segunda-feira, 28 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1790: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (5): Protecção a uma coluna logística Bula/Có

Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Além de tecnologicamente ultrapassada, a Panhard era uma vitura blindada que se viria a mostrar completamente inadequada às condições do terreno no TO da Guiné. Noutras zonas havia outro de viaturas blindadas, não menos obsoletas e muitas inoperacionais, por falta de peças sobresselentes... O mínimo que se pode dizer é que, no tempo de Spínola, que era da arma de cavalaria, a nossa cavalaria era de... opereta!... Isto não implica qualquer juízo de menos apreço pela abnegação, competência e valentia dos nossos cavaleiros... Estamos só a constatar um facto: uma boa parte do nosso armamento e equipamento era ferro-velho...

A título informativo, recorde-se aqui a constituição de um Esquadrão de Reconhecimento Fox , como o 2640, que esteve em Bafatá (1969/71). Segundo o testemunho, em tempos já publicado, do nosso camarada Manuel Mata (1), este esquadrão era constituído por: (i) um Pelotão de Comando e Serviços; (ii) três Pelotões de Reconhecimento, equipados com as seguintes viaturas: três Auto Metralhadoras DAIMLER; duas Auto Metralhadoras FOX; um Granadeiro com blindagem lateral sendo a sua guarnição composta por atiradores; um Unimog cuja secção tinha um morteiro 81. (LG).



Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Coluna em deslocação de Bula para Có.


Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Apesar das frequentes desmatações das bermas das estradas ou picadas, o capim era quase sempre um elemento presente no cenário de guerra, facilitando as acções de aproximação, simulação e emboscada do IN.


Fotos: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.



Quinta parte das memórias de campanha de Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (, Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) . Texto enviado em 3 de Maio de 2007 (2). (LG).

Caro Luís,


Após os agradáveis momentos de Pombal, é altura de voltarmos ao activo. Aqui vai o 5º texto das memórias da CCAÇ 2402.

Ainda sobre Pombal e depois de tantos comentários elogiosos e algumas chamadas de atenção, aqui fica um meu apontamento. Quando o Vitor indicou a seguir ao almoço que ia haver uma visita guiada com os automóveis a seguirem em fila, tive um presentimento de que não ia ser fácil o esquema resultar. É que no ano anterior no convívio da CCAÇ 2402 em Figueiró dos Vinhos, o Beja Santos conseguiu que a Câmara cedesse dois autocarros para uma visita semelhante e tudo correu às mil maravilhas. Uma coluna de viaturas não é a mesma coisa e os meus receios de dispersão, infelizmente, vieram a concretizar-se.

Foi uma iniciativa de periquito, que não afectou o global da optima organização do Vitor. Parabéns a ele pelo seu evento. Saudações a todos, Raul Albino.


Protecção a coluna de reabastecimento Bula/Có

por Raul Albino



Esta operação passou-se no dia 24 de Setembro de 1968, tendo como objectivo proteger a coluna de reabastecimentos vinda de Bula para Có. Só mais tarde viria a saber que nessa coluna viajavam também alguns colegas nossos que vinham render aqueles que, por doença ou outra qualquer razão, nos tinham deixado. Será curioso observar os seus relatos do contacto com o inimigo, sobre o ponto de vista de quem fazia parte da própria coluna que estávamos a proteger.

A protecção era constituída pelo 3º pelotão, mais outro pelotão que não recordo qual mas que detinha o comando da operação e ainda alguns milícias nativos. Deslocámo-nos pela manhã de modo a tomarmos posições de protecção. Escolhemos o local mais sensível a emboscadas do inimigo, pelas características do terreno, cheio de capim e mato, cujo historial antecedente apontava para ser um dos pontos preferidos de ataque do inimigo às nossas colunas.

Montámos a protecção colocando as tropas numa linha paralela ao trilho, como podem ver na figura (os desenhos com espinhos são árvores e não rebentamentos), não tão perto do trilho que tornasse a nossa acção inútil, nem tão afastado que se perdesse o contacto com a coluna de veículos.



Mais uma vez o inimigo mostrou uma especial inteligência para aquele tipo de guerrilha, pois às 11.25 h da manhã, quando a coluna de veículos se deslocava à nossa vista, o inimigo desencadeou um ataque com morteiro 60 e armas automáticas ligeiras.

O engenhoso deste ataque é que, devido à grande altura do capim naquela altura do ano, o inimigo conseguiu infiltrar-se entre as nossas tropas de protecção e a própria coluna, iniciando o tiroteio e mudando imediatamente de posição, esperando que a reacção da coluna incidisse sobre as nossas tropas, após a sua rápida retirada desse local.

Essa estratégia quase resultou e me fez passar um dos maiores sustos da guerra. Para minha surpresa vejo a Panhard que seguia junto aos camiões da frente da coluna, avançar ligeiramente pelo interior do mato, rodando a torre do canhão em direcção a mim e aos meus companheiros, pronta a fazer fogo. Logo que me apercebi da manobra, tive de tomar uma opção arrojada, levantei-me sujeito a ser baleado pelo inimigo, gesticulando para o blindado indicando em que direcção o inimigo estava e para onde devia direccionar o tiro.

O meu desespero consistia em saber se dentro da torre do blindado me estavam a ver e se entendiam os meus gestos. Para minha alegria, a torre voltou a girar, agora na direcção correcta e os seus disparos começaram a fazer debandar o inimigo, frustrando-lhes a esperança de verem as nossas tropas aos tiros entre si. Bem vistas as coisas, não me restava outra alternativa senão arriscar, pois entre um tiro do inimigo e uma granada da Panhard não ficava grande escolha.

A acção das Panhard também aqui se mostrou ser mais um elemento dissuasor do que verdadeiramente uma arma de grande efeito sobre o inimigo. Senão vejamos, era um blindado ligeiro, como podem ver na foto acima, com um pequeno canhão lança-granadas e uma ou duas metralhadoras, possuindo rodas grandes em pneu e aqui consistia a sua principal fraqueza. Os pneus davam-lhe ligeireza, mas não tinham sido concebidos para aquele terreno, impedindo-os de entrarem pelo mato dentro.

Quando deste ataque, as bermas do caminho tinham sido desmatadas, mas os tocos aguçados do mato cortado estavam por todo o lado e eram o principal inimigo para os pneus destas unidades, impedindo-as de ir muito longe. Aliás, esta fraqueza tornou-se rapidamente patente com a degradação dos pneus, levando à paralisação continuada de viaturas, para ceder os seus pneus às que se mantinham no activo. Devido à enorme dificuldade de reposição de peças de substituição para aqueles veículos de tecnologia ultrapassada, creio mesmo que com o tempo e uso, acabaram todos por ficar inoperacionais.

Mais tarde, pelas 13,45 horas, quando do regresso das viaturas a Bula, o inimigo efectuou outra emboscada à coluna, desta feita já sem protecção das nossas tropas no terreno. No entanto as nossas tropas, que acompanhavam a coluna, responderam ao fogo, continuando o seu avanço e pondo em fuga o inimigo, sem que este tivesse causado qualquer dano material ou humano.

Curiosamente, neste mesmo dia, seguiria o 1º Pelotão, comandado pelo Alferes Brito, com destino à Ilha de Jete [, ao largo de Caió, a sudoeste de Teixeira Pinto, ] para aí instalar um posto de protecção àquela zona geográfica da Guiné.


Visão (e texto) do militar Carlos Nascimento Silva Pereira que integrava a coluna atacada:

Eu fui para a Guiné alguns meses mais tarde do que a restante companhia, devido a ter sido sujeito a uma intervenção cirúrgica no hospital militar.

Lembro-me do dia em que cheguei e estava em Bula com uma escolta à minha espera e a mais dois colegas para seguirmos todos juntos para Có. Em Bula o 1º sargento deu-me a sua arma e cartucheiras. No trajecto para Có, fomos atacados pelos 'Turras'.

Eu ia em cima de uma viatura Unimog com mais alguns camaradas e atirámo-nos para o chão, tendo caído dentro de um buraco cheio de formigas enormes. Quando me apercebi que estava a ficar coberto de formigas, saltei fora do buraco e escondi-me por detrás de uma árvore, ficando os meus camaradas dentro a serem mordidos pelas formigas. Quando olho para o lado apercebi-me de outro camarada (condutor) escondido atrás da viatura às gargalhadas perante a nossa aflição.

No meio de tanta aflição procurei 'dar fogo' ao inimigo mas não conseguia, só mais tarde me apercebendo que tinha a arma em segurança. Como resultado de terem ficado dentro do buraco, os meus camaradas tiveram de receber tratamento.

Carlos N. S. Pereira

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Nota do autor (R.A.):

Nalguns textos que virei a enviar ao blogue, torna-se interessante observarmos os depoimentos de militares que, estando presentes no mesmo acontecimento, o viram com outros olhos e outra perspectiva, contribuindo para um relato mais rico e pormenorizado. Pena que nem todos tivessem respondido ao meu repto, uns por não terem jeito para a escrita, outros porque ainda temem tocar nestes assuntos que eles fizeram por esquecer. Imaginem um ataque ao quartel visto de vários ângulos e descrito por vários intervenientes … Parece um filme com várias câmaras.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)
(2) V d. post anteriores:
15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

6 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1343: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (2): O primeiro ataque ao quartel de Có, os primeiros revezes do IN

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1516: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (3): Combatentes, trolhas e formigas bagabaga

13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1658: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (4): Uma emboscada em Catora e um Lobo Mau pouco predador

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