sábado, 16 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5660: Da Suécia com saudade (18): Algumas considerações sobre a descolonização (José Belo)


1. Texto de José Belo (**), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 30 de Dezembro de 2009:


Algumas considerações sobre a descolonização

Caros Amigos e Camaradas,

Com as nostalgias de "fim do Ano" dediquei algumas horas à leitura de postes antigos da Tabanca Grande. Verifiquei que alguns assuntos serviram para muito interessantes contribuições e debates, com elevado número de comentários.

São exemplos: (i) A sorte reservada a muitos dos guinéus que lutaram ao nosso lado; ii) a guerra colonial, militarmente perdida, ou não; (iii) declarações menos correctas, e mesmo ofensivas, por parte de um senhor jornalista, e de um senhor general; (iv) afirmações menos verdadeiras feitas por um dos escritores mais importantes da literatura contemporânea portuguesa; (v) a forma como a descolonização foi efectuada por aqueles que, então, tinham responsabilidades de governo, tanto a nível civil como militar.

Pelas dramáticas consequências, não só para Portugal nos milhares de refugiados, como para os novos países que, de imediato, se viram envolvidos em sangrentos conflitos internos, será, numa perspectiva de análise histórica futura, a descolonização, na sua forma e resultados, assunto de muito, e aprofundado, estudo. Talvez com menos "compreensão" para com alguns dos responsáveis.

Duvidar da necessidade da descolonização no novo Portugal democrático? De modo algum. Mas daí a exibir vangloriado orgulho na "descolonização exemplar"... “Exemplar" para quem? "Exemplar" em quê? Dos políticos que a dirigiram? Dirigiram? De alguns militares bem dignos de um exército castrado pela realidade salazarista?

Seria a única possível, perante todos os entraves e sabotagens de forças reaccionárias? Da conjuntura internacional? De generais neo-colonialistas? Talvez!

Foi verdadeira coroa de glória final da política africana do Estado Novo. Os que vieram das "Franças", dos exílios, nos primeiros "comboios de Abril", regressavam de outras "lutas", de outras realidades, e, porque não dizê-lo, agora que os anos vão passando… retirando as máscaras (?!) de outros... interesses!

Não menosprezo essas lutas do exílio. Foram bem duras... para alguns. Mas nós, nós, os que mexemos na merda com ambas as mãos, os que com ela bochechámos nas bolanhas, picadas e matas. Nós, os que literalmente CARREGÁMOS OS NOSSOS MORTOS... nós devíamos ter exigido mais.

Em respeito!
Em remorso!
Em dignidade!

E hoje? Hoje, nas estatísticas da guerra, nos números dos computadores, nas tiradas brilhantes de políticos em análises de ataque (ou defesa), nos filmes... já tão "antigos", nos estropiados que evitamos olhar nos olhos... tudo se vai tornando mancha uniforme, esbatida, muito convenientemente esbatida.

Aqueles heróis de vinte anos que, geração após geração, foram LEVADOS para as colónias em verdadeira oferta de sacrifício a interesses que em nada eram os seus, cumpriam o melhor que sabiam às ordens dos senhores oficiais, que, por sua vez, as recebiam dos senhores políticos. Mas não andariam alguns destes "Senhores" mais preocupados com questões de pruridos profissionais, quanto a purezas de educação académica e a honrarias de promoções?

Pergunta menos conveniente e muito esquecida, pela simples razão de que a incrível pressão popular no próprio 25 de Abril e semanas sucessivas, terem TRANSFORMADO as realidades subjacentes às verdadeiras origens, e razões do "pronunciamento militar" obrigando a muitos a acertar a passada... imposta pela vontade popular.

Deveríamos ter, há muito, saído (MILITARMENTE) de África. E qualquer leitura apressada da História o demonstrava. Mas, e apesar de dezenas de anos de criminosa e estúpida política fascista, não teria sido Abril a oportunidade de sairmos de cabeça levantada, terminando com dignidade e assumindo as nossas responsabilidades históricas?

Mas muitos dos senhores responsáveis de então, estavam demasiadamente ocupados nos seus "golpes de rins", para uma nova... opção de classe (como soía dizer-se!), e em leituras muito atrasadas de educação política avançada. Não houve mesmo alguns militares que pretendiam "criar" o partido da classe operária... o "verdadeiro"?!

Toda esta ocupação libertadora (com a condição absoluta de serem eles os libertadores), acabou por levar ao esquecimento de alguns conceitos (burgueses?) de honra e respeito pelos seus mortos. Terá sido profundo sentimento de culpa (de má consciência por parte de alguns), que terá levado a extremos de procedimento, vis-a-vis ex-inimigos, de outro modo inexplicáveis?

Com o passar das décadas tantas perguntas vão surgindo. Muitas delas, já de tal modo fora dos contextos, que se tornam, mais e mais, subjectivas. Será que, em vez de agradecermos a madrugada de Abril, vamos "freudianamente" acabar por... matá-la?

Estocolmo, 30/Dez/09
José Belo

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


8 comentários:

Anónimo disse...

São tantas perguntas e tantas afirmações com pontos de interrogação que bem desenvolvidas davam um bom livro.

Para quem viu a guerra colonial antes dela começar, para quem fez e viu iniciar essa guerra, e para quem viu os "vencedores" na governança, podes crer José Belo, que já tirei e mandei embora há muito tempo, muitos dos pontos de interrogação que colocas.

Gostei de ler as tuas afirmações (interrogações).

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Caro José Belo

Excelente texto longo de reflexão, mas difícil de comentar em poucas palavras, sobre algumas das evitáveis consequências da “descolonização exemplar”, ás quais eu acrescento o seguinte.

RESPEITO

-Quando começou o cessar fogo para a Guiné, aí sim, perdemos a guerra na Guiné, pelo facto de não se poder sair para o mato, porque se as coisas têm dado para o torto, teríamos que nos entregar ao IN., porque todas as vantagens estavam do lado deles, já tínhamos os quartéis convenientemente cercados á distância, portanto à que despachar porque se grita nas ruas de Portugal “ Nem mais um soldado para o Ultramar”.

DIGNIDADE

-Depois quando regressamos, duma guerra de cerca de 2 anos que nos transformou e moldou as nossas vidas, saímos de cena, pela “porta-lateral” para evitar incomodar, porque os heróis eram os tais das fugas” politizadas” que chegavam.

REMORSO

-Acrescento ainda que em Julho / 74 fomos sanar um problema em Guidaje, com tropa local, que podia ter consequências graves, tivemos que voltar a levantar as armas já entregues, mas isso será para um escrito que estou a preparar.

Estas foram pequenas sequelas da “descolonização exemplar “.

Um grande abraço

Manuel Marinho

Carlos Vinhal disse...

Face às declarações do Manuel Marinho que viveu aqueles tempos de incerteza, pós-independência, que ainda ninguém explicou muito bem no Blogue, quase me apetece dizer que os camaradas do fim da guerra, mais que os que por lá tinham passado antes, sairam por uma porta muito pequena.

Se nos lembrarmos da tarefe que tiveram os nossos camaradas de Angola, que tiveram de aturar os grupos independentistas a lutar entre si por um poder que lhes ia cair do céu, e ao mesmo tempo ter de fazer a cobertura à famosa ponte aérea, melhor percebemos o quanto a Pátria lhes deve.

Verificámos, nós os que já cá estávamos, que da parte da Metrópole, políticos principalmente, houve um alheamento total aos que por lá ainda tinham a incumbência de fechar a porta da guerra.

A missão era: Descolonização já, e de qualquer maneira.

Pobre País o nosso. Não soubemos colonizar e menos soubemos descolonizar.

Vinhal

Anónimo disse...

Palavras muito a propósito por parte de Carlos Vinhal quanto á falta de maior "historial" por parte dos Camaradas participantes no..."fechar a porta das guerras de África". Tendo estado pessoalmente presente,em companhia do meu Comandante de entao,na Assembleia de Delegados do Exército de 2 de Setembro de 1975 (conhecida entao como a Assembleia de Tancos)onde, frente ao Chefe do Estado Maior do Exército,Carlos Fabiao,ao Primeiro Ministro Vasco Goncalves,ao Major Melo Antunes,entre outros nomes conhecidos que ainda estao entre nós,houve importante intervencao do Delegado do M.F.A. de Angola/Capitao Azevedo Martins/que,pelos factos dramáticos,detalhados na mesma,gostaria de compartilhar com os Camaradas.É longa de 40 linhas,mas importante no que descreve em pormenor.Vou enviá-la para o blogue,pois as 40 linhas nao serao pròpriamente...um comentário! Nao resisto a deixar aqui reproduzido o início das declaracoes á Assembleia por parte deste Capitao. ´"Após tao cabal prova de degradacao moral em que vimos que a maioria das intervencoes primou pela ausência de consciência nacional,eu gostaria que o Regulamento me permitisse chamar outra coisa aos Camaradas que fui ouvindo.Mas,vou apelidá-los de "senhores revolucionários"...e,reparem,que nao lhes chamo "revolucionários" mas sim..."senhores revolucionários".Pois é para vós,"Senhores",que julgais que acreditamos nas vossas..."OPCOES DE CLASSE" que vamos falar,pois nós só acreditamos na vossa........"Classe de fazer opcoes"! Um abraco do José Belo.

Manuel Reis disse...

Caro José Belo:

Em primeiro lugar os meus parabéns pela Nova Tabanca da Lapónia, que concerteza deverá ser deslocalizada, um processo idêntico á deslocalização das nossas aldeias, quando se constróiem barragens.
Aguenta a Tabanca José Belo!

Sobre o tema da descolonização, os ângulos de abordagem serão múltiplos, assim como serão múltiplos os métodos apontados como bons. Cada um dos camaradas terá uma visão diferente.

Para mim, simples mortal, a descolonização deveria ter-se antecipado à guerra.
Não sucedeu.Perguntas: não teria Abril a oportunidade histórica de sairmos de cabeça levantada? Julgo que todos, militares e civis, desejavam que assim fosse, mas era desejar o impossível, face ao conturbado processo político-militar que se desencadeou.
Na minha modesta opinião foi a descolonização possível, no contexto sócio-políco-militar que na altura se vivia.
Exemplar, nunca.

Eu recordo a situação um pouco humilhante com que me vi confrontado no dia 18 de Agosto de74. Encontrava-me em Cumbijã e responsabilizaram-me pela desmilitarização do grupo de milícias (20), pois no dia 19 de Agosto o aquartelamento seria entregue ao PAIGC. O desarmamento decorreu dentro do maior civismo mas, no final, o sargento-milícia lembrou-me as promessas feitas e o abandono a que estavam votados e as previsíveis consequências. Senti vergonha.
Mas o que era possível fazer?
Perpetuar a guerra?
Evacuar para a Metrópole todos os que, de um modo ou de outro, nos tinham sido fiéis,sem esquecer os africanos de Angola e Moçambique? Ser-nos-iam permitido efectuar semelhante operação?
Quais os custos de uma previsível convulsão social que este movimento originaria na Metrópole?
Uma descolonização menos traumatizante passaria sempre pela boa fé dos Partidos Africanos, em relação aos nativos, mas isso nunca existiu.
Um abraço.
Manuel Reis

Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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