sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)



Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 763 (2 de Março de 1965/1o de Novembro de 1966) > Os Lassas, como eram, conhecidos, usaram cães de guerra (creio que foi a primeira e única experiência no CTIG) e eram comandados por um famoso cabo de guera, o leão de Cufar, Cap Costa Campos. Foram a última unidade de quadrícula (leia-se: tropa-macaca) a meter os pés no Cantanhez. Depois deles é preciso esperar pela tentativa, em Novembro/Dezembro de 1972, de reocupar esta mítica mata, a jóia da coroa do PAIGC.

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Uma enfermeira pára-quedista no meio dos Lassas... O ex-Alf Pil Al III, Jorge Félix, membro da nossa Tabnaca Grande, identificou esta enfermeira, como sendo a Ivone.

Fotos: © Mário Fitas(2008). Direitos reservados
.



O Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCaç 763, Cufar, 1965/66, é autor de duas obras, de conteúdo autobiográfico, Putos, Gandulos e Guerra e Pami, Na Dondo a Guerrilheira (*), fortemente marcadas pelas sua dura e rica experiência, tanto militar como humana, na Região de Tombali. Tem sido um entusiástico e empenhadíssimo membro da nossa Tabanca, com um coração do tamanho do seu Alentejo, além de um homem dos sete ofícios e talentos (**).

Aqui vai a mensagem mais recente que me mandou:

Luís, tendo em atenção o que se tem escrito no Blogue sobre a FAP e resultante do extraordinário relacionamento da CCAÇ 763 com o pessoal da Força Aérea e da Marinha, bem como dos nossos Anjos, as Enfermeiras Pára-quedistas que muito passaram por Cufar, anexo um naco de Putos, Gandulos e Guerra onde se pode verificar o reconhecimento dos Lassas, e um pouco de brincadeira, tão necessária por vezes naquele isolamento.

Dou conhecimento também ao Victor Barata, não só por ele ter identificado o Pilav Ribeiro, do T6 aterrando com o motor gripado em Cufar, bem como o seu Parelha, mas também como agradecimento aos Melec que acompanhavam os Pilotos nas evacuações de mortos e feridos. Para as nossas enfermeiras, a brincadeira em terra dos Lassas.

Já há aí fotos de pessoal da FAP e de enfermeiras pára-quedistas que passaram por Cufar. Noutros e-mail, mandarei algumas que não sei se serão repetição. Para todos, sem distinção nem majoração que passaram por aquela Terra, o abraço de sempre do tamanho do Cumbijã. Mário Fitas .


Pois, é, Mário, vou aproveitar a tua embalagem para dar início a uma série que fica aberta à publicação de testemunhos e depoimentos sobre as enfermeiras pára-quedistas que serviram no CTIG. Um abraço do tamanho do Geba. L.G.

Capa do livro de Mário Vicente,
Putos, Gandulos e Guerra .
Ed. de autor (Cucujães, 2000).

Em louvor da Força Aérea e da Marinha,
por Mário Fitas


(...) Mais Audaz localiza tudo e faz duas picagens. Vagabundo rádio sintonizado com o ar, ouve nitidamente o tenente piloto dizer:
- Só vejo malta a rebolar... estou a atingir em cheio... vou picar novamente e gastar os últimos roquetes.

E assim faz, aparecendo por sobre o tarrafo do lado do cais, o piloto faz nova picagem e sobe sobre a mata de Caboxanque.

Ficamos suspensos por momentos, pois o piloto informa:
- Fui atingido, vou tentar aterrar em Cufar! (***)

Corações pequeninos ouvimos que o Mais Audaz tinha conseguido. O avião a tocar o solo da pista de Cufar e o motor a gripar. O aparelho tinha sofrido dezassete impactes, um dos quais perfurara o depósito do óleo esvaziando-o por completo.

O contacto com o IN continua forte. Alertadas, entretanto chegam a Vedeta e duas LDM e com o seu auxílio o IN foi reduzido ao silêncio.

Soube-se depois, e ficará gravada na história dos Lassas, que tínhamos tido à nossa espera, no caminho que dava acesso ao cais de Caboxanque, nada menos nada mais que uma Companhia do Exército Popular, comandada pelo Comandante Nino.

Obrigado Alfa, FAP e Marinha, pois estaríamos feitos em merda se não fosseis vós.

Nunca será pouco enaltecer os amigos fuzos e marinheiros e aquilo que por nós fizeram com as suas lanchas e vedetas.

Aos pilotos e enfermeiras páras, bastará o conhecimento de Cufar para saberem como estamos gratos por tudo.

É claro que nem tudo foram rosas!

Havendo uma grande operação dos fuzos na zona de Cabedu, foi montado o posto de comando e evacuação em Cufar, derivado à sua bela pista.

Hospital de campanha montado, por escala os Vagabundos de Piquete; com o seu comandante furriel Mamadu, vestido à maneira do mato - calção e camisa de caqui, bota de lona e boina preta, sem divisas e, em vez de carregar com a G3, pistola à cinta caindo do cinturão à pistoleiro - faziam segurança às aeronaves estacionadas na pista.

Segurança montada, rendição feita e toda a malta almoçada, calor de rachar, toca de espreguiçar na maca do improvisado hospital de campanha. Juntam-se alguns soldados em volta de Mamadu e começam as anedotas e histórias da vida de cada um.

Tudo muito bem, só que o almoço no comando foi mais rápido do que se esperava.

Mamadu, delirando contar e ouvir uma anedotazinha, contava aquela do dramático caso do patrício que se queria suicidar e, subindo ao quinto andar do prédio, de lá gritava que estava farto da vida e que se iria mandar dali a baixo; o povoléu juntou-se todo à espera do desfecho do drama, quando a mulher do suicida em desespero gritou:
- Oh homem, não faças isso porque eu só te pus os cornos, não te pus asas!

Estava Mamadu e aquela malta toda na bagunçada, quando de repente aparece a enfermeira alferes pára.

Ao ver a malta por ali sentada, correu com a soldadesca toda. Mamadu, agora sentado na maca, também ele teve ordem de despejo para se pôr a andar. Verificando o protagonismo que a Sra. Alferes estava a tomar, o furriel resolveu também manter o seu. Deu-se então um diálogo interessante.

Mamadu desceu da maca e informou:
- Saiba Vossa Senhoria, meu alferes, que eu não vou abandonar esta posição, se há alguém que tenha de pedir autorização para permanecer neste local não sou eu, pois quem é aqui o responsável neste momento, é este maltrapilho do mato e que se apresenta a Vossa Senhoria, Furriel Miliciano Mamadu, comandante do Piquete com a responsabilidade total pela segurança desta tenda, bem como de todas as aeronaves que se encontram na pista. Não tenho as divisas nos ombros, porque no mato é adorno que não usamos. A boina preta está superiormente autorizada.

Grande discurso!...

A Sra. Alferes enfermeira sorriu e repostou:
- São todos iguais, têm todos a escola do vosso capitão!... Mas bem podia estar com roupa em condições!
- Saiba, a Sra., Meu alferes, que a minha lavadeira Miriam se encontra em Catió com montes de roupa à espera de portador, pelo que não posso ter a honra de lhe satisfazer o desejo. Mas, como sabe melhor do que eu, para morrer tanto faz estar de smoking como de camisa rota, o importante é estar lavada!
- Machistas de merda!

Foi a resposta que o furriel recebeu. Tinha razão a alferes enfermeira!


Extractos de: Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente. Ed. autor, Cucujães, 2000. pp. 99-101

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

(**) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3096: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (2): Pirogravuras, de Mário Fitas

(***) 16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)

1 comentário:

Anónimo disse...

Esclarecimento!

Dado que as referências à C. CAÇ. 763 na abertura deste P3914 podem trazer interpretações, como sendo de minha responsabilidade, e consequências que me são alheias, informo:
1-As referências são dos editores do Blogue e não minhas, possivelmente das informações de que o Blogue possui.
2-Ao entrar em quadrícula a C.CAÇ 763 na zona de Cufar, a mesma era controlada totalmente pelo PAIGC.
Em seis meses, a Zona estava controlada pela C.CAÇ. 763.
3-Quanto ao Cantanhez, a C.CAÇ. 763
destruio dois acampamentos em Flaque Injã e destruio do mesmo modo no mesmo percurso a Tabanca de Caboxanque. Da primeira vez os Lassas tiveram a segurança da 4ª C.C. de Bedanda, e na segunda acturam sós com a FAP e Marinha.
Estas operações realizaram-se respectivamente a 9JUL65 (Satan) e 17SET65 (Retorno).
4-A 22Dez65 a C.CAÇ 763 destrói Cadique Nalu e monta segurança com a C.CAÇ. 728 na estrada para Jemberem para a actuação de um G.Combate Paraquedista cujo objectivo não foi revelado.(Tesoura)
5-4JAN66 a célebre (Safari) Darsalame _fui evacado para o HM de Bissau sendo operado de urgência, a duas hérnias inguinais estranguladas_ (Obrigado pessoal da FAP).
6-A 20MAR66 os Lassas voltam a Darsalame na Safanão.
7-A 22JUN66 com um grupo de combate da 1484 como reforço, pois os Lassas só tinham cinquenta e poucos homens operacionais.
Emboscada na estrada Bedanda/Mejo no cruzamento de Salancaur.

Já que outras Companhias tenham posteriormente à C.CAÇ. 763, estado em Caboxanque até à data referida no P3914 e não tendo sido responsável da introdução do referido Post, aqui fica aquilo que por mim foi vivido, e que consta da história da Companhia de que possuo um exemplar.
Para melhor esclarecimento informo que a C.CAÇ. para além da construção do Aquartelamento de Cufar, colunas de abastecimento a Catió, proptecção aos combóios navais para Bedanda, apoio logistico a todas as grandes operações efectuadas no Sul da Guiné, limpeza, protecção e controlo das Tabancas de Iusse, Impungueda, Mato Farroba e Cantone. Efectuou 34 operações das quais sete fora da sua zona de acção 6 das quais na Zona do Cantanhez e uma na Zona de Catió. Passaram por Cufar várias Companhias a quem foi dado treino operacional.
Porra! Por vezes nem dava para curtir o velho copo de bambu nem o belo corpo da Miriam.
Peço desculpa pela longa descrição, a Verdade será o lema, e que todos narrem aqui as suas histórias e experiências, que só enriquece a Nossa Tabanca Grande.

Como era bonito o Cumbijã mesmo em Guerra! Do seu tamanho, o velho abraço,

Mário Fitas