história.


Rápidos de Cusselinta, rio Corubal
O posto médico de Galomaro
Uma coluna de abastecimento ao Xitole
O médico Rui Sérgio no seu quarto em Galomaro

Cinco imagens tiradas do livro Para memória futura, Guiné 1973-1974, 2023
_____________

Nota do editor

Último post da série de 25 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26726: Notas de leitura (1792): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: As turbulentas duas primeiras décadas na Guiné, ainda é difícil falar dela como colónia (6) – 2 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26740: Parabéns a você (2370): Giselda Pessoa, ex-Sargento Grad Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1972/74)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 27 de Abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26734: Parabéns a você (2369): Belmiro Tavares, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66); Cor Inf DFA Ref, Hugo Guerra, ex-Alf Mil Inf, CMDT dos Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) e Joaquim Costa, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAV 8351/72 (Cumbijã, 1972/74)

Guiné 61/74 - P26739: No 25 de Abril eu estava em... (38): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte III




Carlos Filipe Gonçalves: (i) nasceu  em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente; (ii)  foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; (iii) radialista, jornalista, historiógtrafo da música  da sua terra,  e escritor, vive na Praia, Cabo Verde; (iv) é membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, sentando-se à sombra do  nosso poilão, no lugar  nº 790; (v) tem 16 referências no nosso blogue; (vi) figura conhecida do meio musical, jornalístico e da rádio (ver aqui a sua entrada na Wikipédia), é  também amigo do nosso camarada Manuel Amante da Rosa, e seu contemporâneo no QG/CTIG).

A sua apresentação no Facebook:

(i) Trabalhou como 
Directeur général na empresa Multimedia SARL - Radio Comercial;

(ii) Trabalhou como chefe de programação na empresa Radio Nacional de Cabo Verde;

(iii) Trabalhou como chefe de programação na empresa Radio Difusão Nacional da Guiné-Bissau;

(iv) Trabalhou como Encarregado Discoteca, Operador Som na empresa Radio Barlavento

(v) Andou na escola Liceu Gil Eanes (Mindelo);

(vi) Estudou Radio em INA - Institut National de L'Audiovisuel - Paris - France

(vii) Vive em Praia (Cabo Verde);

(viii) Natural de Mindelo;

(ix) Casado com Ana Gonçalves


1. Continuação do seu depoimento,sobre o 25 de Abril em Bissau (*), disponível na 
sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque)  e também na página do Facebook da Tabanca Grande.

 No 25 de Abril eu estava em... (38): Em  Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte III


por Carlos Filipe Gonçalves, 
ex-fur mil amanuense 
(natural do Mindelo, 
vive hoje na Praia, Cabo Verde)


Sou um humilde militar que esteve na Guiné entre 1973/1975. Um cabo-verdiano, jornalista que resolveu fazer uma reportagem do que por lá se passou, para a gente das Ilhas. Por isso, devem ter notado os leitores que eu apenas sou um repórter que descreve, ouve amigos, camaradas da vida militar e consulta documentos para certificar os depoimentos. Um trabalhão! Por isso transcrevo antes este extracto de uma Nota de Alerta ao leitor: 

Quando decidi escrever este livro deparei-me com o grande desafio: como contar as vivências em Bissau, 1973 a 1975? Escolhi fazer uma grande «reportagem» contada por um «militar» (que sou eu), através dele, o leitor vai conhecer os quarteis e a vida militar, a cidade de Bissau, como ali se vivia e descobrir uma sociedade «crioula» que por lá existiu! 

Sobretudo o leitor irá viver o ambiente e acontecimentos marcantes que ocorreram, no último ano de uma cidade cercada pela guerra. Segue então mais um texto, que espero tenha interesse:
 
No dia 27 de Abril de 1974 de manhã, há um levantamento popular no centro de Bissau! São enviadas tropas, há um helicóptero no ar a patrulhar, à noite foi decretado o recolher obrigatório! Mamadu Lamarana Bari Manuel, um civil residente em Bissau, recorda, “no dia 28 foi fundada provisoriamente a Comissão de Juventude para Unidade e Progresso (CJUP) (…). Tinha esse movimento o objectivo de acalmar a população, porque houve tentativas de saques na feira da praça e no comércio da cidade baixa”. 

Mamadu Lamarana Bari Manuel lembra ainda que depois aconteceu a libertação dos presos políticos, entre eles, o “ídolo da juventude e da música genuína guineense, José Carlos Schwarz e, posteriormente, os presos da colónia penal Djiu di Galinha”.

 No dia da libertação dos presos realizou-se em Bissau um grande comício, cujas intervenções ouvi na rádio. O tenente-coronel Jorge Sales Golias, na intervenção referida anteriormente, recorda que os “primeiros dias de Maio de 1974 em Bissau, após o nosso golpe e depois de dois confrontos com a JSN (Junta de Salvação Nacional), tivemos a primeira resposta de Spínola ao nomear o tenente-coronel Carlos Fabião, Encarregado do Governo e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.”

Depois dos festejos do 1.º de Maio, cujos ecos de Lisboa chegaram a Bissau, tem início a pressão da tropa, para o fim da guerra e início imediato de negociações com o PAIGC. Na cabeça dos militares na Guiné, reinava a ideia de um regresso imediato a casa! Para muitos, a «peluda» devia acontecer já no dia seguinte. (Nota: na linguagem militar, «peluda» designa o depois da saída da tropa quando se pode deixar crescer o cabelo.)

Nesse ambiente de euforia nos quartéis, formam-se comités do MFA, há reuniões e mais reuniões, discute-se, comenta-se… surgem, então, alguns desafios à disciplina militar, no que poderei classificar como «peluda» antecipada, na qual, sem pedido de autorização, a malta deixa crescer o cabelo, bigodes e a barba! 

Eu, para além do cabelo à «black power», deixei crescer bigode e mais tarde a barba! É neste ambiente de liberdade e euforia, que se exige e se apoia o início imediato de conversações com PAIGC.

Note-se, no mato, a guerra continua apesar da mudança em curso a nível «político». Em 4 de Maio de 1974 ainda houve ataques do PAIGC como recorda, um ex-militar que estava em Guidage:

 “(…) Um grupo de guerrilheiros do PAIGC, em deslocação (do interior da Guiné pelo corredor de Sambuaiá), para a sua base do Kumbamori (Senegal), provavelmente desconhecedores dos últimos acontecimentos políticos, aliviou-se do peso das granadas, até porque já estavam perto da fronteira, descarregando-as sobre nós.” 

Mas, encontros entre a tropa e os guerrilheiros do PAIGC, acabam por ocorrer espontaneamente e naturalmente, tal é a vontade de todos, quanto ao fim da guerra! O tenente-coronel Jorge Sales Golias referido anteriormente, recordou: 

“Entretanto, davam-se os primeiros encontros entre as nossas tropas e guerrilheiros do PAIGC. (…). Em Bissau constitui-se o «Movimento Alargado de Praças, Oficiais e Sargentos», também conhecido por Movimento para a Paz.” 

Nós todos (sobretudo os militares mais jovens como eu) aderimos. Muitos dos mais «velhos» estão desconfiados, não participam… É no âmbito deste movimento, que se realizam várias reuniõesa que assisti e nas quais se aprovam várias moções! A tropa vai fazer pressão para o «fim da guerra», regresso imediato à metrópole e claro negociações imediatas com o PAIGC.

Foi neste ambiente de euforia e expectativa, que se realiza a 16 de Maio em Dakar a primeira reunião entre delegações, portuguesa e do PAIGC, “assinou-se o cessar-fogo 'de jure', uma vez que já existia de facto” (cf. o tenente-coronel Jorge Sales Golias citado anteriormente).

Pouco depois, realizam-se negociações entre uma delegação portuguesa e outra do PAIGC em Londres. Escutávamos o relato do que se passava, na capital britânica através das notícias enviadas em directo via telefone pelo enviado especial do ERG – Emissor Regional da Guiné. Mal soava a percussão da música “We Want To Know” do famoso conjunto nigeriano “Osibisa” – o indicativo do noticiário – toda a malta corria para a esplanada da messe. Marcavam, nas notícias, as posições e exigências sobre Cabo Verde, feitas pelo chefe da delegação do PAIGC, que a imprensa portuguesa apelidou de Major Pedro Pires! 

O noticiário difundido às 13 horas nos alto-falantes da messe, contava com um auditório cada vez mais numeroso… No final da ligação, o repórter sempre dizia: “Em directo de Londres para o ERG – Emissor Regional da Guiné, o enviado especial, Bubacar Djaló!” 

Muitas pessoas andam agora, sempre com um rádio na mão, para estarem ao corrente dos últimos acontecimentos através da BBC e outras emissoras internacionais!— com Joao Augusto Santos Nascimento e 12 outras pessoas.

(Revisão / fixação de texto: LG)
______________

Nota do editor LG:

Postes anteriores da série:


28 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26738: No 25 de Abril eu estava em... (37): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte II

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26738: No 25 de Abril eu estava em... (37): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte II



Carlos Filipe Gonçalves: (i) nascido em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente; (ii)  foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; (iii) radialista, jornalista, historiógtrafo da música  da sua terra,  e escritor, vive na Praia, Cabo Verde; (iv) membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, senta-se à sombra do  nosso poilão, no lugar  nº 790; (v) tem 15 referências no nosso blogue; (vi) figura conhecida do meio musical, jornalístico e da rádio (ver aqui a sua entrada na Wikipédia), é  também amigo do nosso camarada Manuel Amante da Rosa, e seu contemporâneo no QG/CTIG).

1. Continuação do seu depoimento,sobre o 25 de Abril em Bissau (*), disponível na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque)  e também na página do Facebook da Tabanca Grande.


 No 25 de Abril eu estava em... (37): Em  Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte II

por Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense 
(natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde)


51 anos se passaram, o dia 26 de Abril de 1974 em Bissau, também foi repleto de recordações e acontecimentos. Para aqueles, que nunca lá estiveram e para os nossos filhos e netos, eis, como passámos o dia 26 de Abril de 1974 na Guiné. 

O «Day After» 25 de Abril de 1974. Em Bissau vivemos um novo dia! Manuel Amante Rosa (meu companheiro desde os tempos do liceu em S. Vicente) recorda assim esse «day after»: 

“Ao render da guarda (de manhã logo cedo) do dia 26 de Abril de 1974 sou solicitado a continuar de Sargento de Dia (algo inusitado!). Até hoje desconheço a razão!",,, Note-se: As unidades militares dispersas pelo território Guiné estavam de prevenção porque receberam uma mensagem «relâmpago» emitida do Comando-Chefe em Bissau, na véspera, às 22h45 do dia 25 de Abril com a informação de que agências noticiosas estavam a noticiar o derrube do governo de Lisboa. A mesma mensagem ordenava os comandos das unidades a estarem vigilantes a um eventual aproveitamento do PAIGC e garantirem pronta capacidade de reacção e um alerta para se respeitarem ordens apenas depois de devidamente autenticadas.

Nas suas recordações do dia 26 de Abril em Bissau Manuel Rosa exclama:

 “E tudo desaba nesse dia e nos seguintes. A estupefacção é geral. Nem a indicação do General Spínola (para presidente da Junta de Salvação Nacional) acalenta os ânimos! Os maus oficiais e graduados ficam recolhidos, discretos… ou a saudarem tudo e todos.

 "Acontece a meio da manhã (de 26 de Abril) a detenção do Governador e Comandante-Chefe na reunião com os líderes do MFA. É de seguida encaminhado, sob escolta, para o Aeroporto de Bissalanca, Base Aérea, de onde seguiu para a ilha do Sal. Foi tudo por nós observado! As interrogações vão assolando abertamente as paradas das unidades. O contingente africano ficou algo desprendido destas confabulações. (…).

Na verdade, o que aconteceu em Bissau naquele «day after» foi um «outro golpe», conforme  recorda o tenente-coronel Jorge Sales Golias numa intervenção anos mais tarde, numa mesa-redonda em 2005:

 “Em 26 de Abril de 1974 o MFA na Guiné-Bissau, que estava preparado para efectuar um golpe em Bissau caso falhasse o golpe em Lisboa, resolveu mesmo assim tomar o poder, sobretudo para condicionar o processo de descolonização.” 

Justifica e descreve aquele oficial:

 “Era fundamental, logo de início, contrariar a estratégia do General Spínola de efectuar uma consulta popular na Guiné com vista à sua integração numa comunidade lusíada. (…). Assim, no dia 26 de Abril, onze oficiais dirigiram-se ao Gabinete do General Comandante e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa. (…) As primeiras medidas tomadas foram a detenção dos agentes da PIDE e a libertação dos prisioneiros políticos. Estas medidas estavam a ser exigidas nas primeiras manifestações de populares em Bissau à semelhança do que se passava em Lisboa.” (…) 

Anos mais tarde no blog Tabanca Grande de Luis Graça,  fonte de informação que temos vindo a citar, surgem explicações mais claras sobre os acontecimentos na Guiné e em Bissau naquele dia 25 de Abril de 1974 e seguintes. (…) Passo a transcrever agora o comentário, do tenente-coronel Jorge Sales Golias no referido blog: 

“O MFA resolveu actuar em face de uma escuta telefónica em que o senhor General Bettencourt Rodrigues (o Governador e Comandante-Chefe) deu ordem à PIDE para seguir os movimentos dos capitães do MFA em Bissau e pelo facto de não ter reconhecido a JSN [Junta de Salvação Nacional], tal como já havia feito o Comodoro Almeida Brandão, comandante marítimo. 

"A entrada no gabinete do General comandante foi feita por oficiais desarmados que apenas lhe comunicaram que vinham depô-lo porque ele não reconheceu a JSN. Ele perguntou se se devia considerar preso e foi-lhe dito que não, que se considerasse detido em nome do MFA, e que preparasse a bagagem para embarcar para Portugal. (…) Em suma, que fique claro que o senhor General Bettencourt e os oficiais que com ele se solidarizaram foram tratados com toda a deferência que lhes assistia e com a máxima cordialidade da nossa parte.” 

Dentro dos quartéis há outros acontecimentos, que o tenente-coronel Jorge Sales Golias recorda: 

“À semelhança do que se passava em Portugal, também na Guiné tivemos problemas de autoridade e disciplina. Nas Unidades havia comandos que não aderiram ao MFA.”

No quartel em Santa Luzia, recorda Manuel Amante Rosa, o dia 26 de Abril (...) "amanheceu em polvorosa, ninguém queria aparecer na formatura para a distribuição das tarefas do dia. Em suma, uma confusão!! E os irreverentes e valentes praças da companhia de transportes a redobrarem as confusões habituais. Eram responsáveis pelos abastecimentos de víveres e abastecimentos aos quartéis do mato.” 

Mas, a grande verdade é que partir deste dia 26 de Abril de 1974, reinam em Bissau a alegria e expectativa. Na messe e nos alojamentos, os militares que participaram nas operações, contam as peripécias que ocorreram com as detenções dos agentes da PIDE, trazem livros e documentação que estava nas instalações da PIDE em Bissau, lá onde íamos fazer o tal serviço de guarda nas traseiras. 

A malta ria-se dos posters apreendidos só porque traziam aquelas baboseiras dos “anos 60” como “Make Love, Not War” ou então imagens de diversas posições de sexo assinaladas pela planta dos pés de um casal, etc. 

"Os elementos da PIDE foram concentrados “no Campo de Instrução Militar do Cumeré, até ao seu embarque para Lisboa, contrariando a sua petição de irem para Angola.” (….)

Nestas recordações do final do regime colonial, Manuel Amante da Rosa conta que o “mais surreal foi ser incumbido pelo QG para guardar de noite, com uma secção de tropa africana, as traseiras da cadeia da PIDE no Cupelon!! E às tantas estar cercado por um pelotão de paraquedistas… por pouco não acontecia o pior. Valeu a conduta previdente do alferes paraquedista, ou o barulho que a minha patrulha fazia para se instalar e dormir.”

 Este foi, talvez, o último serviço de guarda naquele local sinistro, do qual ninguém gostava. Os acontecimentos em Bissau aceleram, então, a um ritmo impressionante! 

Extracto das minhas recordações da Guiné, 1973 – 1975, talvez um dia serão publicadas em livro.— com José Luiz Ramos e 10 outras pessoas.

________________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P26737: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (36): quanto valia o dinheiro de há 65 anos atrás ? O orçamento da festa anual de uma freguesia rural do Marco de Canavezes (Luís Graça)



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de N. Sra. do Socorro > 
25 de julho de 2015 > Esta capela remonta ao séc. XIX, estando erigida num dos pontos altos do território da freguesia...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de N. Sra. do Socorro > 25 de julho de 2015 > Interior, com os andores, prontos para a procissão de domingo, dia 26...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1.  Há festa na aldeia... No sábado para domingo, ao darem as 24 badaladas, rebenta o monumental fogo de artifício que é, de há muito, um dos momentos altos desta festa popular... São 20 ou 30 minutos de fogo... Ninguém sabe quanto custa ( a preços de hoje, talvez 20 a 30 mil euros)... Todo o povo contribui generosamente para este e outros encargos da festa de N. Sra. do Socorro, a padroeira desta freguesia de povoamento disperso.

Terras antiquíssimas estas, com forte trradições de que são guardiãs e continuadoras as nobres e valentes gentes entaladas entre o Rio Tâmega e o Rio Douro.

Estas festas fazem parte dos "nossos seres, saberes e lazeres" e são acarinhadas pelo pessoal da Tabanca de Candoz... Nunca é de mais lembrar, por outro lado, que o extenso concelho do Marco de Canaveses pagou um pesado imposto em "sangue, suor e lágrimas" durante a guerra colonial, tendo 45 dos seus filhos lá morrido, em terras de Angola, Guiné e Moçambique.  

A população do concelho era na altura de 39,3 mil (em 1960) e 42,1 mil (em 1970), Sabendo nós que a população portuguesa em 1970 era de 8,59 milhões, e tendo sido mobilizados 570 mil militares metropolitanos (70% de 800 mil, incluindo a tropa do recrutamento local), o número de jovens marcoenses que foram parar ao ultramar (Angola, Guiné e Moçambique) terá sido da ordem dos 2800.

Em chegando o verão, há foguetes e alegria no ar. Há festa, há a festa anual da padroeira de Paredes de Viadores, da freguesia do mesmo nome (mas agora mais comprido, já que á Paredes de Viadores juntou-se também a antiga freguesia de Manhuncelos). 

Por estas terras também andou o lendário herói do "banditismo social", Zé do Telhado ( Castelões de Recesinhos, Penafiel, 1818 / Mucari, Malanje, Angola, 1875). e o seu bando, cujas façanhas ficaram na memória das gentes dos vales do Sousa e Tâmega (onde nasceu Portugal). Desterrado, Zé do Telhado morreu em Angola (onde a sua memória ainda é, ao que parece, venerada).

Por aqui, Marco de Canaveses e Baião, passa também a rota do românico... que os portugueses de hoje deviam fazer pelo menos uma vez na vida!...

Por curiosidade, qual o orçamento desta festa ? Não tenho dados recentes, mas encontrei na Quinta de Candoz um apontamento de há 65 anos atrás.

 Trata-se da folha,  manuscrita,  com a escrituração das despesas e receitas, feita por José Carneiro (1911-1996), mordomo da festa, proprietário da Quinta de Candoz.

 Segundo a filha,  Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares, "Nita" (1947-2023), era referente  à festa do ano de 1960, em que ela própria também participou,  então com os seus 13 anos. (#).


Lista 1 - Despesa  / Valor (em escudos | em euros, a  preços de 1960)

  • Fogo de quatro fogueteiros > 7600$00 | 3941 €
  • Música (sic) dos B. V. Portuenses > 4100$00 | 2126 €
  • Iluminação > 2750$00 |  1426 €
  • Música (sic) dos B. V. de Rio Mau  [Penafiel] > 2500$00 | 1297 €
  • Carne para os músicos [ das bandas] > 1222$00 | 634 €
  • Vinho para os músicos  > 1000$00 | 519 €
  • Armação [dos andores] > 1000$00 | 519 €
  • Mercearias > 763$60 | 396 €
  • Zés Pereiras > 450$00  | 233 €
  • Padres  450$00 | 233 €
  • Guarda [Nacional] Republicana > 360$00 | 187 €
  • Tipografia: programas e estampas > 290$00 | 150 €
  • Autofalante > 250$00 | 130 €
  • Carpinteiro do sr. Geraldes [do Juncal] > 162$00 | 84 €
  • Câmara  [Municipal]: Energia e eletricista > 137$50 | 71 €
  • 4 quilos de cavacas para os anjinhos > 100$00 | 52 €
  • Pão de trigo e de milho > 96$00 | 50 €
  • Licença da Câmara para as músicas > 66$00 | 34 €
  • Flores e correio > 58$80 | 30 €
  • João de Magalhães [que deitou o fogo] > 50$00 | 26 €
  • Gratificação para o electricista > 50$00 | 26 €
  • Carro em que regressou a GNR [ao posto, que era na vila]  > 40$00 | 21 €
  • Expediente > 28$80 | 15 €
  • Selo de 35 programas > 14$40 | 7 €
  • Despacho do fio de cobre para iluminação > 9$70 | 5 €
Total = 23447$6 | 12160

Lista nº 1 - Discriminação das despesas, por ordem decrescente,  da Festa de Nossa Senhora do Socorro (1960), Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.   


Lista 2 - Receita   / Valor (em escudos | em euros, a  preços de 1960)


  • Recebeu-se dos mordomos de Paredes > 5791$60 | 3004  €
  • Recebeu-se dos mordomos de Viadores > 5186$50 | 2690 €
  • Rendeu a festa em dinheiro > 4240$20 | 2199 €
  • Apurou-se em ouro  [oferecido à santa]  > 1817$50 | 943 €
  • Renderam as flores [de papel] > 642$00 | 333 €

Total =17677$80 | 9168 €

Lista nº 2 - Discriminação das receitas, por ordem decrescente,  da Festa de Nossa Senhora do Socorro (1960), Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.   

O prejuízo da festa (c. 5,8 contos)  foi dividido pelos 6 mordomos da comissão organizadora (cabendo 961$63, a cada um, ou seja, 499 € a preços de 1960…).  Outros tempos, outras gentes, outros valores!...


O famoso "santo Antoninho" dos anos 60...   A nota de "20 paus" (cópia)...(Segundo o Museu de Lisboa , a nota de 20$00 com a imagem de Santo António foi emitida pela primeira vez a 16 de janeiro de 1965.  Com a data de 26 de maio de 1964, no total foram emitidas  299,1 milhões de  notas. A 30 de maio de 1986 foram retiradas de circulação.)







Como termo de comparação, registe-se que nessa época  (1960) um jornaleiro ganhava, em média, 20 escudos (10 euros) por dia, enquanto um oficial (como o José Carneiro, ramadeiro, construtor de ramadas) cobrava 50 escudos (25 euros) pelo seu trabalho diário.(##)

A "Nita" lembrava-se, tinha ela 13 anos já feitos, de andar na festa a angariar dinheiro com as florinhas de papel que eram espetadas, com um alfinete, na lapela do casaco dos homens, à entrada do recinto. As receitas que daí provieram ainda atingiram uma cifra razoável para a época: 642$00 (333 €)... (###)

Também era vulgar as as pessoas ofereceram à santa padroeira da freguesia, a  Nª Srª do Socorro,  objetos em ouro (fios, anéis, mo sebrincos, cordões, etc.), como forma de pagamento de promessas.

Repare-se, por outro lado, que o foguetório já nessa altura representava 1/3 do total das despesas, e mais de outro tanto a contratação de duas bandas de músicas (uma do Porto e outra local, Rio Mau, Penafiel, concelho vizinho), pagas em dinheiro e em géneros (38%).  As duas bandas tocavam à compita.

Nas despesas com os padres (450 escudos, 233 euros com a correção da inflação), inclui-se o pregador, que vinha de fora.

Quanto às receitas, note-se que mais de 60% do total era constituído pelos peditórios, casa a casa, feitos por 2 grupos de mordomos, os de Paredes e os de Viadores, representando as duas metades do território da freguesia ( era, em geral, um padre com grandes dotes de orador).

Também como termo de comparação, refira-se que,  hoje em dia, o compasso pascal da freguesia gasta facilmente em 10 ou 20 minutos de fogo artifício 10, 20 a 30 mil euros...É uma estimativa, grosseira, de quem está por dentro do assunto.

José Carneiro foi mais de uma vez mordomo destas festas de N. Srª do Socorro, que se realiza todos os anos no último domingo de julho.  Tem um recinto encantador.
_________________

Notas do autor:

(#) Blogue A Nossa Quinta de Candoz > 30 agosto 2012 > José Carneiro (1911-1996). mordomo da festa da Nossa Senhora do Socorro em 1960

(##) Vd. logue A Nossa Quinta de Candoz > 29 agosto 2012 >  José Carneiro (1911-1996), construtor civil de ramadas

domingo, 27 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26736: No 25 de Abril eu estava em... (36): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte I


1. O Carlos Filipe Gonçalves (n. 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente) foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74... Radialista, jornalista, historiógtrafo da música  da sua terra,  e escritor, vive na Praia, Cabo Verde. É membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, sentando-se à sombra do  nosso poilão, no lugar  nº 790. Tem 14 referências no nosso blogue.(*)

É uma figura conhecida do meio musical, jornalístico e da rádio. Ver aqui a sua entrada na Wikipédia. É também amigo do nosso camarada Manuel Amante da Rosa, e seu contemporâneo no QG/CTIG.

Na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque) encontrámos um texto, em duas partes, sobre a sua versão dos acontecimentos do 25 de Abril em Bissau (**).  Vamos aqui reproduzi-lo com a devida vénia. A segunda parte já foi publicada na página do Facebook da Tabanca Grande.


 No 25 de Abril eu estava em... (36): Em  Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte I


por Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense 
(natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde)


25 de Abril de 2025 -  51 anos passados, sobre aquele dia que jamais esquecerei, tinha 23 anos, um jovem militar em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, em Bissau. 

Poucos dias antes, a 3 de Março, tinha completado o meu primeiro ano de comissão, pois chegara em 1973.... Nem fiz a comemoração da praxe.... Na época, a passagem à «peluda» era a preocupação diária, faltava-me mais um ano... mas, eis que chegou esse dia, que viria trazer o Fim da Guerra... nem imaginávamos que isso aconteceria. 

Para aqueles, que nunca lá estiveram e para os nossos filhos e netos, eis, como passamos o dia 25 de Abril de 1974: 

Os primeiros dias de Abril de 1974 começaram, salpicados pelas operações no mato (dos comandos, tropa e guerrilha), algo a que já estamos acostumados em Bissau e continuam os crónicos problemas de ordem pública em bairros como o Pilon, até que…

Naquele dia 25 de Abril de 1974 pelas 8 da manhã, mal entro na repartição, o alferes me diz: “Oh, Gonçalves, está a decorrer algo em Lisboa! A tropa saiu toda para a rua! Parece que é um golpe!” 

Fiquei espantado, faço perguntas, porque não entendo nada! O alferes saía, ia por aí, ter com amigos e pessoas de confiança, depois voltava com mais notícias e descrições do acontecia em Lisboa. As notícias chegavam através da malta das transmissões… e o pessoal do Comando-Chefe, também dispunha de muitas informações que eram passadas para muitos oficiais noutros serviços… neste caso o meu alferes! 

Fomos assim recebendo informações ao longo da manhã daquele dia 25 de Abril. Por exemplo, cerca das 11 horas, ficámos a saber de um ministro que tinha furado um buraco numa parede de uma das salas no edifício do Terreiro do Paço, para fugir… etc. etc. 

Estávamos todos empolgados, rimos às gargalhadas deste episódio, embora estivéssemos muito ansiosos, comentámos: "aquele ministro devia estar a borrar-se todo!" 

Começaram depois a surgir preocupações, interrogávamos baixinho: “E o tenente-coronel? O brigadeiro? Como vão reagir!” 

Entretanto chegou a hora do almoço. Na esplanada da messe no QG de Santa Luzia, todos ouvem atentamente o noticiário em direto de Lisboa às 13 horas, que relata muito daquilo que já sabíamos e dá notícias mais recentes… à tarde soubemos do cerco a Marcelo Caetano no Carmo. 

Mas, nem toda a gente no quartel teve a sorte de seguir quase ao minuto os acontecimentos, como nós, a malta na Secção de Víveres na Chefia da Intendência onde eu estava. 

Manuel Amante Rosa, cabo-miliciano, que trabalhava no Batalhão de Intendência, conta que estava “(…) de «Sargento de Dia» na CCS, Companhia de Comando e Serviços do Quartel-General da Guiné, em Bissau. Sem sabermos nada durante toda a manhã. Como sempre aguardamos a hora do almoço na messe. Aqui circulavam os boatos (…). Mas, após cruzamentos e juntando-se alguns pontos, lá fomos sabendo em catadupas e aos bocados que o regime tombara. Deu-se logo a debandada de muitos para os quartos para a sintonização e escuta dos rádios transístor. Nesse dia a Rádio Maria Turra, só à noite seria sintonizada, sempre em segredo, na hora habitual.” 

O militar José Teixeira,  algures no mato,  disse simplesmente: “A gente ouviu através da rádio, (…) que tinha havido um golpe de Estado em Portugal, no dia 25 de Abril.” 

Um outro militar em Guidage, no Norte, conta: 

“Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido. (…) Está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de «parece que» ou finalizadas por «não confirmado». 

Alegria Faustino, citado anteriormente, recorda:

 “No dia 25 de Abril, em Jembérem, Cantanhez (Sul da Guiné) a nossa guarnição, sofre flagelação de armas pesadas, (durante) 20 minutos (…). Só no dia seguinte, a 26, se soube da Revolução. Uns riam-se, outros, choravam, outros dançavam, outros bebendo, cada um festejando à sua maneira. Esboçava-se uma esperança, que a guerra teria fim e assim aconteceu.” 

Extracto das minhas recordações da Guiné, 1973 – 1975, talvez um dia serão publicadas em livro.— com Vasco Martins12 outras pessoas.

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19784 Tabanca Grande (479): Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74... Radialista, jornalista e escritor, vive na Praia, Cabo Verde. Senta-se à sombra do nosso mágico poilão, sob o nº 790

(**) Vd. alguns dos últimos postes da série:

21 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26299: No 25 de Abril eu estava em... (35): Fulacunda, região de Quínara, chão biafada (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74): "entre a euforia e o receio"

29 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25458: No 25 de abril eu estava em... (34): Fajonquito... "A guerra acabou?!"... E, agora, o que será de nós, "cães rafeiros do quartel", que não cumprimos os nossos sonhos de meninos, que eram ser "comandos"? (Cherno Baldé, Bissau)

25 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25442: No 25 de abril eu estava em... (33): No regresso de uma operação no mato, já no dia 26, com a malta (que tinha ficado no aquartelamento) a gritar, eufórica, no heliporto, à nossa espera: "Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou"... A notícia tinha sido escutada na BBC por um dos um militares, rádio-amador na vida civil (José Manuel Lopes, ex-fur mil, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)

24 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25435: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (32): Rio de Janeiro, como rececionista num hotel, numa fase difícil da minha vida; como emigrante não prestava, até 1996, grande atenção à política em Portugal (João Crisóstomo, Nova Iorque)

21 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25419: No dia 25 de Abril de 1974 eu estava em... (31): Lisboa, de licença de férias, e depois de uma noitada o meu cunhado acordou-me às 9h00: "Eh, pá, já não voltas mais para a guerra" (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

18 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25404: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (30): Em Bolama, à espera do meu "periquito"... Embarquei nos TAM, em meados de maio, a expensas minhas (João Silva, ex-fur mil at inf, CCAV 3404, Cabuca; CCAÇ 12, Bambadinca e Xime; CIM, Bolama, 1972/74)

14 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25386: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (29): Bissau, Depósito de Adidos, era oficial de justiça, na Secção de Justiça... e a viver com a minha mulher, em "segunda lua de mel"...( Joaquim Luis Fernandes, ex- alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974)

14 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25383: No dia 25 de Abril eu estava em... (28): A viver na Bobadela, a trabalhar em Setúbal... Meti dispensa de serviço depois do almoço e fui a correr até ao Carmo, ainda a tempo de ver a saída da chaimite com o deposto Marcelo... (Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, nov 70/ nov 72)

Guiné 61/74 - P26735: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte IV




Foto nº 1B, 1A e 1




Foto nº 2, 2A e 2B



Foto nº 3 e 3A



Foto #4 e 4A

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >
Mais fotos sobre o cotidiano da vila que, com a guerra, perdeu o status de sede de circunscrição (para Tite)....E perdeu população: nesta época, não teria mais que 4 centenas de habitantes, biafadas.

Fotos (e legendas): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, "Os Serrotes" (Fulacunda, 1972/74), pertencia ao 3º Pelotão, comandado pelo nosso amigo, camaradada e grão-tabanqueiro Jorge Pinto. Era o apontador da metralhadora pesada Breda, instakada no alto do fortim. É membro recente da nossa Tabanca Grande (nº 901).


É natural de Juncal, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses (a terra também da Carmen Miranda, do engº Belmiro de Azevedo e do general Carlos Azeredo , um conhecido monarquista que participou ativamente do 25 de Abril e que foi chefe da casa militar do presidente da República, Mário Soares ).

Armando trabalhou 37 anos, como civil, no Hospital Militar Dom Pedro V, Porto. Tem página do Facebook . Mora no Porto. Já voltou à Guiné-Bissau 4 vezes, tendo sempre passado por Fulacunda. Tenciona vokltar lá em 2026.
_______________

Guiné 61/74 - P26734: Parabéns a você (2369): Belmiro Tavares, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66); Cor Inf DFA Ref, Hugo Guerra, ex-Alf Mil Inf, CMDT dos Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) e Joaquim Costa, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAV 8351/72 (Cumbijã, 1972/74)



_____________

Nota do editor

Último post da série de 24 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26719: Parabéns a você (2368): David Guimarães, ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas da CART 2716/BART 2917 (Xitole, 1970/72)