quinta-feira, 24 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9943: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (17): Guidage (com g) foi há 39 anos...












Guiné > Região do Cacheu > 38ª CCmds (2º e 4º Gr Comb) > 11 de Maio de 1973 > Coluna logística que partiu de Farim, a caminho de Guidaje. Na foto de cima, o Gr de Combate do 1º Cabo A. Mendes, o 2º a contar da direita, com boina. Na foto do meio, progressão da coluna auto na picada de Guidaje... Na última foto, uma vista da bolanha do Cufeu, com destroços de viaturas (e cadáveres)...

Fotos : © Amilcar Mendes (2006). Todos os direitos reservados. 


1. Escrevi há dias que "sobre Guidaje, há uma referência apenas no Diário da Guiné (1972/74), da autoria do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu (AGA). Vem na entrada Mansoa, 26 de Maio de 1973"" (*) ... 

É meia verdade, meia mentira... Sobre "Guidaje" (com j), há de facto apenas um referência, mas sobre "Guidage" (com g), há mais umas tantas... A grafia de Guidaje/Guidage é controversa, os dois vocábulos são usados pelos nossos cartógrafos... Eu grafo de uma maneira (Guidaje), outros tendem a usar a forma mais comum, que é Guidage...Neste caso, sigo o (bom) conselho do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa...E é assim que tem aparecido no nosso blogue, Guidaje, com j...

Mas no caso do livro do AGA, eu devia ter tido mais cautela, como mandam as boas regras... Ora, na realidade o AGA estava no CAOP1, em Mansoa,  durante a "batalha de Guidaje" [, grosso modo, entre 8 de maio e 8 de junho de 1973, ] e,  sendo um homem em geral bem informado,  por certo que escreveria algo mais sobre Guidaje, tal como escreveu sobre Guileje e Gadamael... Em 25 de junho de 1973, o CAOP1 (e com ele o AGA) é transferido para Cufar, na região de Tombali.

Faz assim todo o sentido recuperar algumas das entradas do seu diário, onde há uma referência explícita a Guidage (com g). São seis entradas (ou sete, se contabilizarmos a já atrás referida - Mansoa, 26 de maio de 1973). A "batalha de Guidaje" tocou-o de perto, se bem que indiretamente através das baixas da 38ª CCmds, unidade de intervenção afeta ao CAOP1, quer através da morte do soldado condutor auto do CAOP1,  David Ferreira Viegas, natural de Olhão, morto em 12 de maio de 1973 [, já em Guidaje, no aquartelamento,  após a realização da 3ª coluna para Guidaje, a 11]. (**)

Há uma edição comercial do livro do AGA. Referência completa: António Graça de Abreu - Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp. (*) (LG)


(...) Mansoa, 8 de Abril de 1973

Outra DO pilotada pelo furriel piloto aviador Baltazar da Silva foi abatida pelo IN quando voava entre Bigene e Guidage. O rapaz morreu, junto com um alferes médico e um sargento. O Baltazar almoçou comigo na semana passada, esteve aqui no meu quarto desanimado e triste. Escrevi então que ele havia partido para Bissau “com a morte na alma”.


(...) Mansoa, 14 de Maio de 1973 

Parece estar em embrião uma nova alteração na localização do CAOP 1. Fala-se em irmos para o sul, a zona onde há mais guerra na Guiné. Mas quem está a embrulhar há cinco dias consecutivos é o aquartelamento de Guidage, bem lá no norte, na esteira dos lugares de morte e de loucura.

Quanto à transferência do CAOP não ficou ainda nada decidido. Isto está incerto como o vento em mudança de estação. De resto, um comando de operações sem meios aéreos como funciona? Reina uma certa incerteza e confusão entre quem manda em Bissau. O general Spínola foi agora a Lisboa pedir mais armas e meios para combater o PAIGC e ao que consta o Marcello Caetano disse-lhe ser impossível reforçar as tropas na Guiné.


(...) Mansoa, 19 de Maio de 1973

Há dez dias atrás, por causa de vacas, aproveitei uma boleia e fui até Cutia, a vinte quilómetros daqui, na estrada alcatroada para Mansabá e Farim.

Os balantas, etnia predominantemente na região de Mansoa, não querem vender vacas aos militares portugueses. Em Farim, sessenta quilómetros a norte, os fulas, outra etnia, vendem os animais com facilidade. Como em Mansoa falta carne para a alimentação diária, é preciso recorrer ao que há, neste caso as vacas de Farim. 

Fez-se uma coluna com quatro unimogs do CAOP e quarenta homens da 38ª. de Comandos  (***) para irem lá ao norte buscar as vacas. Como à tarde havia coluna de Cutia para Mansoa, peguei na G3 e segui com o nosso pessoal. Regressei calmamente a Mansoa, depois de mais uns quilómetros a conhecer a mata, o aquartelamento e a aldeia de Cutia, florestas, bolanhas, a terra pobre. 

Os comandos e os quatro condutores do CAOP seguiram viagem e quando chegaram a Farim havia realidades bem mais duras do que a história da compra e transporte das vacas. Era crítica a situação em Guidage, uns quarenta quilómetros a noroeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal. O aquartelamento estava a ser atacado há dois dias, de quatro em quatro horas, em média. Duas colunas de reabastecimento haviam partido de Farim para Guidage com víveres e munições e foram ambas atacadas na estrada, com mortos e muitos feridos. Tornou-se necessário chamar os aviões Fiats de Bissau, não para bombardearem o IN mas para destruir as Berliets carregadas de víveres e munições, abandonadas pelas NT, evitando assim que caíssem nas mãos dos guerrilheiros.

Os Comandos mais os nossos condutores do CAOP iam buscar vacas, mas nessa altura o mais importante era socorrer Guidage. De emergência, organizou-se nova coluna de Farim para Guidage reforçada com os nossos homens. Foi uma caminhada de morte, havia abutres a rondar os cadáveres dos soldados portugueses abandonados na picada pela coluna anterior, havia minas, uma delas rebentou sob o Unimog da frente, arrancou-lhe uma roda que foi projectada e passou por cima da cabeça do alferes Dias, da 38ª. de Comandos, houve emboscadas e um soldado comando ficou sem um pé e sem três dedos da mão direita. O infeliz foi o Tavares, um rapaz ribatejano do Cartaxo que até conheço bem, pai de dois filhos. Como não se fazem evacuações de helicóptero, levaram-no até Guidage com o coto e a mão amarrados em ligaduras. 

Durante dois dias, em Guidage, foram atacados treze vezes, com morteiros e canhão sem recuo. Os guerrilheiros afinaram a pontaria para dentro das valas onde se abrigavam os nossos homens. Lá morreu mais um soldado da 38ª. de Comandos e o soldado condutor auto David Ferreira Viegas, do CAOP 1. Era um dos meus homens, um rapaz baixo, magrinho, tímido, natural de Olhão. Tinha vinte e um anos, fora pescador no Algarve, estava connosco no CAOP desde 3 de Março e na tropa há apenas oito meses.

Não trouxeram o corpo do Viegas para Mansoa, meteram-no na urna e seguiu de barco para Bissau. Tenho sido eu a tratar das coisas dele, fui-lhe mexer na mala e fazer o espólio de todos os seus pertences para enviar à família. Possuía tão pouco, algumas quinquilharias e uma roupita tão pobre! O povo português vai morrendo, o nosso David foi apenas mais um.

Comoveu-me o último aerograma com data de 27 de Abril que lhe foi enviado pela mãe, escrito pela Rosarinho, uma das sobrinhas, porque a mãe é analfabeta. A Elsa Maria, outra sobrinha pequena, como ainda não sabe escrever, mandou contas ao tio David:

1 2 3 4 5 2 1 

1 2 3 4 5 2 1 

___________
2 4 6 8 0 3 3

A Ana Cristina Viegas Fava, também sobrinha, diz:  “Tio, eu já sei escrever e quando o tio estiver aborrecido escreva para mim que eu lhe respondo, está bem? "

O David Ferreira Viegas, contava apenas vinte e um anos. Não vai escrever a mais ninguém.

(...) Mansoa, 29 de Maio de 1973 

Fui ao cinema ver um filme intitulado “Os Noivos da Revolução”, com o Jean Paul Belmondo.(...).

Em Portugal, as notícias sobre a Guiné continuam a ser alarmantes. De facto, Maio foi excepcional. As NT, incluindo os africanos que combatem ao nosso lado, tiveram mais de sessenta mortos e uma centena de feridos. Creio que isto bate todos os recordes. Agora, com a época das chuvas, a guerra vai acalmar um pouco.

As notícias em Portugal são também manipuladas, confusas, às vezes ridículas. No boletim oficioso das Forças Armadas lê-se “um grupo de guerrilheiros do PAIGC que tentava infiltra-se no Território Nacional foi repelido e perseguido pelas nossas tropas, tendo sofrido um número indeterminado de mortos.” Pode haver um fundo de verdade neste tipo de notícias mas quem descreve o que verdadeiramente aconteceu em Guidage ou em Guileje, quem fala na emboscada da coluna de Mansabá para Mansoa que provocou quatro mortos e quinze feridos quando o IN só registou dois feridos? 

A opinião pública portuguesa alertar-se-ia demasiado se as notícias divulgadas na nossa terra correspondessem à realidade do que se passa na Guiné. Em Portugal as pessoas sabem que, por causa da guerra, a Guiné é terra má e suja, mas quantos entendem os porquês, conhecem o dia a dia das nossas tropas? Os boatos distorcem, aumentam, assustam. Tudo por uma razão simples, não temos liberdade.

(...) Mansoa, 14 de Junho de 1973 

Recebi uma carta do Algarve,  da mãe do David Viegas, o nosso soldado condutor morto em Guidage. Havia-lhe escrito uma sentida carta pessoal, logo após a morte do rapaz. Respondeu-me agora, naturalmente chorosa pelo falecimento do David, o mais novo dos seus cinco filhos, agradecendo ter-lhe dado notícias. 

Como já referi, a senhora é analfabeta e é uma sobrinha quem lhe escreve as cartas. Eu informara-a de que o filho havia morrido devido ao rebentamento de uma granada de morteiro na vala onde se abrigava, teve morte quase instantânea e não sofreu. Assim foi, na realidade, mas não lhe contei que o Viegas ficou horrivelmente desfigurado, a granada rebentou junto à sua cabeça e os estilhaços apanharam-lhe toda a cara. Os outros três condutores do CAOP 1 que estavam com ele em Guidage e o viram morrer ali ao lado, descreveram-me o sucedido com lágrimas nos olhos. O Viegas era bom rapaz, pacífico, não se chateava com ninguém. O caixão está em Bissau, à espera do “Niassa”, o navio que o levará para Portugal, rumo a Olhão, a terra onde nasceu.

Eu não sabia, mas quando o rapaz morreu, o major P. disse-me que existia uma carta modelo, um texto padrão sempre igual utilizado em todo o Ultramar a enviar aos pais dos soldados mortos em combate. Tratámos de a copiar e seguiu para Olhão, espantosamente assinada não pelo coronel, comandante do Comando de Agrupamento Operacional Nº. 1, a que o Viegas pertencia, não pelo major P., oficial de Operações e Chefe do Estado Maior do CAOP 1, não por mim, simples alferes que tenho os condutores como meus subordinados, mas assinada pelo furriel Victor Henriques, meu subalterno que mal conhecia o Viegas e nunca esteve em Guidage. (...)

(...) Cufar, 27 de Junho de 1973 

De Lisboa, contam-me as “bocas” que por lá correm. E “bocas” falsas.

Fala-se em evacuar da Guiné mulheres e crianças. Mas onde e porquê? É verdade que a população nativa, os africanos das aldeias de Guidage, Guileje e Gadamael, abandonou essas tabancas por causa do perigo nas flagelações constantes do IN. Mas não houve nenhuma evacuação nem sei se tal está previsto pela nossa tropa. Também é verdade que muitos milhares de habitantes da Guiné Portuguesa procuraram fugir à guerra e refugiaram-se quer no Senegal quer na Guiné-Conacry, no entanto esta procura de um lugar mais pacífico para habitar não é novidade, começou há já alguns anos com o agravamento do conflito armado.(...)

____________________

Notas do editor:

(*) 14 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9898: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (16): Guidaje foi há 39 anos...


(**) Vd os seguintes poste do J. M. Pechorro e do Daniel Matos:
19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

21 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)


16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

3 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6307: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (14): Cemitérios de Guidaje e Unidades mobilizadas na Madeira

(***) Vd. postes de Amílcar Mendes (38ª CCmds):

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte


(...) Resumo:

9 de Maio de 1973 > O 2º e o 4º grupos [da 38ª Cmds] vão hoje fazer uma escolta a uma coluna de Mansoa para Farim.

13 de Maio de 1973 > Regressei hoje a Mansoa. Cinco dias fora. Meu Deus, foram os piores dias da minha vida. Irei tentar descrever tudo o que passei. Os horrores da guerra! Nunca pensei que fosse possível acontecer o que vi. Terrível de mais para ser verdade. (...)

(...) 11 de Maio de 1973

Saimos de madrugada de Farim com destino a Guidaje. Primeiro a Binta onde os picadores se irão juntar aos nossos grupos. Daí entramos na maldita da picada. Os picadores seguem na frente.  (...)


(...) Ao passar na bolanha do Cufeu é impossível descrever o que encontramos sem sentir um aperto na alma: dezenas de viaturas trucidadas pelas minas. Os cadáveres pelo chão são festim para os abutres. É uma loucura. Pedaços das viaturas projetadas a dezenas de metros pela acção das minas. Estrada cheia de abatizes. Tentamos não olhar. Nunca vi tanto morto, nossos e do IN, deixados para trás ao longo da picada.  (...)


23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

(...) 11 de Maio de 1973 (continuação)

(...) A coluna, à saída da bolanha do Cufeu (2), pára. Ouve-se ao longe tiros e rebentamentos. A companhia que vinha ao nosso encontro, caiu numa emboscada na ponte. Pelo rádio ouvimos o oficial que comanda a companhia emboscada pedir apoio aéreo, porque o IN é em muito maior número e ele diz que está a ser dizimado. Chegam dois Fiats e tentam dar cobertura à companhia emboscada mas dizem que é impossível porque o IN esta demasiado próximo...

Ouço então o apelo mais dramático ouvido em toda a minha vida: Pela rádio o oficial que comandava a companhia emboscada apela à aviação:

BOMBARDEIEM TUDO! A NÓS, INCLUINDO! A SITUAÇÃO É DESESPERADA! ESTAMOS A SER TODOS MORTOS, POIS OS GAJOS SÃO EM NÚMERO MUITO SUPERIOR! (...)



(...) Já com Guidaje à vista subimos para as viaturas e eu sigo naquela só com três rodados, e onde segue o morto.

Chegamos a Guidaje! É a primeira coluna a chegar de há três semanas a este tempo. A população vem receber-nos com gritos de alegria, dá-nos água, trata-nos com carinho, sentem que o isolamento acabou.

Assim que entramos no destacamento, somos brindados com um ataque de morteirada. Com a noite vamos para as valas, que é onde se vive em Guidaje! O Filipe está num abrigo a soro, fui vê-lo e ele delirava a chamar pela família.(...)


Durante a noite iremos sofrer mais 4 ataques e um deles será mortal (...).

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

8 comentários:

Anónimo disse...

Com todo respeito pelo blog e mais ainda pelo sofrimento e consequentes falecimentos dos nossos jovens cama_
radas,há um detalhe que vos pode pa_
recer ridiculo perante o dramatismo dos acontecimemtos.Reparei num peque_
no detalhe na primeira foto.Os tai_
pais do 404 estavam abertos,em vez de
terem sido retirados.Na explosão de um Fornilho ou Mina,eles fechar-se-iam para cima dos militares,estando eles a saltar ou atirados"borda fo_
ra" pela expanção do ar,logo aqui
haveria por certo danos fisicos.To_
dos nós sabemos o quanto se ficou seriamente ferido ou se morreu por
se facilitar as coisas.Agora já não
há remédio.Desculpem a obsevação que pode estar fora de contexto.
Obrigado.Carlos Nabeiro.

antonio graça de abreu disse...

ADENDA DESNECESSÁRIA

1- Maio de 1973 foi o mês mais violento e cruel de toda a guerra da Guiné. É disso que dou sentido testemunho.

2- O Luís Graça continua a publicar esparsos do meu Diário, a escolha dos textos é dele, sou sempre surpreendido pela edição no blogue,
mas o Luís pode publicar tudo o que entender e quiser. Os meus textos da época resistem, podem ter uma ou outra pequena discrepância, mas não falsificam dados nem distorcem a nossa História. Foram escritos com a minha sensibilidade,coração e o conhecimento que tinha na época.
Agora o AGA, quarenta anos depois, não é bem o mesmo rapaz bonzinho e idealista. Todos mudámos com quatro décadas em cima. Hoje sei muito mais sobre a Guiné, o PAIGC, o Spínola, etc., do que sabia na altura.


3-A partir de Junho de 1973, a situação militar acalmou, os aviões e hélis voltaram a voar. O PAIGC não teve força militar nem homens suficientes para continuar a forte ofensiva bélica. Hoje sabemos isso muito bem mas na altura supervalorizámos o IN. Claro que não íamos ganhar aquela guerra, nem a perderíamos, haveria lugar a mais uns tantos anos de doloroso conflito. Porque a solução era política.
Esta a realidade que hoje, a 39 anos de distância e conhecendo muito mais sobre a Guiné (também graças ao blogue)qualquer historiador sério e honesto terá de considerar.

4- A História faz-se com a verdade dos factos. Quando numa recensão do Mário Beja Santos, post 9886, de 12 de Maio último, se lê:

"Os paraquedistas não conseguiram romper o cerco (a Guidage), as colunas de reabastecimento foram rechaçadas".

não estamos no reino da livre opinião de cada um, mas da falsidade.
Então porque é que o Mário Beja Santos faz afirmações deste teor? Má informação?
Desinformação? Não acredito. Então porquê? Porque é preciso apresentar dados que justifiquem a "derrota militar" que ele defende
e sobre a qual já tivemos os dois em 2008/2009 uma larga discussão e polémica.

5- Recomendo aos amigos do blogue a leitura de um texto recente do coronel Matos Gomes e Aniceto Simões e a longa e bem documentada resposta do coronel Brandão Ferreira. Está na net. É sobre as guerras militarmente perdidas em Angola, Moçambique e Guiné, tese que defendem os dois primeiros, e sobre um entendimento bem diferente e bem informado do poder militar português nos três territórios por parte do coronel Brandão Ferreira.

5-Claro que nisto tudo há muita política. São conhecidas as posições políticas do coronel Matos Gomes (apresentou o video da Diana Andringa, os livros do Mário Beja Santos, etc.), associação 25 de Abril, maçonaria onde milita Vasco Lourenço, etc.
Também são conhecidas as posições do coronel Brandão Ferreira. Mais da direita tradicional, defensor
de um Portugal que já não existe, mas creio, mais sério e rigoroso não falsifica dados em muitas das abordagens que faz, com algumas das quais não me identifico. Têm a ver mais de natureza política do conflito. Jamais acreditei num Portugal do Minho a Timor, não tenho nem nunca tive a mínima simpatia pelo regime deposto a 25 de Abril.


6- Este debate continua transversal a uma certa sociedade portuguesa e só daqui a alguns anos
os historiadores isentos e desapaixonados escreverão a nossa História, baseada sempre na verdade
dos factos, na verdade histórica e não na opinião subjectiva de qualquer interveniente na guerra,(que tem todo o direito a tê-la!)
nem em dados falsificados ou mentirosos.
Estas coisas estudam-se nos cursos de História, onde até existe uma cadeira Metodologia da História. Pela graça de Deus, e algum suor intelectual, sou Mestre em História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses, o que não me dá autoridade especial, mas por favor, não façam de mim parvo.

E não misturem a opinião de cada um, um direito justo de que nenhum de nós abdica, com falsidade e mentiras sobre a nossa História. Só isto.

Abraço,

António Graça de Abreu

Luís Graça disse...

Diz o nosso leitor Carlos Nabeiro (e camarada, 67anos, Setúbal,Por_
tugal, CISMI-Tavira, 1967, EMEM, Paço d' Arcos, RI15 Tomar, 1968/70 ZOT Moçambique):

(...) "Reparei num pequeno detalhe na primeira foto.Os taipais do {Unimog] 404 estavam abertos,em vez de terem sido retirados. Na explosão de um Fornilho ou Mina, eles fechar-se-iam para cima dos militares, estando eles a saltar ou atirados borda fora pela expansão do ar,logo aqui haveria por certo danos físicos" (...).

É uma observação pertinente, que encaminhei para o Amílcar Mendes, da 38ª CCmds. Da minha própria experiência como operacional na CCAÇ 12 (1969/71), devo dizer que nisso os nossos condutores eram bastante cautelosos... As nossas viaturas eram "pau para toda a obra": transporte de tropas, de civis, de géneros alimentícios, de cunhetes de munições, de sacos de cimento, de água... e tudo o mais que se possa imaginar... Que eu me lembre, andávamos sempre sempre sem taipais. O Unimog 404 bem como o 411 servia (e estava preparado) sobretudo para o transporte de tropas.

Percebe-se, pela leitura do diário do AGA, que os dois grupos de combate da 38ª CCmds, afetos ao CAOP1 (Mansoa, Maio de 1973) integravam uma força que ia comprar vacas a Farim... Chegados lá são metidos de emergência na 3ª coluna que vai socorrer Guidaje ou Guidage... Só o Amílcar Mendes nos pode dar mais pormenores do que aqueles que vêm nos seu dramáticos sobre estes cinco dias de inferno partiu de Mansoa a 9 de maio e só regressou a 13, com mortos e feridos...

Luís Graça disse...

A propósito, camarada Carlos Nabeiro, as tuas melhores!... Espero que a leitura do nosso blogue possa ter algum valor, se não terapêutico, pelo menos paliativo... O facto de seres um nosso comentador regular só prova que encontras algum prazer e interesse na nossa companhia... Vejo, por outro lado, que andaste pelo CISMI, Tavira, em 1967, uma ano antes de mim... Força e coragem para venceres o teu problema de saúde.

Luís Graça disse...

Em 12 de dezembro último, o AGA mandou-nos, en ficheiro word, o seu diário da Guiné, com a seguinte nota:

"Mando-vos, completo, o meu Diário da Guiné. Em qualquer altura, quando acharem oportuno, é só ir buscar um texto e publicar. Guardem na caixa dos pendentes, a longo prazo".(...)

Respondi-lhe no dia seguinte nestes termos:

(...) "Meu querido amigo e camarada António: Obrigado, antes de mais pela tua generosidade e camaradagem, pondo à nossa disposição um documento, ímpar,
como o teu 'Diário da Guiné', de que eu sou leitor assíduo. Prometo fazer bom uso dele"...

Naturalmente agradeço a confiança que ele continua a depositar em nós, editores, e espero que, no que me diz respeito enquanto editor desta série ("Excertos do Diário"...), eu continue a procurar ser imparcial, isento e objetivo no tratamento deste documento que é mais uma peça importante para a socioantropologia da guerra colonial na Guiné... LG

Anónimo disse...

Estimado Camarada prof.LG.Obrigado pelas amavéis e encorajantes palavras
De facto o vosso famoso Blog,para mim
como ex-combatente é,desde quase o seu inicio,uma fonte de aprendizagem e também de lenitivo para aqueles dias mais dolorosos.Além disso conto
com dois excelentes Amigos membros do
Blog,o Mário Gualter Pinto com quem ainda trabalhei num dos grandes Esta_
leiros Navais daqui da nossa região e também o nosso honesto e frontal Ranger MR.O Magalhães Ribeiro,sem o
conhecer pessoalmente,
devido á sua forma ser,é como o conhecesse, tal como conheço o Mário.Obrigado pela atenção, muitos anos para o Blog.Boa sorte e saúde
para todos os Camaradas.Carlos Nabeiro.

Anónimo disse...

Cometi um lapso imperdoável.Também conheço,de muito perto,uma pessoa muito conhecida no Blog.O sr. prof. Arlindo Roda.Tive o previlégio de trabalhar na mesma escola,com a D.
Odete esposa do prof.Roda e com as suas duas filhas.
Carlos Nabeiro.

Hélder Valério disse...

Caros camarigos

Esta questão de Guidage serve, infelizmente, para alimentar muitas paixões.
E digo infelizmente porque os nossos mortos não merecem isso.

É indiscutível que todo o conjunto dos acontecimentos daquele longo período, nas suas múltiplas facetas, constitui um legado de dor, de sofrimento, de heroísmo, de abnegação, de coragem, enfim, de algo que ficará para sempre nos registos da 'nossa guerra da Guiné' mas é também inevitável (também infelizmente) que os acontecimentos sejam 'observados' segundo as perspectivas de 'visão' dos diferentes opinadores.

Há que ter paciência.
E esperar que volte a haver 'gente boa' e com menos 'pragmatismo e pelo menos algum idealismo'.

Abraços
Hélder S.