quinta-feira, 18 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4548: Controvérsias (25): Como ajudei a "fabricar" três "desertores" (Jorge Teixeira/Portojo)




1. Mensagem de Jorge Teixeira, ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões s/recuo 2054 (Catió, 1968/70), esteve adido aos BARTs 1913 e 2845, com data de 17 de Junho de 2009:

Camaradas,

Venho contar-vos uma estória sobre desertores, refractários ou como lhes queiram chamar.

O meu pelotão tinha a dotação oficial de 39 elementos e, mesmo com quase 2 anos de comissão aconteceu creio eu sinceramente, que entre o IAO (em Tomar), e o desembarque, houve entre estes rapazes alguns que nunca se conheceram.

Por várias razões (morte, evacuações, destacamentos para outras unidades, etc.).

Mas, durante a comissão, lá foi aparecendo pessoal para a dotação do pelotão, vindos a conta gotas.

Creio que já andávamos próximo de 1 ano de comissão e apareceu-me um rapaz com cerca de 28 anos.

Tinha emigrado muitos anos antes de Portugal para França, mas as saudades fizeram-no regressar, para visitar a família, e foi apanhado algures na fronteira.

Colocaram-no então nos Adidos, em Lisboa, melhor dizendo, na cadeia e despacharam-no no primeiro barco, para a Guiné.

O moço não sabia sequer o que era uma G3, mas a solidariedade entre os camaradas e alguma paciência, lá permitiu ensiná-lo, pelo menos, a manejar aquela “coisa”.

O seu estado psicológico não era bom. Conseguimos uma consulta externa cerca de 8 ou 10 meses depois, e foi então evacuado para se tratar em Lisboa.

Nunca mais soube nada dele. Mas a intenção foi essa mesma, a de que nunca mais pusesse os pés em África.

Mas ficou bem claro, que toda a malta do pelotão apoiou esta ideia.

Conseguimos de modo muito idêntico (evacuações para psiquiatria), “fabricar” mais dois "desertores".

Quanto a um deles, anos mais tarde, fui chamado a um tribunal militar, ou lá como se chamava a “coisa”, para depor sobre o que sabia do homem, pois este havia pedido a sua reforma.

Uma das perguntas que me fizeram lá - essa não esqueço facilmente -, foi porque motivo foi evacuado o soldado se não tinha sido vítima de ferimentos?

Respondi ao senhor capitão: Se o Sr. alguma vez passou pela Guiné, explique-me como poderia um homem com menos de 1,60 m de altura e 45 kg de peso, aguentar 2 anos a andar por bolanhas, carregar com uma espingarda, cartucheiras e granadas, para além de ouvir periodicamente uns foguetórios, comer mal e ter que andar feliz da vida?

Pois aqui está como ajudei a provocar a “deserção”, ou como queiram chamar-lhe, de 3 dos nossos homens.

Um abraço de amizade,
Jorge Teixeira
____________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Jorge Teixeira

Não ajudas-te ninguém a "fugir", porque só fugimos de nós mesmos, e nunca o conseguimos.

Não só foste solidário com eles, mas sobretudo foste camarada, uma palavra que muito pouca gente entende.

AB

José Martins

António Matos disse...

Caro Jorge Teixeira, venho aqui não só para te agradecer essa história do nosso emigrante que é apanhado nas malhas pidescas aquando duma sessão de matar saudades menos bem preparada mas também por um baque que tive ao abrir o comentário do José Martins.
Passo a explicar.
Por qualquer razão que a razão desconhece, a janela que se abre quando queremos ver / escrever um comentário, apresentou-se-me de tamanho mais reduzido do que habitualmente permitindo ler o seguinte :
___________________________________
Caro Jorge Teixeira

Não ajudas-te ninguém a "fugir",
porque só fugimos de nós mesmos, e
nunca o conseguimos.

Não só foste solidário com eles, mas
sobretudo foste camarada, uma palavra
que muito pouca gente entende.

AB
_____________________________________

Ora, compreenderás que suspeitei de imediato que te ligavam laços de conhecimento com o nosso "querido" AB, o latoeiro.
Aí pensei : aí está o gajo ! Pode ser que se trate dum 1º passo em direcção da apresentação de desculpas .
Ingenuidade minha !
Afinal aquele AB deve querer dizer "abraço" pois logo a seguir vinha a referência ao Jorge Martins.

Fica a curiosidade.
Um abraço,
António Matos

JD disse...

Caro Jorge
Subscrevo o comentário do José Martins. De facto, a solidariedade tem manifestações de grande desprendimento. Ás vezes, a sigla todos por um, e um por todos, levada ao extremo, pode conduzir a maioria a prescindir de uma parte, se, para ela, a permanência no grupo for de dificil acompanhamento, ou com resultados notórios de prejuízo pessoal.
Foi bonito, nessa interdependência de interesse, abrir mão dos mais penalizados, como alta expressão da solidariedade.
Abraço o teu grupo de combate
J.Dinis

JD disse...

Caro Jorge
Subscrevo o comentário do José Martins. De facto, a solidariedade tem manifestações de grande desprendimento. Ás vezes, a sigla todos por um, e um por todos, levada ao extremo, pode conduzir a maioria a prescindir de uma parte, se, para ela, a permanência no grupo for de dificil acompanhamento, ou com resultados notórios de prejuízo pessoal.
Foi bonito, nessa interdependência de interesse, abrir mão dos mais penalizados, como alta expressão da solidariedade.
Abraço o teu grupo de combate
J.Dinis

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
António Matos disse...

Mais uma vez o anonimato, aqui a pedir esterilização.
Faça-se-lhe a esterilização mas fica a pergunta ( eu não abri o site não fosse ser um virus ... esterilizável ) o que é que isto tem a ver com a Guiné ?
Editores ! "Deletem" o comentário !
António Matos

Luís Graça disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís Graça disse...

Aviso às aeronaves e tripulantes que andam por aí no blogosfera:

O nosso blogue é dos amigos e camaradas da Guiné. Destina-se a contar histórias sobre a guerra do ultramar/guerra colonial na Guiné (1963/74), por aqueles a fizeram de um lado e de outro, que a viveram, que a sofreram...

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