quinta-feira, 11 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4512: Fauna & flora (23): “Por pouco não nos caçamos a nós próprios… em Cufar” (Santos Oliveira)





1. O nosso Camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, enviou-nos a seguinte mensagem com data de 11 de Junho de 2009:



Camaradas,


Hoje vou-vos contar como num verdadeiro dia de caça, por pouco não nos caçamos a nós mesmos, em Cufar.

Embora eu tenha sido um dos intervenientes activos nesta Aventura, entendo que devia ser o Mário Fitas a contar este pequeno episódio em que, os Caçadores, estiveram em vias de ser caçados pelos seus “pares”.

Cerca de Março/Abril de 65, um Grupo constituído pelo Santos Oliveira, do PMort. 912, pelo Fur. Milº Alves, chefe da Equipa do Destacamento da CEngª 447, pelo Srgº da Sec AM Daimler e um outro Furriel (que não lembro o nome – seria o Fitas?) com um conjunto de mais 14 Cabos e Soldados, “destinamo-nos a ir á caça aos patos” (ou ao que quer que fosse comestível).

Ao lado e quase na extensão da Pista, havia uma bolanha, há muito abandonada, que mais se assemelhava a uma lagoa.

Deixei instruções ao Pessoal dos Morteiros; o Srgt AM Daimler deixou aos seus e para ali seguimos, não tanto com o sentido de caçar mas de desanuviar um pouco o ambiente que sempre se vive num Quartel, na sua quase totalidade constituído de abrigos subterrâneos, sem camas, mosquiteiros ou outras benesses, mas com o Ar Condicionado ligado quer de dia, quer de noite, tal como a Natureza nos proporcionava com as suas cambiantes.

Se apanhássemos algo que desse para mastigar, tanto melhor, já que a massa e o feijão-frade seriam certamente o prato base.

Foi um andar sem paragens, vagarosamente, para fazer render o tempo. Falava-se de tudo: das saudades, dos projectos, das ansiedades, dos desejos…

Pelo regresso, mais ou menos pelo bordo da lagoa, capim ainda macio, já a subir rapidamente e com um bom meio metro de altura, que convidava a um rebolar refrescante.

Num repente, sem aviso prévio, os Praças que nos seguiam a uns 30/40 metros, desataram a disparar as G3, de rajada, na direcção de nós quatro.

Lançamo-nos de imediato para ao chão, gritando ordens de suspensão de fogo, e rastejando como nunca, continuávamos a ver os ricochetes a lamber a parte superior do Capim e isso trazia-nos á lembrança a possibilidade aterradora de sermos massacrados pelos nossos.

Quase como começou (uma eternidade depois) tudo acabou, pudera, cada um dos soldados havia acabado de disparar os seus 5 carregadores! Mais não tinham!

Só que, agora o alarido era tremendo.

O que terá acontecido, interrogávamo-nos?

Quase de imediato ficou tudo esclarecido.

Uma Grande Gibóia, a quem devemos ter incomodado o sossego da sua sesta, ou caça, depois que passarmos (os quatro), ergueu-se um metro acima do Capim a lamentar-se haver perdido a perninha de qualquer um de nós.

A reacção dos Militares, foi espontânea, embora impensada; é que estávamos na linha do seu enfiamento de tiro. Não havia por onde sair com a rapidez necessária.

Uns 400 metros adiante, no início da Pista e entrada do Quartel, já nos aguardava, praticamente, tudo o que sobrava da CCaç763 e Adidos.

Por mim, ainda hoje sinto o gelo daquela pele, nas costas do meu dedo indicador.

Foi um Ronco de tirar fotografias ao, e com, o Bicho. Para mim, ou comigo, não!

O mais impressionante foi ver a arte como, com a minha faca, os elementos do Pelotão Nativo, cortavam finíssimas tiras e comiam crua aquela carne rosada e linda, mas que eu, meus amigos, ainda não estava à data, nunca estive durante todos estes anos e jamais estarei preparado, para tal experiência.

Estou a escrever “isto”, mas literalmente com pele de galinha.

Uma galinha seria decerto uma boa refeição a disputar: por nós e… pela esbelta e arrepiante Gibóia.

Ehrr, fiquei enjoado, agoniado, ou... já nem me apetece Galinha!

Cufar-Esquadra de Morteiros com Guia Nat.,sobre o abrigo, sem cama e mosquiteiro, mas com Ar Condicionado (Conforme o Tempo). Abr65.


Cufar-Giboia-Pose de Elementos da CCAÇ. 763, onde ressaltam Os Fur.Milº Juvenal (já falecido) e o Mário Fitas. Eu, nem para a pose!..

Fotos: © Santos Oliveira (2009). Direitos reservados

Abraços,
Santos Oliveira
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

6 comentários:

Anónimo disse...

Caro Fernando,

Há um pormenor que talvez tu não te recordes ou não quizeste contar.
Isto tudo bem contado dava para um Post.
É que as rajadas sobre a cobra, fizeram despoletar uma emboscada que nos estava preparada junto à entrada da Tabanca de Iusse, e tu tiveste de correr para os morteiros lá em baixo, junto à fábrica de descasque de arroz, o sargento das Draimler, teve de movimentar o seu pessoal e a malta atrás das auto metralhadoras pela espécie de picada que existia no valado que fazia a lagoa.
O problema é que uma das auto-metralhadoras, adornou e ficou de lado metade dentro de água.
Este acontecimento resultou que no dia seguinte a C.CAÇ. 763 com o Costa Campos, pois ele saía sempre.
Fez uma batida à tabanca de Iusse, resultando no desaparecimento do chefe da mesma, um mandinga que viria passados uns tempos a aparecer em Priame Catió. Há umas histórias a este respeito.Não recordo o nome do chefe de tabanca, mas era bemconhecido pela estampa da sua filha de nome Fanta.
Se o Jorge Cabral estivesse nessa altura em Cufar ou Catió, de certeza que havia tiroteio entre ele e o Zé Pedrosa. A Fanta não era uma Bajuda Mandinga, era uma estátua de Ébano.
Isto tudo merecia outro tratamento, mas o tempo é escasso.
Um dia escreverei estas coisas com mais tempo.

Um abraço e as tuas melhoras,

Mário Fitas

Anónimo disse...

Santos Oliveira: podes não ter comido mas certamente o Mário Fitas ou comeu ou sabe que, em certas zonas da planície, se come: cobra e canja da dita, lagarto, perninhas de rã, cágado, ouriço caixeiro (a fêmea não) e outros bichos deliciosos. Até estou a salivar, quer pelo pitéu quer por alguma Fanta que também, nesta altura do dia/noite, degustava com imenso agrado.
Abraços Torcato

Anónimo disse...

Meu querido amigo Torcato,

Acertaste que nem ginjas!
A Helena já me chamou para o bacalhau (almoço de hoje) mas umas perninhas de rã? Ai mãezinha! E Ouriço? Puff! Antes do Bacalhau com um branquinho da Vidigueira ou com daquel tinto do Poeta da Régua!
Olha que os "morcões" se os "mouros" não se põem a pau, passam a perna ao Borba, Redondo Reguengos etc.!

Mudando de azimute. Olha que a Fanta entornava o caldo todo. Só vista!
Abraços Mário Fitas

Santos Oliveira disse...

Meu Bom e Querido Amigo Mário

Não associei, nem associaria, porque as memórias andam muito “mastigadas”, sobretudo no que diz respeito ao ordenamento das datas ou á sua associação. Os factos, vivências, sofrimentos e as acções, jamais se perderão. Vejo-as a cada instante, como peças soltas; cada situação está isolada no seu Arquivo. Contei e contava contigo e não deixarei de continuar a contar.
No final do ano, pedi-te que narrasses do teu lado para juntar o que me faltava nessas cronologias e sempre com o sentido que fosses tu (como entendemos mutuamente no acto da minha entrada no Blogue) a escrever e descrever as Grandes Histórias, já que a tua vocação literária é manifesta.
Por mim, tomei esta decisão porque, noutras vezes, sobre o assunto, não recebi eco e com a coincidência, recente, de informares que o teu “sapo” está fora de serviço.
A actualidade e oportunidade estavam no auge.
Por isso, cometi a “gafe” de protagonizar este pequeno relato, mas que, de modo algum, te deve coibir de, a partir dele (ou sem ele), elaborares o verdadeiro Post, com a descrição Histórica daqueles momentos heróicos, que, para mim, o foram sempre muito sérios e levados ao mais alto da minha responsabilidade e competência.
Heróis, foram todos os Companheiros da CCaç.763.

A Gibóia, foi só isso e com muitos arrepios que teimam em continuar.

O Torcato escreve, que comias uns petiscos de lagarto (ou de cobra) no teu Alentejo; em Cufar, amigo, passaste fome como eu… aparte uma gazelita, uma vaca e um ou outro grou. Patos…

Quanto a Bajudas, no meu tempo (os teus primeiros meses), nem “vê-las, nem cheiro”! (Bem, vê-las, eu via-as pelos binóculos, lá bem longe e fora do alcance dos Morteiros…)

Abraços do tamanho do nosso Cumbijá
Santos Oliveira

PS: Ficamos esperando o teu Post complementar

Santos Oliveira disse...

... Pois, querias em vez de água, ou aquele tinto rasca, acompanhar com FANTA? Querias!!!...

Santos Oliveira

Anónimo disse...

Fernando meu amigo,

Fizes bem em narrar tudo o que ainda se consegue recordar.
Assim sempre vamos tirarando da caixa, coisas que de outra forma por vezes não há tempo e oportunidade para contar.
O que mais desejo, é que estejas melhor e te ponhas em forma como eu te conheci em Cufar.
Sobre os nossos petiscos: grou, pato da Barbéria (cá conhecido como pato mudo) gazela!... Recordas que foi comida uma com feijão frade, pois não havia mais nada para acompanhamento o sargento das Daimler era um caçador nato.
A caçadeira de um cano! Com a malta da Força aérea a ser amiga e trazer os cartuchos de Bissau.
Perdiz e pato havia, só que para acompanhar (Bianda).
Por causa das perdizes, ainda a malta me chateava, porque eu gostava era de atirar com a ave no ar só que o pessoal não queria monições perdidas, e às vezes lá se perdia alguma.
Com a G3, tinha-mos um especialista, o Bernardino Pinto matava um pato a 200 metros.

Um abraço,

Mário