domingo, 4 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2238: O portal russo Pravda.ru fala do filme As Duas Faces da Guerra e cita o nosso blogue






1. Pela mão do A. Marques Lopes, chegou-nos ao conhecimento o texto As duas caras da guerra, publicado em 2 de Novembro último, pelo portal russo Pravda.ru (1). É um recensão crítica do filme de Diana Andringa e de Flora Gomes, As Duas Faces da Guerra. Faz uma simpática referência ao nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Com a devida vénia, transcrevemos aqui o texto, do jornalista Alex Tarradellas.

2. Pravda.ru > 2.11.2007 > As duas caras da guerra (*)
por Alex Tarradellas (**)


A jornalista portuguesa Diana Andringa e um dos cineastas mais reconhecidos da Guiné-Bissau, Flora Gomes, decidiram fazer um documentário a quatro mãos e a duas vozes, que abordasse as duas caras da guerra colonial que confrontou o PAIGC (Partido Africano para a Independência da nGuiné-Bissau e Cabo Verde) com as tropas portuguesas, entre 1963 e 1974.

Diana Andringa apresentou o documentário durante o Festival Internacional de Cine Documental de Lisboa, lamentando a ausência de Flora Gomes, e enfatizando a necessidade de rever e recordar o cenário da guerra por muito que isso pese aos portugueses.

"As duas faces da guerra" (2) foi rodado durante seis semanas, nas quais os realizadores percorreram as regiões guineenses de Bissau, Mansoa, Geba, Bafatá e Guileje. Também viajaram para Cabo Verde e Lisboa. Tudo isso para recolher diversos testemunhos daqueles que viveram a guerra colonial, tanto militares portugueses, como militantes do PAIGC, ou simples moradores das povoações visitadas.

O facto de que cada realizador [puxar] a corda para um lado resulta no mais interessante da abordagem de um dos conflitos armados mais sangrentos, sofridos durante o colonialismo português. Prova disso é que o documentário está dedicado a Amílcar Cabral e a alguns soldados portugueses mortos em solo africano, cujos nomes Diana Andringa encontrou gravados numa pedra destruída, quando, em 1995, se deslocou à cidade de Geba como repórter de Público. De facto, esse achado foi o ponto de partida do trabalho.

A homenagem à figura de Amílcar Cabral é palpável ao longo do documentário. Longe de querer idolatrá-lo, os depoimentos definem a grande dimensão humana do revolucionário do PAIGC. Um guerrilheiro que, apesar de se encontrar no meio a um cruel conflito armado com tudo o que este acarreta, dizia sentir o povo português como algo de seu. É que, mais além da guerra, existia uma certa cumplicidade entre os dois lados.

Amílcar Cabral declarou, no início do conflito: "Não fazemos a guerra contra o povo português, mas sim contra o colonialismo". Essa ideia é chave para entender como muitos dos portugueses recrutados nas colónias estavam solidários com os movimentos revolucionários pela independência [o PAIGC, no caso de Guiné-Bissau e Cabo Verde, o MPLA (Movimento de Libertação de Angola) e a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique)].

Também não é uma casualidade o facto de que os militares que se levantaram contra o regime salazarista durante a revolução de 25 de Abril, conhecida como a Revolução dos Cravos, fossem soldados combatentes na Guiné-Bissau, cansados de receber da metrópole ordens alheias à realidade na qual se encontravam imersos. Por isso, as imagens que aparecem no documentário não nos deviam surpreender, como as de um militante do PAIGC [, Manecas dos Santos,] que, com a euforia do 25 de Abril, grita para uma massa exaltada: "Viva o PAIGC! Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!".

A meio do filme, a esposa de Amílcar Cabral faz uma declaração que é importante para entender os propósitos do guerrilheiro. Ela declara que, se fosse possível, Amílcar teria trocado as armas pelos livros para fazer a revolução. Era um homem extraordinariamente culto, com um grande poder de convicção nas suas palavras. Um dos principais objectivos do revolucionário era formar a cultura dos guineenses e cabo-verdianos desde a raiz, com uma educação baseada na história, na geografia e nas tradições dessas nacionalidades, e não nas impostas por Portugal.

E resulta irónico e é arrepiante escutarmos as palavras de um militante do PAIGC [, em Guileje,] acerca do fim da guerra. O homem conta-nos, com toda a naturalidade, como, uma vez terminada a guerra, todos voltam a ser amigos, esquecendo-se das antigas desavenças. Como se a guerra fosse um simples jogo de xadrez, em que as peças não se podem mover sem a mão dos jogadores, mas em que os jogadores dispõem de suas peças sempre que querem e podem.

A 20 de Janeiro de 1973, Amílcar Cabral foi assassinado em Conakry. Alguns meses depois, a 24 de Setembro do mesmo ano, foi declarada a independência da Guiné-Bissau, embora não fosse reconhecida internacionalmente até a Revolução dos Cravos. Se Amílcar não tivesse sido assassinado e hoje se encontrasse no mundo dos vivos, talvez não estivesse tão orgulhoso do panorama em que se encontra mergulhado seu país.

Segundo dados da Understanding Children Work (UCW), no ano 2000, 54% das crianças menores de 14 anos trabalharam um mínimo de 28 horas na Guiné-Bissau. A taxa de alfabetização era próxima de 44,8% em 2005. Isso deve-se aos contínuos golpes de estado provocados (e as consequentes guerras civis) contra governos frágeis que, muitas vezes, se assemelham àquelas peças de xadrez, as quais, sem a presença dos jogadores, não se podem movimentar.

Enfim, esse documentário contribuirá para que os portugueses e guineenses revejam uma parte fragmentada de sua história. E, por muito que doam, talvez os debates ajudem a banalizar a guerra até o ponto de lhe retirar o sentido. Talvez sirvam para que, no futuro, as únicas minas semeadas nos campos, nas florestas e nos caminhos sejam os livros, a melhor arma para ganhar uma guerra.

"A destruição do fascismo em Portugal deverá ser obra do próprio povo português; a destruição do colonialismo português será obra de nossos próprios povos."

"As massas populares são portadoras de cultura, elas são a fonte da cultura e, ao mesmo tempo, a única entidade verdadeiramente capaz de preservar e de criar a cultura, de fazer história." Amílcar Cabral (3).

Para mais informações, ver o interessantíssimo blogue realizado por
portugueses, ex-combatentes na Guiné-Bissau:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

© 1999-2006. «PRAVDA.Ru».
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(*) Tradução do espanhol para o português de Brasil de Omar L. de
Barros Filho (omar@viapolitica.com.br), editor de ViaPolítica e membro de
Tlaxcala, e revista para o português de Portugal por Rita Custódio.

(**) Alex Tarradellas é membro de Rebelión, Cubadebate e Tlaxcala, a
rede de tradutores pela diversidade linguística. E-mail:
Alex_tarradellas_gordo@hotmail.com

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Notas dos editores:

(1) Sobre o portal Pravda.ru:

“Pravda.ru é uma grande empresa de notícias e opinião, na Internet (...) Pravda.ru foi a primeira empresa na Runet (Internet russa) a editar notícias. Este trabalho começou em Outubro de 2000, em versão inglesa, e é actualmente a edição online mais popular, no que toca à frequência de citações e de renovação da informação. Tem versão em português e existem planos para publicar versões em chinês e árabe. A Pravda.ru tem uma reputação estável e sólida e mantém-se num ranking muito alto.

"É visitada mensalmente por 4 milhões de internautas e o número diário de pageviews é de 250 mil. A Pravda.ru compreende as seguintes edições: Pravda.ru - notícias e análise em russo; English.pravda.ru – em inglês; Port.pravda.ru- em português; Italian.pravda.ru – em italiano; Electorat.info – edição dedicada aos eleitores e às eleições a todos os níveis . Yoki.ru - edição especial de informação para jovens; Pravda.ru/foto/- uma fotogaleria exclusiva; Farc.ru - portal recreativo e informático; e Escover.ru - edição informática e analítica dedicada à ecologia.”

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(2) Vd. post de 20 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)

(3) Vd. post de 30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2142: PAIGC - Quem foi quem (1): Amílcar Cabral (1924-1973)

3 comentários:

Anónimo disse...

Ó Luís tu desculpa lá!
É claro que o Pravda tinha de falar, né????
Aliás é Diana Andringa!
E já agora, o Avante não disse nada para pôr também no blog?
O filme fala em Mansoa?!?!Tem piada, só vi a parte de dentro da "prisão".!Foi em Mansoa?Não vi nada, a não ser a estrada que eu corria 3 vezes por semana!
Luis NAbais

Luís Graça disse...

O chefe da guerrilha que dá vivas a Portugal não é o Borges? Não me parece ter sido o Comandante Manuel dos Santos, conhecido por Manecas e, ao que sei responsável pelos Strellas.

Luís Graça disse...

Meu caro Luís Nabais:

Não tens que pedir desculpa de nada nem a ninguém, estás a usar o teu direito a comentar os nossos posts...

Pessoalmente, gostaria mais que publicitasses a tua opinião, franca, aberta, sincera, sobre o filme... Sei que não gostastes do filme, estás no teu direito...

Se conheceres críticas sobre o filme da Diana Andringa e do Flora Gomes (é "um trabalho a quatro mãos e a duas vozes", não te esqueças), fá-las chegar que os editores do blogue publicam-nas.

Já quanto ao uso da insinuação, ele deve ser evitado no blogue... Não tenho qualquer procuração para defender a Diana Andringa, mas sinceramente não vejo a ligação e entre o Pravda, o Avante e a jornalista portuguesa...

Um abraço do Luís Graça.