1. Mensagem de Mário Beja Santos *, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2009:
Malta,
Está-me a saber bem vadiar nestas leituras espúrias, tenho agora para ler o resto álbum fotográfico do José Henriques de Mello, o livro do Alpoim Calvão e o trabalho do José Luís Castanheira “Quem mandou matar Amílcar Cabral?”.
É uma maneira de descansar das minhas agruras nas marchas finais deste livro que não há meio de chegar a bom termo.
Um abraço do
Mário
Uma curiosa miscelânea dos cadetes do curso de 1954,
Inesquecíveis memórias da Guiné
Por Beja Santos
O livro tem um título equívoco: a geração do fim, até se pode pensar nos vencidos da vida, de gente a precisar de cuidados terminais, o que de mais lúgubre se possa imaginar. Afinal, “A Geração do Fim” tem a ver com memórias do curso de Infantaria de 1954, gente que chegou ao fim do Império, calcorreando as suas parcelas, entre a paz e a guerra. É uma miscelânea espantosa de memórias, impressões, vínculos, afectos. Os infantes constituíram uma comissão redactora e juntaram crónicas verdadeiramente descontraídas. O resultado desses 50 anos de cumplicidades merece aplauso: “A Geração do Fim, Infantaria, 1954 – 2004”, Prefácio, 2007).
Este livro do curso de Infantaria de 1954 – 1957 abarca múltiplas histórias, duas, pelo gigantismo da descrição humana ou pela natureza dos combates duríssimos, tem a ver connosco. A primeira, aquela que sem qualquer hesitação incluiria numa antologia dedicada à Guiné, contempla a memória da CCaç 555, a partir de 1963, por António Ritto. Que história, que profunda humanidade! Respigo alguns parágrafos: “O dia de embarque no Niassa foi muito chuvoso e num cruzamento um motociclista civil, vindo da esquerda em derrapagem, ficou com o crânio esmigalhado de baixo do pneu da primeira viatura da companhia de transportes. Mau presságio, disseram alguns”. Começava tudo com sangue derramado, mas esta CCaç 555 foi uma lição de solidariedade. Chegaram a Bissau sem nunca ter lidado com a G3. Depois do treino, partiram para Cabedu em plena mata do Cantanhês. Durante a viagem, houve tiroteio e tiveram o primeiro ferido grave. Escreve o narrador: “Cabedu resumia-se a quatro pequenas casas, sendo uma da casa comercial Gouveia, outra da Ultramarina e as duas restantes de dois libaneses que com a eclosão da luta armada tinham abandonado a região e a companhia ocupou. Os empregados das casas comerciais eram cabo-verdianos e o da Ultramarina retirou-se para Bissau quando chegámos. O da Gouveia ficou e manteve o comércio com a população que vendia o seu arroz, o coconote e a cola, em troca de panos, fósforos, loiça de alumínio e quinquilharias”.
E do pouco se fez muito: abriram-se poços para lavar, beber e cozinhar; criaram-se fossas sanitárias, um forno para pão com tijolos refractários, cortaram-se centenas de palmeiras para se fazer um campo de aviação, importante para as emergências e para receber correio, e de igual modo essas palmeiras serviram para criar abrigos, depósitos de munições, com elas se construiu um caminho de centenas de metros até ao local onde chegavam embarcações uma vez de 40 em 40 dias, com reabastecimentos.
No coração da luta, nesse temível Cantanhês, os Infantes aprenderam o jogo com um pau de dois bicos: a população não queria partir para o mato mas não deixava de dialogar com os que estavam no mato. Os Infantes de Cabedu tinham uma tabanca a três quilómetros com gentes das etnias Nalu e Sosso. Os homens dos 20 aos 30 anos tinham desaparecido, estavam com o Nino no interior da mata, aos mais jovens, os que ficaram, foram-lhes dadas aulas de português, carpintaria, mecânica-auto. A todos se prestou assistência médica e medicamentosa. Lê-se o relato de António Ritto e quem lá esteve e viveu situações afins comove-se com o registo genuíno, a ausência de auto-glorificação, o elogio do indefectível companheirismo, que permanece vivo. Para ler e para guardar para a história.
O coronel pára-quedista José Moura Calheiros, segundo comandante do BCP – Batalhão de Caçadores Pára-quedistas, relata a reocupação do Cantanhês a partir do COP4, em Cufar. Descreve a operação “Grande Empresa” que tinha como objectivos principais Cadique, Caboxanque e Cafine, em finais de 1972. Foi, como se sabe, uma reocupação temporária, o PAIGC desencadeou várias ofensivas no Norte e no Sul, apareceram os mísseis Strella, Guidage e Guileje estiveram cercados, a CCP 123 procurou aliviar a pressão sobre Guidage cercada, atacaram a base de Cumbamori, mas tiveram que ir mesmo que se confrontar com o PAIGC à volta de Guidage. Há muito pouco mais a dizer, é matéria que o blogue tem largamente desenvolvido, não há novidades a contar.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5317: Historiografia da presença portuguesa (32): O que José Henriques de Mello viu no Cuor e em Bissau (Beja Santos)
Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5287: Notas de leitura (34): As Lágrimas de Aquiles, de José Manuel Saraiva (Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Eu leio e não acredito.
Diz o Beja santos:
"O coronel pára-quedista José Moura Calheiros (...) relata a reocupação do Cantanhês a partir do COP4, em Cufar. Descreve a operação “Grande Empresa” que tinha como objectivos principais Cadique, Caboxanque e Cafine, em finais de 1972. Foi, como se sabe, uma reocupação temporária."
Meu caro, como é possível falar em "reocupação" se, exceptuando Bedanda e Cabedu, as tropas portuguesas jamais haviam ocupado em permanência qualquer outro lugar do Cantanhez?
Depois, dizes que a operação Grande Empresa "foi, como se sabe, uma reocupação temporária."
Temporária? Os aquartelamentos de Cobumba, Chugué, Caboxanque. Cadique, Cafal,Cafine e Jemberém, todos no Cantanhez, não foram objecto de nenhuma "reocupação temporária". Sei eu, que estive em Cufar, 73/74, mesmo ali ao lado, e sabem-no os milhares e milhares de nossos camaradas que no Cantanhez sofreram enormidades mas não abandonaram nenhum aquartelamento.
Os aquartelamentos do Cantanhez foram entregues aos guerrilheiros do PAIGC em Julho e Agosto de 1974,
com o fim da guerra. Será a esta "reocupação temporária" que o Beja Santos se refere?
Lemos tantos livros, somos tão doutos,tão assertivos e conhecemos tão pouco!
Um abraço,
António Graça de Abreu
Fico na dúvida se o último período do teu comentário é uma auto-referência feliz. Um abraco José Belo.
Meu caro Belo
"Lemos tantos livros, somos tão doutos,tão assertivos e conhecemos tão pouco!"
É esta a minha frase. Utilizei "nós
lemos, nós somos, nós conhecemos".
Nós , no plural, Beja Santos, António Graça de Abreu, e já agora, se nos quiseres fazer companhia, o José Belo.
Um abraço,
António Graça de Abreu
Caro Graca de Abreu. Fico grato pelo teu esclarecimento que me veio retirar de uma situacao,anterior,de dúvida,quanto ao teu parágrafo final no comentário. Se sou curto no trato,nao será por qualquer injustificada,e inapropriada..."picardia". Mas,estando de férias,nao há,quanto a mim,nada mais ridículo que um V.C.C.(espero que recordes a frase de caserna:-Vélhinho como o.......!)como eu,com um LAPTOP sobre uma mesa de café a pretender ter ainda algo a fazer. Um abraco.José Belo
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