sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7539: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (31): Anda tudo lelé da cuca? (Magalhães Ribeiro)


1. Amigos e Camaradas eu, Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974, gostava, para aqueles que não leram, de vos dar a conhecer um humorístico e curioso artigo, que me chegou via e-mail, saído no DN de 23 de Dezembro de 2010, da autoria do jornalista Jorge Fiel (com a devida vénia e agradecimento).
Anda tudo lelé da cuca?
Por Jorge Fiel
DN de 23 dez 2010
Este ano, a Maria não vai dar prenda de Natal ao Aníbal. Fiquei tão intrigado com isto que até me passaram duas explicações pela cabeça enquanto viajava do título de 1.ª página do JN até à pág. 20 da Notícias Magazine, onde estava a notícia.

Será que ela ainda está chateada por o homem ter promulgado o casamento gay? A este primeiro pensamento sucedeu um outro. Na campanha para as presidenciais, em que tem a reeleição garantida mesmo que repita a graçola de encher a boca de bolo-rei, Cavaco respondeu que até tinha ficha na PIDE, quando Alegre puxou dos galões de antifascista.

Vai-se a ver e a ficha da PIDE não passa de respostas anódinas a um questionário de rotina, em que a única curiosidade reside em saber que ele achou por bem acautelar que não privava com Maria Mendes Vieira, com quem o sogro se casara em segundas núpcias.
Mas não. Não é por causa do casamento gay nem por o marido não ter engraçado com a madrasta dela que Maria não lhe dá prenda. O motivo é a contenção. Este ano, no Possolo, os adultos ficam a seco e são aconselhados a mandar o dinheiro das prendas para uma instituição de solidariedade social.

Fiquei horrorizado com esta atitude miserabilista. Aníbal e Maria têm uma vida bonita, os filhos estão criados, não devem ao banco, já não têm aplicações nem acções do BPN, e entre reformas e vencimento ganham uns bons 15 mil euros limpos todos os meses.

Chega para prendas e sobra para ser solidário. E, já agora, permitam-me um reparo a Maria: o bem deve praticar-se em silêncio e é preciso ter muito cuidado a distinguir a filantropia da responsabilidade social da bolorenta caridade do bodo aos pobres.

Dias depois, reparei que Passos Coelho foi contaminado pelo miserabilismo natalício da primeira dama e anunciou que só a mais nova das suas quatro filhas vai ter prenda no Natal. Já começo a acreditar no estudo da OMS que diz que um em cada cinco portugueses sofre de perturbações mentais - só estou preocupado pelos lugares ocupados pelos lelés da cuca...

"Um dos riscos da actual crise é que as pessoas deixem de gastar e isso seria muito mau." Peço a Maria e Pedro para que, antes de abrirem mais a boca, reflictam nesta frase sábia dita por Vítor Bento, o economista que Aníbal nomeou para o Conselho de Estado, em substituição do seu antigo amigo Dias Loureiro.

No entretanto, fico a pensar se perco o amor a uns 40 euros e ainda hoje vou à Fnac comprar prendas para Cavaco (Utopia, de Thomas Moore, ou A Morte em Veneza, de Thomas Mann) e Passos Coelho - talvez O Ser e o Nada, de Sartre, porque aquele de que ele gosta muito (A Fenomenologia do Ser) e até leu antes de Kafka vai ser muito difícil de encontrar, porque não existe.

2. Fiquei intrigado. Será que também não estarei a ficar algo lelé da cuca?

Pelo sim, pelo não, resolvi aliviar a consciência e tratei de telefonar a 2 Camaradas nossos - o Manuel Maia e o Vasco da Gama -, com quem me havia envolvido em troca de alguns “mimos”, nos últimos tempos, a fim de acabar com alguns equívocos interpretativos (creio que de ambas as partes, o que agora e aqui não me interessa nada) e toca a limar as arestas criadas nesses intercâmbios “litigiosos”.

Satisfeito com os resultados obtidos, pois as conversas foram em tudo benéficas e fraternas, aconselho agora aqui, por experiência própria, a Maria, o Cavaco e o Passos Coelho, embora seja já um bocadinho tardio, mas Natal é sempre que um homem quer, a repensarem e resolverem o seu miserabilismo natalício. É humano, aconselhável e saudável!

Aos restantes Amigos e Camaradas resta-me desejar um bom Ano Novo de 2011.

Magalhães Ribeiro

Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7538: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (30): Quem tem cu… puxa pela cabeça! (José Eduardo Oliveira - JERO)

Guiné 63/74 - P7538: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (30): Quem tem cu… puxa pela cabeça! (José Eduardo Oliveira - JERO)

1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:

Camaradas,
Aproveitei o sossego que o meu neto me deu durante algum tempo - enquanto fazia os trabalhos da escola - e sentei-me ao computador.
Segue um texto aproveitando a oportunidade para enviar aos esforçados editores e a todos os tertulianos os meus votos de um novo ano sem medos.
Se a nossa amizade se mantiver em alta havemos de sobreviver.
QUEM TEM CU… PUXA PELA CABEÇA!
Percorri o nosso blogue e, por falta de jeito ou por não existir mesmo “em carteira”, não encontrei testemunhos dos variadíssimos truques que na vida militar se usaram quando tocava a desenrascar. Não me estou a referir ao “desenrascanço” do dia a dia mas aquele “especial” quando cheirava a mobilização!
Por ter cumprido os meus 4 anos de militar no Serviço de Saúde tenho algumas dessas “estórias” na cabeça, que vou começar a partilhar com a nossa “Tabanca Grande”.
Não vou referir nomes mas apenas locais.
1) Um conterrâneo meu, alferes miliciano de Artilharia, já com mais de 2 anos de serviço foi “avisado” que o Spínola estava a pedir para a Guiné “carne p'ra canhão”. Embora já estivessem a mobilizar malta do curso a seguir “iam voltar a atrás” e era melhor preparar as malas para ir conhecer a Guiné…
O Alberto (nome fictício) lembrou-se de um médico amigo e teve um oportuno “ataque de asma”. Foi internado no Hospital Militar de Coimbra e ganhou algum tempo.
Mas um dia… há sempre um dia… foi informado que ia ser submetido a uma Junta Médica e que a “porra” da”sua” asma não ia dar…
Quem tem cu... puxa pela cabeça e o Alberto, na manhã do dia da Junta, foi “snifar” enxofre para a casa de banho de um amigo que estava a estudar em Coimbra.
Levou tanto a peito o seu “papel” de asmático que quando se apresentou à Junta estava doente “a sério”. Foi de charola para a enfermaria mijado de medo… Esteve uns dias”enxofrado” mas safou-se. Contra os canhões marchar, marchar e… veio para Alcobaça em vez de ter ido prá Guiné.
2) Aconteceu no HMP ,em Lisboa, onde cumpri dois anos da minha tropa.

O Chefe da Enfermaria de Dermato-Sifligrafia foi mobilizado e calhou-me “na rifa” substituí-lo. Não era de todo uma situação vulgar pois era então apenas cabo-miliciano. Mas a nota do meu curso valeu-me a “distinção” e muitas dores de cabeça.

Na “transmissão de poderes” fui informado em voz baixa que o “cama 16” estava desenfiado. Aguardava uma ida à Junta e o 1ºCabo “chico” que eu ia substituir “facilitava-lhe a vida” porque o rapaz “dava-se mal" com hospitais… E comia e dormia melhor em casa do pai que estava ligado à construção… ou à sucata (já não me lembro bem).
Fiquei sem fala e fui eu que nessa noite dormiu mal. Não estava minimamente interessado em lavar uma “porrada” por causa de um “menino de Lisboa”…
Consegui o seu telefone e o rapaz veio à Estrela (à civil) conhecer a nova situação.
Era palavroso e usou muitos argumentos mas teve que ir a casa buscar a farda e a escova de dentes… Aguentou uns dias de internamento e foi à Junta. Safou-se obviamente.
Já naquele tempo a “sucata”… ou a “construção” faziam milagres…
3) Passou-se também no HMP em Lisboa e nesta “estória” fui comparsa… bem perto do protagonista.
Fui procurado ao fim da tarde por um Soldado-Miliciano que, com acentuada pronúncia madeirense, me pediu uma conversa a sós.
Tinha um problema complicado e pedia a minha ajuda para nessa noite correr uma hora e meia no corredor que ficava entre a enfermaria e o meu gabinete. Os “porquês” deste pedido insólito tinham a ver com uma ida à Junta no dia seguinte.
E explicou-me a necessidade da corrida nocturna.
Durante a recruta quando fazia “trabalhos de estrada” horas depois começava a urinar “sangue”. Como já estava há mais de um mês internado (e sem fazer os esforços normais de uma recruta) já não tinha os sintomas que o tinham levado ao internamento no HMP (um cálculo renal). Convém esclarecer que nesta Enfermaria de “Sífilis” –como era conhecida na gíria hospitalar - “residiam” doentes de outras especialidades (no caso de falta de camas em Medicina ou Cirurgia).
Voltando ao jovem madeirense… precisava portanto de uma corrida nocturna para mijar sangue no dia seguinte.
Confesso que hesitei um pouco por o Director do HMP da altura (Dr. Ricardo Horta Junior) ser tudo menos compreensivo. E quem fosse apanhado a “mijar fora do penico” comia pela medida grande.
Mas o nosso soldado-recruta estava tão aflito que… eu alinhei.
Voltei ao Hospital após o jantar (estava “desarranchado” ) e, depois de informar o “vela”(que era da Nazaré) que ia haver uma actividade física do “cama 30” consegui reunir condições para o rapaz do “cálculo” começar a correr. Parece-me que ainda hoje ouço a sua respiração ofegante e vejo o seu olhar angustiado…
Foram voltas e mais voltas no corredor até o jovem “sentir” que tinha conseguido atingir um “cálculo” semelhante aos esforços que era obrigado a fazer na recruta da E.P.C., de Santarém.

No dia seguinte, à tarde, arranjei maneira de estar no corredor dos Juntas Médicas.
Quando o recruta madeirense me viu e correu para mim para me dar um abraço percebi que tudo tinha corrido bem.
Meses depois visitou-me em Alcobaça e foi coberto de “mimos” da minha mãe. Boas comidas e dormidas… sem necessidade de corridas prévias…
Escrevemo-nos alguns tempos mas depois… o tempo afastou-nos.
Sabe-se lá se esta “estória” vai atravessar o Atlântico e chegar ao seu conhecimento!
Tinha a sua piada.
E no “mundo” imenso do blogue do nosso “Luís Graça & Camaradas da Guiné” tudo pode acontecer.
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7534: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (29): Não falarei de mal-entendidos (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P7537: Blogpoesia (100): Futebois... (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  30 de Dezembro de 2010:

Carlos,
Antevéspera de ano novo (que pressupõe vida nova), continuo a escrever da mesma forma com sextilhas e com alguma ironia, esperando continuar a fazê-lo no futuro (no pressuposto de que não terei traidores à perna, engenheiros(?) e toda a corja em geral, de presidentes, governantes e deputados...)

Assim sendo, aqui vão mais umas (as últimas do ano...)

abraço
manuelmaia


Futebois...

Bissau, palácio do governador,
à porta dum café do seu redor,
domingo entre muitos de Guiné...
A bola, em altos berros, tem relato,
gritado golo, ali, de imediato,
há palmas, muitos vivas, lá ao pé...

Não sei se foi da águia ou do leão,
ao tempo Porto `inda não é dragão,
interessa analisar comportamentos...
Na rua vejo negros festejar,
o golo que os leva a abraçar,
os brancos sem quaisquer recalcamentos...

Que pensam sociólogos do assunto?
Que entendem psicólogos, pergunto?
Explicação, por certo, tem de haver...
P`ra transformar uns ódios viscerais
em efusivos tratos fraternais,
desporto tem magia, podem crer...

Desporto quando usado como guia,
desperta nas pessoas a alegria
e rompe com barreiras, estou em crer...
Há urgência em alargar sãos ideais
pois homens nascem livres e iguais
e dessa forma um dia, hão-de morrer...
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Nota do editor

Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7529: Blogpoesia (99): Formigas bagabaga; mosquitos; caranguejos; porcos formigueiros... (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7536: In Memoriam (67): Fur Mil Cav, CCAV 2749 (Piche, 1970/72), Armindo de Matos André, natural de Gavião, morto em emboscada na estrada Nova Lamego-Piche, em 26/12/1971,quando vinha em coluna, de Bambadinca, com os seus novos milícias... desarmados (Luís Borrega / Paulo Santiago)



Guiné > Zona leste > Região de Gabú > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Coluna logística, vinda (presumivelmente) de Nova Lamego e a chegar a Piche... À frente uma Chaimite,  seguida de uma ou duas White... As viaturas deveriam, possivelmente, pertencer ao Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74)

 Foto: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.





Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Pormenor da carta de Nova Lamego (1957)> Escala: 1/50000 > Foi na região de Oco Munde, na estrada Nova Lamego - Piche que foi foi morto o nosso camarada André e mais dois milícias... Infelizmente não consegui encontrar nenhuma foto desta camarada CCACV


1. Comentário do Paulo Santiago ao poste P7517:


Data: 31 de Dezembro de 2010 15:18
Assunto: Fur Mil André

Camarada Borrega

Só hoje li um teu comentário publicado no poste  P 7517 (*), fiquei chocado, mas também aliviado. Aliviado porque consegui lembrar-me do Fur Mil André que tu evocas com emoção. Já tempos atrás, quando escrevi sobre os meus tempos de Bambadinca, falei sobre essa trágica emboscada que ocorreu logo a seguir ao encerramento do Curso de Mílicias, que tivera ínicio em Outubro de 1971. A data certa, também não a lembrava, sabia que tinha sido após o dia 24/12/71, data na qual houve a cerimónia de encerramento. Assim a tragédia aconteceu em 26/12/71 e não a 26 de Novembro como, certamente por lapso, escreves. 

Penso que nesses postes pedias a algum camarada, que tivesse conhecimento do caso que indicasse o nome do Fur Mil tragicamente abatido. Hoje, agora, depois de ler o teu comentário, fez-se luz na minha cabeça, o nome André começou a dizer-me muito, e curiosamente, até já consigo lembrar-me da fisionomia, ainda que um pouco esbatida. Estranhamente, ainda não consigo lembrar-me, dos nomes dos outros dois comandantes de pelotão que me acompanharam na instrução dessa Companhia de Mílicias, e convivíamos diariamente, não só na instrução como também na tasca do Zé Maria. [, junto ao Rio Geba, à saída de Bambadinca para Bafatá; era o sítio  onde se comia o melhor marisco da zona leste; foto  de H.R., acima, à direita, com malta da CCAÇ 12: HR, Alf Rodrigues, e Tony].


Fiquei chocado quando soube da emboscada, e hoje ao evocar esses factos continuo a sentir a mesma revolta, aquilo não se fazia, aquilo foi um convite à tragédia. Andámos, perto de três meses, a instruir aqueles homens, em educação física, em tiro, em técnicas de combate, para ao fim desse tempo os mandarem DESARMADOS (!!!!) numa coluna de Bambadinca para Pitche... 

Não se fazia. Ainda não sei quem foi o responsável, e não sei se os outros dois pelotões também foram desarmados para os seus destinos, é possível ter acontecido. No curso seguinte, Janeiro a Março de 72, tal leviandade não aconteceu, perto do final da instrução foram distribuídas as armas que os instruendos levariam para as respectivas tabancas, mas foi necessário a morte do André e alguns milícias para que um qualquer irresponsável abrisse os olhos... Lamentável!

Abraço, Santiago
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Nota de L.G.:

(*) Vd.  poste de 28 de Dezembro de 2010  > Guiné 63/74 – P7517: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (35): Morte a vinte e oito… na CAÇ 675



 [Comentário de Luís Borrega]

Caro Jero

Também já senti essa maldita sensação de perder um Grande Amigo nessas circunstâncias:
Dia 26/[12]/71 na emboscada às NT na região de OCO MAUNDE (Perto de Nova Lamego), morreu o meu amigo Fur Mil Cav Armindo de Matos André (CCav 2749/BCav 2922). Tinha estado em Bambadinca a dar instrução a um GE de Milícias, e vinha em coluna para Pitche juntamente com o Pel Mil GE sob o seu comando. Acresce dizer que vinham todos DESARMADOS, à excepção do André.

Como é possível não terem distribuído o armamento em Bambadinca ? Além do André ainda morreram 2 Milícias e um desapareceu em combate.

Este meu Amigo foi convidado pelo Alferes Comandante do Pel Esq Rec 3431 a vir dentro da Chaimite e a resposta dele foi que o seu lugar era junto com os seus Milícias. Soube logo da sua morte via rádio.

À tarde na distribuição do Correio, recebi um aerograma do André no qual dizia que estava ansioso de me dar um abraço. As lágrimas caíram-me pela face em torrente.
Ainda hoje não consigo lidar com isto. Estou a escrever este comentário e as lágrimas estão a rolar face abaixo.


Abraço Camarigo
Luís Borrega


PS - Vai C/C ao Luís porque é um texto longo para meter nos comentários, publicar ou não fica ao critério dele.
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Último poste desta série > 7 de Dezembro de 2010> Guiné 63/74 - P7399: In Memoriam (66): A morte dolorosa de um dos últimos homens a chegar a Gandembel, o ex-Alf Mil João Barge (1944-2010)

Guiné 63/74 - P7535: Notas de leitura (182): Salgueiro Maia Um Homem da Liberdade, de António de Sousa Duarte (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2010:

Luís,
Deixei ai na Escola um saco com livros e uma lembrança insignificante para ti. Espero ter sido útil. Já falei com a Dr.ª Joana dos Livros Horizonte, aquele livro só fala de Angola e Goa, como sabes não me posso dispersar, o nosso blogue é da Guiné, só falo de livros da Guiné.
Faltam-me ainda vários dias da Operação Tangomau, espero concluir tudo até ao fim do mês. Como te disse, haverá uma grande surpresa para ti e para a malta da CCaç 12.
Desejo-te do coração, para ti, para a Alice e petizes, mil alegrias natalícias.
Recebe a profunda estima do
Mário


Salgueiro Maia na Guiné

Beja Santos

A biografia “Salgueiro Maia, um Homem da Liberdade” dedica obrigatoriamente um capítulo à CCav 3240 que o prestigioso militar de Abril comandou (“Salgueiro Maia, um Homem da Liberdade”, por António Sousa Duarte, Âncora Editora,11ª edição, 2000). Embarcaram em 4 de Julho de 1971 no Angra de Heroísmo, chegaram à Guiné no dia 9. Esta CCav é uma unidade independente. Chegados à Guiné, vão para o Cumeré, onde ficam até 6 de Agosto, a receber a instrução de aperfeiçoamento operacional. A Companhia passa para a intervenção, tem por limites os rios Mansoa e Armada, a norte; Inhamate, a leste; o rio Mansoa também a sul e Có, a oeste. Nesta área os aglomerados mais importantes são Bula, Binar, Bissum, Ponta Consolação, João Landim. Há estradas alcatroadas entre João Landim – Bula – São Vicente, entre Bula e Teixeira Pinto e inicia-se o alcatroamento no troço Bula – Binar. Em Ponta Matar, em 19 de Setembro, é ferido sem gravidade. A CCav é integrada no BCaç 2928, o epicentro da sua acção é Bula: patrulhamentos, operações, envolvimento em obras diversas de vias de comunicação e estruturas militares, desmatação, escoltas e emboscadas. Assim se passaram os primeiros doze meses. O segundo ano não será muito diferente. Salgueiro Maia, segundo os testemunhos obtidos, é solícito, metódico, vive obcecado por não ter baixas e neste capítulo irá ter resultados excepcionais. No último período da sua comissão, competiu-lhe assegurar o serviço normal de segurança em torno de Bissau, zelando por Safim, Impernal, João Landim e Quinhamel. Em Maio de 1973, é convocado para apoiar as tropas que estão cercadas em Guidage, isto quando as armas e os equipamentos já tinham sido entregues e todos se preparavam para regressar a casa. Era uma operação de picagem da estrada Binta – Guidage que se supunha durar vários dias e acabou por se arrastar vários meses. Durante a operação começaram a rebentar sucessivos engenhos e minas antipessoais, Salgueiro Maia decidiu abandonar a estrada, rompeu pela floresta com uma máquina de engenharia, só mais adiante é que regressaram à estrada e assim atingiram sãos e salvos Guidage. Ele escreverá mais tarde um episódio indispensável para compreender a dureza dos acontecimentos e de que já aqui se fez menção no blogue: “Crónica dos feitos de Guidage” que vem incluído no livro que vários amigos lhe dedicaram e que foi publicado na Editorial Notícias.

A Companhia de Salgueiro Maia conseguiu não ter nenhuma baixa mortal, só um dos soldados perdeu o olho direito. O fim da comissão foi passado em colunas entre Farim, Mansoa e Bissau. A 2 de Outubro a Companhia regressa a Lisboa. Anos mais tarde, ele confessará a sua profunda decepção com o evoluir da guerra e a insensibilidade dos altos comandos na metrópole, atribui-lhes a responsabilidade por serem capazes de fornecer a tempo material de guerra, isto quando as arrecadações de Legião Portuguesa estavam a abarrotar; a imprensa ignorava a natureza da guerra que se travava na Guiné, a linguagem usada, a de que se cumpria operações de segurança e de policiamento, era totalmente desajustada à realidade. Dirá numa entrevista, escassos dias após a revolução; “Foram todos estes contra-sensos que me fizeram revoltar contra a situação vigente para já não falar daquele caso perfeitamente disparatado da minha Companhia ter dado o máximo de esforço e sacrifício durante dois anos, para o fim desse tempo ter que aguentar mais alguns meses de comissão”. Dirá também que o Movimento dos Capitães assentava na convicção de que o poder político se revelara incapaz de solucionar o problema da guerra colonial e ele, Salgueiro Maia, não queria ser mais cúmplice com a degradação inexorável a que chegara a guerra.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7528: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (9): O dia no Xitole e o regresso a Finete

Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7525: Notas de leitura (181): Tempestade em Bissau, Ano 1970, de Mário Gonçalves Ferreira (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7534: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (29): Não falarei de mal-entendidos (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 31 de Dezembro de 2010:
Caros Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante camarigagem da tabanca
Estamos no último dia do ano. O novo ano que se aproxima, só saberemos se foi bom ou mau, para o ano por esta altura.

Direi como certa gente, que não gosta de ver bons principios aos filhos e ele não traz boa cara. No entanto, desejar coisas boas ainda não paga imposto, por isso desejo um bom ANO NOVO a todos.

Juvenal Amado



Ponte do Saltinho


Não falarei de mal-entendidos

Não falarei dos amigos
Não falarei dos inimigos
Não falarei de mim

Falarei de ti

Falarei do teu cheiro
Falarei da tua pele doce
Falarei da tua juventude
Recordarei o teu doce e amargo abraço
Recordarei o Sol e a chuva
Os amanhecer e os fins de tarde
A ansiedade com que te procurei
A nostalgia com que te recordo
Não sei se o que pesa mais
Será a idade ou as recordações?
Não falarei de mim
Falarei de ti
Falarei da espera e do encontro tão desejado
Falarei do teu corpo que ainda espero contra o meu
Falarei da espera que me mantém
Nasceste do ódio e da paixão
Representas o incompreensível
Como é que a dor gera amor?
Não falarei das lágrimas
Se voltar um dia
Descansarei a cabeça no teu regaço
Deixarei de falar para viver em ti
Até lá só falarei de ti
Falarei de ti até que a morte nos separe.

A todos os camaradas e famílias Um Bom Ano de 2011
Juvenal Amado

Galomaro
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Notas do Editor

(*) Vd. poste de 11 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7265: Estórias do Juvenal Amado (32): Carne para o quartel

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7533: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (28): De repente... Continuaremos a luta para que haja um mundo melhor (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P7533: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (28): De repente... Continuaremos a luta para que haja um mundo melhor (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2010:

De repente...

É isso mesmo meu amigo.
Ouvem-se doze badaladas.
De repente...
Esquece-se o mundo, salta-se para ribalta, canta-se, dança-se...
Paz e amor, meu...
De repente...
Abraços e beijos
Mais um copo à saúde
Mas...

Porque será que há sempre um "mas..."?
De repente tudo passa.
A vida volta ao normal.
Os "senhores" da terra voltam a dominar os que não têm "poder" a não ser as mãos para trabalhar.
Quem não tinha casa, continua a não ter casa.
Os desempregados continuam desempregados
A fome mata
A sede mata
de repente...
Os pobres continuam pobres, senão mais pobres e os ricos, esses, esfregam as mãos de contentes.

De repente... tudo mudou - PAZ E AMOR
De repente ... tudo mudou de novo - EXPLORAÇÃO, DESEMPREGO, MISÉRIA e FOME
De repente...
mas... tu e eu
De repente...
Continuaremos a luta para que haja um mundo melhor.

Que tenhas um ano de 2011 Feliz a correr segundo os teus sonhos e desejos
José Teixeira
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Notas do Editor

(*) Vd. postede 3 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7373: Estórias do Zé Teixeira (37): O medo do terrífico telegrama (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7526: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (27): Votos de Feliz Ano Novo... e mais umas coisitas (Vítor Junqueira)

Guiné 63/74 - P7532: Facebook...ando (5): Natal de 1971 entre os felupes: Delfim Rodrigues (ex-1º Cabo Enf, CCAV 3366, Susana e Varela, 1971/73)



Foto reproduzida, com a devida vénia, da página do Facebook do nosso camarigo Delfim Rodrigues, que em em 27 de Outubro de 2007 se apresentou nestes termos à nossa Tabanca Grande


(...) "Chamo-me Delfim Rodrigues e fui 1.º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAV 3366 do BCAV 3846 que esteve em Suzana e Varela em 1971/73.

Amanhã vou estar na estreia do filme "As duas faces da guerra" (1) na Culturgest pois consegui que me comprassem um bilhete.

Apesar de não ter ainda pedido a minha entrada na Tertúlia, gostaria de vos conhecer pois estarei sozinho deslocando-me de Coimbra onde moro.

Gostaria de entrar para a tertúlia, mas ainda não tenho as fotos digitalizadas, se me aceitarem, enviá-las-ei mais tarde!

 
1.º Cabo Aux de Enfermagem
CCAV 3366/BCAV 3846
Delfim Rodrigues
 (...)



O Delfim, que conviveu com o povo felupe (e esteve nomeadamente destacado em Varela, com o Pel Caç Nat 60) tal como o nosso camarigo Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms da mesma companhia, a CCAV 3366 (que já nos deixou aqui notáveis páginas sobre a etnografia dos felupes), o Defim Rodrigues, dizia,  disponibilizou na sua página do Facebook mais de 130 fotos do seu álfum fotográfico do tempo das Guiné (1971/3), de qualidade  desigual, incluindo estas três, da  famosa Praia de Varela, nas águas do Atântico duas das quais com putos, nas rochas na mariscagem como na minha terra ("apanha de lagostas", diz a legenda, mas devem ser camarões ou lagostins, já que as lagostas preferem andar em bicha de pirilau no fundo do mar...). Mas o nosso querido Pepito, que tem lá casa de praia desde os anos 50 do Séc. passado, deve saber melhor do que eu completar a legenda do Delfim (a quem estamos gatos por estas fotos... prometidas há 3 anos!).




Fotos: © Delfim Rodrigues (2010). Todos os  direitos reservados. (Imagens editadas e reproduzidas por L.G., com a devida vénia...)
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Nota de L.G.:

Último poste da série 

29 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7522: Facebook...ando (4): O nosso camarigo Francisco Palma, em Canquelifá (CCAV 2748, 1970/72)

Guiné 63/74 - P7531: (Ex)citações (123): Há os camaradas, os amigos, os camarigos... (José Manuel Dinis / Luís Graça)


Um aprendiz de sniper na floresta de Candoz...

Foto: © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados.



O temo sniper, abaixo utilizado pelo Zé Dinis, só pode ser entendido em sentido figurado, claro está... É uma liberdade literária, que corre no entanto o risco ser mal interpretada... Mas esses são os eternmos problemas da comunicação humana...

O nosso o blogue é público e é de... borla (embora tenha custos directos, indirectos e ocultos,  é bom que se saiba)... Ninguém paga um tostão para ler, escrever ou comentar o blogue... Nem que fzaer que fazer parte dsa Tabanca Grande... Todos, "os de fora e os de dentro",  têm o direito de manifestar, com elegância e civilidade, as suas diferenças, preferências e divergências, contar as suas memórias, cultivar os seus afectos, a respeito da Guerra da Guiné, no período grosso modo que vai de 1961 a 1974... Só não há lugar aqui para os ódios de estimação... E julgo que ninguém, no blogue, cultiva ódios de estimação...e muito menos resolve a tiro... as diferenças de opinião ou de interpretação dos factos.

O meu apelo para 2011 só pode ser este: Camaradas, amigos, camaridos, leitores, visitantes (regulares ou ocasiaonais) deste espaço da blogosfera,  vamos ser mais mais tolerantes, cordatos, imaginativos, criativos e sobretudo mais participativos... Mas também, meus queridos editores, conselheiros, colaboradores, autores e comentadores, vamos ter que ser mais inflexíveis, em 2011,  no que diz respeito ao... respeito das nossas regras de convívio... Vamos evitar expressões, palavras ou termos que podem ser ser mal interpretados... Sniper, por exemplo, pode ser uma delas... De preferência ponha-nas em itálico, ou usem-nas com pontinhos, quando usarem a linguagem de caserna: f... ou p... ou c... (É que queremos que os nossos netos e bisnetos nos leiam...).

Em 23 de Abril de 2011, o nosso blogue fará 7 anos.  Obrigados aos amigos e amigas, bem como aos ex-camaradas de armas que nos felicitaram, por estes dias, não tanto pela obra feita, como sobretudo pela multiplicação das tabancas por este país, como a de Matosinhos, por exemplo, aqui no Norte, e sobretudo pela oportunidade, através do blogue e de múltiplas iniciativas (dos múltiplos blogues, páginas na Net e no Facebook) para,  ao alcance de um clique ou à distância de um braço, à mesa de um restaurante ou de uma esplanada, podermos (re)unir-nos, (re)conhecer-nos, (re)encontrar-nos,  sermos solidários uns com os outros e com o povo da Guiné-Bissau, identificar a peça do puzzle do que faltava na nossa memória, confirmar a data da emboscada em que perdemos o nosso melhor amigo,  partilhar a foto da bajuda que suavizou a nossa solidão, ajudar a fazer ou aliviar o luto (patológico) que ainda atinge milhares de famílias que perderam os seus entes queridos na guerra do ultramar, revisitar a aldeia  onde reforçámos a autodefesa e fomos recebidos com o melhor que os aldeões nos tinham para dar, o bu...rako  onde onde estivemos enterrados (como tupeiras ou ratos), o sítio onde demos e levámos manga de porrada, enfim reler com outros olhos os aerogramas e cartas que (não) mandávamos para casa, as notas que escrevemos nos nossos pequenos diários, os trilhos onde deixámos sangue, suor e lágrimas, as minas que pisámos, que levantámos, que nos estropiaram... mas também os momentos de festa, de amizade, de camaradagem, de camarigagem, como dizemos agora (o termo é do Joaquim Mexia Alves), e ainda os momentos, de  loucura, de bravata, de coragem, de aprendizagem, de nobreza, de humanidade...

O blogue foi feito para unir pontas, desatar nó, construir pontes, cambar rios, e também valorizar o grande sacrifício humano (e  respeitar a sua memória) de toda uma geração, a nossa que combateu, um lado e mas também do outro...

Confesso que nem sempre tem sido fácil... Não é fácil esquecer, não é fácil perdoar, não é fácil expor em público os sentimentos mais íntimos que ainda hoje estão associados àquela terra e àquela guerra... Mas tenhamos algum orgulho num blogue que consegue, a maior parte das vezes, unir muitas pessoas da nossa geração, independentemente do que eram e do que são...

É um blogue que é  (ou pretende ser)  contra o pensamento único, e que não está ao serviço de ninguém, a não ser dos combatentes que fizeram a guerra e das vítimas que a sofreram... Não sei, caros leitores,  quando o blogue acaba (fisicamente...), a guerra,  essa,  vai acabando à medida que formos morrendo de um lado e do outro... Este ano, por exemplo, foram sete os camaradas que nos deixaram... Sem eles, a nossa Tabanca Grande ficou mais pobre e mais triste...

Recorde-se, por outro lado, alguns números do nosso bogue:  em finais de Maio de 2006 (fim da I Série, e abertura do actual blogue, ou II Série), mal ultrapassávamos as vinte e tal mil visitas e a centena de membros registados (na altura usávamos  o termo tertulianos)... No ano a seguir, em Outubro de 2007, chegámos às 400 mil visitas, e às 800 mil em Outubro de 2008... O milhão de visualizações foi atingido em Fevereiro de 2009, o 1,4 milhões em Dezembro de 2009 e os 1,7 milhões em Maio de 2010, quando pusemos o contador Bravenet


Estamos a agora a caminho das 2,3 visualizações de páginas... Somos 464 "tabanqueiros" registados, não conseguimos chegar à meta dos 500, mas lá chegaremos, sem pressas... São números que valem o que valem... Simpáticos, sem dúvida, mas  que em contrapartida nos criam a todos nós, editores, colaboradores, apoiantes, autores, leitores... uma acrescida responsabilidade.  Há muita gente que nos lê e que todos os dias espera mais e melhor... Como fundador, administrador e editor de um blogue (que é feito a muitas mãos), não posso nem devo ser juiz em causa própria: atrever-me-ia, no entanto, a dizer que devemos ter uma pontinha de orgulho também pela obra feita e sobretudo pela cultura de tolerância e de convivialidade que temos vindo a construir...


Espero que continuemos a  ser, ontem, hoje e amanhã, sobretudo leais e frontais uns com os outros, na diversidade que é também a nossa riqueza: é, de resto,  a lealdade e a frontalidade, o que se espera de um camarada, é o que que se exige de um amigo, e por mais razão ainda é o que define verdadeiramente um camarigo... Lealdade não é unanimismo, nem seguidisimo, nem hipocrisia; e frontalidade é assertividade, é sermos capazes de falar para os outros,  olhos nos olhos, sem recurso à picardia, difamação, insulto ou insinuação...(LG).




1. Mensagem pré-natalícia do nosso camarigo José Manuel Matos Dinis, com data que o para o caso já não interessa, porque passou a ser intemporal:

Olá juventude, boa noite!

Ligo o computador e leio estas mensagens. Antes do mais, quero agradecer-vos a confiança que em mim depositam, e espero continuar a merecer. Hoje de manhã fiz um comentário sobre o que me parece ser o busílis. Se me permitem, vou passar adiante sobre o texto original do Eduardo, a resposta do Vasco, as preocupações do Torcato e do Zé Brás.

Acredito que terá havido erros, quer de transmissão, quer de recepção. Mas não posso dissociá-los de algumas intervenções mais ou menos acutilantes que têm preenchido linhas e páginas do blogue. Eu também sou emotivo. Provavelmente, já me excedi e terei suscitado algumas reticências da vossa parte, que terão tido a gentileza de não retrucar. Quero dizer-vos que essas minhas atitudes terão resultado de algum cansaço. Cansaço de provocações. Lá está, o efeito da escrita!

Também sei que, em qualquer grupo, há diferentes personalidades, uns mais tranquilos, outros mais exaltados; uns que guardam o seu saber, outros que se espalham em aleivosias; uns coerentes, outros incoerentes, enfim, reunidos num caleidoscópio que oferece oportunidade para narrarmos e falarmos de experiências e aprendermos ou colhermos informações sobre a Guiné.

Não vou pelos heroísmos, que alguns relatam com maior ou menor sobriedade, mas refiro-me aos vedetismos e às tricas. Por isso, no tal comentário, propunha alguma contenção e cuidado no discurso escrito. Temos entre nós um camarada que se farta de apresentar trabalho, e adoptou uma posição de quase outsider, provavelmente para não alimentar polémicas. E tem-se aguentado. Já pensei adoptar a mesma atitude, acabar a história da minha CCaç e arrumar as botas até alguma inspiração. Mas é-me difícil, pois grangeei amizades entre os participantes e, com mais ou menos discernimento tenho-me aguentado.

De facto, temos que distinguir no blogue, aqueles que dão um contributo positivo pelas suas intervenções, ora pela qualidade literária, ora pela riqueza argumentada, ou pela qualidade da investigação e interesse colectivo da informação transmitida, até pelo humor ou pelo sentimento aglutinadores. Felizmente, que temos entre nós gente de qualidade, apesar do diferentes pontos de vista. O pior são os snipers.

Para estes, proponho-vos que os deixemos intervir, mesmo quando nos criticam, sem responder a provocações, porque trata-se de gente que gosta, por um lado, da polémica pela polémica; por outro, de se sentirem acarinhados pelo elogio. 

Concluí que não dá para reflectirem sobre os seus comportamentos e provocações. Mas, em sociedade temos que conviver, e aprendemos a evitar quem nos desagrada. Façamos o esforço de não fazermos ataques pessoais, porque, pela experiência, só podem redundar em cansaço.

Não sei se transmiti alguma ideia aproveitável, mas faço seguir o texto sem o reler. Sejam indulgentes comigo.

Abraços fraternos
JD

Guiné 63/74 - P7530: Memórias de outros tempos (6): Passados mais de 42 anos (Jorge Teixeira - Portojo)

1. O nosso Camarada Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, enviou-nos em 30 de Dezembro de 2010, a seguinte mensagem:
 

Caros camarigos,
Entre baixas e férias, resolvi dirigir-me aos três por ser mais seguro, melhor, segura, a possível publicação do texto e foto abaixo.
Então cá vai:

Catió, meados de Maio de 1968.
Era eu um periquito ainda só de penugem, quando conheci, acabado de chegar de férias, o Silva da CART 1689, já sagui velho.
Passados mais de 42 anos, encontramo-nos aqui na Tabanca e temos trocado desde então uns mimos escritos.
Tínhamos mais ou menos aprazado um encontro para um futuro breve.
Pedi-lhe para quando isso acontecesse, trazer um letreiro com o nome para o reconhecer.
Mas sem mais nem menos, o Silva apareceu ontem na Tabanca de Matosinhos, onde no final do repasto, um camarada me chamou (por causa de Catió) e apresentou-nos. Olá como vais, mas nada de reconhecer o Silva, até que uma chispa saltou.
E pronto, mais um reencontro, à custa das Tabancas.

Aqui fica a foto comemorativa, superiormente obtida pelo Luís Graça.

Então aqui vai juntamente um abraço para todo o pessoal e desejos de Bom Ano.
Jorge (Portojo)
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série de 18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6422: Memórias de outros tempos (5): O Básico que queria fazer um ronco (Jorge Teixeira / Portojo)

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7529: Blogpoesia (99): Formigas bagabaga; mosquitos; caranguejos; porcos formigueiros... (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de 25 de Dezembro de 2010:

Carlos,
Aqui vai mais um grupo de sextilhas(oito) subordinadas ao tema acima referenciado.
Se as entenderes como editáveis, força.

abraço
manuelmaia


Formigas bagabaga; mosquitos; caranguejos; porcos formigueiros...

Formiga branca, térmite, salalé,
chamada bagabaga na Guiné,
de nome igual, "produz" monte de terra...
Solidifica o dito com saliva,
que ajuda o tropa em hora aflitiva
escudo protector naquela guerra...

Maldito era o mosquito sugador
de sangue e de doença transmissor
mau grado a bem cuidada protecção...
Com cachecol e luvas malha/lã,
um gorro de Balanta/Bissorã
pensando estar seguro, vi que não...

Inchaço/vermelhão foi resultado
após perfuração no emalhado
que a fêmea mosquiteira produziu...
Enorme era a coceira então sentida,
espalhado foi "veneno" que à partida,
vacina protectora lá impediu...

As pinças caranguejo/azulado,
denominadas bocas são achado,
p`ras petisqueiras Dugal e Fatim...
Ao preço de mijona uva de cor,
a que uns chamam jaqué, outros primor,
com geladinha loira são festim...

Ao fim da tarde, já com menos sol,
a congregar interesses, futebol,
a malta vai mantendo o bom moral...
São jogos intergrupos que acicatam,
as picardias sãs mas que não matam
a união Terrível em geral...

Em noite escura/breu, eu dei por mim,
saindo lá do Dugal p`ra Fatim,
por Dias e mais quatro acompanhado...
A meio do trajecto, eis que atravessa,
na frente de Unimog enorme peça,
deixando o condutor atarantado...

Francisco disparou, em movimento,
de seis acertou cinquenta por cento,
no peito, na barriga e no traseiro...
Refeitos da surpresa, procuramos
o animal ferido e encontramos,
agonizante porco formigueiro...

Dois dias durou dito em patuscada,
com carne, uma cozida outra grelhada,
de qualidade ao nível das melhores...
"Barriga de misérias" foi tirada,
com febra de manhã e p`la noitada,
rojões às refeições ditas maiores...
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P7523: Blogpoesia (98): Cafal-Balanta antes de aramar (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7528: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (9): O dia no Xitole e o regresso a Finete


1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2010:

Malta,
Espero que quem tenha vivido no Xitole venha participar na descodificação das imagens captadas neste dia. Até agora não se encontrou nada tão bem conservado.
O Xitole merecia um projecto da recuperação, em nome da memória de todos nós que ali combatemos. Vamos ver se a ideia pega.

Um abraço do
Mário



Operação Tangomau (9)

Beja Santos

O dia no Xitole e o regresso a Finete

1. O Tangomau levanta-se cedo, a sua preocupação é contemplar o nascer e o capitular do dia, captar as cambiantes de luz, ouvir as vozes dos humanos e as sonoridades da fauna, impressionar-se com aquela bola de fogo que desaparece no horizonte como avião bombardeiro incendiado a despenhar-se na grande e maciça floresta. O dia de hoje era suposto prolongar o de ontem, continuar-se no Cuor. É indispensável espiolhar Finete, falhar com o chefe de tabanca, mesmo que pareça surrealista perguntar-lhe se ele cede terreno para que o anarca Jorge Cabral ali construa uma casa. E para que as peripécias ganhem sumo, pedir orçamento a quem de direito, não basta fazer contas a tijolos de adobe, chapa zincada, ripas de cibe para o travejamento, divisórias para os quartos, cozinha e casa de banho, há que pensar que o glorioso antigo comandante do Pel Caç Nat 63 terá uma cozinha, pisará lajedo, é admissível o conforto de um gerador. Por ora nada mais, quanto a Finete. Mas há Madina de Gabiel, Sansão, Maná e Canturé. Afinal, o Tangomau rende-se ao que o homem grande Fodé Dahaba decidiu, vai-se ao Xitole. Antes, fazem-se compras para o Bairro Joli e acolhem-se surpresas. A primeira, é receber a visita da família de Quebá Soncó, o primogénito do régulo Malã Soncó. Faustosas, apresentam-se Nhali Cassamá e Bantã Aiderá, Nhali estava na bolanha quando o Tangomau visitou Missirá. Fanta, a outra mulher de Quebá, está em Bissau. Falou-se do passado e das amarguras do presente. Nhali sabe que o filho Bacari telefona regularmente de Saragoça para o Tangomau, Nhali pede um presente muito especial ao filho, um telemóvel, toda a gente já tem telemóvel menos ela…

Bantã à esquerda, Nhali à direita, à porta da casa de Fodé Dahaba. Enquanto fomos ao Xitole, elas passaram o dia com Aidjá. Não podiam adivinhar que no dia seguinte o Tangomau iria aparecer de motocicleta em Missirá, vindo de Canturé e Maná. Passou de raspão em Canturé, haverá depois uma visita com pompa e circunstância, ali ia morrendo numa mina anticarro e Canturé é local muito belo, um quase obrigatório ponto de passagem para ir para Mato de Cão ou Finete.


2. Sai-se do Bambadincazinho e o Tangomau teve a vaga reminiscência das colunas de abastecimento ao Xitole. No interior do carro de combate cresce uma gritaria infernal, a comitiva de antigos combatentes rememora episódios de idas ao Cossé e ao Xitole. O importante é que depois de Samba Juli se vai em direcção a Cambessé, ali Dauda Seidi preparou a recepção. Lamentavelmente, perderam-se as duas imagens do evento, uma delas com a família do Dauda, chefe de tabanca e homens grandes.

O que mais impressiona em Dauda Seidi é que parece que o envelhecimento estar centrado nas linhas acentuadas do rosto e no esbranquiçado da barba. O resto, é o mesmo Dauda de há 40 anos, bastou dizer-lhe: “Não te mexas!”, Ei-lo hirto com a sua majestade natural. Parece que com os reis disfarçados de povo é sempre assim.


3. De Cambessé, o carro de combate dirigiu-se para Sinchã Indjai, a tabaca de Albino Amadu Baldé. Chegou o momento de um desabafo muito íntimo: o Tangomau deve-lhe muito, era ele que fazia a gestão efectiva do pelotão de milícias de Missirá. Possui uma comunicação fluída, é um português com as sílabas descascadas, sem nenhum travo do crioulo. Sempre possuiu um olhar místico, de quem regularmente fala com Deus. Era pragmático, jovial, tinha sido professor e educado por missionários. O Tangomau chorou convulsivamente quando se apercebeu da vida miserável que ele leva e a discrição com que esconde os revezes da vida. Levou-lhe livros e escreveu mesmo uma dedicatória muito especial: “Ao Albino, um irmão do coração, da solidariedade de Missirá, a minha dívida não tem fim e a admiração é inesgotável”. Como é habitual nestes eventos, primeiro saúdam-se os homens grandes e a autoridade, a seguir os camaradas reúnem-se com o anfitrião. Inevitavelmente, Fodé discursou, Mamadu Djau pôs-se a seu lado. Albino olha-nos como se estivesse estado todos estes anos à espera de uma justa reparação ou da minha visita.

“Sabia que me trazias livros, mesmo com muita dificuldade, encontro nas leituras o meu alimento preferido. Arranja maneira de me mandar mais livros. Eu prometo escrever-te. Desculpa se te pedir ajuda, tudo é muito difícil, não tenho mais ninguém a quem pedir ajuda”. À despedida, o Tangomau beijou-lhe a testa e ele respondeu: “Domingo vou passar o dia contigo, meu irmão”.


4. É um prazer inexcedível conversar com Albino Amadu Baldé. Ele tem sempre resposta para tudo o que intriga o Tangomau. Do género: “Quando eu digo mãezinha, estou a falar da irmã da mãe que me pariu”; “Está descansado, hei-de descobrir os dois Ieró Djaló, vivem muito longe, vou mandar mensagem”; “Pode-se escrever que o régulo de Taibatá era Carfala Baldé, confirmo que Cherno Baldé era o comandante do pelotão de Demba Taco e o comandante da milícia de Amedalai Mamadu Baldé, todos já morreram”; “Sim, Abás Jamanca era sargento das milícias de Finete, depois da guerra foi viver para Galomaro, desapareceu, tens de ver que depois da guerra procurámos reconstruir as nossas vidas, fomos para as tabancas das mulheres ou dos irmãos, ali tínhamos paz e não fomos perseguidos”.

O Tangomau pediu ao Albino que se pusesse de pé, há que confessar que ao menos se devia ter esperado que Fodé Dahaba tirasse a mão do olho, paciência, salva-se a espontaneidade do momento. Este é um dilecto amigo martirizado, o Tangomau já suspira por domingo, têm tanta coisa para conversar…


5. A próxima etapa é o Xitole. Preparem-se, aqui não se estragou nem uma só fotografia. O que se lamenta é que o guia não identificou claramente todas as instalações visitadas. Ao que parece, o que a imagem regista terá sido uma instalação do comando. Dignidade não lhe falta. O que o Tangomau logo recordou, assim que pôs os pés em terra, foi o ritual da coluna vinda de Bambadinca a chegar ao Xitole, a cabeça da coluna logo se posicionava para o regresso e este edifício foi rapidamente relembrado.

O que o Tangomau mais gosta é o haver na edificação qualquer coisa na casa portuguesa. Mas também qualquer coisa que a memória gravou das vezes que se foi ao Xitole. Só faltou gritar: “O nosso capitão está aí?”.


6. Mas a mágoa vem logo a seguir, não há direito de não aproveitar este espaço, de o habitar, o Tangomau circula por um Xitole fantasma, parece que ficaram ali algumas almas do outro mundo que condenaram estes edifícios à indiferença mortal.

Terá sido caserna? Arrecadação? Ao menos aqueles que viveram no Xitole venham a terreiro e identifiquem a função deste espaço que fazia parte do destacamento. O incrível é que o edifício está telhado, mesmo vazio e sem préstimo aparente. Andava o Tangomau a deambular quando chegou uma motoreta com uma autoridade local. A conversa foi cómica, a autoridade nada sabia sobre o local, parece que o Xitole está à espera que tudo isto apodreça.


7. Súbito, Calilo Dahaba grita: “Velho, parece que está aqui uma daquelas coisas que andas à procura!”. Temos finalmente sinal de vida, uma inscrição da CCaç 1551. Isto facilita as coisas. Quem pertenceu à CCaç 1551 que se apresente e fale, as imagens vão dar vida e cor às suas memórias. Do lado do visitante, ponto final.

Foi um trolha que, à semelhança dos construtores das catedrais da Idade Média, deixou este sinal incisivo para a posteridade, à entrada de uma porta. Não se encontrará no Xitole outra marca parecida.


8. Prossegue a deambulação, mais um edifício do quartel. O guia é categórico: “Não sei para que servia, mas que era do quartel era”. O Tangomau está confiante, em breve vão aparecer comentários esclarecedores, talvez o comandante de companhia aqui desse despacho, nunca se sabe.

Fica-se com a ideia que há presença humana neste Xitole do passado, alguém se aproveita deste arvoredo frondoso. Há até mesmo a secreta esperança de que o Xitole poderá vir a ser recuperado, exibido como um quartel da guerra que mudou a vida a dois países. Vestígios não faltam e o Xitole já existia, já tinha importância muito antes da guerra.


9. Terá sido um refeitório, houve mesmo quem dissesse que a cozinha estava ao lado, o guia mostrou os restos de um abrigo, a pouca distância. Quem viveu no Xitole tem um imperativo de nos ajudar, a interpretar este vestígio arqueológico, o edifício já se esboroou, o desaparecimento total é uma questão de anos… ou de meses.

A Natureza é uma entidade superior, os edifícios demolem-se, apodrecem, as árvores crescem, imparáveis. Mamadu Djau comentava que era mesmo um refeitório e havia uma cozinha, o Tangomau aquiesceu.


10. Não é de mais insistir que os itinerários estão alterados, o que aqui se vê é a entrada de Canturé, hoje Gã-Turé. Neste sombreado explodiu uma mina que fez várias vítimas, uma delas mortal. Mamadu Djau reconstituiu para todos os presentes o que se tinha passado no final daquele dia 16 de Outubro de 1969. Quem vê estas fotografias não pode imaginar o tanto sofrimento havido. O Tangomau só se lembrava de Cherno Suane, que aqui desapareceu e ressurgiu. E rezou por Manuel Guerreiro Jorge, as fotografias não revelam o som dos gritos dos moribundos.

A explosão da mina anticarro deu-se exactamente no canto direito do querentim, a vedação típica feita com os caniçais. O fundo é um belo arvoredo, é uma avenida de poilões que vai até Finete. Mais bonito, mais esplendoroso, só a entrada do Enxalé, onde o Tangomau irá amanhã, antes de ir conhecer em tempo de paz Cabuca, Madina e Belel.

Perderam-se as imagens do regresso a FInete, o Tangomau di-lo abertamente, com o coração contrito. O que se perdeu: a ladeira de Finete para Canturé, com Malandim à esquerda; o registo da nova tabanca e a conversa com o actual chefe de Tabanca; a casa do Sr. Biloche, um dinâmico empreendedor e conhecido construtor civil a quem se pediu orçamento logo que o chefe de tabanca de Finete garantiu que oferecia o terreno para a casa do Jorge Cabral. Pois ficas a saber, meu estimado anarca, que a tua casinha em adobe, com uma boa cobertura de cibe e chapa zincada, as paredes interiores todas cimentadas, o chão ladrilhado, uma cozinha e uma casa de banho, pelo menos 4 janelas bem rasgadas, a porta da rua e a porta para a horta, é qualquer coisa como 5 mil euros. Depois, tens que contar com o gerador, o equipamento de cozinha e o da casa de banho, põe mais 2 ou 3 mil euros. Obviamente, tens que pensar no transporte, na governanta, na dama de companhia e no guarda-nocturno. É bem possível que vivas ali muito mais barato do que em Lisboa, com vista desafogada, a 70 quilómetros de Bafatá e a 2 horas de Bissau. O ideal é que vás escolher o terreno, marcas a data da viagem, o Sr. Biloche explicar-te-á tudo ao pormenor…


11. E assim se regressou a Bambadinca. Chegaram mais visitas, vou fotografar Califo Djau, da secção de Bacari Soncó. Ele recordou ao Tangomau um pormenor: trouxe uma carta que o coronel Mamadu Jaquité, de Madina, lhe deixara em Canturé, a anunciar que o iria matar. Curiosa é a coincidência, esteve hoje no local em que o carrasco esteve quase a praticar a execução. Calilo Dahaba apresentou ao Tangomau Lânsana Sori, um jovem da Guiné Conacri que tem motoreta e se oferece para o levar a Madina e a Belel, amanhã. Fodé Dahaba está furioso, esta independência do Tangomau é quase intolerável. Anoitece, chegou a hora de regressar ao Bairro Joli, os anfitriões querem saber sempre ao detalhe como se passou o dia. O Tangomau está excitado, Madina é o grande mito não revelado dos lugares míticos. A grande aventura está prestes a acontecer, é só uma questão de horas. E pela primeira vez na sua vida, o Tangomau vai atravessar a savana numa motocicleta.

Obrigado por teres vindo, Califo Djau. Obrigado por me teres lembrado o bilhete do coronel Mamadu Jaquité. Já tinha deixado outro bilhete na fonte de Cancumba, dizendo algo como isto: “Meu grande alferes de merda, andas a desinquietar a vida do nosso povo, vou tratar de ti. Se voltares vivo para a tua Pátria, será grande vergonha para mim. Prepara-te para o castigo. Nem Deus te salva. O meu nome é Mamadu Jaquité, fica sabendo”. O Tangomau apresentou-se no Cumeré, cerca de 20 anos depois. E fizeram uma festa, depois de se ter contado a história daqueles bilhetes: “Sr. Coronel, venho cumprimentá-lo, eu sou o alferes de merda, o de Missirá, não me matou, mas fez-nos sofrer muito. Agora venho abraça-lo”.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
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Nota do editor

Vd. último poste da série de 27 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7511: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (8): O primeiro dia no Cuor (continuação)

Guiné 63/74 - P7527: Blogoterapia (171): Caminante no hay camino (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 29 de Dezembro de 2010:

Desculpa Carlos, se te envio isto a ti.
Por um lado porque me dá isso prazer e por outro porque não vejo outro... caminho

Abraço e força para 2011
José Brás


"CAMINANTE NO HAY CAMINO"

Cego sou
...e surdo
porque passas tão perto
e não te oiço
nem vejo
fazendo o teu caminho
no poema de Machado
prolongamento
apenas
de ti próprio


Está a terminar o meu segundo ano de Blogue e como em todos os caminhos, mesmo os que abro todos os dias, caminhando como no poema, dois horizontes posso alcançar com estes olhos que deus me deu, um, real porque feito já, em folga ou duro andar, certo e concreto mas irrepetível (um rio não corre duas vezes no mesmo lugar), e outro adivinhado apenas por entre a aparência do que me mostra em frente, incerto no por fazer ainda, pouco seguro de cumprir desígnios e sonhos, mas exaltante nas suas possibilidades de andarilho e de futuro.

Dizem que importante não é a chegada mas o caminho que se faz para a alcançar. Não estando totalmente de acordo com o dito (talvez a penas de avançada idade), entendo muito bem a quem o diz e, durante anos, acho, foi o que senti e esbravejei, arriscando o pêlo tantas vezes em futilidades.

Falando do meu andar aqui na Tabanca Grande, aceitando sem dificuldades que algumas vezes fui um pouco além do que devia e, digo-o sem complexos nem renúncias, além mesmo do que eu próprio acho que podia, ainda assim, fecho as contas e acho saldo positivo.

Nas polémicas que mantive, algumas vezes sem que o antagonista sequer perceba, foi comigo próprio que me engalfinhei. Com um outro eu que todos temos e que, se não morreu, frequentemente se põe em causa, nas dúvidas, nos (des)entendimentos, na necessidade da zaragata que todos temos também nesta imperfeita humanidade, feita à imagem de deus, diz-se, caminhando no seu fim, mas dele sempre muito distante.

Naturalmente que não acabaram aqui tais diferenças nem esta minha forma de as expressar, apenas porque 2010 deu o berro e já mal respira na eminência do 2011.

Quem leu o que escrevi, sabe que a par essa quase truculência de palavra e de disputa, se equivale a um outro esforço sempre afirmado, não apenas de aceitação das diferenças mas mesmo da fundamental necessidade delas na harmonia quase telúrica da perenidade do mundo e dos viventes.

Bastas vezes tenho teimado nessa vertente do nosso convívio, recolhendo nisso a compreensão dos comentários recebidos na volta do correio, não apenas porque somos uma comunidade larga mas fechada, mas porque nela ache que devemos estar como no mundo que nos pariu e nos levará um dia.

Por mim, acho que sempre reagi apenas em situações extremas, contra afirmações que nos negam este cristianismo de que somos portadores, na abrangência do olhar sobre o mundo e sobre as gentes que nele sonham e trabalham, por vias diferentes buscando a felicidade que vislumbram e a que se julgam com direito só porque nasceram, a liberdade, a autonomia como seres individuais, comparsas de grupos em terras próprias onde nasceram e esperam que seja sua.

A dignidade de cada homem é a única propriedade verdadeira que tem de defender, a par do próprio direito à vida e ao sonho.

E neste modo de pensar, hão-de perdoar-me, julgo que é muito pouco importante se perdemos uma batalha ou até uma guerra, face à grandiosidade desse olhar divino sobre a história do caminhar do homem global.

E por pensar assim, pouco tempo perco com o relato esmiuçado das circunstâncias do combate, da valentia de cada combatente, esteja ele num ou no outro lado da peleja, da vitória ou derrota episódica.

Por exemplo.

Não sou insensível às qualidades individuais dos nomes grandes dos navegadores que nos levaram daqui aos confins do mundo por entre dificuldades e sacrifícios quase inumanos. Acho mesmo que sem eles não teríamos na nossa história essa saga gloriosamente exemplar e o fantástico contributo de que nos orgulhamos ter dado ao mundo para que a civilização pudesse dar um salto em frente.

Contudo, vejo isso mais como um feito de um povo que, cercado em determinadas circunstâncias, se abalançou à tarefa e à função gloriosa, cumprindo um desígnio qualquer que era indispensável para que a história pudesse avançar.

Outro exemplo.

Leio hoje um magnífico e dorido relato do camarigo Jero sobre minas e mortes e dessa escrita, pedindo já desculpa de o fazer, mesmo que sem intenção negativa, separo uma parte que cito:

«...Meio-dia e trinta.
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Embora paralisados momentaneamente pela surpresa os nossos homens têm uma reacção fortíssima que faz calar em poucos momentos o inimigo.
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Quantas vezes nos sucedeu isso na Guiné? Quantas vezes demonstrámos superioridade militar perante o adversário que nos confrontava mas dessa vitória retirámos apenas, verdadeiramente significativo no plano do humano, desgosto e dor?

E ainda assim, desgosto e dor, sabendo que tiveram milhares de portugueses ao perseguirem um fim de que mal sabiam em naus-caravelas, por tempestades e hostilidades, mas de que hoje podemos dizer como Fernando Pessoa "tudo vale a pena quando a alma não é pequena".

E é nessa fenda entre a grande e a pequena alma que me encho de preocupação, entendendo eu que foi muito grande quando partimos, descobrimos, ocupámos, desbravámos, maltratámos também, mas fizemos avançar o mundo em tempo certo da história, e foi pequena quando noutro tempo, forçámos a história, inventando conceitos e direitos que nessa altura já estorvavam o bom caminhar do mundo.

2011, visto daqui, com três ou quatro dias para chegar, não nos parece grande coisa.

Contudo, quem sabe não venha a ser, nessa perspectiva do poema de Machado, ou nessa "filosofia" do verdadeiro significado do caminho, escavando, terraplanando e compactando avenidas ou vielas que nos levem a um futuro novo e merecedor dos quase mil anos de idade que ostentamos.

No blogue, a quem tenho de agradecer esta possibilidade de conviver na dinâmica que sempre dá forma a grupos de gente que se junta por afinidades gerais e separa nas diferenças, espero continuar a acertar e a errar, na presunção de que mesmo de adversários circunstanciais, terei o abraço de camaradagem que também lhes reservo sempre, para além das palavras.

A todos, coragem e força para aceitar e enfrentar o novo ano.

Ao Luís, ao Carlos, ao Magalhães Ribeiro, ao Briote e tantos que fazem andar isto e garantir a sua qualidade, o meu agradecimento maior.

José Brás
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 23 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7493: (Ex)citações (122): Palavras e Balas (José Brás)

Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7505: Blogoterapia (170): A Casa da Praia (Torcato Mendonça)