domingo, 28 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4595: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos) (2): Binóculos de Sol (José Martins)



Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos) > 1973: Interior do Clube de Oficiais e Sargentos de Canjadude... O ex- Fur Mil Carvalho, membro da nossa Tabanca Grande, é o segundo a contar da direita... No mural, na pintura na parede, pode ler-se: [gato] preto agarra à mão grrr....

Percebe-se que estamos no Rio Corubal com o destacmento de Cheche do lado de cá (margem direita) e... o mítico campo fortitificado de Madina do Boé, do lado de lá (margem esquerda)... Em 24 de Setembro de 1973, não em Madina do Boé, mas algures, na vasta e desertificada região do Boé, junto à fronteira (se não mesmo para lá da fronteira...), o PAIGC proclama "urbi et orbi", unilateralmente,  a independência da nova República da Guiné-Bissau... Madina do Boé, como se sabe, foi retirado pelas NT em 6/2/1969.


Foto: © João Carvalho (2005). Todo os direitos reservados.


1. Mensagem de José Martins (*), ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, com data de 23 de Junho de 2009:

Caros amigos

Para suster a frustação de não ter sido terminada, pelo aparecimento de uma branca total, junto o texto completo da canção interrompida abruptamente [, na Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, em 20 de Junho de 2009, por ocasião do nosso IV Encontro Nacional].

Abraços
José Martins


CANCIONEIRO DE CANJADUDE

O isolamento em que nos encontrávamos, a necessidade de ocupar a mente com algo diferente que não fosse a actividade operacional, a tentativa de encurtar a distância que nos separava da metrópole, o sentido de improvisação e muitas mais razões, levaram a que os militares tomassem como suas as músicas em voga, na época, e lhes dessem nova vida, com factos que lhes estavam mais próximos e, sobretudo, que ajudavam a manter um espírito de corpo.

Os textos das canções ou poemas que se seguem, quando não identificam o autor, devem ser considerados de criação colectiva, pois que, se sempre há quem lance a ideia e lhe dê uma forma inicial, será o conjunto a sancioná-la e a transmitir-lhe a forma definitiva.




José Martins cantando os Binóculos de Guerra durante o IV Encontro  Nacional da Tertúlia, no dia 20 de Junho passado, em Ortigosa .

Foto: © Fernando Franco (2009). Todos os direitos reservados


BINÓCULOS DE GUERRA

Com certa frequência a rádio, mesmo a da Guiné, passava a canção Óculos de Sol, interpretada por Natércia Barreto, que falava das suas amarguras numa ida à praia. (**)

Da ida à praia ou ao mato, com óculos ou com binóculos, a adaptação foi fácil…

Já arranjei muito bem, tudo quanto convém,
P’ro mato levar!
A minha arma, o bornal e o cantil com a água
P’ra me refrescar.

O emissor/receptor e o meu camuflado
Também estão na acção.
E como é bom de ver não podia esquecer
As granadas de mão,

Que levo p’ra atirar, p’ra defender.
P’ra amedrontar e o turra deter.
Para aumentar, o seu sofrer!

Pois eu sei que te hei-de encontrar
Talvez deitado na orla do mato
Com a arma ao lado e eu vou passar
A tarde emboscado.

Já pensei não sair, mas eu tenho de ir
Subir à montanha.
Mas que hei-de fazer p’ra não ter de passar,
Naquela bolanha.

Então peço ao meu Deus que me ajude na mata
Sou um ser pequenito,
E que traga depressa da querida Lisboa
O meu Periquito!

P’ra eu me ir embora, desta guerra
P’ra voltar, à minha terra
P’ra deixar, esta Guiné!

Pois eu sei que quando voltar
Estarás no cais p’ra me abraçar
Adeus às armas, eu vou dizer
E a arma entregar!

...Vou Partir, vou voltar …


Dado que a Companhia de Caçadores 5 era uma subunidade de guarnição normal, constituída por oficiais, sargentos e praças especialistas do continente e praças recrutadas na própria província, era de rendição individual. Isto quer dizer que os elementos eram mobilizados e enviados para a companhia um a um, pelo que a sua substituição também era feita elemento a elemento. Daí que, para a substituição no fim da comissão, havia um certa carácter individualista, que também transparece no texto.

Nota: Este texto faz parte do Cancioneiro de Canjadude que incluiu canções e poemas escritos pelos elementos da companhia e que foram recolhidos, depois do ano 2000, em visitas cíclicas à Biblioteca do Estado-maior do Exército. Se as recolhas efectuadas vieram a ser publicadas, darão lugar à “QUINTA DOS GATOS PRETOS DE CANJADUDE” (***).
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4592: Bibliografia de uma guerra (51): "Cambança" de autoria de Alberto Branquinho (José Martins)

(**)Vd. letra orignal da canção Óculos de Sol
Natércia Barreto

Composição: Natércia Barreto

Já arranjei muito bem
Tudo quanto convém
PÂ’ra praia levar
O pente, o espelho, o baton
E o creme muito bom
PÂ’ra me bronzear
Tenho o meu rádio portátil
E o bikini encarnado
Também está no meu rol
E como é bom de ver
Não podia esquecer
Os meus óculos de sol

Refrão:
Que levo pÂ’ra chorar uuuuhuh
Sem ninguém ver
PÂ’ra não dar uuuuhuh
A perceber
PÂ’ra ocultar uuuuhuh
O meu sofrer
Pois eu sei que te hei-de encontrar
Talvez deitado à beira-mar
Com outra lado
E eu vou passar
A tarde a chorar

Já pensei não sair
Mas aonde é que eu hei-de ir
Com este calor?
O que é que eu hei-de fazer
PÂ’ra não ter que te ver
Com o teu novo amor?
Ver-te-ei com certeza
Mas eu peço à tristeza
Um pouco de controle
E pelo sim pelo não
Eu vou ter sempre à mão os meus óculos de sol

Vou chorar
Uuuuh uh
Vou sofrer
Uuuuh uh
Vou chorar
Uuuuh uh


(***) Sobre o Cancioneiro de Canjadude, vd. poste, da primeira série, de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)

Sobre a CCAÇ 5, vd. ainda:

23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74)

5 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIX: O ataque de foguetões a Canjadude, em Abril de 1973 (João Carvalho)


4 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIV: Os últimos dias de Canjadude (fotos de João Carvalho)

4 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCV: A última noite em Canjadude (CCAÇ 5) (João Carvalho)

5 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCVI: A dolce vita de Canjadude, até ao dia 27 de Abril de 1973 (João Carvalho)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

7 deAbril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXX: CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos de Canjadude (José Martins)

13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4028: FAP (17): Do Colégio Militar a Canjadude: O meu amigo Tartaruga, o João Arantes e Oliveira (Pacífico dos Reis)

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa Tarde,sou filha do Sargento José Artur Da Silva e creci com ascançoes dos gatos pretos pois o meu pai tocava guitarra portuguesa e o pouco tempo que convivi com ele(faleceu em 1977)era aouvir os meninos yéyée a Miquelina.
Gostava muito de saber se alguem se lembra dele e se alguem tem mais letras dessas musicas (amusica eu recordo-me) obrigado Maria José Silva

José Marcelino Martins disse...

Querida Maria José

Começo por pedir desculpa pelo tratamento mais carinhosa, mas os "filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são" e, com mais razão, quando se trata de Gatos Pretos.

Não sou contemporâneo do seu pai, j´+a que estiva nos Gatos Pretos entre 1969/70. Se tivesse sido ao contrário , nao ouviria as conçoes que ouviu, já que alguns poemas saõ de minha autoria, apesar de os consirerar patrimonio de todos os que por lá passaram.

Das pesquisas que estou a efectuar, há já alguns anos, sei que o seu pai esteve na CCaç 5 entre 19/2/71 e 9/3/1973.

Se tiver uma foto do tempo de Canjadude e nos queira enviar, figurará no trabalho que iniciei e agora vou contando com a colaboração dos camaradas que vão aparecendo.

Se me enviar o seu mail, poderei enviar-lhe os poemas das conções mais emblemáticas da Companhia.

Infelismente, para todos nós, tambem já inclui o nome do nosso camarada José Artur da Silva, na lista dos que partiram que, infelismente, cada vez é mais comprida.

Receba saudações dum «velho Gato Pretos»

José Martins
josesmmartins@sapo.pt

Nota - espero que a Maria José volte a este poste e veja a mensagem, já que não há outra forma de a contactar.