1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2010:
Queridos amigos,
Este livro sobre a transição democrática na Guiné-Bissau, é obra de dois cientistas sociais, os seus pontos de vista são necessariamente discutíveis, mas até penso que nós todos no blogue aceitamos como pacíficas estas análises, bem distantes do que é hoje a realidade daquele país.
Um abraço do
Mário
A transição democrática na Guiné-Bissau: décadas de 80 e 90
Beja Santos
Dois cientistas sociais, Johannes Augel (sociólogo e historiador) e Carlos Cardoso (filósofo e antropólogo), ambos investigadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa – INEP, nos anos 90, reflectiram sobre acontecimentos marcantes na Guiné-Bissau, designadamente a passagem do sistema económico de um modelo altamente centralizador sob uma tutela política monolítica para um sistema de economia de mercado sob um figurino multipartidário. Assim nasceu o livro “Transição Democrática na Guiné-Bissau” edição do INEP, Bissau, 1996.
Durante a década de 80, a Guiné-Bissau, tal como o Gana, a Costa do Marfim, o Senegal, e outros países, pediram ajuda ao FMI e ao Banco Mundial. Todos eles se encontravam mergulhados numa profunda crise económica. Os primeiros 15 anos da Guiné-Bissau como país independente caracterizaram-se por um regime autoritário de partido único, com não poucas vezes a violação dos direitos elementares da pessoa humana e uma política económica desastrosa. Em 1983, anunciou-se a vontade de liberalizar que em 1987 a Guiné-Bissau aceitou um Programa de Ajustamento Estrutural - PAE. Previam-se três fases distintas: estabilização económica-financeira; reequilíbrio da economia; desenvolvimento económico autónomo. O PAE não produziu os efeitos esperados. A década de 90, considerou-se mesmo que a situação económica que se estava a viver era resultado da má gestão dos recursos destinados ao desenvolvimento socioeconómico do país. Crescer a dívida externa e agravara-se o fosso entre ricos e pobres. O impacto social da liberalização dos mercados foi brutal. Enquanto uma classe de agricultores privados beneficiou dos primeiros créditos concedidos pelo Banco Mundial e pelo FMI, a pequena burguesia e o campesinato conheceram a pauperização, nomeadamente os funcionários de estado não pertencentes aos escalões superiores da administração, os operários e os trabalhadores do sector informal. O país foi convulsionado pelas greves.
O PAE implicou uma elevada tensão política no PAIGC. No seu IV Congresso, em Novembro de 1986, o PIAGC admitiu que as estruturas socioeconómicas do país tinham que ser alteradas, acompanhadas por reformas políticas. Aí a direcção do PAIGC dividiu-se entre a manutenção do statu quo (o PAIGC devia continuar a ser o motor das transformações e a força política dirigente da sociedade) e aqueles que apelaram ao multipartidarismo. A discussão prolongou-se até 1991, altura em que foram aprovadas medidas importantes para desencadear o processo de abertura: alteração constitucional; decisão de despartidarizar as Forças Armadas e a liberdade associativa, incluindo o direito à livre expressão.
Para se entender melhor esta demora entre a prometida liberalização e a abertura política e económica, os autores debruçam-se sobre as crises do PAIGC. Primeiro, a alegada tentativa de golpe de Estado, em Outubro de 1986, em circunstâncias que estão ainda por esclarecer, em que foram condenados à morte altos dirigentes e militantes do partido, com Paulo Correia à cabeça. Segundo, o aparecimento da Carta dos 121, em 1991, quando o PAIGC se dividiu entre os conservadores e os partidários da mudança. Nesta altura, caminhava-se informalmente para o aparecimento de partidos como o Partido de Renovação Social e o Movimento Bafatá, as duas primeiras importantes forças da oposição guineense. Também neste ponto os autores recordam a singularidade do PAIG: fiel às orientações seguidas nas zonas libertadas, o PAIGC manteve uma estrutura de poder fortemente centralizada; a seguir à independência, os régulos e as estruturas de poder tradicionais foram desprezados, acompanhando-se este processo com a perseguição das forças militares que tinham apoiado a presença portuguesa. A par destes erros de actuação política, a estatização da economia atingiu o delírio, aumentando a escalada da procura de um inimigo interno, sempre à procura de um culpado do afundamento do país. Assim se chegou ao 14 de Novembro de 1980, instaurando-se um regime centralizado no Presidente Nino Vieira. Com o anúncio da liberalização económica e com as crescentes dissidências dentro do PAIGC nasceram o Partido de Renovação e Desenvolvimento e o Partido da Convergência Democrática, bem como a frente democrática social. A FLING – Frente de Luta para a Independência Nacional da Guiné ressuscitou.
E assim tiveram lugar as primeiras eleições livres, na década de 90. A oposição ao PAIGC era jovem, cheia de líderes ambiciosos, na generalidade mal preparados. Não conseguiram uma plataforma de entendimento. O PAIGC conseguiu uma maioria em termos de eleição de deputados à Assembleia Nacional Popular, enquanto João Bernardo Vieira se viu obrigado a disputar a segunda volta com Cumba Ialá, ganhando com uma diferença de apenas 13000 votos. Partidos como a Convergência Democrática, que se previa serem fortes opositores, não o foram. Os autores consideram que os líderes não tiveram em conta que o discurso fogoso desses jovens não foi bem aceite pelos “homens grandes” – eram jovens competentes que não perceberam o funcionamento eleitoral duma sociedade africana tradicional.
O PAIGC foi incapaz de constituir um aparelho de Estado com todos os licenciados de que estava dotado, em 1974, promoveu a hipertrofia do funcionalismo público, tornou-se um oportunista da ajuda internacional, em que os países doadores aprovavam financiamentos sem qualquer vigilância, sobretudo sem qualquer controlo do dinheiro que entrava nos cofres do Estado. Os antigos combatentes, a quem se tinha prometido dignidade, foram marginalizados, não se lhes deu oportunidade para a reciclagem, tornaram-se amargos e até estranhos ao PAIGC. A incapacidade para liberalizar com solidez fomentou de algum modo o tribalismo, isto quando o Estado parecia ir repousar numa grande tolerância religiosa e na miscigenação etno-cultural, conseguindo até superar um preconceito muitas vezes iludido aos cabo-verdianos. Os autores também passam em revista o crescimento desmesurado de Bissau, que acabou por se transformar num devorador de recursos e uma fonte crescente de problemas sociais. Por último, os autores interpelam se o crioulo não deve funcionar como a língua da educação, já que é língua da comunicação e da entidade de todas as etnias.
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Nota de CV:
Vd. poste de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6956: Notas de leitura (147): A Tradição da Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959), por Peter Karibe Mendy (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Dados para a compreensão da consequência última: Guerra Colonial.
A que levou às dimensões da exploração da mão-de-obra africana.
"O Congresso Pan-Africano, promovido em 1923 pelo Dr. Du Bois, manifestava, no final: "Exigimos ao mundo inteiro que o povo negro seja tratado como são tratados os demais homens. Não vemos outro caminho para chegar à paz e ao progresso".
(No caso da Guiné, quando Spínola optou pela "Guiné melhor", já foi demasiado tarde, na história da escravatura, exploração e subjugação dos povos africanos)
"Realizou-se em Lisboa, uma segunda sessão deste Congresso, onde, agrupados no centro da Liga Africana, os intelectuais africanos formavam um núcleo dinâmico.
O objectivo de Du Bois consistia em obter uma diminuição da brutalidade dos trabalhos forçados que se faziam em Angola e nas ilhas de S. Tomé e Principe.
Neste sentido, obteve garantias formais de personalidades portuguesas; porém estas não se cumpriram."
((Philipe Decraene, EL PANAFRICANISMO, Buenos Aires, 1962))
Só com o conhecimento podemos compreender, avaliar, as razões que nos levaram à guerra e as contradições entre nós (juventude humilde e simples na sua maioria) e os povos africanos em luta.
Confesso que este silêncio me atordôa.
Um abraço para todos e para cada um
Carlos Filipe
ex BCAÇ3872 Galomaro
galomaro@sapo.pt
Como os Posts do Beja Santos, teem uma apresentação quase "personalizada" que visualmente induzio-me em erro.
É EVIDENTE QUE ESTE COMENTs É REFERENTE AO POST 6956, QUE JÁ PASSOU À MUITO TEMPO PELO SECREN DO M/ MONITOR.
Carlos Filipe
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