quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1259: Dicas para o viajante e o turista (4): Um cheirinho a alecrim & rosmaninho (Luís Graça / Jorge Neto)

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O Jorge algures em África: um homem entre homens... Fonte: © Africanidades (2006) (com a devida vénia...). O autor deste blogue é membro da nossa tertúlia e mantém connosco uma política, mutuamente vantajosa, de troca de serviços, de ideias, de afectos e de roncos...
Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Para quem chegou agora ao blogue e/ou à nossa caserna virtual, o Jorge Neto (aliás, Rosmaninho, em auto-homenagem à sua costela alentejana) é um branco, um tuga (não sei se ele gosta do termo), da nova geração - e que portanto não fez a guerra colonial, como nós-, que vive e trabalha em Bissau, e que dá voz (e imagem) aos guineenses que a não têm.
Há uns meses atrás (1), eu disse-lhe que continuava a apreciar (e a invejar) o seu trabalho como jornalista independente, lúcido, sensível e corajoso e sobretudo o seu blogue, o seu Africanidades (que agora mudou de poiso)... (Eu penso que ele é também mais coisas, como professor, formador...).

Continuo a pensar que o nosso Jorge (e mais um punhado de gente heróica e solidária, como o Pepito ou o Paulo Salgado) continua a fazer mais pela língua de todos nós, pela lusofonia, pela cultura portuguesa, e pela amizade luso-guineense do que todos os burocratas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de cá e de lá, juntos e atirados aos jacarés do Rio Corubal... Dir-me-ão que é uma hipérbole, uma caricatura, uma metáfora... Seja. A verdade é que eu continuo a ser fã do Jorge, o nosso Alecrim & Rosmaninho em terras da Guiné...

Não resisto, por isso, a roubar-lhe, de tempos a tempos, um cheirinho daquelas terras por onde passámos nos nossos verdes anos (ou onde deixámos os nossos verdes anos)... Hoje transcrevo um saborosíssimo texto que ele postou, no seu blogue, no dia 1 de Maio de 2006, sob o título Buracos e Decibéis...

O Jorge não é um coleccionador do anedótico e do exótico, é um cidadão do mundo que ama sobretudo a aventura humana e que é capaz de se emocionar com o quotidiano dos homens e mulheres que (sobre)vivem em países tão belos e tão precários como a Guiné-Bissau... Conhecedor de África como poucos jovens da sua geração, não mete todos os africanos, povos e países, no mesmo saco da globalização pós-modernista, sendo capaz de fazer juízos diferenciais como este: "Na Guiné-Bissau admirei-me com o civismo (em geral acima da média africana) com que grande parte dos condutores locais conduz os seus veículos"...

Acho que esta é uma também boa dica, para a reflexão e a acção dos nossos camaradas e amigos que se preparam dentro de dias - no dia 17 - para partir para a Guiné (estou a pensar mais concretamente no Carlos Fortunato e no José Bastos) (2)... Enfim, é também uma pequena achega às valiosas dicas que o Vitor Junqueira, outro andarilho e amigo da Guiné e dos guineenses, já aqui nos deixou (3)... Mais dicas de outros tertulianos serão bem-vindas.
PS - Poder-me-ão acusar de paternalismo e de estar a projectar no Jorge - que eu, por infelicidade, ainda não conheço pessoalmente - os fantasmas, as culpas, as frustações, as expectativas e as ilusões da geração da guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram)... Até pode ser, mesmo que ele, coitado, não tenha costas tão largas para arcar com tremenda responsabilidade... Mas não é isso: sendo da geração pós-colonial, só tendo conhecido a Guiné pós-independência, o Jorge está naquele país por vontade própria e em missão de paz, como paisano... E se acaso eu o invejo, é apenas porque ele substituiu a G-3 pelo portátil, a máquina digital e o gravador... Como eu gostaria de ter estado nessa situação em 1969/71!...


2. Buracos e decibéis
por Jorge Neto (aliás, Jorge Rosmaninho)

Fazendo por alto a soma do conta-quilómetros pessoal em transportes públicos africanos, calculo que a coisa se situe entre os 10 e os 15 mil. A estes ainda poderei juntar cerca de 10 mil quilómetros, palmilhados no conforto de veículos próprios, alugados ou emprestados.

Horas a fio de estrada. Incontáveis esperas sonolentas em paragens de pó e gasóleo (aqui um carro só anda depois de a lotação estar completa). Cansaço acumulado em estradas pavimentadas a buracos. Avarias na berma, pedidos de boleia à sombra de embondeiros. Furos. Um despiste e uma ressurreição, no Niassa, Moçambique, quando alguns companheiros de viagem morreram abalroados por um camião. Tinha deixado o local minutos antes.

No Zimbabué, cretinocracia habitada por gente com fome, decadentes autocarros mostraram-me um país de capim dourado e elefantes. No centro e norte de Moçambique visitei o paraíso em oxidados machimbombos e trôpegas chapas (as de caixa aberta e as históricas Toyota Hiace). Nas sept places [sete lugares] senegalesas (as também históricas carrinhas Peugeot 504) provei o sabor de um país bonito, recheado de gente oportunista. As neuf places [nove lugares] mauritanas (as mesmas Peugeot, mas com dois passageiros mais que no vizinho Senegal) fizeram-me voar, literalmente, pelas areias do deserto. Nos autocarros estufa (sem janelas ou ar-condicionado) do tórrido Mali desfiz-me em suor, procurando o sul do Sahara. Na Guiné-Bissau admirei-me com o civismo (em geral acima da média africana) com que grande parte dos condutores locais conduz os seus veículos.

No fim de tantas viagens aprendi uma máxima que guardarei para sempre no livro das errâncias por estradas africanas: aqui (como em todo o continente), um transporte público pode não ter faróis, piscas, seguro, chapa de matrícula ou travões, mas tem, de certeza, um potente rádio de colunas roufenhas a debitar decibéis e a desfazer, desta forma, a angústia de longas jornadas a consumir buracos. No interior de uma candonga todos se abanam, não ao som dos acordes, mas ao sabor das covas da estrada. Também poucos falam, que o condutor sempre faz questão de mostrar a potência das roufenhas colunas que adornam o veículo. A foto e o som do interior de uma candonga guineense para ver e ouvir em baixo. Boa Viagem! Boa Viagem!
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLV: Ajudar os guineenses a fazer o luto (Luís Graça / Jorge Neto)

(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)

(3) Vd. post Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira

Guiné 63/74 - P1258: Dicas para o viajante e o turista (3): transportes colectivos: o táxi, o toca-toca e o candonga (Luís Graça / Sofia Branco)

Guiné > Zona Leste > Bambadinca > 1969 > A festa do fanado. Imagem enviada em 19 de Setembro de 2006, pelo Beja Santos. Fazia parte de um conjunto de três fotografias que, dizia ele no e-mail, tinha um significado especial para ele. "A primeira refere-se a um fanado de raparigas e a fotografia foi tirada na rua principal de Bambadinca, na área comercial, e espero que te possas recordar do chão avermelhado da laterite. Seria bem interessante que se escrevesse sobre o fanado (se por acaso não haja já nenhum desses escritos no blogue)" (1)... De qualquer modo, hoje em dia para se ir de Bissau a Bambadinca ou a Bafatá, por exemplo, tem que se alugar um jipe (o que é caríssimo, talvez 200 euros por dia) ou então apanhar um candonga (2)...

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


1. A jornalista Sofia Branco publicou, no Público.pt, de 6 de Outubro de 2003, um delicioso, bem-humorado e muito útil - para o viajante e o turista - artigo sobre os transportes colectivos da Guiné-Bissau: os táxis, os toca-toca e os candonga, que segundo ela são os heróis do asfalto (eu diria: depois dos peões)...

Façam o favor de ler o artigo na íntegra, que eu não posso publicá-lo aqui, sem autorização da autora e do editor... É também uma pequena homenagem à Sofia Branco que tem sido a jornalista que mais tem investigado e escrito, em português, sobre a Mutilação Genital Feminina. Ela é, de resto, uma observadora atenta, sensível e profunda da realidade sociocultural da Guiné-Bissau de hoje.

O dossiê do Público.pt sobre este tema - a Mutilação Genital Feminina - está disponível em linha. Já aqui chamámos para a actualidade e a importância do trabalho, de resto, premiado, da Sofia Branco, e para a persistência desta prática cultural que viola os direitos humanos da mulher, na Guiné-Bissau, entre alguns grupos étnicos, bem como noutros sítios de África (1).

2. Mas vamos ao tema deste post sobre dicas para o viajante e o turista em terras (e águas) da Guiné-Bissau: afinal, o que é que são os toca-toca e os candonga ? Aqui ficam alguns excertos do artigo da Sofia Branco (Táxis, toca-toca e candongas: os heróis do asfalto na Guiné-Bissau) (negritos meus):

(...) "À semelhança de muitos outros países, na Guiné-Bissau, os táxis são verdadeiros transportes colectivos. Os lugares vagos podem ser ocupados por gente totalmente desconhecida do primeiro cliente. Uns minutos na estrada e parecem já grandes amigos, tal a intimidade com que se tocam e roçam de cada vez – que é constantemente – que o carro dá um solavanco. Esta proximidade é ainda maior num toca-toca – aliás, o próprio nome vem do facto de as pessoas estarem constantemente a tocar-se. Nos toca-toca, a entrada só é vedada a um cliente quando os rabos dos outros passageiros já saem pelas janelas e quando alguns rapazes já vão de pendura nas portas de trás da carrinha, pé dentro, pé fora. Até que isso aconteça, pode entrar, sem saber, no entanto, se vai conseguir sair" (...).

(...) "Para sair ou entrar em Bissau, com destino às principais cidades, como Bafatá ou Gabú (Nordeste), os guineenses usam um meio de transporte ao qual chamam candonga. É uma carrinha semelhante ao toca-toca, mas com licença para passar os inúmeros postos de controlo espalhados pelo país. Se for em carro particular, poderá ter a sorte de ter apenas de abrandar antes de seguir caminho. Mas as candongas param sempre junto ao homenzinho que, à sombra de uma árvore, segura uma corda presa ao tronco de uma outra árvore, do outro lado da estrada. Os passageiros são obrigados a sair para voltarem a entrar, do outro lado da corda" (...).

__________

Notas de L.G.:

(1) Sobre o fanado nas raparigas (ritual de passagem onde se inclui a prática da MGF, e nos rapazes, a circuncisão), já se escreveu aqui alguma coisa...Vd. posts de:

4 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina) (Luís Graça)

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVII: A festa do fanado ou a cruel Mutilação Genital Feminina (Jorge Cabral)

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVI: Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina

(2) Candongueiro, em Angola:

(...) O cheiro fétido do humano
Viaja nos candongueiros
Que atravessam de lés a lés
A tua rede de túneis-formigueiros,
As tuas entranhas,
O teu tutano,
A tua essência.
Alguém poderia achar essas correrias loucas
Se não soubesse quem tu és,
Mas tu tens o teu tempo e a tua medida,
Ó cidade das mulheres empreendedoras,
Peritas na arte da sobrevivência. (...)


Glossário de termos do falar local: Candongueiros > Os endiabrados táxis colectivos de Luanda. Param um qualquer sítio e levam sempre mais um passageiro para além da sua lotação máxim. Cada viagem custa 30 kwanzas. O termo vem de candonga (contrabando). "Inicialmente o contrabando de peixe seco. Só muitos anos mais tarde se passaria a usar o termo candongueiro para designar os contrabandistas de diamantes ou, mais tarde ainda, os novos taxistas luandenses do chamado processo dos 500" (Segundo leio no sítio de um brasileiro sobre os países e comunidades de língua portuguesa).

Vd. Blogue-Fora-Nada ... e Vão Dois > post de 7 de Novembro de 2005 > Blogantologia(s) II - (12): Luanda (re)visitada

Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Julho de 1969 > O pelotão do Alf Mil Torcato Mendonça (na foto, à esquerda), pertencente à CART 2339 (Mansambo, 1968/69), esteve aqui em reforço da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70).

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CART 2339 (Mansambo, 1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça , de eperfil, em segundo plano, à conversa com os Alf Mil Rui Felício, à esquerda, e Jorge Rijo, à direita, de cigarro na mão. Estes dois úlimos oficiais pertenciam à CCAÇ 2405.

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > CART 2339 (Mansambo, 1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça e os homens do seu pelotão, todos já velhinhos, a pensar no regresso a casa.. (Em Outubro deixariam Mansambo)... Nesta última foto, à esquerda, reconhece-se o Alf Mil Rui Felício, de bigode, que pertencia à CCAÇ 2405.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

6. Galomaro > Julho de 1969

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes: vd último post, de 28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira.

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

Legenda do T. M.:


Talvez em Julho ou Agosto de 1969. O meu Grupo de Combate esteve lá em reforço à CCAÇ 2405. Era a Companhia do Cap Mil Jerónimo [e dos alferes Rui Felício, Victor David e Paulo Raposo, membros da nossa tertúlia]. Estivemos em Galomaro e Cansamba. Os Paras estavam em Bafatá [vd. carta geral da província e depois a carta de Bafatá] e faziam-se operações na zona – COP7.

Creio que nessa altura escoltei (para trazer as viaturas de volta) a CCAÇ 12 para Madina Xaquili [, a nordeste de Duas Fontes, vd. carta de Cansissé]. Aqui na foto só reconheço a minha malta. Talvez os da CAÇ 2405 se lembrem do meu grupo.

O Capitão Jerónimo foi buscar-me a Cansamba. Estava com o meu 5º ou 6º ataque de paludismo. Em Galomaro estava um médico (do COP 7?) e estive dois ou três dias num barracão, sempre com um africano - de dois que vieram comigo... São outras vidas...

Comentário do Paulo Raposo (depois de ver as fotos):

Nas tuas 3 fotos estão os Alferes Felício e Rijo e os Furriéis Esteves e Fereira, da minha CCAÇ 2405.
O Cmdt do Cop 7 era o Major Parquedista Pardal, que mora em Cascais. O nosso médico de Galomaro era o Carlos Pereira Alves, hoje cirurgião famoso e Director do Hospital dos Capuchos. São ambos da corda, são grande e bons amigos nossos (da família da CCAÇ 2405). O Jerónimo Cap 1000 - Miguel Novais Jerónimo -, mora em Lisboa, em Benfica, na Rua Cláudio Nunes. Está velhote. Foi operado à vista nos Capuchos, com a protecção do Carlos.

Comentário de L.G.:

Torcato, foi em Julho de 1969. Confirmei na história do BCAÇ 2852 (1968/70), Cap. II, pag. 90, bem como na História da Minha Unidade, a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).

As coisas andavam bravas lá para aqueles lados (vd. carta de Duas Fontes ou Bangácia, nome do sede do posto administrativo que, com a guerra, terá perdido importância, em detrimento de Galomaro): Na madrugada de 30 de Julho de 1969, eu estava em Candamã, ainda as armas dos defensores da tabanca fumegavam ... Eis o filme desse mês (só registo a actividade da guerrilha que, haveríamos de saber mais tarde, era comandada pelo Mamadu Indjai, na zona de acção da tua CART 2339, Mansambo):

(i) No dia 1 de Julho, às 20h00, um Grupo IN , estimado em 30 elementos, flagelou à distância o destacamento de Dulombi [, a sudeste de Galomaro / Duas Fontes]... durante duas horas (!). Os  "camaradas" do PAIGC utilizaram Mort 60, LGFog , Metralhadoras Ligeiras e armas automáticas. Causaram 1 morto e 7 feridos, todos civis. Retiraram na direcção Norte...

(2) Em 10, um outro grupo IN (não se sabe quantos) emboscaram um grupo de 4 civis de Dulombi, a partir de uma árvore, em Paiai Numba [, a sul de Padada, vd. carta da Padada]. Só dois dos civis consequiram regressar a Dulombi, para contar o sucedido...

(3) Quatro dias depois, a 14, por volta das 16h05, um bigrupo (cerca de 60 elementos) - que presumivelmente se dirigia a Dulombi - reagiu a uma emboscada nossa em (PADADA 2E4), com Mort 60, LGFog e armas automáticas durante cerca de 35 minutos... Antes de retirar para Sudoeste, o IN causa às NT 1 morto, 2 feridos graves (1 civil), 3 feridos ligeiros, além de danos materiais num rádio CHP (de mal o menos)...

(4) No dia seguinte, às 20h00, um grupo IN (estimado em cerca de 40 elementos) atacou as tabancas de Cansamba e Madina Alage, durante 60 minutos, com Mort 60, LFog e armas automáticas mas, desta vez, felizmente, sem consequências... O IN retirou na direcção da tabanca de Samba Arabe, levando consigo um elemento da população...

(5) A 20, pelas 20h00, tocou de novo a vez a Cansamba, flagelada por um grupo de 30 guerrilheiros, durante 20 minutos, sem consequências... Retirou na mesma direcção (Samba Arabe)...

(6)A 24, às 00h45, é atacado o destacamento de Dulombi, da direcção SSW. O IN, estimado, em 60 elementos, utiliza LGFog e armas automáticas.

(7) Nesse mesmo dia, às 17h20, o aquartelamento de Mansambo é flagelado, a grande distância, com Mort 82, a partir da direcção sudoeste. Sem consequências. Na outra ponta do Sector L1, o Xime é flagelado, às 19h45 por canhão s/r.

(8) Meia hora depois, a sul de Madina Xaquili, a cerca de 1 Km, um grupo IN não estimado reagiu a forças da madeirense CCAÇ 2446 , causando 6 feridos ligeiros, entre os quais 2 milícias. Simultaneamente, este destacamento é flagelado à distância, com Mort 60 e LGFog. Há apenas danos numa viatura GMC. O IN retira na direcção de Padada. Três Grupos de Combate da CCAÇ 12 (na altura, ainda CCAÇ 2590) tiveram aqui, nesse dia, o seu baptismo de fogo... em farda nº 3 (!) (*)

(9) No dia seguinte, à 1h20, é atacado o destacamento de Quirafo, durante 3 horas (!), por um grupo estimado em mais de 100 elementos, que utilizam 3 Canhões s/r, 3 Mort 82, vários Mort 60, RPG 2 e 7, Metr Lig e outras armas automáticas... Felizmente, há apenas 1 ferido, mas as instalações do destacamento ficam praticamente destruídas, bem como os rádios DHS e AN/RC-9 e quatro G-3... O arame farpado fora cortado em vários pontos...

(10) A 26, há uma nova flagelação do Xime, às 17h45, da direcção Sul, com Canhão s/r e Mort 82. Durante 10 minutos. No Xime está a CART 2520, com menos dois pelotões (um destacado em Galomaro e outro - duas secçõas - na Ponte do Rio Udunduma).

(11) No dia seguinte, 27, às 16h50, Mansambo volta a ser flagelado, à distância, durante 10 minutos, com Mort 82. Sem consequências.

(12) Em 28, por volta das 22h30, o dcstacamento de Madina Xaquili vai conhecer o inferno: durante 1 hora e meia, é atacado de todas as direcções, por um grupo de cerca de 60 elementos, com Mort 82, Mort 60, LGFog e armas automáticas. Há dois feridos. (**)

(13) A 29, às 10 da manhã, um grupo IN reagiu, durante 10 minutos, a um patrulha nossa, a 200 metros a SW de Dulombi, que acabava de sair na sequência do rebentamento de uma mina A/C. O IN, que utilizou Mort 60, LGFog e armas automáticas, causou 2 feridos civis.

(14) A 30, às 18h00, Mansambo sofre nova flagelação à distância, da direcção SW. Durante 20 minutos, com Canhão s/r e Mort 82. Sem consequências.

(15) A fechar o mês (quente) de Setembro, é a vez da tabanca em audodefesa de Candamã [, já no limite leste da ZA da unidade de quadrícula de Mansambo, ] conhecer o inferno: a 30, às 3h40, um numeroso grupo IN (80 a 100 elementos) ataca a tabanca, até de madrugada, durante 2 horas e 20 minutos, utilizando 2 Canhões s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora Pesada, Pistolas-Metralhadoras e Granadas de Mão Defensivas, causando um 1 ferido grave e 4 feridos feridos às NT e 2 mortos, 3 feridos graves e vários ligeiros à população civil... Valeu o comportamento heróico dos homens - menos de um pelotão - de Mansambo! (****).

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Notas de L. G.:

(*) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

(...) "Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau](...)".

(**) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono de) Madina Xaquili

"Por outro lado, o 1º e o 2a Gr Comb seguiam para o sub-sector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

"A 28, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos, tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (hoje inoperacional) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP/Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

"Na reacção ao ataque, o apontador de mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

"A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7 [Bafatá] e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população" (...)

(***) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)


(...) "Ataque de duas horas a Candamã

"E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [Mansambo](Op Guita).

"Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer.

"Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [1 bigrupo reforçado], armado de canhão s/r, mort 82, LGFog, metralhadora pesada 12.7, armas ligeiras automáticas.

"Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

"Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN sofrera várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de canhão s/r e RPG-2.

"Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de danos materiais (moranças destruídas, etc.].

"O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

"A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará" (...).

(****) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira




Guiné-Bissau > Região de Báfatá > Cidade de Bafatá > 16 de Fevereiro de 2005 > José Couto (ex-furriel milicano de transmissões, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego), um turista (o)(a)cidental, nas ruas desertas da bela Bafatá...

Fotos: © José Couto / Tino Neves (2006). Direitos reservados.



1. Há dias (29 de Outubro de 2006) recebemos uma mensagem de António Osório, de Vila Nova de Gaia, do seguinte teor:

Caríssimos:

Não tenho o prazer de os conhecer mas vi algumas coisas vossas na Internet sobre a Guiné-Bissau, daí recorrer à vossa ajuda.

Vai para dois ou três meses li uma reportagem no Jornal de Notícias sobre uma viagem à Guiné para ex-combatentes organizada por um indivíduo de nome José Arruda, que não conheço, cujo preço é de 1450,00 Euros/pessoa.

Recebi ontem um e-mail do Sr Arruda, morador na Amadora que me pede a entrega imediata de 1.450,00 Euros x 2( para mim e para a minha mulher) de modo a garantir-me a viagem à Guiné com partida a 3 de Janeiro de 2007, 8 dias de estadia no Hotel Residencial Coimbra, em Bissau, em regime de alojamento e pequeno almoço e visita a todos os locais onde estivemos(eu pessoalmente estive em Gadamael Porto e Cacine entre Novembro de 1970 e Dezembro de 1972).

Diz o Sr Arruda que esta viagem tem o apoio da Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal. Todavia eu através de consulta ao 118 da PT não consegui obter a morada ou telefone da referida embaixada. Será que conhecem a morada e telefone da embaixa da Guiné-Bissau em Portugal?

Agradecia muito a vossa ajuda já que eu tenho uma vontade enorme de visitar a Guiné, mas como compreendem o dinheiro custa muito a ganhar e eu queria confirmar a idoneidade dos dados que então me foram forneceidos pelo Sr Arruda.

Grato pela atenção, recebam um abraço do António Osório.

Telm: 918817443
Casa: 227114936 (V.N.Gaia)


2. Através do e-mail de José Costa (ou José Arruda ?), já tinha recebido em recebido em 28 de Julho de 2006 a seguinte mensagem:

Prezados colegas ex-combatentes:

Junto em anexo programa para uma viagem á Guiné. Vamos realizar o sonho da nossa vida, voltarmos aos locais onde nos anos 60/70 andámos.

Para qualquer informação adicional, por favor contactem comigo

José Arruda

Telef/Fax. 214974410 - Telem. 939594546
e-mail: aguiareal46@hotmail.com

Cumprimentos

José Arruda

3. Reproduzo aqui, a título meramente informativo, o Programa nº 166/06 - Guiné > Viagem à Guiné para ex-combatentes e familiares, a realizar no mês de Outubrod e 2006

Organizador: José António Arruda
Av.Padre Himalaia, 7-1º.Dtº.
2720-435 Damaia/Amadora

Telef/Fax. 214974410
Telemóvel 939594546
email: aguiareal46@hotmail.com

1º Dia 6ª.Feira- Concentração de todos os participantes no Aeroporto de Lisboa, pelas 7,15 h, para as formalidades de embarque e ás 9,30 h, em voo TAP, seguimos para Bissau, chegada prevista para as 12,40 h,transfert para o Hotel Residencial Coimbra e resto dia livre.

Do 2º ao 7º Dia. ( De Sábado a 5ª.Feira) Dias destinados às diversas visitas em carro privado a toda a Guiné, indo aos locais onde todos os participantes estiveram.

8º Dia. 6ª.Feira- Saída de Bissau ás 14,35 h, em voo TAP com destino a Lisboa, chegada prevista para as 19,40 h.

Observações - Esta viagem tem o apoio da Embaixada da Guiné em Portugal.

Documentos Necessários: Passaporte válido, 2 fotos e 60 € para o visto

Cuidados Médicos: Todos os participantes devem consultar o seu médico/ou Instituto de Medicina Tropical, para efeitos de vacinas e medicação.

Preço da Viagem: O preço é de 1.450, € por pessoa e inclui: Todos os voos de avião a partir de Lisboa, Taxa de Aeroporto Lisboa/Bissau, Transferts, Carro privado para as diversas deslocações e visitas, Hoteis quarto duplo em regime de alojamento e pequeno almoço.

3. Já vários camaradas já deram dicas ao António Osório, procurando responder ao seu pedido. De todos os e-mails que passaram por mil destaco o do nosso camarada Vitor Junqueira, que tem uma larga experiência de viagens: é um andarilho do mundo, incluindo à Guiné-Bissau. A experiência e o saber do Vitor nesta matéria podem ser muito úteis a muitos de nós. Aqui ficam pois as primeiras dicas para turistas e viajantes na Guiné-Bissau. (LG).

Prezado Osório,

Eu sou o Vitor Junqueira de Pombal e estou a responder ao pedido de esclarecimento acerca da eventual programação de uma viagem que pretende fazer à Guiné Bissau, na companhia de sua esposa.

De facto já viajei por diversas vezes para a Guiné, mas não vou fazê-lo no próximo dia 17 Novembro de 2006 (e como eu gostaria!). Posso no entanto dar-lhe algumas indicações baseadas na minha experiência pessoal. Assim:

1 - Quanto à viagem: vai a qualquer agência de viagens e compra as passagens na TAP, que é actualmente o único operador. Os preços subiram muito nos últimos tempos devendo rondar os 700euros + taxas.

2 - Quanto aos vistos: a própria agência que vender as passagens, deverá encarregar-se desse assunto. O preço anda à volta de 40 euros por pessoa + o trabalho da agência. Deverá entregar os passaportes + duas fotografias de cada passageiro com uma semanita de antecedência, que é para não haver surpresas.

3 - Quanto ao hotel: recomendo o Hotel 24 de Setembro. Fica localizado na zona de Sta. Luzia sendo as suas instalações resultantes do aproveitamento, para esse fim, do antigo clube de oficiais. A baixa fica à distância de um agradável passeio a pé. A zona é calma e segura, mas os cuidados habituais não podem ser descurados.

Note que pelos padrões europeus, os hotéis são maus e caros. Lençóis limpos, ar condicionado ainda que barulhento e água para o banho (quantas vezes despejando o caneco por cima da cabeça!), é tudo quanto podemos exigir. No hotel que referi, se optar por ele, vão pedir-lhe por um quarto duplo cerca de 50.000 CFA, equivalente a 16 contos, com pequeno almoço. Mas se negociar um pouco e disser que é amigo do Sr. Manuel Neves, um empresário meu amigo com bons contactos junto da gerência, talvez lho deixem por 35.000 (11 contos). Para fazer a reserva, contacte o sr. Moisés que é uma espécie de subdirector através do telef. 00.245.7237570.

Em Bissau, existem vários restaurantes, aceitáveis, com preços que não sendo baratos também não são exorbitantes. Quando forem para o interior, previnam-se com água, fruta e conservas. Até podem (e devem) levar umas latitas de cá.

4 - Quanto à bagagem: a roupa deve ser apenas a estritamente necessária para a estadia, transportada em sacos que caibam nos porta-bagagens da cabine (evitar as malas de porão), e adequada ao clima: dias quentes e relativamente húmidos sem chuva durante o dia, mas frescos à noite durante o mês de Janeiro.

Não esquecer de meter no saco uma pequena quantidade de sabão rosa ou azul. Uma T shirt, umas cuecas ou um par de meias, lavam-se à noite e deixam-se a secar frente ao ar condicionado. No dia seguinte ... é só vestir. E na falta de sabonete, shampoo ou creme de barbear, entra o sabãozito. De resto, quanto menos tralha, melhor.

5 - Quanto à segurança: na Guiné não há registo de criminalidade violenta exercida contra os turistas. Eu nunca tive qualquer problema, e posso garantir que se pode viajar tranquilamente por todo o território sem qualquer receio. No entanto, água benta e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

Como é sabido, a pequena delinquência existe em todo o mundo. Vamos então tomar algumas precauções. Em primeiro lugar, é fundamental não dar nas vistas. Para tanto, comecemos pelas roupas, que devem ser tanto quanto possível idênticas às das pessoas que lá vivem e trabalham. São de excluir os calções, roupas ou calçado de marca, objectos de ouro, relógios caros (ou de estimação!), máquinas de filmar ou fotogáficas a tiracolo (sempre no bolso, excepto quando estão a ser utilizadas ...). O mesmo para o telemóvel.

Relativamente aos documentos, eu costumo levar apenas o passaporte e uma fotocópia do BI para trazer no bolso no país de destino, para além dos meios de pagamento que tenciono utilizar. Note que isto é válido para os países pouco desenvolvidos, como para os ditos civilizados. Toda aquela carteirada de documentos que habitualmente nos acompanha para todo o lado, fica de férias em Portugal. E no cofre do hotel (quando existe), ficarão guardados, o passaporte, os valores em dinheiro, o cartão de crédito e os objectos valiosos. Nunca deixe quaisquer valores à vista no quarto. As malas devem ter fecho de segurança ou um bom cadeado.

O regresso ao hotel ser feito a pé, deve ocorrer antes do anoitecer. Na rua, as conversas ou qualquer comentário entre si e a esposa devem ser feitos de modo a que outras pessoas não se apercebam do seu conteúdo ou da razão da vossa presença no país (turismo, visita a familiar, trabalho etc.), nem mesmo da nacionalidade. Para qualquer digressão nocturna, chamem não o António (!) mas o táxi.

6 - Saúde: não recomendo a profilaxia anti-palúdica. É preferível fazer a prevenção através da observação de algumas regras e comportamentos. Durante o dia pas de problème! Mas se a zona a visitar for particularmente húmida (pantanosa), pode usar-se um bom repelente, comprado em Portugal. Existem à venda de diversas marcas, com excelentes características cosméticas.

À noite, no restaurante, discoteca ou simples passeio, usar sempre roupa com mangas compridas e calças, cobrindo as partes expostas (mãos e face) com o repelente (spray ou stick). As meias de desporto (Sportzone, por ex.) são também uma boa opção, pois oferecem algum conforto aos pés durante as caminhadas e à noite, dada a sua espessura, impedem que o ferrão dos mosquitos nos atinja a pele dos tornozelos. Até podemos meter as calças por dentro delas.

Para aquelas pessoas que se sentem mais seguras se tomarem o comprimido contra a malária (ou paludismo, é a mesma coisa), o medicamento que recomendo é o MEPHAQUIN. Toma-se um comprimido uma semana antes do embarque, outro na véspera da partida e daí para a frente, um por semana sempre no mesmo dia. Mínimo: 4 semanas de tratamento.

Do estojo de primeiros socorros deve constar também o paracetamol como analgésico e antipirético, um anti-inflamatório - por ex., Donulide, ou Voltaren para quem não sofre do estômago - , um anti-diarreico que pode ser o Imodium, um antibiótico multi-usos de que uma boa referência continua a ser o Clavamox, Augmentim, etc. Um ligadura de 7 cm (largura) e alguns pensos rápidos podem ser úteis.

Mas tão importante quanto isto tudo, é fazer um bom seguro de viagem, que garanta a evacuação aérea de urgência e/ou repatriamento em caso de doença súbita ou acidente.

7 - Meios de pagamento: EURINHOS, muitos! Notas de 5, 10, 20 e 50. E algumas moedas para dar, muito parcimoniosamente, aos putos que constituem a comissão de boas vindas, logo à chegada ao aeroporto e que não deixarão de ser bastante persuasivos em algumas ruas de Bissau, mas não no mato. Os câmbios fazem-se na rua em Bissau, onde aparecem os angariadores. Eu prefiro as Casas de Câmbio que se encontram praticamente todas concentradas numa rua da cidade. Cada euro vale à roda de 650 francos CFA (Communauté Francofone Africaine).

Para as crianças das aldeias a visitar, é conveniente levar alguns rebuçados, que não derretam com o calor. Esferográficas e outro material escolar assim como roupas, são muito apreciados mas muito difíceis de distribuir visto que é impossível levar quantidades que contemplem mais do que uma dezena ou duas de crianças, e elas caem-nos em cima como um enxame. Fica ao critério de cada um, mas se optarem por levar, então entreguem a alguém da tabanca e essa pessoa é que fará a distribuição.

8 - Deslocações: Taxi ou Toca-Toca (transporte colectivo). O táxi, bem negociado, pode ser uma boa solução e vai a todo o lado. Em Bissau, numa papelaria próxima dos Correios vendem-se óptimos mapas rodoviários da Guiné de que convém adquirir um exemplar logo à chegada, a fim de planear as viagens.

Uma boa norma consiste em viajar sempre na companhia de um guineense da sua confiança que lhe poderá ser recomendado por um amigo, alguém do hotel, um comerciante ...


9 - Nota final:

Os tempos mudaram, e a nossa relação com os guineenses não pode ser a mesma que se verificava quando por lá passámos há trinta e tal anos, com uma guerra então em curso. Eles estimam-nos, mas apreciam muito o tratamento de igual para igual.

Nunca se descuide com qualquer atitude de sobranceria ou arrogância tão frequente em pessoas que visitam África pela primeira vez. Evite o tratamento por TU, mesmo tratando-se de jovens ou crianças.

Nunca desdenhe dos produtos ou das intenções dos vendedores de rua. Sorria, converse com eles sem lhes transmitir a falsa ilusão de que está interessado se não for esse o caso, mas nunca lhes vire as costas. Nem os ignore baixando a cabeça e seguindo em frente. Uma moedita, nem que seja apenas de 20 cêntimos, que se dá a um garoto por aqui, a outro por ali, pode operar milagres no campo da comunicação.

Corresponda sempre a uma saudação e tome a iniciativa de cumprimentar quando achar que a bola está do seu lado. Para isso basta levantar o braço e fazer um ligeiro aceno de cabeça. Por outro lado, são proscritos os salamaleques bem como as atitudes de subserviência. Mostre compreensão pelas manifestações de pobreza ou mesmo miséria, material e humana, que vai sem dúvida encontrar. Não escarneça delas através do riso ou do gesto.

Do mesmo modo, situações ou atitudes que para nós podem parecer caricatas ou mesmo condenáveis, como por exemplo a abordagem por uma autoridade maltrapilha e ignorante, devem ser tratadas com pézinhos de lã. E muita compreensão.

Não se esqueça que estas pessoas podem não ter recebido um único salário desde há meses encontrando-se em situação desesperada. O lado positivo da coisa é que um qualquer berbicacho se pode resolver-se com uma discreta gratificação de 500 ou 1000 CFA. A melhor forma de lidar com esta gente é nós próprios deixarmos a cabeça de europeu aqui em Portugal e no seu lugar atarrachar uma de africano à chegada.

Durante a viagem é que não sei como vai ser! Em qualquer lado, cidade ou interior, não deixe de manifestar um particular respeito pelos idosos a quem tratará por Tio ou Tia. Sendo a população maioritariamente muçulmanna (2/3), a família tem para eles um valor que entre nós já lá vai. Por isso leve fotografias dos filhos e netos que mostrará quando achar oportuno. Vai ver quanto sobe no patamar da consideração desta gente simples. Se a sua máquina fotográfica ou de filmar é digital, mostre-lhes no display algumas das fotos que tirou e recolha um endereço para mais tarde enviar as cópias. Nunca prometa nada se não tenciona cumprir. Um africano nunca esquece o bem ou mal que lhe fizerem.

Dito isto, resta-me desejar-lhe boa viagem e uma óptima estadia.

Cumprimentos

Vitor Junqueira,
ex-alf mil da CCAÇ 2753 - Os Barões

(Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72) (1) .

Hoje é médico e vive em Pombal.

___________

Nota de L. G.:

(1) Vd. post de 23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P1254: Álbum de fotografias do José Couto (CCS/BCAÇ 2893) (1): Quinhamel



Guiné-Bissau > Quinhamel > Hotel Mar Azul

Fotos: © José Couto / Tino Neves (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do Tino Neves (1), com data de 11 de Outubrod e 2006:

Caro amigo Luís

Ontem enviei um lote de fotos zipadas, mas ficaram com cerca de 38 Mg, tentei e julgo não terem chegado, por esse facto vou enviar novamente varias vezes repartidas por terras (povoações).

Foram fotos cedidas pelo ex-Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria José Couto, da minha Companhia, a CCS/BCAÇ 2893.

São fotos que muitos dos nossos Tertulianos vão reconhecer.

Um abraço
Tino Neves

 
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, Tino. Obrigado também ao teu amigo José Couto que, segundo presumo, esteve recentemente na Guiné, em Fevereiro de 2005. Começamos por Quinhamel, a oeste de Bissau, onde fica o conhecido Hotel Mar Azul.
________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2006:
Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71)

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1253: O obus 14 de Bedanda (Albano Costa)

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Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1971/72) > Poderosa imagem do obus 14 disparando à noite... Esta cena, já reproduzida noutra ocasião (1), traz-me à memória um 1º sargento de artilharia, do BART 2917, sedeado em Bambadinca (1970/72), que sempre que o obus 10,5 disparava no Xime, comentava: "Lá se vai mais um fato"... Referia-se ao preço de cada granada...
Vendo esta imagem mais em pormenor, é de notar a inconsciência e a imprevidência dos nossos bravos artilheiros: nem sequer usavam tampões de protecção contra o ruído, se é que eles existiam na época... A solução expedita era, para alguns, tapar os ouvidos com os dedos das mãos... Hoje muito provavelmente terão problemas de audição, nalguns casos agravados pelo ruído no local de trabalho... (LG)

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Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1971/72) > Vista aérea da tabanca e aquartelamento.

Fotos: © Albano Costa (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Mensagem do Albano Costa (CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74), enviada em 18 de Outubro de 2006:

Caro Luís Graça:
Chegaram à minha posse duas fotos de Bedanda, entregues por um amigo meu que esteve na Guiné em 1970/72. Estou a enviar-tas para teres mais material fotográfico sobre Bedanda, e alimentares o nosso blogue, sempre que precisares...

Um abraço,
Albano Costa


Comentário de L.G.:

Obrigado, Albano. És uma verdadeira formiguinha, uma abelha-operária da nossa colmeia... Obrigado pelo teu gesto. Agradece ao teu amigo: é pena não saber o nome dele. Agradeço-te também o envio recente, por mão do Carlos Vinhal, de mais um CD-ROM com fotos do Hugo (Guiné, Abril de 2006) e de cópia do vídeo, com a reportagem da vossa viagem de Novembro de 2000 (duração: cerca de seis horas).
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1155: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (1): Bedanda, CCAÇ 6, 1970: O Obus 14 contra o foguete Katiusha

Guiné 63/74 - P1252: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (19): O Soldadinho de Fogo em Missirá

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Guiné > Aerograma dos Serviços Postais Militares (enviado à família pelo A. Marques Lopes, no Natal de 1968, quando estava na CCAÇ 3, em Barro )> Quadra Natalícia (pormenor) > O Soldadinho de Fogo, peça em dois actos, remake do Soldadinho de Chumbo, de Hans Christian Andersen, nunca chegou a ser acabada pelo seu autor, o Mário Beja Santos...nem muito menos posto em cena. Não havia brinquedos nem meninos cristãos em Missirá, nem o palco era o mais adequado: o teatro era outro, o teatro de operações, o palco era o da guerra (de terror e de contra-terror ...). (LG)

Foto: © A. Marques Lopes / Luís Graça (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.



Texto enviado pelo Beja Santos, com data de 18 de Outubro último. Continuação da publicação das suas memórias, como alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).


O Soldadinho de Fogo

por Beja Santos


Há dias, num enterro de um familiar muito querido, conversando com o meu sobrinho Rodolfo, falei-lhe do projecto da Operação Macaréu à Vista. Em dado momento, ele disse-me:
-Lembro-me muito bem que o tio me enviou o esboço da sua peça de teatro O Soldadinho de Fogo. Se não se recorda do que me enviou, faço-lhe chegar uma cópia. O tio fazia teatro infantil e prometeu-me que me mandava da Guiné uma peça original. Gostei muito da sua ideia. Acho que tinha cabimento fazer-lhe uma referência, pois eu recebi alguns meses depois de o tio lá estar a sua carta.

Iluminou-se o espírito. Quando comecei a trabalhar nos serviços mecanográficos da Previdência Social, conheci o Fernando Antão que colaborava muito com o Teatro do Gerifalto. O Antão era o grande mobilizador das nossas festas de Natal e logo em 1964 fiz de S. José, desempenho que bisei nos dois anos seguintes. Entrava em cena de burel e barbas postiças, e dizia coisas como esta:
-Maria, tão calada na noite fechada, será este o caminho para Belém?.

O grupo de teatro amador foi tão bem sucedido que começámos a colaborar em festas de solidariedade para angariar fundos. Foi nessas deambulações que me ocorreu um remake à volta do Soldadinho de Chumbo, de Hans Christian Andersen. A ida para a Guiné despoletou o meu alter ego para um final apropriado às circunstâncias. Para quem vivia enfronhado com travessias do Geba para ir buscar cebolas, arroz e chouriço, desesperava com falta de armamento e munições, tinha que levar a Binta ao médico para lhe prescrever anovulatórios, tinha a tropa arrasada por patrulhamentos diários em Mato de Cão e vivia as inclemências da época das chuvas, a prenda para o sobrinho Rodolfo justifica-se plenamente ser aqui evocada. Vamos ao texto enviado:

Prólogo

A mãe sobe ao sótão onde estão os brinquedos. o seu olhar vagueia pelo amontoado da traquitana e a sua expressão ganha determinação, quanto às escolhas dos brinquedos já sem préstimo que vai oferecer aos meninos do orfanato. E numa cesta vai metendo um peão, bonecas de trapos, camiões e bolas. Ouve-se a voz do pai que surge na cena com ar de atarefado a dizer que é necessário partir com urgência. O estado de espírito da mãe reflecte-se na resposta, pedindo-lhe para partilhar a alegria que reside naquele sótão cheio de reminiscências da infância. O pai cede, brinca com uma espada de folha, dispõe no chão os restos de um exército de soldadinhos de chumbo. A mãe critica-lhe aquela euforia bélica. Acabam por abandonar o sótão, já com uma comunicação normalizada de adultos, o pai vai para os negócios, a mãe para as compras. Ao descer as escadas, a mãe observa com ar cismado:
-Estes brinquedos dos meus filhos escondem um segredo, mas qual será?

A mãe sai enquanto entram em cena o Roberto, o trangalhadanças e a Columbina às gargalhadas. Riem-se das conversas dos humanos, incapazes de escalpelizar o sonho e de apreender a força do lúdico. Ouve-se um poema alegórico à infância, declamado em off:

Infância, risos a brincar
horas sem minutos
dias sem tempo, sem esperar
a vida do meu sótão cheio de vultos

Lembro-me com os olhos quedos
pela saudade como me chamas, infância!
Saudades dos meus brinquedos
nesses tempos sem importância

Infância, as cordas de um baloiço
nos gritos das crianças que ainda oiço
Oh, aquela boneca de trapos, linda,
aquela boneca que não esqueço!

E brincava cheio de alegria
neste sótão, pelo chão
E a minha boneca de trapos, ria...
Ai, como ainda pulsas, coração.

Na minha boneca de trapos, há horas sem minutos,
há infância que ainda sinto
nas noites de Natal, rodeado de adultos...
Finjo escutar, finjo estar presente, minto.

Boneca de trapos, onde estás?
Ai boneca que imagino nos meus dedos cheio de nós
Ai boneca, vou ficar velhinho, vou ficar sem voz...
Segredos da minha infância, não te vás.

1º Acto

Roberto escarnece do soldadinho que, tal como Columbina, vai ser oferecido aos meninos do orfanato. Columbina desespera:
-Vão voltar a atirar-me ao ar horas e horas seguidas, até eu partir-me.- O soldado brada:
-Não entendo a vossa lógica onde só está certo o que é compreendido, o resto está tudo errado. Quero ver o mundo com outra abertura. Mas hoje temos que juntar esforços para conhecer o segredo de Natal. A mãe dizia há pouco que quer conhecer a verdade dos brinquedos. Pois os brinquedos querem saber a verdade dos homens.

Segue-se uma rixa, os brinquedos têm os ânimos incendiados. Já não se toma partido pelos brinquedos que vão ou ficam. Acaloradamente, os brinquedos querem ver do sótão a festa de Natal desses humanos de quem também troçam. O Roberto, o bufão abandonado, espicaça-os e subestima-os:
-Sabem porque é que nunca me deitarão fora, querem saber porquê? Eu sou o único de todos nós que não pode ter uma cara triste, quando eles estão tristes precisam do meu rosto alegre e brincalhão.

Entre zangas, arrufos e cumplicidades, o bufão sai vitorioso na sua maldade ao pedir a pena de morte para o soldadinho de chumbo por querer quebrar a fantasia, a razão de ser universal de todo o brinquedo. O bufão grita para o Mágico:
-Não há crime mais grave do que um boneco querer ser um homem, nós somos objectos de ilusão, não devemos querer imitar os homens.

O Mágico está indeciso quanto à sentença e escolhe Veríssimo, o Pantalonas, o extravagante palhaço que rufa os tambores, para dizer sim ou não ao castigo que de ser atribuído ao soldadinho. Pantalonas grita que não há castigo. Estala o clímax do desespero. Com voz solene, o Mágico considera que foi violado o art. 1º do estatuto da tragicomédia. E é assim que o soldadinho é condenado à perda temporária do uso da razão.

Ouvem-se os gemidos da Boneca de Louça, da Columbina, as gargalhadas inocentes do Pantalonas e termina o 1º acto com o soldadinho lançando o seu desassossego sobre a assistência:
-Quis e quero conhecer a verdade dos homens feita numa noite de Natal. Eu vou esperar até saber. Eu estou cheio de esperança!

2º Acto

Os brinquedos desceram à sala de brincar das crianças, no sótão só se vêem a Boneca de Louça e o soldadinho. O boneco, mesmo castigado, renova o seu propósito de conhecer o sonho dos homens quando esperam o Natal e enquanto se divertem com os brinquedos. Vendo o soldadinho tão desgostoso, a Boneca de Louça desafia-o para celebrarem a seu modo a festa que não partilharão com os homens. Então, o que é que irão fazer?
-Está ali uma caixa com figuras de barro. Todos os anos, por esta altura, os meninos costumam colocá-las dentro de uma caixa com uma estrela, põem musgo no chão, ouve-se música celestial. mas este ano a avó comprou figuras novas, estas de certeza que não voltarão a servir. Pois, brinquemos com elas.

A Boneca de Louça e o soldadinho trocam presentes. Diz o soldadinho:
-Toma esta estrela, protege-te com ela, deu-ma o meu pai pouco antes de morrer numa batalha terrível. Precisamos sempre de uma boa estrela na nossa vida.

Regressa Veríssimo, o Pantalonas. Dança para o soldadinho e para a Boneca de Louça. Entretanto, por ter findado o recreio dos meninos, foram regressando os outros bonecos ao sótão. O soldadinho e a Boneca de Louça escondem-se atrás de uma cadeira, no centro da boca de cena, a observar o movimento ruidoso dos outros bonecos à sua volta. Uma Luz intensa ilumina-os, fixando depois sobre o presépio. Atraído pelas exclamações do soldadinho que está maravilhado, os outros brinquedos aproximam-se, pé ante pé, circundam o presépio. O soldadinho exclama emocionado:
-Viram? Valeu a pena esperar, valeu a pena ser condenado por esperar. Vale a pena ter dúvidas, vale a pena sonhar. Eu sou um soldado que não serve para a guerra, pois quero ser como os homens e quero sonhar com a paz que vem anunciada pela estrela que vem dos céus.

A peça termina com um regozijo generalizado entre os brinquedos que promovem uma grande festa de Natal. A música deve expressar a turbulência e a vivacidade desejadas a esta cena culminante.

Eu esqueci completamente este Soldadinho de Fogo. Aquela época das chuvas está a esmagar-me, mesmo que os meus sonhos não esmoreçam como não esmoreceu o meu soldadinho. A palavra flagelação era arbitrariamente usada na Guiné para uma grande, média ou pequena tormenta de fogo, com ou sem canhão sem recuo, com muitas ou poucas costureirinhas, com muito aranzel das morteiradas, igualmente arbitrário era o número de mortos e feridos.

Escusam de perguntar porquê, tudo era flagelação desde que houvesse fogo sobre os nossos quartéis, com a duração de horas ou minutos. Ora, naquele dia 26, jantámos cedo fartos dos bifes de javali que Cibo Indjai tinha oferecido à messe. Era noite escura, seriam aí umas 8 horas, eu conversava com o Teixeira que me descrevia a sua vida enquanto emigrante em Darmstadt e em Marselha. Aliás, foi numas férias em que veio de França até Felgueiras que a tropa o apanhou pelo pescoço.

Lembro-me que estava a beber um leite com chocolate para fazer esquecer o gosto daquele javali quando caiu uma morteirada que levou o plinto em plena parada, seguindo-se o fragor das chapas do depósito de géneros despedaçadas por outra morteirada. É exactamente quando avanço para o abrigo do morteiro 81 que o Teixeira se atira para entro do bidão pejado dos cacos das garrafas de quem bebia na messe ou por ali passava. Adivinha-se o grotesco de carregar ao ombro aquele latagão com os pés em sangue e levá-lo para a enfermaria. Súbito, o fogo esmoreceu e não tinha começado há mais de um minuto. Não fossem os vestígios da intrusão própria para aterrorizar e teríamos inventado a flagelação. Ainda fogueámos durante alguns minutos mas a contenda parou por aqui. Trocámos mensagens com Bambadinca e o episódio fica para a história: o Teixeira foi o último ferido ligeiro daquele batalhão [o BCAÇ 1904] que amanhã de manhã parte para Brá [, a noroeste de Bissau].

A 27, na messe de oficiais, [em Bambadinca,] já na companhia do BCAÇ 2852 (2), oiço o discurso da tomada de posse de Marcelo Caetano e à noite escrevo para Lisboa:
-Mensagem bem elaborada, capaz de agradar aos nostálgicos do salazarismo e daqueles que confiam em promessas de abertura. É impossível encontrar uma saída política para esta guerra no que ele disse. Caetano e todos nós vamos sofrer as consequências.

O regresso a Missirá é quase caótico, tal a quantidade de chuva e lama nas bolanhas de Finete. Continuo aos tombos devido à acção do Fenergan. O Joaquim da Conceição partiu e o novo condutor é o Setúbal. É um pouco arrelampado, gosta de buzinar na noite escura na mata cerrada, disse-me a gargalhar que é para afastar os macacos. Mas é zeloso, nas suas mãos teremos viaturas menos avariadas. Na véspera, preparava-me eu para dormir e ele bateu-me à porta com estrépito exibindo uma requisição de massa consistente, uma nova ventoinha e óleos para os travões.

A escola primária dá frutos, o cadernos das cópias são a prova disso, as esferográficas já não desaparecem misteriosamente e Albino Amadu Baldé, o sargento de milícias envolveu-se na escolarização dos seus soldados. Oiço Bach mas também Grieg, Schuman, Scarlatti e Wagner. Depois de amanhã, acordei com os furriéis, sairemos de madrugada para patrulhar Paté Gide [, a noroeste de Missirá, a seguir a Sancorlá].

Desde a flagelação de 6 de Setembro [de 1968] que confiro grande importância ao conhecimento dos acessos e trilhos usados pelos homens de Madina-Belel.

Irei ter a última discussão acalorada com Saiegh. É já madrugada quando ele me bate à porta da morança para dizer que não há condições para patrulhar Paté Gide pois há grandes lutas entre os caçadores nativos e os milícias, acrescendo que pode haver um contacto muito feroz com o inimigo. Procuro explicar a Saiegh que a imaginação deve ser controlada, não é por haver tensões que a tropa está menos apta para patrulhar. Iremos mesmo a Paté Gide.

De pé, cuspindo fogo pelos olhos, Saiegh diz sentir-se subalternizado por não ser branco. Varado pelo argumento mais inesperado e mais injusto, peço ao Saiegh para se conter e recordar uma admiração que por ele nutro e que é pública. Ele irá para férias em breve, aproveitará a sua estadia em Bissau para encaminhar o seu futuro para a Companhia de Comandos Africana que está em preparação.

Fomos de facto até Paté Gide, nada a assinalar. Vou ainda demorar um mês para ficar com um quadro composto da situação. No Cuor, o bigrupo controla a população civil junto a Quebá Jilã e na zona do rio passa, em Mansoná. Com regularidade, militares do PAIGC e as suas milícias vão atravessar a estrada entre Gambana e Canturé para cambar o Geba seja nos Nhabijões seja em Santa Helena e Mero. Como não temos armas para dissuadir a instalação permanente daquela presença, ir até lá é probabilístico, esperá-los, rondá-los, atemorizá-los é talvez a única resposta possível.

Irei até Quebá Jilã donde trarei provas da presença de população que vive na órbita do PAIGC. E em Chicri e na sua vizinhança irei agora dar-vos notícias de algumas refregas. Dentro de dias, volto à estrada Bambadinca/Xime depois de ter conversado com o novo Major de operações. Vamos até ao Burontoni. Não guardo saudades da viagem. Explico porquê.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. último desta série > 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1229: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (18): Não fujam, nós não somos bandidos!

(2) Vd. posts de:
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
(...) "O Batalhão anterior tinha sido o BCAÇ 1904 (1966/68): foi no tempo deste batalhão que explodiu, por acidente, o depósito de material de guerra" (...)

Guiné 63/74 - P1251: Notas de leitura (2): O Caixa d' Óculos do Alexandre O' Neill nunca esteve em Missirá (Beja Santos)

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Capa de A Ampola Miraculosa, de Alexandre O'Neill (poema gráfico com que fez a sua estreia literária no Grupo Surrealista de Lisboa, em 1948; edição facsimilada, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002)




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Páginas 2 e 3 de A Ampola Milagrosa (2): "Adormeci certamente por intervenção da misteriosa ampola que descia do teto..."

Fonte: © Assírio & Alvim (2002) (com a devida vénia...)



1. Excerto de um texto do Beja Santos, a propósito dos suas leituras no reino do Cuor, em Missirá e Finete, até Março de 1969, quando a sua preciosa biblioteca e a sua não menos valiosa discoteca de melómano ficaram reduzidas a cinzas (1).

Felizmente que alguns de nós tínhamos, para os tempos de ócio, de espera, de lassidão, entre duas operações, duas flagelações, duas colunas ou duas emboscadas, alguns livros e até alguma música para nos entretermos, para alimentarmos a esperança de voltarmos ao reino dos vivos, para nos sentirmos gente...

Recorde-se que no seu saco, a caminho de Finete, ele levava, entre outros, um livrinho do Alexandre O'Neill:

"Falei do Alexandre O'Neill de que me empolgavam os seus textos no Diário de Lisboa à semelhança da Guidinha, do Sttau Monteiro. O'Neill, insisto, irá influenciar-me na formação do gosto, na renovação audaz da língua, na combinação do castiço com a claridade cosmopolita. Lembro-me de ter metido no saco A Ampola Miraculosa que pertencia à colecção dos cadernos surrealistas editados pelo António Pedro. A Ampola é uma colagem de ilustrações antigas, uma brincadeira imaginativa sem direcção, mas que me ajudava a compreender a mistura da poesia, da pintura e do panfleto político.

"O'Neill foi pintor e criou poemas ditos ortográficos, uma originalidade que infelizmente ficou sem continuadores. Para não ser repetitivo, A Ampola ficará reduzida a cinzas dentro em breve. Podem, pois, os meus gentis leitores tertulianos imaginar a satisfação que tive quando há dias, antes de passar a limpo este fio de memória, ter descoberto que a Assíro & Alvim deu à estampa a edição fac-similada da Ampola, mostrando o O'Neill como vate coroado. Confio na vossa bondade em interessarem-se pelo O'Neill ( se não o fizeram antes), e para os mais timoratos a minha sugestão é que se atirem à Ampola que começa assim: "Pais que fazeis? Os vossos filhos não são tostões, gastais-os depressa" (Ó Luís, sê amigo dos surrealistas e mostra coisas da Ampola)" (...)

Eu, pela minha parte, tinha-me publicamente comprometido a tratar bem o nosso O'Neill (com dois ll), já que é um dos nossos poetas favoritos, do Mário e meu... Não conhecia a Ampola. Em meados de setembro recebi um exemplar, emprestado, que ele teve a gentileza de me mandar pelo correio, com a indicação que tinha autorização da editora para divulhar e digitalizar alguns dos poemas ortográficos do O'Neill.

Nascido em 1924, que eu saiba, o poeta nunca foi tropa. Ainda quis ser marujo, coitado, mas em vão: "Frequentou o Curso de Pilotagem da Escola Náutica em Lisboa, tendo-lhe sido recusada, devido à sua miopia, a cédula marítima" (lê-se na sua biografia). Morreu de acidente cardíaco em 1986, à beira da Europa. As suas obras completas estão publicadas na Assírio & Alvim...

Parafraseando um dos seus geniais poemas, o O'Neill foi um homem do seu tempo, e a contratempo subia e descia a Avenida (da Liberdade), enquanto esperava por uma outra (ou pela outra) vida... O autor do "Poema pouco original do medo", e um dos grandes poetas do amor, também escreveu letras de fado como a Gaivota, uma das maiores criações da Amália... Lembram-se ? "Se um português marinheiro, /dos sete mares andarilho, / fosse quem sabe o primeiro /a contar-me o que inventasse, /se um olhar de novo brilho /no meu olhar se enlaçasse"...

Eu, que também andei pelo Cuor, a norte do Rio Geba, testemunho que nunca vi por lá o Caixa d'Óculos do O'Neill... Mas eramos todos primos dele, da cidade ou da província... Tínhamos fama de malucos, o que na Guiné se dizia por outras palavras: cacimbados, apanhados do clima... E, eu que fiz tropa, posso hoje contar um segredo que em tempos foi de Estado: "Na tropa / nunca soube onde era o norte / Nem a mão esquerda"...
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Páginas 10 e 11 de A Ampola Milagrosa: "Os meus primos tinham fama de malucos e, às vezes, reuníamo-nos convenientemente disfarçados"...

Fonte: © Assírio & Alvim (2002) (com a devida vénia...)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1102: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (12): Os meus irmãos de Finete

(2) Referência bibliográfica:

Título: A Ampola Miraculosa
Autor: Alexandre O'Neill
Colecção: Alexandre O'Neill
Prefácio de: Pedro Proença
Editora: Assírio & Alvim
Data de edição: 11 / 2002
Formato: Edição brochada: 32 páginas
Preço: 12 € c/IVA

domingo, 5 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1250: Os amigos são mesmo para as ocasiões, Leopoldo Amado!

1. Mensagem do nosso amigo, tertuliano, luso-guineense, Leopoldo Amado (1):

Organizado pelo Centro de Estudos de História Contemporânea do ISCTE, em Lisboa, teve lugar, entre os dias 3 e 4 do corrente mês, uma conferência em que se discutiu a guerra colonial. Fui convidado como conferencista a proferir umas palavras sobre «as implicações internacionais das guerras de libertação: o caso da Guiné».

Surpreendentemente, o Carlos Fortunato, o Pedro Lauret e o Luís Graça (todos membros da nossa Tertúlia) resolveram fazer-me uma agradável surpresa. Compareceram os três e pudemos conhecer-nos em pessoa. É escusado dizer que para mim foi algo extraordinário (certamente para eles também), pelo que aqui os deixo o testemunho do meu regozijo e os profundos agradecimentos pelo seu gesto.

Por razões profissionais e outras, lamento estar por agora um pouco arredado dos nossos profícuos debates, mas aqui fica a promessa de um regresso a breve trecho.

Cumprimentos
Leopoldo Amado


2. Comentário de L.G.:

Leopoldo: Os amigos são mesmo para as ocasiões. Eu já sabia da tua participação nesta iniciativa através de um e-mail do nosso camarada João Tunes. Divulguei, muito em cima da hora, através da nossa rede, a notícia desse Encontro Internacional, em Lisboa, nos dias 3 e 4 de Novembro, subordinado ao tema do Império: Guerra, Revolução e Descolonização… Foi, de facto, no ISCTE, aqui em Lisboa. A entrada no Encontro era livre, mas uma inscrição de 5 euros dava acesso aos resumos das comunicações e ao catálogo da exposição.

O nosso tertuliano Leopoldo Amado (doutorando em história contemporânea, pela Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa) fez uma comunicação, na manhã do dia 3, sobre As implicações da guerra de libertação: o caso da Guiné-Bissau...

Fiz um esforço para lá dar um salto, ainda tive a sorte de ouvir o Leopoldo, de lhe dar um abraço, de lhe desejar boa sorte para as provas públicas em que irá, em breve, defender a sua tese de doutoramento, e ainda por cima tive a grata supresa de encontrar o Carlos Fortunato, além do Pedro Lauret (de cuja presença, aliás, eu já estava à espera)... No meio dos abraços (havia ainda gente do meu tempo de ISCTE, a começar pelo Prof. Doutor Arsénio Nunes), deixei fugir o Aniceto Afonso, coronel e historiador, que o Pedro Lauret ficou de me apresentar...

Estamos a organizar um pequeno/grande grupo de amigos e camaradas da Guiné para dar apoio ao nosso Leopoldo, quando em breve ele for defender, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a sua tese sobre a Guerra de Libertação 'versus' guerra colonial: o caso da Guiné-Bissau... Mais do que convidados, estão mobilizados todos os nossos amigos e camaradas de Lisboa e arredores, que estiverem disponíveis na altura (O dia, a hora e o local serão oportunamente comunicados à tertúlia)... Vamos mostrar-lhe o que é amizade, a camaradagem e a solidariedade luso-guineenses...
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P840: Curriculum Vitae do nosso doutorando Leopoldo Amado

Guiné 63/74 - P1249: As primeiras fotos do Palmeirim de Catió (Manuel Gomes, CCAÇ 728)

Guiné > Região de Tombali > Catió > c. 1964/66 > Grupo de oficiais à mesa, no famoso bar Tombali, em Catió. Há dois palmeirins: o alf mil Mendes Gomes, o 2º a contar da direita; e o alf mil Gonçalves, o 1º a contar da esquerda. Os restantes pertenciam à CCS do Batalhão, então sedeado em Catió, com destaque o Major Luís Casanova Ferreira, de bivaque na cabeça e camuflado, ao fundo (era o homem grande da logística do batalhão e foi um dos mentores do 25 de Abril).

Mafra > Escola Prática de Infantaria > 1963 > Soldado-cadete Gomes...

O Manuel Gomes, hoje, jurista, reformado da CGD, 65 anos ... É ainda um jovem o nosso canário! (2)
Guiné > Região de Tombali > Pendão da CCAÇ 728, Os Palmeirins (1964/66)
Fotos: © J. L. Mendes Gomes (2006)

1. Mensagem do Palmeirim de Catió, o Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66).

Caro Luís:
Um grande abraço, antes de tudo. Sem qualquer lisonja, gostei muito do teu toque de mestre, surpreendente, ao iluminar e abrir, com a majestosa Praça do Giraldo, a minha segunda parte da Crónica dum Palmeirim (1). Ficou mais rica.
Só hoje te consegui mandar algumas fotos, em falta. As minhas desculpas. É que ando em mudanças e o espólio da guerra anda por aí à deriva..., como a desafortunada plataforma do Mar do Norte...Espero recuperá-la a tempo, de poder acompanhar os pedaços seguintes.
Fotos:
(1) Como se vê, vai uma do pendão dos Palmeirins ( já velhinho, a declinar...como o do dono);
(ii) e as outras, por dedução: a do soldado-cadete que fui, todo convencido, em Mafra;
(iii) a dum grupo, casual e ocioso, de oficiais, à mesa redonda do famoso bar Tombali, em Catió, onde estão apenas dois palmeirins, num intervalo da guerra: eu, o 2º a contar da direita; e o alferes Gonçalves, o 1º a contar da esquerda; os restantes eram residentes da CCS. Realço o Major Luís Casanova Ferreira, de bivaque na cabeça, em evidência, ao fundo ( era o homem grande da logística do batalhão e foi um dos mentores do 25 de Abril). Da direita prá esquerda, visíveis, temos o alferes de transmissões do batalhão - o Teixeira; a seguir a mim, o alferes, creio que se chamava Maia, responsável pela artilharia; o alferes Pires Marques, pela cavalaria.
(iv) Por fim, a dos meus, já lá vão, 65 anos...
A nossa Tertúlia vê-se que continua com muito boa saúde, a crescer e ainda melhor gerida. Os meus parabéns e um enormíssimo abraço a todos os tertulianos presentes e vindouros.

Mendes Gomes


2. Comnetário de L.G.:

Obrigado pelas tuas fotos.. Adorei: há muito pouca informação sobre este período da Guiné, o tempo dos canários, que antecederam os periquitos.. Pelo foto, vejo que continuas em forma... É claro, estamos a envelhecer, mas com nobreza, com engenho, com arte, com sabedoria, com classe... Fica a saber que gostei muito das tuas crónicas... É uma delícia encontrar gente, inteligente, bem humorada e que escreve bem... Fica já aqui a próxima encomenda de crónicas...
_________

Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

(2) Vd. post de 20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)

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Guiné > Zona Leste > Secor L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > A famigerada fonte onde o Monteiro foi emboscado e 'retido pelo IN'...



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Guiné > Zona Leste > Secor L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > A imagem da Virgem... da Discórdia. O Monteiro, protestante, ao que parece não gostava muito da Senhira... A maior parte dos soldados erm católicos, nortenhos, particantes e muito devoos da Virgem Maria. Aos pés da imagem que havia em Mansambo, deixavam-se fotografias, faziam-se votos, rezava-se., cumpriam-se promessas...

Fotos: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Mensagem do Torcato Mendonça que vive hoje no Fundão e foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69:


Caro Luís Graça:

Fui escrevendo e vou mandar-te a estória do Monteiro, Não Romeiro mas Pregador. O único prisioneiro da minha Companhia.

Os homens da Op Mar Verde libertaram-no [, em 22 de Movembro de 1970, em Conacri]. Será que o nosso País se preocupou com ele? Não sei!

O nosso dramaturgo [, o Luís Mário Lopes,] (1) levantou um problema que eu desconhecia. A ditadura, desculpa lá eu falar assim e tomar uma posição politica, era uma grande m...!

Cinicamente os jornais desse tempo, em notícia meio escondida, diziam: Mortos ao serviço da Pátria...

Um abraço,


2. Romeiro, não; talvez, Pregador
poor Torcato Mendonça

Francisco Manuel Monteiro, Soldado de Armas Pesadas, do 4º Grupo de Combate da CART 2339 foi, em 11 de Julho de 1968, retido pelo IN na fonte de Mansambo. É assim que reza o Historial da Companhia.

Não tinha pensado ainda na palavra que as NT usavam para definir os prisioneiros, retidos pelo IN... Os mortos da nossa Companhia vieram sempre connosco. Houve dois mortos, por afogamento, na travessia do Rio Pulom, resgatados cerca de uma semana depois. Mas vieram.

No Historial da Companhia consta (2):
Baixas Sofridas:

1. - Em combate
a – Mortos: Os falecidos em combate. Cinco no total (com os respectivos nomes)

b – Desaparecido: O Monteiro

c – Feridos: Trinta e três feridos.

2. – Outras Causas

a – Afogamento: Os dois já referidos.

Acidente de Viação: Um militar.

b – Feridos por acidente: Dois militares.

c – Doentes: Sete militares.

O Monteiro é dado como desaparecido e, na descrição da acção, diz-se retido. Claro que aceito a explicação dada no Blogue (1). Só não nos chamavam polícias… porque tanta estupidez tinha um limite...

Mas eu conto a estória do Monteiro:

O primeiro Grupo, a vir tratar da construção de Mansambo, foi o que o Monteiro integrava. Como era fraco, fisicamente, mandaram-no para serviços relacionados com o apoio aos graduados. Havia uma morança que servia de refeitório, sala de escrita e leitura e comando. Era lá que ele prestava serviço. A comida e locais de dormida foram sempre iguais para todos.

O IN não suportava a construção do aquartelamento (3). Em 28 de Junho de 1968 atacou para arrasar, em 2 de Julho colocou duas minas anticarro na estrada. Rebentei-as e uma delas tinha carga suplementar por debaixo. Ir à fonte, só acompanhado com uma segurança de, pelo menos, dez homens. Estava escrito e afixado.

O Monteiro tinha vindo de Bissau de uma consulta de oftalmologia. E porquê? Porque era Protestante ou coisa que o valha. A maior parte dos militares eram nortenhos, católicos e praticantes. Havia uma imagem de uma Virgem (mais tarde, creio que todos os grupos tinham uma) e a Virgem, que não era do agrado do Monteiro, apareceu de costas voltada. Culparam o rapaz. Passados dias apareceu o castigo Divino. Os óculos do Monteiro partiram-se e apareceu uma ligeira equimose na sua magra face.

Como, não se podia reparar o assunto pelo Divino foi-se pelo Terreno. Aí está o rapaz a caminho do médico em Bissau. No regresso a Mansambo, tratou de ir lavar a roupa na fonte. Bem berrou a sentinela. Juntou a deficiente visão à fraca audição e foi a caminho da famigerada fonte.

Nesse dia estava de visita, tratando de assuntos oficiais, o Alferes da Milícia da Moricanhe. Chegou a hora de almoço. Monteiro nem vê-lo. Não se sabia dele. O substituto lá trouxe o almoço e outros procuravam o faltoso. Já o almoço estava quase a terminar e eis a noticia: o Monteiro fora há horas para a fonte.

Rapidamente se arma um grupo e se prepara outro mais forte, já temendo o pior. Fui à fonte com o Alferes da Milícia Uro Baldé. Havia sinais evidentes de possível resistência, rastos e pingas de sangue. Enquanto eu vim para as transmissões pedir apoio aéreo, o Furriel Rei do meu grupo e o Uro faziam uma primeira busca. Minutos depois um estrondo. Mina. Fugimos com armas e enfermeiros. O Fur Rei e dois picadores estavam ligeiramente feridos, o Alferes da Milícia Uro Baldé já tinha falecido. Apanhámos e juntámos o cadáver.

Durante muito tempo a imagem daquele camarada, da maneira como morreu, a mutilação, inclusive os restos do almoço, buliam comigo. Eram as primeiras mortes, talvez a primeira vítima de mina. Depois um fulano fica besta e dizem que entra na normalidade.

Mandei um rádio, o segundo, para o BCAÇ 1904 [, sedeado em Bambadinca, e que viria a ser substituído a seguir pelo BCAÇ 2852]: Vítima de mina faleceu o Alf Mil Uro Baldé. Houve confusão com o meu nome: Uro ou Tor…? Esperavam o resto do nome… e eu, Torcato, ainda cá estou. Coisas do bom Capitão que tínhamos, nessa altura (Julho de 1968).

O Monteiro, coitado, foi para Conacri. Creio que ainda falou na rádio. A Operação Mar Verde libertou-o.

Há muitos anos perguntei por ele. Parece que Pregava a Verdade pelo Alentejo (4).

Foi prisioneiro e deve ter sofrido bastante. Oxalá seja respeitado pela Pátria. Há quem nela acredite.




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > Trinta e oito anos depois (!), a mesmíssima fonte continua a ser usada pela população local para abastecimento de água, higiene pessoal e lavagem da roupa... Esta é uma das fotos que o Hugo Costa, filho do Albano Costa, tirou em Abril de 2006, quando voltou à Guiné (tinha lá estado com o pai, em Novembro de 2000). Diz-nos o Albano que em Novembro de 2000 "ninguém nos sabia informar a localização da fonte. Agora, como vocês [, malta da CART 2339, o Almeida e o Saagum,] lá foram, sempre deu para dar com ela" (5).

Foto:© Albano Costa / Hugo Costa (2006). Direitos reservados.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1243: Questões politicamente (in)correctas (7): Desaparecido em campanha, morto em combate, retido pelo IN (Luís M. Lopes / Luís Graça)

(2) Vd. post de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (Carlos Marques dos Santos).

(3) Vd. posts de:

14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)

Esta é a emboscada em que o nosso camarada Saagum (que lá voltou em Abril de 2006) é gravemente ferido. Vd. post de 4 de Maio de 2oo6 > Guiné 63/74 - DCCXXXIII: Pedro, o filho do Saagum.

O Monteiro, aqui evocado pelo Torcato Mendonça, é apanhado à mão dois meses antes, também na fonte, mas sozinho. Em 11 de Julho de 2006.

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLII: História da 'feitoria' de Mansambo (Carlos Marques dos Santos)

(...) "Algumas notas: A 11 de Julho de 1968 o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 [ , de Moricanhe,] accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada [, o Monteiro,] só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974.

"Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água, que causou 11 feridos (5 graves) e um morto. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241) a 25 desse mês. Em 30 de Setembro nova emboscada na fonte a Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca.

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Carlos Marques dos Santos)

(4) Se alguém souber do seu paradeiro (ou tiver mais informações sobre ele), contacte-nos. Este homem, se quiser falar, terá muito para contar. A sua estória, triste, não deixa de ser prodigiosa... O que é que o terá levado a ir sozinho à fonte ? Lavar a roupa ? Imprevidência ? Ressentimento contra os seus camaradas que o agrediram por causa da imagem da Santa ? Heroísmo ? Solidão ? Desespero ? Impulso suicidário ? Por outro lado ele passou mais de dois em cativeiro, e pelo menos dois anos em Conacri... Deve ter conhecido Amílcar Cabral, contactou com outros prisioneiros, incluindo os da companhia do A. Marques Lopes (CART 1690)...

(5) Vd. post de 2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa).

sábado, 4 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1247: Questões politicamente (in)correctas (8): A nossa linguagem de caserna (David Guimarães / Luís Graça)

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Montemor-o-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > O David Guimarães, ao centro, em amena cavaqueira com o Humberto Reis, à direita, e a esposa deste, a Teresa, à esquerda (ambos estão de costas.

Foto:© Manuel Lema Santos & esposa (2006) (com a devida vénia...) . Fonte: página pessoal do Manuel Lema Santos > Encontro na Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Luís Graça & Camaradas da Guiné . Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Texto do David Guimarães, com data de 24 de Outubro último:


Independentemente de tudo, também é verdade que, se certos termos [tuga, nharro, turra, etc. ] poderão parecer ser ofensivos, eles só o serão efectivamente segundo a carga emocional que se coloca atrás. Contudo poderá evitar-se, sim, uma vez que poderão ser mal interpretados (1)...

Vocês perdoem-me mas vamos ter cuidado em não cair em textos demasiadamente elaborados, senão entramos no capítulo do romance e, então, os textos começam a ganhar qualidades literárias em demasia e a perder a outra qualidade, que é falar-se sobre o que acontece... A linguagem simples e perceptível é documento para todos, a outra não o será... Falamos na caserna, que assim seja, mas linguagem de caserna menos descuidada...

Os cuidados do Luis são pertinentes, sim... Contudo sei que nada é ofensivo, mas enfim... Às vezes com a palavra mais bem dita - aparentemente - dá-se uma grande facada, sem querermos (...).

Sendo que a guerra foi a mesma, os episódios são bem diferenciados. O atropelamento deverá evitar-se e sempre, mas a correcção, essa sim, é necessária... Aconteceu isto e aquilo... e outros dirão: bem, não foi assim mas assim e assado... E isso é muito bom.

A guerra, toda ela é um drama mas não nos fixemos demasido numa ou noutra acção dramática, Contemos, sim, como estamos a fazer: a bebedeira de cerveja, a vez que eu e o Martis (Ranger da CART 2716) estavamos ambos na vala a conversar. Nem força tínhamos para subir aquele metro e meio, tinhamos misturado várias qualidades de bebidas alcoólicas na cerveja... É que a guerra foi tudo isso, e muito mais...

Vi hoje um comentário do Vinhal (2), partilho o ponto de vista dele e o que estou a dizer é senão um reforço ao que João Tunes diz (3)... em volta do General Luís, que não se cansa de enquadrar tudo lá nos sítios devidos...

Que difícil será aturar esta tropa!


Um abraço
David Guimarães

2. Comentário de L.G.:


E siga a marinha, a força aérea e o exército, coadjuvados pelas bajudas, os básicos, os capelões e as senhoras enfermeiras (que nunca mais aparecem, senhores enfermeiros Zé Teixeira, Baia, Rui Esteves, João Carvalho...).

Obrigado, David, pelas tuas reflexões, mas nunca te esqueças que és um homem do Norte, carago!

Obrigado, Carlos, pela tua confiança no timoneiro...

Obrigado também ao João Tunes que, como bom transmontano tresmalhado em terra de mouros, gosta de pensar pela sua cabeça, e por isso faz questão de acentuar: blogue colectivo, sim, mas não colectivista... Pluralíssimo, pois, claro... E onde todos são camaradas, e não há senhores camaradas, ou seja, camaradas mais camaradas do que outros...

João, andava a sentir, a tua falta... Gostei dessa: para o bem e para o mal, nós estivemos lá! O único problema é o teu descritor ultrapassar, em muito, os 500 caracteres que os gajos do Blogger.com nos autorizam (são caracteres, e não palavras, como eu escrevi ontem...). Tens 148 palavras, 743 caracteres (sem espaços), 891 caracteres (com espaços)... Mas o mais importante são as ideias: as palavras depois arrumam-se...

David: Só não gosto dessa do general... Um gajo como eu que um dia disse que limpava o c... às folhas do RDM, nunca poderia chegar a general... João: E tu, se promoves a comandante, eu corro o risco, um dia destes, de estar como o teu querido Coma... Andante...

O melhor, amigos e camaradas, é não me nobilitarem... Os meus avoengos eram do mar, nasciam no mar, viviam do mar, morriam no mar, ou à beira-mar: na época dos Descobrimentos, foram arrebanhados, à força, para servir nas naus, como parte da guarnição (e não tripulação, como me corrigiu o comandante, esse, sim, de jure et de facto, Pedro Lauret)... Eram Maçaricos, esses meus antepassados, e o nome ficou na família, lá para os lados de Ribamar da Lourinhã (4)...

Se me quiserem promover, estou lixado... Não esquecerei o aviso que, no tempo do Senhor Dom Carlos se fazia aos cães de Lisboa, a acreditar no Ramalho Ortigão: Foge cão, que te fazem barão... Mas para onde, se me fazem conde?...

Em resumo, estamos a precisar de ouvir mais umas estórias bem curtidas do Jorge Cabral ou do Rui Felício que são tão boas ou melhores do que a lebre com feijão que a gente não chegou a provar na Ameira... E a propósito, já abriram o último post, com o videoclipe (que palavrão!) do Zé Luís e o Fernando Calado no cante alentejano ?... Pois não percam (5)...

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1225: Questões politicamente (in)correctas (1): Descrição do nosso blogue (Luís Graça)

(2) Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1226: Questões politicamente (in)correctas (2): Tugas, nharros e turras (Carlos Vinhal)

(3) Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1227: Questões politicamente (in)correctas (3): Blogue colectivo, mas não colectivista (João Tunes)
(4) V. post de 12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império

(...) "Uma saga que durou cinco séculos, e que atravessou a minha própria família do lado paterno: a minha bisavó [ Maria Augusta ] Maçarica, nascida em Ribamar em 1864, descendia justamente dos pobres diabos arrebanhados, à força, para os porões das caravelas e nas naus. Embarcados como pau para toda a obra, daí a alcunha (Maçaricos) e, possivelmente mais tarde, o apelido de família (Maçarico).

"O mar marcou-os de tal maneira que nunca conseguiram viver longe dele: foram (e continuam a ser) gente ribeirinha, concentrados maioritariamente em Ribamar da Lourinhã, mas também com um possível núcleo em Mira, sendo marinheiros, aventureiros, mercadores, pescadores, calafates, construtores de barcos, mestres de traineiras, pescadores de lagosta, pescadores do alto, cabos de mar, peixeiros, negociantes de peixe, donos de restaurantes, tascas e hotéis à beira mar, perdidos e achados nas setes partidas do mundo, junto aos cais" (...) .
Devo acrescentar que o meu concelho, o concelho da Lourinhã, também tem a sua quota-parte na história trágico-marítima deste país. Se nos reportarmos às três últimas décadas (ao período de 1968 a 2000), sabe-se que houve seis naufrágios de barcos de pesca onde morreram três dezenas de filhos da terra, com especial destaque para as gentes de Ribamar (fora outros acidentes de trabalho mortais, cujo número se desconhece). Um desses naufrágios foi o do barco Deus é Pai, em 26 de Março de 1971, no Mar do Serro, ao largo do Cabo Carvoeiro. Os restantes foram os do Certa (15 de Maio de 1968), Altar de Deus (6 de Novembro de 1982), Arca de Deus (17 de Fevereiro de 1993), Amor de Filhos (25 de Julho de 1994) e Orca II (antigo Porto Dinheiro) (19 de Julho de 2000). Entre estes homens há parentes meus, da grande família Maçarico.
Muito provavelmente também é descendente desta linhagem plebeia o Domingos Maçarico, ex-alferes miliciano da CART 1690, ferido no decurso da Op Jigajoga 2, em 31 de Agosto de 1967: vd. post de 3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIX: Sinchã Jobel II e III

5) Vd. post de 3 de Junho de 2005> Guiné 63/74 - P1208: Eu ouvi o passarinho, às quatro da madrugada (J.L. Vacas de Carvalho / Fernando Calado)