segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3861: Memória dos lugares (17): Nova Lamego, a raínha do Gabu (Tino Neves)

Gabu > Administração de Gabu (Foto actual)

Gabu > Fonte da Bajudas

Tino Neves. Ao fundo a Estação dos CTT de Gabu

Praças convidados para a festa de despedida das filhas do Administrador de Gabu

Gabu > Estação dos Correios (Foto actual)

Tino Neves

Peluda > Gravura feita em stencil


1. Mensagem de Contantino Neves (Tino Neves), ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71, com data de 5 de Fevereiro de 2009:

Caros Camaradas e amigos: Luís, Carlos e Briote e restantes membros da Tabanca Grande.

Já há uns tempos que não vos enviava quaisquer apontamentos por mim escritos, mas desta vez, houve algo que há muito estava à espera que acontecesse, foi alguém que, descrevesse a Vila de Nova Lamego tão bem, que, nem um dos melhores criadores de Guias Turísticos o teriam feito com a mestria do nosso camarada José Manuel Dinis no post P3834 de 29 de Janeiro.

Mas, um Guia Turístico nunca está totalmente completo, daí o meu desejo, não de o completar, não tenho essa pretensão, mas sim, dar mais uma ajuda para alcançar então esse fim, se possível, outros o completarão.

Como já disse atrás, a descrição feita de Nova Lamego está muito bem feita, não faltando de facto um dos ex-libris, do qual achei até muita graça, da "GMC" e do "Unimog", de que me recordo perfeitamente, mas há muitos mais, assim como a Fonte das Bajudas, (que junto imagem), que era a fonte onde as bajudas, nossas lavadeiras, iam lavar as nossas roupas, que ficava no caminho vindo, julgo eu, de Piche, ao entrar-se em Nova Lamego. Passava-se junto da Administração do Gabu, de que também junto foto actual (Fev/2005), passava-se então pelo cruzamento (onde estou eu na foto à civil, no dia 8/02/70). Sei que foi tirada nesse dia, porque foi dos poucos dias em que eu me vesti à civil, em Nova Lamego. E porquê? Porque no BCaç 2893, quem fizesse anos tinha como prenda a folga de quaisquer serviços e autorização para se vestir à civil, portanto essa foto foi-me tirada no dia em que fiz 22 Invernos, no cruzamento, entre os CTT, correios civis (que junto 2 fotos, antiga e actual), o Cine Gabú e a loja do Sr. Caeiro, um português de raça branca. Era uma loja essencialmente de electrodomésticos, mas não só, e na ponta que falta, a do meu lado direito, um dos edifícios civis utilizados para o quartel velho.

Por falar da loja do Sr. Caeiro, o telhado da referida loja era simplesmente uma placa de cimento, não sendo muito grande, talvez pudesse lá pousar um helicóptero, mas foi utilizado para outra coisa diferente. Estando lá um Capitão pára-quedista que estava a preparar-se para uma competição no estrangeiro, de salto em queda livre, resolveu fazer uma aposta em como iria saltar e pousar no telhado da loja do Sr. Caeiro. Assim fez, saltando de um helicóptero que subiu em espiral, tão alto, até deixar de se ver.

O segundo dia em que fui também autorizado a trajar à civil, foi para ir a uma festa de despedida das filhas do Sr. Administrador do Gabu, que era de origem caboverdianas, que estavam em Portugal, segundo me recordo, na região de Évora, num colégio de freiras a estudar. Tinham passado lá em Nova Lamego um mês de férias e estavam de partida. Foi então organizada uma festa com baile, julgo que pelo próprio Sr. Salomão, pai das ilustres homenageadas, que eram muito giras e simpáticas. (Também junto foto dos únicos praças (Cabos), que foram convidados).

Por detrás de mim, nesse cruzamento, mais atrás do meu lado direito, fica a porta de armas do quartel, onde eu estou ao telefone e sensivelmente mais atrás do meu lado esquerdo ficava um pequeno Destacamento de Engenharia. Entre os poucos elementos que o compunham, estava um Furriel, nome do qual já não me recordo, mas para quem trabalhei muitas vezes a pedido do meu capitão, pois ele tinha que fazer todas as semanas a listagem de pagamentos aos civis a seu cargo e muitas das vezes não o conseguia fazer sozinho e atempadamente. Eram bastantes folhas com 4 ou 5 cópias cada lista. Com o papel e o químico em 5 cópias, tinha que se bater bem forte nas teclas da máquina de escrever e, como as letras como o "a", "o", "b" e "d" cortavam o papel, sendo a lista composta pela maioria de "Baldés" e Djalós", os duplicados passariam por vezes a serem os originais, por estes estarem tão esburacados.
Noutros trabalhos feitos em Stencil (ou folhas de cera) com aquela máquina, tinha que se ser muito suave ou utilizar o verniz, para repor a letra cortada. Com as folhas de Stencil eu fazia qualquer tabela criada a régua e estilete, incluído este boneco, de que não sendo o seu autor, me foi concedido para fazer subscritos (envelopes) para cartas e serem enviadas por nós aos nossos familiares e Madrinhas de Guerra.

Falei do senhor libanês que tinha uma loja muito concorrida e uma esposa muito bonita. Posso afiançar que era verdade, cheguei a vê-la, só bonita não chega, mas fiquemos por aqui, não terei adjectivos suficientes para a descrever.
Havia mais uma loja de outro libanês que não ficava atrás, talvez fosse até mais popular, que era o Sr. Magid Danif. Era ele e a mãe do qual não me lembra o nome, mas estando eu lá na altura, suponho que no Inverno de 1970, talvez em Dezembro, a senhora veio cá a Portugal, porventura passar o Natal ou outro assunto, o certo é que faleceu num quarto de pensão, asfixiada com um calorífico a gás.

Do Sr. Madid Danif tenho uma estória que me aconteceu cá em Portugal, a qual nunca contei a ninguém. Vai ser contada agora pela primeira vez.

Eu era caixa na Agência do Totta & Açores, na Cova da Piedade e, no inicio dos anos 90, não tenho presente de facto o ano certo, mas julgo ter sido por essa altura, estava eu na caixa a pagar cheques, quando me aparece uma jovem bonita, alta e elegante bajuda que me entrega um cheque para receber. Nos instantes em que ela procurava o B.I. para eu conferir os dados e assinatura do verso do cheque, passo com os olhos pelo nome de quem pertencia o cheque, quando dei um berro, lendo o nome do apelido lá escrito, MAGID DANIF. Assim o disse, logo recuperei a calma e julgo que ela não se tenha apercebido da minha reacção, pois estava com os olhos metidos na mala na procura da carteira, mas eu fiquei com o coração aos saltos. Ver e ouvir ali à minha frente, uma criatura, que eu talvez tenha visto em pequenina ou simplesmente ser familiar de uma pessoa que eu conheci na Guiné, para mim, e julgo que por todos aqueles que por lá passaram, ficamos vacinados, aliás, não diria vacinados, mas sim contaminados com o vírus Guiné. Qualquer coisa que se relacione com aquele país, o vírus manifesta-se logo e como ia dizendo, depois enquanto a ía atendendo, dialoguei com ela que me confirmou ser filha do Sr. Magid Danif e que estava cá em Lisboa a estudar. Acabei de a atender, dei-lhe o dinheiro do cheque e ela foi-se embora, mas eu não fiquei bem, queria falar um pouco mais com ela, saber mais coisas lá de Nova Lamego, etc., mas não podia, porque tinha um a bicha (fila) de pessoal à espera para atender. Chamei a pessoa que se seguia e aí é que foi o problema, só à terceira tentativa é que eu consegui fazer a operação de lançamento do cheque correctamente, porque naquele momento eu não me encontrava ali, na Agência do Totta da Cova da Piedade, mas sim a milhares de quilómetros, na Guiné, mais propriamente em Nova Lamego, a percorrer as suas ruas, a visitar a loja do Sr. Magid Danif. Acabei de atender essa pessoa, fechei a caixa do dinheiro e desci aos arquivos, a fim de tentar acalmar, pois o meu coração estava aos saltos, estava eufórico, não sabia o que estava acontecer, só sabia que tinha ficado com pena de não ter ficado à fala um pouco mais com aquela encantadora criatura que tinha aparecido à minha frente. Confesso aqui pela primeira vez, que chorei, as lágrimas corriam-me pela face abaixo, que nem torneiras, mas era um choro silencioso e de alegria, satisfação e tristesa ao mesmo tempo, por não saber mais nada de novo. Não me conseguindo controlar, tentei lá no arquivo procurar alguma coisa que me desviasse a atenção e me acalmasse, o que aconteceu passados 15 minutos (o que naquele balcão nessa altura era possível, porque eram várias caixas a trabalhar ao mesmo tempo e eu tinha também ao meu cargo o arquivo). Peguei numa pasta e regressei à caixa para acabar o trabalho que faltava. Já mais calmo, mas já no final do fecho da caixa, procurei o cheque da menina Magid Danif e fui à base de dados procurar os contactos dela, com a intenção de mais tarde a procurar por telefone ou pessoalmente, mas quando já tinha no visor do PC o que procurava e me dispunha a tomar nota, senti uma mão no meu ombro esquerdo.Virei-me quase de imediato e qual foi o meu espanto, não vi ninguém que o tivesse feito, porque estavam todos bastante afastados de mim e eu estava sozinho. Aquela mão invisível fez-me vir à realidade e pensar para mim, o que é que estar a fazer? A pequena não ficou muito satisfeita, apesar de confirmar quem era, não mostrou com sorriso o acontecido, talvez tenha ficado assustada ou qualquer outra coisa. Desliguei o computador sem tomar nota e pensei se de facto ela também ficou curiosa talvez torne a vir cá, apesar da conta ser de Lisboa. E assim acabei o dia e muitos mais dias, meses e anos, sem saber mais nada daquela encantadora criatura nem de Nova Lamego.

Muitos ao lerem este meu desabafo, vão comentar, este deve estar, ou esteve apanhado do clima, mas não se esqueçam que naquela altura, na NET pouco se sabia ou nada e o que sabíamos da Guiné e, do meu caso em especial Nova Lamego, nada. Agora sim com a NET, sabemos tudo o que queiremos, é só procurar.
Antes deste acontecimento, tinha muitos casos em que me dava à fala com guineenses, porque sempre que via um africano, que me parecesse da Guiné, tentava logo saber donde eram e se eram do Gabu ou não.

Fico por aqui, satisfeito e aliviado por ter desabafado, mas só mais uma coisa, o VIRUS DA GUINÉ é do tipo Proteico / Vitamínico, porque quando vemos, ouvimos ou lemos algo sobre a Guiné, de bom, nos dá força e nos rejuvenesce, mas quando é mau, nos deita abaixo, faz-nos dor e sofremos.

Um Abraço
Tino Neves
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3837: Memória dos lugares (16): Cacheu, 1964 (António Paulo Bastos, Pel Caç 953, 1964/66)

2 comentários:

Sotnaspa disse...

Tino

Um alfa bravo para ti.
Estava à espera que teclasses qualquer coisa sobre o nosso chão, também li o poste do Dinis, gostei, e esta tudo certo, acrescentas mais e bem.
Sobre a loja do Sr. Magid, posso dizer que eu ia la de propósito saber preços só para dar uma espreitadela lá para os fundos, entendes.
Deixa lá que não és só tu, eu não posso ver alguém, Homem ou Mulher que me pareça da Guiné, que não meta logo conversa, e não é que já travei conhecimento com alguns elementos, o que me dá um grande prazer falar com eles sobre a Guiné.
Quanto ao Administrador, na minha comissão ainda era o mesmo senhor.
Nova Lamego, não era assim tão pequena, ainda há muita coisa para acrescentar...

A. Santos
SPM 2558

Anónimo disse...

Olá Sr. Luís Graça! No seu artigo sobre a sua viagem em 2005 fala na loja do Sr. Caeiro, Não chegou a tirar fotos actuais? Após a morte dele, uns anos mais tarde o meu pai manteve lá a farmácia até aos anos 80/90. Teve de desistir, por mais que se preocupasse em manter o nome do seu pai a vida não o permitiu. Falo do sr. Caeiro, meu Avô! O Padrinho, como todos o chamavamos, meu pai, mae, irmão e eu. O Homem mais bondoso que conheci, infelizmente só até aos meus 5 anos. Um abraço a quem o conheceu e um bem haja. Bela