sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Guiné 63/74 – P12263: Memórias de Gabú (José Saúde) (32): “Ao esforço da Pátria”

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

As minhas memórias de Gabu: uma passagem por Bissau

“AO ESFORÇO DA PÁTRIA”

As minhas memórias de Gabu contemplam uma infinidade de situações por mim vividas e trazidas a público, por entender que nestes pequenos textos se cruzam gerações. Desta vez foi uma passagem por Bissau que meu deu ânimo para colocar na tela este pequeno resumo. 


A frase do título deste texto assume-se claramente estafada, admito. Aliás, terá sido com ênfase que os antigos marinheiros que desafiaram os “mares nunca dantes navegados” partiram para a descoberta de novas aventuras em territórios distantes, mas… “comendo o pão que o diabo amassou”. Foram heróis.

Deixem-me, porém, opinar que a dita efeméride “AO ESFORÇO DA PÁTRIA”, assimilada num outro prisma, foi, também, substancialmente sugerida aos antigos combatentes que em Angola, Moçambique e na Guiné cumpriram as suas comissões militares. Partia-se para a guerra em honra de uma missão meticulosamente incentivada pelos então senhores do poder que no cais de embarque reforçavam essa velha e misteriosa tese.

Ficava a prece ditada pelo estafado dicionário português que pátria é o “país onde se nasce e de que se é cidadão”. Com efeito, o soldado desconhecido embevecia-se com os discursos daqueles que na hora do adeus se desfaziam em múltiplos dizeres ocasionais, interiorizando a ação psicológica ao soldado sem medo que entretanto começava a ganhar uma outra dimensão. A Guiné, na ótica de ancestrais senhores, pressuponha um porção da pátria lusa que ousara forçosamente defender.

O militar seguia para a guerra convicto que a sua missão era defender um território que era declaradamente português. Seu. De facto, analisando o passado histórico que os nossos antigos navegantes nos legaram, a Guiné era uma província ultramarina onde a bandeira portuguesa se hasteava com presunção. Havia, pois, que defender aquele território que era nosso.

Lembrando dados históricos Nuno Tristão, navegador português, terá chegado à Guiné no ano de 1446. Outras fontes indicam que o primeiro a pisar solo guineense e a navegar nos seus rios, foi Álvaro Fernandes.

A certeza por nós observada ao vivo, e colocando de parte esses laivos históricos, a realidade remete-nos que a Guiné ao longo de 11 anos (1963/1974) foi palco de muitos milhares de militares que pisaram um território que nos foi deveras agreste. A guerrilha, sempre constante, não deu pausas e as suas consequências são sobejamente conhecidas.

Aliás, as suas sequelas apresentam-se para todos nós, antigos combatentes, como resquícios de pequenas/grandes memórias que contemplam ainda hoje o nosso já vasto palco da vida terrena e que nos remetem para imagens de outrora que guardamos honradamente no baú das recordações.

Olhando atentamente a foto exposta, certamente que todos os camaradas que tiveram oportunidade de passear pela cidade de Bissau e passarem ao cimo da avenida principal, defronte ao “chalé” do então governador, ter-se-ão deparado com este monumento erigido em tempos idos.

Naquela altura o verbalizado monumento forneceria ao esmerado guerrilheiro uma simbólica força interior que o conduzia ao fundo da dita avenida, precisamente numa das suas ruas transversais, montar uma emboscada a um prato de ostras, servidas com um molho africano, ou de uma travessa de camarão gigante grelhado e “derrubar” umas boas cervejas, mandando por ora os estridentes sons do armamento de guerra às urtigas. Combatia-se, simultaneamente, um eventual ataque de paludismo, ou um ataque de formigas, ou de abelhas em pleno mato. O momento era de lazer. A companheira G3 estava agora acomodada algures num eventual abrigo e num qualquer buraco em que a Guiné era fértil. 

Bissau assumia-se como ponto de embarque e de partida. Pela cidade movimentavam-se batalhões de tropas. Os que chegavam, alcunhados de piriquitos, desbravavam a nova metrópole; os velhos, já conhecedores da burgo e dos seus buracos, percorriam as ruelas com um certo à vontade. Havia no entanto um cuidado sempre atempado: um contacto com a PM que impunha a ordem pública e que esporadicamente se envolvia com veteranos de guerra que mandavam os camaradas policiais declaradamente às malvas. 

O alcatroado das ruas da cidade de Bissau, ou o pó das apertadas ruelas onde proliferavam casas tipo europeu, foram entretanto substituídos pelos amargurados trilhos e picadas num mato adensado, onde o imprevisto imperava a cada instante e o soldado sem medo desvendava rumos sempre impensáveis.

Reporto-me à foto onde estou sentado no já referido monumento, ficando a certeza que o clique foi justamente dado aquando vim de férias, abril de 1974, e quando o meu papel na Guiné pressuponha um antecedente grito de liberdade que parecia já entoar nos bastidores de um regime prestes a chegar ao fim: o 25 de Abril!... Num país já em liberdade, Portugal, atrevo-me a citar que para trás ficava a meteórica frase ostentada naquele irreverente monumento a jovens enviados para as frentes de combate, aniquilando os seus sonhos, e que mui pomposamente dizia: “AO ESFORÇO DA PÁTRIA”.

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523


Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12262: Memórias de um passado (Joaquim Cardoso) (3): Um bacalhau que ficou para a história

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74), com data de 4 de Novembro de 2013:

Meu caro amigo, Carlos Vinhal:
Envio o presente texto, que é mais um episódio dos que retenho na memória.
Peço-te o favor de o ler e, caso entendas ser digno de publicação, dá-lhe o teu toque pessoal e coloca-o no respectivo lugar. 
Um grande abraço para ti e toda a tertúlia
Até breve.
J.Cardoso.


MEMÓRIAS DE UM PASSADO

3 - Um bacalhau que ficou para a história

Decorria o ano de 1973 e, em Agosto desse ano, completava eu, ou tinha completado, 1 ano (?) de permanência no Gabú-Nova Lamego-Guiné.
Os ponteiros do relógio teimavam em ser demasiado lentos, dando a sensação de cada hora passada ser um dia, cada dia um ano e, um ano uma eternidade!

A monotonia do dia a dia, juntamente com as saudades da família, o stress começava a apertar! Como se isso não bastasse, a alimentação que nunca foi famosa por aquelas bandas, vinha piorando cada vez mais, a ponto de haver mais que um levantamento de rancho, (recusa de comer a respectiva refeição).

Na ementa diária constava, salvo raras exceções, num dia arroz com "estilhaços" no outro esparguete com "estilhaços" (pedacinhos de carne). Legumes, não havia! Dizia-se que o Vagomestre se estava a governar com o "pilim" que era devido a cada militar para sua alimentação.

Por essa altura escrevi a meus pais, queixando-me da dita alimentação. Que estava enjoado de comer constantemente arroz e esparguete e, em termos de desabafo, manifestei um desejo à minha saudosa mãe, dizendo-lhe:
- Ah mãe... Quem me dera comer uma boa posta de bacalhau. Fosse cozido, assado ou mesmo cru! (É meu prato preferido).

 Confesso que nunca imaginei o resultado deste meu desabafo! Apesar de meus pais viverem numa aldeia e serem pessoas de fracos recursos, minha mãe interiorizou o meu queixume e o amor de mãe falou mais alto. Deslocou-se aos correios, percorrendo a pé uma distância de aproximadamente 8 quilómetros, informando-se sobre a possibilidade ou não, do envio de uma encomenda para a Guiné. Como a resposta foi afirmativa, na volta do correio entre outras coisas, dizia mais ou menos seguinte:
- Meu filho, recebi as tua carta e tomei nota do que dizias relativo à alimentação. Sabendo dos teus desejos, fui aos Correios de Vila Meã e despachei um pacote com bacalhau. Quando o receberes, dá-me notícias. Reconheço que não será o suficiente para te matar a fome, mas creio, contribuirá para teres alguns momentos de satisfação.

Cabe aqui uma nota de agradecimento:
- Obrigada mãe. Onde quer que estejas, que tenhas a devida recompensa pelo bem que me fizeste. De mim, nesta altura que escrevo, só poderei a título póstumo, publicamente agradecer-te e saudosamente recordar-te, vertendo algumas lágrimas de emoção causada pela prática do teu ato.

Depois de tão surpreendente novidade, dei por mim a imaginar se tal encomenda chegaria ao destino! Tomasse ela o rumo de algumas "folhas de vide" (notas de 20 escudos), que eram enviadas dobradinhas junto às notícias dentro dos aerogramas e, dificilmente comeria bacalhau! 

Felizmente assim não aconteceu! Passadas que foram cerca de 3 semanas(?), recebi o aviso e levantei a dita encomenda! Fiquei maravilhado. Coloquei o pacote às costas com cerca 4 kg, dirigi-me à caserna, e imediatamente o abri. Ali estavam diante de meus olhos umas boas postas do fiel amigo!

Para o saborear, convidei meia dúzia dos meus amigos e camaradas mais próximos e, no final do repasto, o resultado fica à imaginação de cada um, bastando para tanto visualizar as fotos que junto. Quando mais tarde noticiei a minha mãe o gosto que me tinha dado, ela, algum tempo depois, repetiu a dose, e o resultado final do segundo foi idêntico ao do primeiro. 

Penafiel. 4/11/2013
Joaquim Moreira Cardoso
Ex-Sold.Trans. NM 194530/71


Nesta foto, a começar da esquerda em plano mais baixo: O Vasco e eu Cardoso. Em plano mais alto, Pereira e Cunha(?). Na direita e plano mais baixo, o Monteiro e Morim(?)



Nesta foto, à esquerda, o Graça, de costas o A.Santos e mais 3 colegas dos morteiros e na direita eu, Cardoso
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12063: Memórias de um passado (Joaquim Cardoso) (2): Um só dia e uma só noite no mato bastaram para um grande susto

Guiné 63/74 - P12261: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (76): Encontro do nosso editor, ao fim de 6 anos, com a família do ex-alf mil Martinho Gramunha Marques, natural de Cabeço de Vide, Fronteira, morto heroicamente em combate, em Madina do Boé, em 30/1/1965


Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde > Em cima, o nosso editor Luís Graça, com a família do nosso infortunado camarada Martinho Gramunha Marques: duas irmãs (sendo a Adelaide a primeira a contar da direita) e um irmão (ou cunhado, não sei ao certo).


Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde >  Sessão de autógrafos: o autor escrevendo uma dedicatória a um familiar do alf mil Martinho Gramunha Marques, que era natural de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, Alto Alentejo. (Tem na sua terra natal, uma rua com o seu nome.)

Fotos (e legendas) : © Luís Graça  (2013). Todos os direitos reservados.





Guiné > Zona Leste > Pirada > Janeiro de 1965 > Da direita para a esquerda: (i) em primeiro plano, o alf mil Martinho Gramunha Marques (3ª CCac Indígena / BCAÇ 512, Mansoa e 1963/65; (ii) ao centro, o António Figueiredo Pinto, [alf mil, BCAÇ 506, Nova Lamego, Beli, Madina do Boé, 1963/65]; e (iii) o Sarg Piedade.

Foto tirada em Pirada...Poucos dias depois, a 30 de Janeiro de 1965, o Gramunha Maqreus morre numa emboscada, em Madina do Boé, heroicamente, em grande sofrimento...  Natural de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, Alto Alentejo, está inumado no cemitério de Cabeço de Vide.  Pertencia à 3ª Companhia de Caçadores Indígenas do BCAÇ 512.

Foto (e legenda) : © António Pinto (2007). Todos os direitos reservados.


1. No passado dia 26 de Outubro, o nosso camarada  e amigo José Romeiro Saúde, natural de Vila Nova de São Bento, Serpa, a viver em Beja, Baixo Alentejo, fez o lançamento do seu 5º livro, "Guiné-Bissau, as minhas memórias de Gabu, 1973/74" (Beja: CCA - Cooperativa Editorial Alentejana, 170 pp. + c. 50 fotos; preço de capa: 10 €),

Como já noticiámos, o evento constituiu um sucesso e foi pretexto para uma belíssima tarde de animação cultural, com dois grupos musicais do Baixo Alentejo. O Zé estava felicissímo pela presença de numeroso público, com muitos amigos e uma meia dúzia de camaradas da Tabanca Grande.  Fartou-se de escrever dedicatórias e autógrafos (nos cerca de 4 dezenas de livros vendidos). Veio gente de vários lados, do Baixo e até do Alto Alentejo. Um das grandes surpresas, que me emocionou, foi a presença da família do saudoso Martinho Gramunha Marques, um dos 75 alferes que morreram no TO da Guiné.

Mais uma prova de que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande! (*)... Finalmente pude comhecer um das primeiras mulheres, familiares de camaradas nossos, a entrar para a Tabanca Grande, Adelaide Gramunha Marques (ou Adelaide Crestejo). Vinha acompanhada de mais dois familiares, uma irmã e um irmão (, ou marido, ou cunhado, não fixei na altura, no meio de tanto ruído).

Já lhe mandei as fotos que publicamos hoje, juntamente com a seguinte mensagem, por mail de 3 do corrente::

Querida amiga Adelaide:

Estou feliz pelo nosso breve encontro. Afinal, você perdeu, irrremediavelmente, um mano na guerra, mas também nós ganhámos, enquanto grupo de ex-combatentes, uma mulher, que será nossa irmã, e que será sempre para nós e para as mulheres portuguesas que nos leem, um exemplo extraordinário de coragem, de lucidez e de amor fraterno.

A sua história tocou-nos, ao revelar-nos, publicamente, a sua reação íntima à notícia lida no blogue, sobre as circunstâncias da morte (heróica) do Martinho, dada por uma camarada dele, o António Pinto, e que você irá mais tarde conhecer (se não me engano).

Se a ajudámos a fazer o luto, a si e à sua família, como temos feito com outras mulheres e outras famílias, é o suficente para nos sentirmos compensados pelas agruras, que também as temos , da edição deste blogue, que vai fazer 10 anos de existência.

Gostaria de relembrar, num novo poste, a publciar em breve, o seu mano bem como a grande família que ele tem e de que ele se pode continuar a orgulhar, lá onde quer que ele esteja... Junto duas fotos que tirámos, na Casa do Alentejo, uma delas em grupo. Com tanto ruído na sala, não consegui tomar boa nota dos nomes dos seus manos, ou melhor, mana e mano (?). Enfim, gostaria de publicar no blogue uma pequena notícia sobre o encontro em que finalmente conheci uma mulher, como você. de grande nobreza, e uma boa amiga do blogue, uma das primeiras a juntar-se à nossa "caserna virtula", a que chamamos Tabanca Grande.

Se por acaso tiver fotos, digitalizadas, do seu mano e dos seus camaradas, cá e/ ou na Guiné, esteja à vontade para mas mandar (ou não). Eu acho que ele, mas vocês e nós também, temos direito à memória. Falar dele é não esquecê-lo, é mantê-lo ao pé de nós. Um beijinho do Luís Graça



2. Recorde-se aqui a mensagem de Adelaide Gramunha Marques, publicada em 20 de junho de 2007 (**):

Exmo. Senhor Dr. Luis Graça

Estou a escrever-lhe porque através de um dos meus sobrinhos (#) veio parar-me às mãos um blogue que fala da Guiné, daqueles que por força do destino ou da cegueira de um homem, se viram envolvidos em lutas que não provocaram e cujo desfecho final nem sempre foi o mais agradável.

Deixe que me apresente primeiro: o meu nome é Maria Adelaide Gramunha Marques Sales Crestejo, irmã do falecido Martinho Gramunha Marques (##).

Quero que saiba que a minha primeira reacção quando vi o blogue, foi de expectativa pois fiquei entusiasmada com a ideia de que aqui podia finalmente encontrar alguém, que durante aquele período de tempo em que ele esteve na Guiné (3), conviveu com ele, quem sabe assistiu aos seus últimos momentos, o confortou, lhe deu apoio enfim, não o deixou morrer sozinho.

Quando vi a mensagem do Sr. António Pinto e vi o nome do meu irmão ali escrito com todas as letras, nem parei para pensar e foi então que um murro me atingiu em cheio o estômago, a cabeça começou a girar e as lágrimas não paravam de brotar dos meus olhos.

Ali à minha frente estava aquilo que durante anos e anos eu tentei saber e nunca tive ninguém que mo dissesse. Como foi a morte do Martinho Gramunha Marques ? O meu coração pedia a Deus que tivesse sido rápido, que ele não tenha sofrido.

Agora sei que isso não foi assim. Agora que já passaram 2 dias desde que tive conhecimento da vossa existência, e tendo lido com mais calma alguns dos comentários e narrativas, acho que foi bom, esta revelação aproximou-me mais dele.

Há no entanto tanta coisa que eu gostaria de saber, por essa razão lhe escrevo este email, pois gostaria se isso fosse possível, entrar em contacto directo com o Sr. António Pinto (4), seja através de telefone ou email.

Dr. Luis Graça, não quero terminar este email sem antes mandar para si e para todos os que de uma maneira ou doutra tornaram este cantinho uma realidade, um BEM HAJAM e as maiores felicidades.

Adelaide Gramunha Marques
______________

(#) Comentário de Bernardo Garmunha Marques ao poste de 23 de janeiro de 2007 | Guiné 63/74 - P1456: Gabu: Fotos com legendas (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (1): Pirada e Piche

(##) Vd. poste de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui
ferido

3. Comentário, na altura, de L.G.:

Querida senhora, cara amiga:

(...) Deixe-me ser solidário na sua dor e na sua revolta. Deixe-me que lhe fale do meu próprio espanto. O seu irmão morreu há mais de 42 anos, no dia 30 de Janeiro de 1965, em Madina do Boé (de má memória para muitas famílias portuguesas) (...)

(...) Mas a família nunca soube as circunstâncias da morte do Martinho. Vem a sabê-lo, há dias, casualmente, impessoalmente, através da blogosfera, através do do relato de um camarada e grande amigo do seu tempo de Guiné, o ex-Alf Mil António Pinto...

É triste que as coisas tenham acontecido assim. É revoltante que o Exército, na época, não tenha conseguido sequer humanizar a notícia da morte dos seus homens.  Percebo hoje a sua revolta, que é também a nossa. Resta-nos a consolação de termos contribuído um pouco - todos nós, a começar pelo António Pinto - para que você, irmã do nosso camarada Martinho Gramunha Marques, e os seus familiares mais próximos, consigam finalmente fazer o luto e preservar o melhor da sua memória... Através do nosso blogue, através do pungente relato do seu amigo e camarada António Pinto, o Gramunha Marques não será esquecido. (...)


[ Foto a esquerda, António Pinto, II Encontro Nacional da Tabanca Grande, Pombal, 2007; vive atualmente em Vila do Conde] (***)

4. Excertos do poste P1437:

(...) (1) Gramunha Marques, morto em Madina do Boé.

Estava em Beli, já noite, quando através do rádio do Chefe de Posto soube o que aconteceu aos nossos camaradas, que foram vítimas duma emboscada fatal. A minha primeira reacção foi entrar em contacto com Nova Lamego e pedir autorização para ir tentar ajudá-los.


Levei uma nega do Ten Cor Figueiredo Cardoso  (****) que me deu ordens terminantes para ficar onde estava, em Beli, com redobrada vigilância. Com os nervos à flor da pele, desliguei-lhe a comunicação depois de quase o ter insultado (e que mais tarde pedi desculpa, do acto impensado).

Pedi voluntários para irem comigo, mesmo desobedecendo
às ordens e quem conseguiu demover-me, já
com a pequena coluna pronta para arrancarmos, foi o Furriel Stichini, que me disse e não posso mais esquecer:
- Nós vamos, mas será o responsável pelas nossas mortes.

Acabei por ficar, destroçado e cheiro de raiva. O Gramunha Marques, soube-o depois, teve uma morte horrível,
com uma perna esfacelada, esvaindo-se em sangue e sempre consciente até ao fim. (...) (*****)

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Notas do editor

(*) Último poste da série > 5 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12252: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (75): O reencontro de 3 amigos e camaradas estremenhos: Eduardo Jorge Ferreira (Polícia Militar, BA 12, 1973/74), Jorge Pinto (3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) e Luís Fernando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)

(**) Vd. postes de:

20 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

5 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8324: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (10): O pungente testemunho da irmã do nosso malogrado camarada Martinho Gramunha Marques, morto em Madina do Boé, em 30 de Janeiro de 1965

(***) Alguns dados sobre o António Figueiredo Pinto:

(i) Embarcou para a Guiné em Novembro de 1963, em rendição individual ("Fui substituir um colega que se pirou para o Senegal");

(ii) Passou  por Nova Lamego, tendo ao fim de algum tempo sido destacado para Pirada ("onde reconstrui o aquartelamento");

(iii) Esteve e algum tempo em Geba ("zona na altura um bocado perigosa, mas sem problemas");

(iv) Veio de férias, à Metrópole,  em Outubro de 1964;

(v) No regresso, foi destacado para Madina do Boé (,"tendo sido o primeiro pelotão a chegar lá onde montei o primeiro aquartelamento");

(vi) Depois foi para Beli (, o primeiro pelotão também a lá chegar e a montar o destacamento);

(vii) Em Maio de 65, o destacamento de Beli é atacado; o António Pinto é um dos sete feridos, na sequência do rebentamento de uma granada de morteiro;

(viii) Esteve um mês internado no HM 241, em Bissau;

(ix) Seguiu depois para Bolama, para dar instrução e terminar a comissão.

(***) Ficha das unidades:

BCAÇ 506: mobilizada pelo RI 2, partiu para o TO da Guiné em 14/7/1963, regressando a casa em 29/4/1965. Esteve sediado em Bafatá. Comandante: ten cor inf  Luís de Nascimento Matos.

BCAÇ 512: mobilização pelo RI 7;  partida a 17/7/1963 e regresso a 12/8/1965; localização: Mansoa e Nova Lamego: comandante: ten cor inf António Emílio Pereira de Figueiredo  Cardoso.

3ª Companhia de Caçadores Indígenas:

Elementos informativos pelo nosso colaborador, amigo e camarada José Martins:

(i) Esta unidade foi constituída em 1 de Fevereiro de 1961, como unidade da guarnição normal do CTIG;

(ii) Era  formada por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, 

(iii) Iniciou  a sua formação adstrita à 1ª CCAÇ I;

(iv) Em 1 de Agosto de 1961, com a constituição de dois pelotões, substitui a 1ª CCAÇ I na guarnição de Nova Lamego;

(v) Desloca elementos para guarnição de várias localidades do Setor Leste, por períodos e constituição variáveis, sendo de destacar as localidades de Che-Che, Béli e Madina do Boé;

(vi) Passou a guarnecer, em permanência as localidades de Béli e Madina do Boé instalando, em 6 de Maio de 1963, um pelotão em cada localidade;

(vii) Em 1 de Abril de 1967 passa a designar-se por Companhia de Caçadores nº 5, com sede em Canjadude.

(*****) O dia 30/1/1965 foi particularmente trágico para as NT no TO da Guiné. De acordo com o portal da Liga dos Combatentes, complementado com informações preciosas do portal Ultramar Terraweb (sobre a unidade de origem, e o concelho de naturalidade) morreram nesse dia, em combate, 10 camaradas nossos, todos do Exército, incluindo o Martinho Gramunha Marques. Nove estavam ligados ao BCAÇ 512, e devem ter morrido em Madina do Boé. Só um é de batalhão diferente, o BART 733 (que estava na região de Farim):

ANTÓNIO ANGELINO TEIXEIRA XAVIER, alf, CCAÇ 727 / BCAÇ 512; natural de Valpaços:

ANTÓNIO CANDEIAS DOS SANTOS,  Sold, CART 730 / BART 733; natural de Tavira;

ANTÓNIO JOAQUIM DA GRAÇA VIEGAS, Sold, CCAÇ 727 / BCAÇ 512; natural de Olhão:

AVELINO MARTINS  ANTÓNIO, 1º Cab, CCAÇ 727 / BCAÇ 512; natural de Monchique:

DOMINGOS MOREIRA LEITE,  Fur, CCAÇ 727 / BCAÇ 512; natural de Paredes:

JOSÉ MAXIMIANO DUARTE, Sold,  CCAÇ 727 / BCAÇ 512; natural de Monchique:

JOSÉ PIRES VIEIRA DA CRUZ,  Sold, CCAÇ 727 / BCAÇ 512; natural de Coimbra;

LEONEL GUERREIRO FRANCISCO,  1º Cabo, CCAÇ 727 / BCAÇ 512; natural de Loulé;

MARTINHO GRAMUNHA MARQUES,  Alf, 3ª CCAÇ I / BCAÇ 512; natural de Fronteira;

SILVÉRIO GALVÃO NOGUEIRA,  Fur, CCAÇ 509 / BCAÇ 512; natural de Mafra.


Guiné 63/74 - P12260: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (4): A caminho do Xitole, 26 anos depois

1. Quarto episódio da série do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), dedicada às suas viagens de saudade à Guiné-Bissau, a primeira efectuada em 1998.




CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU


A PRIMEIRA VIAGEM - 1998

4 – A CAMINHO DO XITOLE, 26 ANOS DEPOIS

No Capé, bem cedo, preparámo-nos para a viagem ao Xitole.
Viatura pronta, almoço piquenique na mala térmica para um dia inteiro “fora de casa” e lá partimos para uma visita cheia de incógnitas e de muita ansiedade.

Vinte e seis anos depois estava a caminho dos locais em que vivi os momentos mais marcantes e sofridos do meu percurso como ser humano. Ia levantar a poeira das memórias, ia rever um filme cujo enredo conhecia, mas cujo cenário e figurantes eram agora uma interrogação.

Atravessámos Bafatá. A partir daqui a estrada era alcatroada mas, a espaços, muito maltratada. Pela frente ficava Bambadinca. Aqui esteve sediada a CCS do BART 2917 a que pertencia a “minha” CART 2716. Em toda a comissão, só passei por Bambadinca de e para Bissau ou Bafatá e, este não era o momento para me deter por aqui.
Seguimos o nosso caminho e vos confesso que, ao atravessar Bambadinca, talvez pela presença de militares ou pelo imenso formigueiro humano que nos impunha marcha lenta, me senti algo inseguro.

Uns quilómetros mais à frente e, já só pensando no Xitole, tudo passou.
Com os olhos fixos na estrada tentava adivinhar os sinais que me ajudassem a identificar a “Ponte dos Fulas”, passagem obrigatória a caminho do Xitole. De repente, surge uma ponte que não conhecia. Aqui parámos e lesto, saltei da viatura. Um misto de alegria e de nervoso miudinho dominava-me. Debrucei-me sobre o varandim e não foi difícil encontrar logo ali o esqueleto da velha ponte. De um lado, alguns pilares carcomidos pelo tempo e, do outro, escondido entre a ressequida mas densa vegetação, estava escondido o velho fortim de vigilância. Estávamos na época seca e, do rio Pulon restava uma pequena lagoa com uma canoa submersa. Nada mais restava daquilo que a memória guardava. As obras da nova ponte e da estrada alcatroada, apagaram a estrutura principal do destacamento. Mas, qualquer coisa faltava ainda ao cenário.

A memória dizia-me que, entre a mata que deixara para trás e a ponte, existia uma bolanha que era cortada pela picada de acesso à mesma. O arvoredo que foi crescendo, algo disperso, alterou a paisagem. Da bolanha só o local. O Xitole estava agora muito próximo. Jipe em marcha, vencida uma pequena subida e, tendo por companhia cajueiros de ambos os lados da estrada, surge uma pequena placa que indicava que à direita estava o Xitole.
Abordámos a entrada da povoação. A paisagem que se me apresentou, só a espaços me dizia alguma coisa. Reconheci as árvores alinhadas de ambos os lados da antiga picada à saída do Xitole no sentido Saltinho, mas não reconheci uma mesquita que entretanto aí se construíra. Esta não era a entrada para o Xitole que eu conhecia.

Avançando devagar, entrámos pela tabanca adentro. A comparação das imagens que guardava na memória, com o cenário que tinha pela frente, dizia-me que este era o lugar em que passei os cerca de dois anos mais marcantes da minha vida. As moranças, alinhadas como no passado, eram agora em menor número e os velhos mangueiros continuavam no seu posto de sempre.
À medida que íamos avançando, a localização do “quartel” tornava-se mais nítida. Poucas crianças e alguns adultos aproximaram-se do jipe. Num primeiro olhar, não descobri qualquer cara conhecida. As primeiras palavras entre nós foram, num primeiro momento, algo cerimoniosas, passando rapidamente para o desinibido e até efusivo, o suficiente para quebrar aquela estranha sensação de estar a invadir a intimidade daquela gente.

Sentia-me tranquilo e feliz. Estava entre a “minha” gente. Reconheci neles a simplicidade, o jeito afável e as marcas das suas tradições e cultura. Era aquele povo que aprendi a respeitar, mas a quem tudo falta. Já no local da “porta de armas” e, na nossa frente, eram visíveis a casa do Chefe do Posto, o depósito de géneros, a secretaria e messe de sargentos, a messe dos oficiais e, à esquerda, o esqueleto em betão do que foram as oficinas e o posto de socorros. Aqui, mais ao centro, estava o memorial deixado pela CART 2413 que nos antecedera, e o mastro em que todos os dias era desfraldada a Bandeira Nacional. À direita, ainda resistia a casa e o armazém do comerciante libanês Jamil Nasser.

Saí do jipe e fui vasculhar o que restava do “meu” posto de socorros. Dois degraus, as vigas da estrutura da construção e os muitos “cacos” dos tijolos que tinham sido aproveitados para outros fins, eram tudo o que restava do cenário em que exerci a enfermagem possível, e de que guardo memórias que nunca mais se apagam. Continuámos até ao fundo do “quartel” e aí encontrei outra construção que não conhecia. Era a escola com duas salas de aulas.
Quando o Professor (Nicolau Afonso) se apercebeu da nossa presença, acabaram-se as aulas. Dissemos que trazíamos roupas, cadernos, lápis e uma bola de futebol. A criançada pulava alegre, ruidosa e olhava-nos com curiosidade. A notícia chegara até à tabanca e não tardou que mais crianças e adultos se nos juntassem para a distribuição. Era o brilho no olhar daquela gente e o sinal de que estavam gratos pela nossa presença.

Quando demonstrei interesse em encontrar o “meu ajudante”Galé Djaló, informaram-me que ele vivia em Quebo (Aldeia Formosa). Aproximava-se a hora de aconchegar o “papo” e fomos devorar o almoço piquenique em Cussilinta, para onde nos dirigimos, passando pelas tabancas de Cambésse e Sincha Madiu, com a ideia de irmos depois até Aldeia Formosa.
Os rápidos de Cussilinta são um lugar de visita obrigatória para quem dele desfrutou no tempo da guerra. O almoço bem regado e “farto” de carnes frias, foi saboreado à sombra de robustas e velhas árvores, junto dos rápidos. Para ajudar à digestão, saltitamos depois pelas rochas até aos canais por onde a água se escapava e até junto da piscina natural.

A paisagem é soberba. Duas águias pesqueiras sobrevoavam a zona. Estava na hora de irmos até Aldeia Formosa procurar o Galé. Pelo caminho ainda haveria lugar a uma pequena paragem no Saltinho para um café e para se apreciar aquela obra de arte. Lugar mítico este. Um antigo quartel aproveitado para uma “Pousada” de Pesca e Caça, uma ponte de porte altivo e o Rio Corubal a deixar-se deslizar por entre os espaços das rochas.

A paragem seguinte seria na procura daquele guineense futa-fula que tanto me tinha ajudado. Chegados a Aldeia Formosa indaguei, junto de um grupo de locais, da localização da morança do Galé. Depois de conversarem entre eles, informara-me que ele estava a trabalhar em Cacine, lá bem para o sul, como funcionário das alfândegas. Deixei o meu contacto e o pedido de, o informarem da minha presença no dia seguinte no Xitole. Queria encontrar-me também com o ajudante dos mecânicos Saido Baldé, que nessa manhã esteve ausente do Xitole.

Estava na hora do regresso ao Capé, para um resto de tarde junto da piscina, na companhia dumas “loirinhas” bem fresquinhas.

Foi um dia que respondeu a muitas das perguntas que trazia na bagagem e que me conciliaram com o passado. O “quartel” do Xitole retinha o essencial da sua estrutura e, apesar da degradação, tudo me era familiar. Estava tranquilo, feliz e em segurança, mas sentia a falta do contacto humano daqueles que conhecia.

Amanhã seria um novo dia.

(Continua)

Xitole - O que resta da Oficina e do Posto de Socorros

Xitole - Memorial da CART 2413

Xitole - Casa do Chefe de Posto

Xitole - Alunos a caminho da Escola

O que resta da mítica Ponte dos Fulas

Xitole - Resto da oficina e, à direita, degraus de acesso ao posto de socorros

Tabanca do Xitole

A minha primeira viagem à Guiné -1998 (2) - Do Hotel Capé (Bafatá), Xitole, Cambêsse e Sincha Madiu
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12226: Crónicas das minhas viagens à Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (3): A minha primeira viagem em 1998 - A descoberta da nova realidade

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12259: (De)Caras (14): Foto do alf mil capelão Augusto Baptista a celebrar missa em Binar, para a malta da CCAÇ 2404... Bate certo, camarada João Diogo da Silva Cardoso! Um Alfa Bravo!... (Armando Pires / Augusto Baptista)

1. Mensagem do Armando Pires [, foto recente, no Chiado, Lisboa, com o Augusto Baptista]

Data: 4 de Novembro de 2013 às 23:44
Assunto: Capelão Baptista

Bom, estou aqui pata te dizer que acaba de me telefonar o Capelão Baptista a confirmar o que para mim não tinha dúvidas.

Isto é, nas fotos do João Diogo (P12224)  [, foto abaixo, à direita] é ele, Augusto Baptista, quem está a celebrar a missa [, em Binar]. E disso te peço que informes o nosso camarada da CCAÇ 2404 [. João Diogo da Silva Cardoso, que vive no Funchal].

Mais, o Baptista pede-lhe desculpa, a ele e a ti, de não escrever pelo seu próprio punho, mas tem, e isso eu posso garantir que tem, uma vida sacerdotal muito agitada.

Não são apenas as duas paróquias à sua responsabilidade, é também toda a gestão do centro social paroquial de Perosinho, a que acresce a muitas solicitações, como padre, a que tem que ocorrer.
Deixa-me dizer-te que não há uma vez que eu lhe telefone que não me atenda enquanto vai a conduzir.
O Baptista é padre mas não faz milagres.

Por outro lado, e finalmente, a sua disponibilidade para as novas tecnologias não é famosa.
A bom entendedor...

Portanto, o que se passa aqui é que eu tenho todo o gosto em servir como intermediário, uma espécie de sacristão informático.

Pede-me o capelão Augusto Baptista que seja enviado um abraço ao nosso camarada,  ex-furriel miliciano João Diogo da Silva Cardoso, abraço que estende a todos os camaradas desta Tabanca Grande.

Pelo meu lado, ex-furriel enf  Armando Pires, fica a promessa (estamos a tratar de questões clericais, não é verdade?) de chegar a convencer um dia o Baptista a sentar-se à secretária, escrever sobre a sua experiência na Guiné,  seja por que método for,  que eu depois me encarregarei do resto.

Espero que, não obstante agnóstico, o Senhor me ouça.

Abraços


2. Comentário de L.G.

Armando: Quanto ao nosso capelão, diz-lhe que é uma alegria tê-lo aqui. Faço a conveniente receção dos abraços e comunica que foram de imediato reenviados aos destinatários, os nossos grã-tabanqueiros (m/f). 

Vou publicar a tua mensagem em estilo "tandem" (tu conduzir, ou seja, a teclar e ele ao lado, a ditar, neste caso, pregar...). 

É um gesto bonito da tua parte, oefereceres-te como "intermediário" entre o céu e a terra, o sagrado e o profano... Ex-enfermeiros, continuas, afinal, a ser um terapeuta, no sentido etimológico da palavra que vem do grego, therapeutes, aquele que faz a ligação com um deus, que esse, sim, é que cura, que faz milagres... Tu não és padre, mas é um medium (ou não fosses também um homem da comunicação social!)... Porra, predicados não te faltam, camarada!... Para Luanda, no dia 16, levo os contactos e as recomendações de me deste. Em matéria de angolanidade(s), sou periquito à tua beira...

Um abração. Luis

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12258: Álbum fotográfico do Luís Nascimento, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71 (Parte VI): Farim, em finais de 1970 e princípios de 1971:


Guiné > Região do Oio > Farim > CCAÇ 2533 (1969/71)>  C. finais de 1970/princípios de 1971 > O Luís Nascimento, 1º cabo op cripto,  junto ao monumento ao BART 733 (Bissau e Farim, de 8/10/1964 e 7/8/1966).


Guiné > Região do Oio > Setor 02 > Farim > CCAÇ 2533 (1969/71)>  C. finais de 1970/princípios de 1971 > O Luís Nascimento, 1º cabo op cripto,  á esquerda, junto ao monumento ao BART 733 (1964/66),  tendo a seu lado um outro camarada não identificado.



Guiné > Região do Oio > Setor 02 >  Farim > CCAÇ 2533 (1969/71)>  C. finais de 1970/princípios de 1971 >  O Luís Nascimento com mais "3 viseenses"...


Guiné > Região do Oio > Setor 02 > Farim > CCAÇ 2533 (1969/71)>  C. finais de 1970/princípios de 1971 >  Em primeiro plano, o.O Luís Nascimento na piscina de Farim, com o rio Cacheu ao fundo.




Guiné > Região do Oio > Setor 02  > Farim > CCAÇ 2533 (1969/71)>  C. finais de 1970/princípios de 1971 > Uma coluna [de Camjambari]  a Farim


Guiné > Região do Oio > Setor 02  > Farim > CCAÇ 2533 (1969/71) >  C. finais de 1970/princípios de 1971 >  Quem disse que os criptos não saíam... para o mato ?


Guiné > Região do Oio > Farim > CCAÇ 2533 (1969/71)>  C. finais de 1970/princípios de 1971 > O Luís Nascimento na sua cama... sem rede mosquiteira.




Guiné > Região do Oio > Setor 02  > Farim >  CCAÇ 2533 (1969/71)>  C. finais de 1970/princípios de 1971 >  Cartão (personalizado) de boas festas, Natal de 1970.




Guiné > Região do Oio > Setor 02  > Farim > CCAÇ 2533 (1969/71) >  C. finais de 1970/princípios de 1971 >  O  Luís Nascimento em tronco nu... Repare-se na tatuagem no braço direito, "Guiné 69-71". Na época, ou pelo menos entre nós, a arte da tatuagem ainda era incipiente... Nada que se pudesse comparar con a sofisticação, a técnica e a estética de hoje... Já tentámos abrir uma série sobre tatuagens... Mas creio que só saiu um poste...



Guiné > Região do Oio > Setor 02  > Farim >  CCAÇ 2533 (1969/71) >  C. finais de 1970/princípios de 1971 > "Homenagem ao Homem Grande de Farim"... Régulo ? Dignitário religioso ? Não sabemos...

(Esclarecimento posterior do nosso querido amigo e camarada Carlos Silva, esse sim o verdadeiro 'régulo de Farim', como a gente lhe chama na brincadeira, devido aos contactos e ao conhecimento profundo que tem da Guiné, e em especial da região de Farim: "Meu caro Luís Nascimento: O 'Homem Garandi' da foto não era régulo, mas um simples cidadão muito simpático a quem chamavam carinhosamente '120 chuvas', porque,  e quando toda a malta em tom de brincadeira lhe perguntava quantos anos tinha, punha-se em sentido e respondia com simpatia ter '120 chuvas', pois era assim a forma de ele contar os anos.Era uma figura típica de Farim. Várias vezes me cruzei e falei com ele. O seu nome que de momento não tenho presente, consta da HU do BArt 733 que faz alusão à sua detenção em consequência de um acontecimento triste, já aqui narrado, em que morreram mais de uma dezena de civis devido ao lançamento de uma granada para o meio de uma batucada, pois presumiram que ele era um informador duplo. Abraços, Carlos Silva.").


Fotos (e legendas) : © Luís Nascimento (2013). Todos os direitos reservados. [Edição / Legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da publicação de uma seleção  de fotos
 do álbum do nosso camarada, Luis Nascimento, o ex-1º cabo operador cripto Nascimento (também conhecido, na tropa por Assassã, do francês "assassin", assassino, alcunha que ganhou no tempo em que era... júnior do Académico de Viseu) [, foto atual à esquerda].

O nosso grã-tabanqueiro Luís Nascimento pertenceu à CCaç 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71). As fotos foram-nos enviadas pela sua neta, Jessica Nascimento em 1/10/2013.



2. Sobre a história desta subunidade, ver o dossiê completíssimo publicado pelonosso querido camarada e amigo  Carlos Silva, na sua página Guerra na Guiné 63/74.


(i) A CCAÇ 2533  fdoi mobilizada pelo  BCAÇ 10, Chaves;

(ii) Partiu para o TO da Guiné em 24/5/1969 e regressou a 17/3/1971

(iii) Comandante: Cap. Inf Sidónio Martins Ribeiro;

(iv) Em 10/6/69, seguiu para Canjambari, a fim de realizar o treino operacional, sob a orientação do COP 3;

(v) Em 19/6/69, assumiu a responsabilidade do respetivo subsetor de Canjambari, em substituição do pessoal restante da CArt 2340 e outros efetivos ali colocados temporariamente em reforço,  ficando integrada no dispositivo e manobra do COP3 e depois BCaç 2879;

(v) Para atuação nos corredores de Sitató e Lamel, destacou, por períodos variáveis, dois pelotões para Cuntima, de 25/11/1969  a 3/12/196969 e de 27/12/1969 a 15/2/1970; e para  Jumbembem, de 19 a 27712/1969, 23/3/1970 a 10/4/1970 e de 23/4/197070 a 4/9/1970, ambas no mesmo setor;

(vi) De 16 a 21/11(1970, efetuou a rotação do seu efetivo com a CCaç 2681, deslocando-se para Farim, no mesmo setor, com a missão principal de contra penetração na linha de Lamel;

(vii) Em 20/2/191, foi substituída pela CCaç. 14 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

  As fotos que hoje publicamos foram tiradas em Farim,  presumivelmente entre finais de novembro de 1970 e meados de fevereiro de 1971.

Guiné 63/74 - P12257: Filhos do vento (22): Criada a Associação de Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné


Título de notícia  do "Público", 1/11/2013, assinada pela jornalista Catarina Gomes. A Catarina foi responsável, juntamente com Manuel Roberto e Ricardo Rezende, por uma notável  peça de jornalismo de investigação sobre o tema, politicamente incorreto, dos "filhos do vento", disponível no portal Público Mais.

Recorde de imprensa reproduzido aqui com a devida vénia.

1. Sinopse da notícia

(i) São filhos de ex-combatentes portugueses da guerra colonial e de mulheres guineenses, andando hoje na casa dos 40/50 anos;

(ii) O seu desejo é ainda poderem conhecer o pai "tuga";

(iii) Criaram, um grupo deles (cerca de 50, vivendo em Bissau), a Associação de Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné, sendo o seu presidente Fernando Edgar da Silva;

(iv) O objetivo principal  da associação é  "obter a cidadania portuguesa" e "conhecer o pai";

(v) Estão já a fazer diligências  para serem  recebidos pelo embaixador de Portugal na Guiné-Bissau;

(vi) Na sexta-feira (, dia em que em Portugal se vai aos cemitérios visitar as campas dos entes queridos que já partiram) , e num gesto simbólico, este grupo de "filhos do vento" guineenses foi depositar uma coroa de flores “ao pai desconhecido” (sic),  no cemitério de Bissau; 

(vii) A Associação foi criada na sequência do trabalho de investigação, corajoso e sério,  da Catarina Gomes (vd  reportagem do Público, Em busca do pai tuga);

(viii ) O presidente da associação fala da existência de  "centenas de pessoas espalhadas pelo país", a maioria das quais nunca conheceu o pai.

 Eis a história resumida de 3 dos dirigentes da associação:

(i) O presidente Fernando Edgar da Silva, camionista de profissão, nasceu em 1968; a mãe vivia em Teixeira Pinto (ou Canchungo), junto ao quartel:  o pai seria furriel, com comissão feita em 1966/67;

(ii)  O secretário José Maria Indéqui, técnico agrário, nasceu em 1971; o nome que lhe terá sido atribuído pelo pai era José Carlos dos Santos;  o progenitor terá regressado a Portugal por volta de 1973/74; esteva colocado no quartel de Pelundo, região de Cacheu;  vivia maritalmente com a mãe e tiveram mais duas raparigas;

(iii) A tesoureira Fátima Cruz, comerciante de roupa em Bissau, nasceu já em 1975;  o pai esteve no quartel de Empada e de Cutia (1973/74); a mãe era lavadeira do pai.

2. Ser solidário

Mandei à Catarina (e partilho agora com os nossos leitores) a seguinte mensagem da sequência desta notícia:

(...) Disponha sempre, mande notícias dos nossos 'filhos do vento'. Gostava de saber como poder ajudar a associação... Podemos fazer um poste... Quer escrever um pequeno texto ?...Aqueles homens e mulheres merecem muito mais!.. 

Sabemos, por outro lado, que  na sequência da sua reportagem também há, aqui em Portugal, irmãos e irmãs dos "filhos do vento",  que estão interessados em conhecer os irmãos e as irmãs que vivem na Guiné-Bissau. Naturalmente que tudo isto é feito com discrição, fora dos holofotes da comunicação social. Mas seria bom que a embaixada portuguesa assumisse um papel mais proactivo e dialogante na tentativa de resolução deste problema que está longe de ser um problema simples. A maior parte dos guineenses, filhos de portugueses do tempo da guerra colonial, não tem uma simples foto do pai, nem sabe o nome do pai...

(...) Eu sei que vocês, jornalistas, não gostam de misturar as coisas, a investigação e ação... Mas o blogue pode ajudar, temos associações também de solidariedade... Para já é preciso pôr o problema na nossa 'agenda'... Você, por seu turno, deu um excelente contributo com a sua magnífica reportagem... O Público é, continua a ser, para mim,  um jornal de referência. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de novembro 2013 > Guiné 63/74 - P12235: Filhos do vento (21): Apelo da jornalista do Público, Catarina Gomes, para a ajudar a descobrir uma "história de reencontro" (de um pai ex-combatente que tenha encontrado ou ido à procura de um destes filhos da guerra, ou de um destes filhos que tenha encontrado o seu pai)

Guiné 63/74 - P12256: Parabéns a você (648); Jorge Cabral (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)


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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de novembro de 2013 > 3 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12243: Parabéns a você (647): Ten-General António Martins de Matos, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12255: Memória dos lugares (249): Gampará e Ganjauará, na região de Fulacunda, e outros topónimos estranhos como Farema Beafada, Lagoa Bionrá, Gambachicha, Gansambo e Gambana que fazem parte das memórias dos bravos da 38ª CCms (setembro de 1972)



Guiné > região de Quínara > Mapa de Fulacunda  (1955) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Fulacunda, Lagoa Bionrá, Farema Beafada, Farema Balanta, Gambachicha, Gansambo, Gambana,  Ganjauará e Gampará...  Sítios (tirando Fulacunda) por onde andou a 38ª CCmds, em setembro de 1972.  E com ela os nossos amigos e camaradas Amílcar Mendes e Luís Fernando Mendes.

Esta margem esquerda do Rio Corubal,  com pelo menos duas lagoas de água doce (Bionrá e, maia a sul, Bedasse), e rica em bolanhas,  para além dos seus extensos palmerais e das suas manchas de  floresta-galeria,  era uma zona ideal para a guerrilha... Numerosa balantas e beafadas ali viviam e trabalhavam com uma relativa tranquilidade... Em condições normais, as NT só lá chegavam helitransportadas. De Gampará até à Lagoa de Bionrá deveriam ser mais de 20 km em linha recta...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)






38ª CCmds - História da Unidade > Cap II, página 9 > Registo da atividade operacional, em 12, 13, 16 e 18 do mês de Setembro de 1972, com destaque para o dia 13,  Acção "Águia Errante"

Foto: © Amilcar Mende (2007). Todos os direitos reservados.

1. Mais alguns elementos informativos para a pequena história das NT na península de Gampará:

12/9/72 - Patrulhamento das matas circundantes do aquartelamento de Gampará, com emboscada nocturna. Efetivos: 1 Gr Comb da 38ª CCmds. Sem contacto.

13/9/1972 - Acção "Águia Errante". Missão: patrulhamento, emboscada e golpes de mão imediatos na região de Bionrá.  Destruir instalações e meios de vida. Criar clima de instabilidade. Capturar ou aniquilar os elementos IN que se revelarem. Recuperar a população.

Efetivos: 3 Gr Comb da 38ª CCMds, atuando isoladamente. Plano de ação: os 3 Gr Com foram helitransportados até a norte da região de Faremá Beafada. Apoio de DO27 armada, assim como helicanhão, estacionados em Bissau. Heli para evacução, em alerta no solo, em Gampará. Apoio de artilharia (29º Pel Art, em Gampará). Duração: 12 horas.

Resultados: Pelo menos 2 mortos e vários feridos, a avaliar pelos rastos de sangue no solo. Captura, entre outro material, de 1 Met Lig Degtyarev, e de 1 Esp Semi-automática Simonov.

16 e 18/9/72 - Parulhanmentos ofensivos com emboscada  noturna nas regiões de Gambachicha, Gansambo e Gambana, a sul e sudoeste de Gampará.

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de novembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12247: Memória dos lugares (248): Em Gampará, sítio desolador, o dia mais feliz era quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau... (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando, 38ª CCmds, 1972/74)

Guiné 63/74 - P12254: Os nossos seres, saberes e lazeres (60): O livro Baladas de Berlim, de J.L. Mendes Gomes, Lisboa, Chiado Editora: O "pequeno grande segredo" do poeta...



Lisboa > Livraria Bar Les Enfants Terribles > Cinema King > 2 de novembro de 2013 > 19h00 > Sessão de lançamento do livro de poesia do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, "Baladas de Berlim" (Lisboa: Chiado Editora, 2013, 229 pp> coleção Prazeres Poéticos; preço de capa: 15€). O poeta falando de si e da sua obra... Muito compenetrado do seu papel e algo emocionado... Enfim, a revelação de um "pequeno grande" segredo...



Lisboa > Livraria Bar Les Enfants Terribles > Cinema King > 2 de novembro de 2013 > 19h00 > Sessão de lançamento do livro de poesia do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, "Baladas de Berlim" > O poeta e o seu filho mais velho, Paulo Teia, padre jesuíta. É um jovem que atingiu o estado da sabedoria. Disse, entre muitas outras revelações interessantes para se compreender o "making of" deste livro de poemas, bem a personalidade e o talento do autor, que um jesuíta é um "contemplativo em acção".  O lado contemplativo, conventual, herdou do pai, jurista.  O lado proativo e prático veio-lhe da mãe, bióloga, verdadeira âncora da família... Os filhos são quatro.A intervenção do Paulo Teia tocou-nos a todos e deixou o pai... babado!



Lisboa > Livraria Bar Les Enfants Terribles > Cinema King > 2 de novembro de 2013 > 19h00 > Sessão de lançamento do livro de poesia do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, "Baladas de Berlim" > Aspeto geral da mesa: da direita para a esquerda, a representante da editora (que publica 40 obras por mês, a maior parte de autores portugueses), o Paulo Teia (. filho do poeta), o autor (J. L. Mendes Gomes) e o apresentador da obra, Luís Graça. (A intervenção que fez será aproveitada para a série "Notas de leitura").



Lisboa > Livraria Bar Les Enfants Terribles > Cinema King > 2 de novembro de 2013 > 19h00 > Sessão de lançamento do livro de poesia do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, "Baladas de Berlim" > Um aspeto da assistência: em primeiro plano, à esquerda, a Irene e o Virgínio Briote, nosso coeditor... jubilado. Foi uma agradável surpresa.  Eles moram ali na zona.


Fotos (c/ a ajuda da Irene) © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada J.L.Mendes Gomes, com data de 3 do corrente


Assunto: Lançamento das Baladas de Berlim

 Notas sobre o lançamento do meu livro de poemas Baladas de Berlim, Lisboa, dia 2 de Novembro de 2013, pelas 19 horas

Meus caros Amigos

Sinto o dever e o prazer de vos contar como tudo correu, ontem. Naturalmente que ficaria muito mais contente se vos tivesse visto lá. Mas, a vida é exactamente assim.

Quando agendei o dia, preocupei-me com a maior disponibilidade do dia de Sábado, mas esqueci essa circunstância incontornável de este Sábado estar inserido nas nossas ricas vivências de recordação dos nossos... Apesar de poucos, posso garantir-vos, sem pecar por excesso, que tudo correu maravilhosamente.

Desloquei-me para o local de forma a chegar um pouco antes. A sala da Editora fica inserida no edifício e interior do cinema King, em Lisboa. É suficientemente espaçosa, muito acolhedora. Um ambiente muito digno e apropriado. As paredes, recheadas de estantes com exemplares das obras recém-editadas por ela. De todos os géneros literários.

Um razoável painel de cadeiras para a assistência. Com a mesa dos interventores. Um bar, ao fundo, também muito acolhedor.

A sala estava repleta. Porque decorria o lançamento duma obra. A sensação foi-me muito agradável. Pus-me a ouvir um pouco.

Entretanto, chegou o meu Amigo Professor Luís Graça. O dono do magnífico blogue sobre a guerra da Guiné, Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Apesar de o conhecer há meia dúzia e anos, era a primeira vez que nos encontrávamos tête-à-tête...ao vivo. Foi uma grande alegria. Saímos para um patamar e ficamos a trocar aquelas coisas todas que se guarda há muito com  vontade louca de partilhar...

Entretanto, foram chegando alguns amigos. E ficamos à espera pelo fim dos habituais autógrafos da autora da obra apresentada.

Até que, avancámos nós. Tenho de avançar já que ontem, vivi um dos dias mais felizes a munha vida. Tomamos os nossos lugares. A representante da Editora falou da Editora e, a seguir, fui eu.

Não me arrisquei a falar de improviso...o peso era muito...Por isso escrevi umas palavras que, sem vos querer maçar aqui vos deixo. Depois de registar, como for capaz, a minha vivência do que se passou.


Ambos os oradores [Luís Graça e Paulo Teia] foram magistrais no que disseram , na forma e substância. Ambos são homens cultos...

O Luís Graça, professor de sociologia da saúde,  com um admirável currículo, e ainda em exercício, com toda a simplicidade que lhe é peculiar, fez uma deliciosa exposição em traços breves mas expressivos, com rigor exacto, sobre o meu livro e a minha pessoa... que muito me surpreenderam, agradavelmente.

Trouxe ao de cima, aspectos muito interessantes, como só um sociólogo pode fazer. Em traços mágicos, desnudou-me a mim e ao livro, com exactidão e fundamento, demonstrando saber mais que eu do que ia dizendo... Fquei maravilhado...

O meu filho [o padre jesuita Paulo Teia] ...apesar de filho...com o rigor e a objectividade...que os jesuítas, normalmente têm...arrasou-me!...Completando a exposição antecedente, com os olhos muito perspicazes, de quem, sem lhe escapar nada, me conhece, desde o seu berço...Disse coisas lindas...ficam gravadas no meu coração. Tenho pena de as não poder partilhar...

E então, aqui fica o que eu li.

Meus caros amigos

O meu profundo e sentido obrigado por terem vindo. Alguns de vós eu conheço de perto. Por laços de sangue. Por laços de trabalho. E até da guerra. E os demais, através dessa admirável maravilha que é a Internet. Outros mais, tenho a certeza, aqui quereriam estar. Mas a distância e a força da vida os impediu.

Passe a imodéstia. Tenho dois blogues pessoais onde registo o que vou escrevendo. Espalhados por todo o mundo. Desde os EU à Rússia, à Alemanha, ao Reino Unido e ao oriente. Tenho centenas de visitas registadas, no dia a dia. Também isso me confirma e me regozija. A todos presentes eu agradeço. Permitam-me porém, que realce dois deles: Um é o Sr. Prof. Doutor Luís Graça. Outro é este rapaz precioso, que é meu filho...e fez questão de aqui estar.

O Professor Luís Graça é um sociólogo, docente em actividade, na Escola Nacional de Saúde Pública em Lisboa, com um currículo notável de trabalhos, no terreno. Foi sargento miliciano na guerra da Guiné. E foi por essa circunstância que, felizmente, entrou no mundo dos meus amigos.

Desde há cerca de 10 anos vem conduzindo e alimentando um blogue sobre a guerra da Guiné, com uma riqueza incalculável. A história o dirá. Agremia nele a colaboração de todos os ex-combatentes, ainda vivos, que ali vêm depositando o relato vivo das suas experiências naquela experiência única e irrepetível. Por onde passaram aas amarguras da maior parte das famílias portuguesas, de norte a sul. Testemunhos palpitantes de emoção e colorido. Que pintam aquelas páginas vividas, e que se não fosse esta feliz iniciativa, ficariam sepultadas no esquecimento absoluto. Tem sido alfobre de informação de muito estudo, em teses de doutoramento.

Isto é parte da sua obra. Mas, tão admirável é, senão mais, a craveira exemplar , insuperável, de sabedoria, delicadeza, equilíbrio e atenção, com que Ele o orienta. E assiste, diariamente. Para além dos seus notáveis contributos pessoais, em posts brilhantes que, ali, ficarão para a história, Éle é um árbitro atento e rigoroso, nos diferendos que, naturalmente, se vão levantando. Cada par de olhos tem sua própria perspectiva, sobre os mesmos factos...e daí surgem inflamadas posições que ele, sabiamente, arrefece.

Foi aí que o conheci. E é daí que vem uma grande amizade e admiração que lhe dedico. E a prova , dum lado e doutro, aqui está registada com esta presença que muito me honra e alegra.

Do outro, apenas, sublinho que é o meu filho primogénito. Além de ser um jovem e promissor sacerdote jesuíta, É o primeiro selo, dos quatro que guardo, a confirmar o amor que nasceu dessa minha passagem pela Guiné, onde fui acompanhado de perto, por sua Mãe, minha madrinha de guerra...Infelizmente, não pôde estar aqui presente...

Do Doutor Luís Graça... Do meu filho... Confesso sinceramente que nunca esperei chegar aqui...
O destino tem dessas surpresas. Umas, de dor... outras gostosas. Como esta. Quem as não tem?

Todos temos nossos talentos. O que é preciso é confiar e se entregar a eles , de alma e coração. E, na devida hora, o fruto vem. Não resisto a revelar-lhes um pouco do que se passou comigo.

Nasci há umas boas dezenas de anos, duma família modesta, muito honrada, numa aldeia do Norte. Tão modesta como ela. Foi em Varziela, no concelho de Felgueiras. Uma terra verde, nas várzeas férteis de Entre-Douro e Minho. Túrgidas de vinho verde e milho loiro. Grassava a guerra no centro da Europa.

Por via dela, as condições de vida eram muito escassas. Meu pai era alfaiate. Minha Mãe, distribuidora do pão que, de canasta à cabeça, ia buscar, inverno e verão, à padaria da Vila. Passava toda a manhã a palmilhar a freguesia, com o pão à porta.

Depois, além das tarefas próprias duma Mãe doméstica, acompanhava o meu Pai na oficina, em labor constante, de sol a sol...muitas vezes, pela noite dentro.

Fiz a primária como qualquer miúdo. Fui pé descalço, de sacola ao ombro. Para a escola e para a catequese cristã. No meu mundo, de criança, só havia a escola e a igreja e o rol de festas, à sua volta. E um deambular feliz, muito responsável, nas brincadeiras, livremente, por aquelas matas, procurando ninhos, caçando pássaros. Com os colegas do meu lugar. Com eles aprendi muito da vida. Que nunca mais se esquece....

Fui um aluno aplicado e estudioso. Queria ser alguém..desde miúdo.
- Estuda muito e sempre, - me diziam  meus Pais que, muito cedo, Deus os quis levar.

Seduzido pela figura ímpar do velho abade, a quem ajudava à missa, quis ser padre. O seminário, porém, custava caro e meus Pais não tinham dinheiro para mo pagar. Não foi por acaso. Surgiu um benfeitor que se propôs custeá-lo. Graças a ele,

Entrei no seminário do Porto, em 1952. Subi, nele, a escada...para ver mais longe. Aí, recebi a sólida e rica formação escolar de que sempre vivi. Quando se avizinhava a hora de subir ao altar, no mundo da teologia, dei comigo numa encruzilhada muito difícil de eu escolher.

Escolhi deixá-lo. Aos vinte anos, vi-me sozinho, com a vida à frente. Sem ambos os Pais. E uma vontade tenaz de vir a ser alguém.

Naqueles tempos, todos os estudos que tinha, só me valeram a parte de letras do quinto ano de liceu. Fui prefeito num colégio para poder recuperar o que me faltava para entrar na faculdade.

Eis que a tropa se intrometeu pela frente. Irresistível. Com a guerra do ultramar à espera. Fiquei miliciano em Mafra e, em Agosto 1964, embarquei para a Guiné. Foi uma experiência dura, mas muito rica. Me serviu para a vida.

Uma vez regressado, por sorte, com o corpo inteiro, fiz-me ao caminho e, já casado, a trabalhar e com três filhos, consegui o curso de direito. Dele vivi, completamente absorvido, até à reforma, em 1999.

Aí, senti-me de novo, como um recluso , julgo eu, que cumpriu pena e sai em liberdade. E toda a agilidade que desenvolvi, ao longo de anos, por dever de ofício, na arte de escrever peças jurídicas, onde imperava o rigor conciso e a densidade do pensamento, se orientou, naturalmente, para a arte incipiente de escrever e publicar.

No Diário de Notícias, dei os primeiros passos, com notas breves sobre o que ia vendo. Colaborei em vários semanários regionais. Como participante certo e reconhecido. Foi então que ensaiei, com muito gosto, a minha auto-biografia parcial, para deixar aos netos. Com os o título de " Filhos de Pedra Maria".

Escrevi contos. Escrevi quadros vivos com retalhos do passado da minha aldeia. A desenvoltura natural com que escrevia, surpreendeu-me e fez-me pensar, naturalmente, noutras paragens. Com que nunca sonhara.

Foi então que eclodiu a bomba atómica do prémio Nobel do Saramago. Para mim, apenas um desconhecido ilustre, escritor e jornalista. E aqui, tenho de vos pedir toda a vossa compreensão ..não vai chegar...para a minha imodéstia, mesmo atrevida. E perdoem-me a revelação deste segredo que só agora, me atrevo a revelar...

Foi só então que eu tomei conhecimento do seu percurso. Com muito espanto, vi que aquele homem, de origem ainda mais humilde que a minha, como todos sabem, apenas recebeu as luzes ténues dum curso oficinal nocturno, pasme-se...de serralharia mecânica!... Onde a literatura e arte de escrever, não seriam, por certo, de realçar. E que foi sozinho e por seu pulso que ele aprendeu tudo o que sabia, se tornou um sábio, nas salas de leitura duma biblioteca pública, ao Campo Pequeno.

Aí, fui acometido por este pensamento, tão atrevido que me deixa envergonhado:
-Se aquele indivíduo chegou, apenas por si, onde chegou...eu que me fartei de receber ensinamentos de toda a ordem, e os assimilei, com este avanço, não ficarei para sempre, um tíbio estudante e um ingrato cobarde do que me ensinaram...

Não mais esqueço. Foi como que um relâmpago, que estonteou e fez sonhar, como nunca sonhara.
E a partir daí, senti-me na obrigação de escrever. Tinha todo o tempo do mundo ao meu dispor. Sentia-me livre. Tudo me servia para escrever...como em vertigem. Veio um romance..e depois outro..e mais outro. Estão na gaveta...

Da poesia pura, só me restava a profunda admiração que aprendi nas aulas mestras de bons professores que Deus me deu. A quem agradeço. Muito reconhecido.

Uma tarde, entre tantas, estava eu, à espera, ao volante do meu "Corsa" frente ao Instituto onde trabalhava minha mulher, que nunca tinha horas certas para sair...e lembrei-me de tentar escrever um poema....

Sobre quê? Puxei dum caderninho que me acompanhava sempre, olhei para o lado, e vi um comboio amarelo, parado na estação de Algés. E foi sobre ele que, ali, saíram, dum só fôlego todos os versos do meu primeiro poema. A que chamei "O Comboio amarelo de Cascais"...

Confesso que fiquei estupefacto e comovido... Posso lê-lo?---

O COMBOIO DE CASCAIS

O comboio amarelo de Cascais não é como os demais, não é:
Vai do Cais do Sodré,
de braço dado,
com o Tejo ao lado,
até Cascais.

Reza a lenda
que o Tejo, perdido,
à procura do mar,
mal chegou, cansado, ao Cais do Sodré,
se quedou, pasmado,
a admirar Lisboa, ali ao pé.

Não avançou. Alargou…
até Cacilhas, ao Seixal, Barreiro e ao Montijo.
Foi beijar a Moita, distante…
Alagou, fez-se mar…
E, ufano, pôs-se a olhar Lisboa…
Olhou, olhou…
e esqueceu o mar!….

Viu o Castelo, verde, à proa;
viu luzir Alfama
e fumegar a Madragoa.
Viu a Sé e a Estrela a rezar.
Viu Lisboa… tão bonita !…

Vieram gaivotas, caravelas e canoas.
Vestiu-se d'ondas verdes e brancas
E começou a cantar…
Fado e loas,
de fazer chorar…
Lisboa.

Às terras secas de Espanha
jurou não querer voltar. Jamais.
O seu fado foi Lisboa:
o Castelo, Alfama, Estrela e Madragoa
e que mais…

E com ela quis casar,
depois de ir ver o mar,
no comboio amarelo de Cascais…

Almada, 25 de Novembro de 1999

Joaquim Luís M. Mendes Gomes


O meu primeiro poema foi este mesmo. Escrito, por impulso espontâneo, quando esperava, frente ao IPIMAR, em Algés, pela minha mulher. Peguei num caderno. Olhei para um comboio parado na estação de Algés... e pus-me a escrever.

Saíu exactamente assim. No fim, desatei a chorar... Dias depois, havia um programa cultural, na antena dois. De Fernando Nobre, onde se lia sempre um poema ao encerrar. Mandei-o para lá num fax...uma tentativa e prova de fogo. Um dia, recebi um telefonema. Era Daniela Gomes a dizer-me que meu poema seria lido nessa manhã. E assim foi. Gravei e, de vez em quando se me apetece chorar, me ponho a ouvi-lo na voz daquele senhor que além do mais, sabia dizer muito bem poesia...

Senti-me confortado. E passei a escrever...escrever...tudo servia para um poema. Voltei a mandá-los para o mesmo programa e, alguns, foram lidos. Nunca mais parei. E deu no que deu. Além dos poemas deste livro que agora sai a lume, tenho centenas deles, se calhar bem, para virem a ter a mesma sorte...

Desculpem-me. Já vai longe demais. Apenas mais duas palavras para dizer que As baladas de Berlim foram escritas numa das minhas estadias em Berlim, por grato dever de ofício, ao pé dos meus filhos que lá habitam e fazem a sua vida.

Muito obrigado.
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de novembro de 2013 > 2 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12239: Os nossos seres, saberes e lazeres (59): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (6) (Tony Borié)