segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10359: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (26): A reserva de quarto

1. Em mensagem do dia 3 de Agosto de 2012, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais três das suas histórias e memórias. Segue-se a segunda desta série:


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (26) 

A Reserva de quarto

1º. Ato

Os hotéis são, diariamente, um manancial quase inesgotável de acontecimentos divertidos, danosos, agressivos, cómicos; uns por serem mais ou menos originais ou singularmente engenhosos ficam gravados por mais tempo na nossa memória; outros não são facilmente esquecidos, porque nos lesaram economicamente com maior ou menor gravidade.

Certos clientes, para conseguirem uma qualquer benesse, alegam ser amigos dum primo ou parentes da prima do diretor; outros conseguem iludir (ou tentam) a atenção dos rececionistas enquanto a soma das suas diárias vai aumentando, todos os dias, por vezes perigosamente, para depois aplicarem o golpe final e total; outros, ainda, dão-se ao cuidado de aparecer com uma volumosa mala pesada para convencer o bagageiro e/ou porteiro de que são possuidores de valiosa e densa mercadoria… trazendo dentro da mala apenas – pasme-se! – Uns três ou quatro tijolos.

Não enumero, por certo, mais destes ardis, apenas para, por precaução, evitar que alguém ainda leigo (se é que alguém vai ler este texto) ou ainda pouco experiente nestas andanças possa vir a utilizá-los (sem gastar fósforo a inventá-los) contra os hoteleiros mais distraídos ou confiantes.

O que agora vou narrar não consta dos alfarrábios das burlas nem com a elas tem qualquer parentesco e não consta, portanto, do rol dos embustes, mas tem, assim o creio, uma certa dose de graça.

Uma senhora telefonou para a receção do Hotel Dom Carlos Park (não se trata de publicidade) para proceder a uma reserva dum quarto duplo para determinada data. O rececionista aceitou o pedido, registando-o no respetivo livro, indicou o preço e as regras essenciais para aceder ao quarto e outras. A senhora, porém, manifestou um segundo desejo:
- Pretendo pernoitar no mesmo quarto no qual dormi (será mesmo que dormiu?!) há cerca de dez anos.
- E qual foi o quarto? – Perguntou o funcionário, solícito.
- Não me lembro do número mas recordo que havia uma coluna da estrutura do edifício mais ou menos a meio!
- Com esta informação tudo fica, ainda, mais difícil de solucionar; na verdade nós temos 16 quartos com um pilar no seu interior! Mas não se preocupe! Eu vou pesquisar os nossos registos e a senhora dormirá, com toda a certeza, no mesmo quarto que utilizou na data que indica.

Naquela data, ainda, não havia computadores mas os manuscritos eram guardados durante anos e anos. Uns dias passaram! Na data aprazada para a sua reentrada pouco antes das doze horas, duas senhoras apareceram no hotel, abeiraram-se da receção, pedindo autorização para colocar um bonito e enorme ramo de flores no quarto já atribuído à tal cliente, a senhora Rosa – nome fictício - ; alegaram que eram suas colaboradoras noutro hotel de Lisboa; ficámos a saber que a dita cliente era governanta geral; que ela tinha pernoitado no H.D.C. na noite de núpcias e volvidos dez anos, ela pretendia voltar ao local do crime, não! Não houve, por certo, delito algum. Nada digno de registo, que se saiba, ocorreu no dia da sua reentrada no Hotel Dom Carlos para ali pernoitar, mais uma vez, após um interregno de 10 anos.

No dia seguinte, ao fim da manhã a senhora apareceu na receção para pagar a conta; o marido colocou-se estrategicamente, junto à porta de saída…, para o que desse e viesse. Ela ria-se imenso! Delirava por todos os poros! Parecia que conhecia os funcionários há vários anos!

A cliente, exuberante, contou que as suas colaboradoras lhe haviam pregado uma partida da qual gostara imenso e pretendia saber os nomes delas.
- Isso é impossível! Como elas pretendiam, apenas colocar flores no quarto não considerámos necessário identificá-las.

Ela solicitou ao rececionista que descrevesse a fisionomia das ditas colaboradoras, com a minúcia possível. Assim foi feito! Logo ela declarou que aquela informação era preciosa; ficou convencida que havia descoberto as autoras da brincadeira… que tanto lhe agradara!

De seguida contou, com muitos detalhes (não todos por certo), o papel que as suas colaboradoras haviam desempenhado na perfeição:
- Colocaram um faustoso e agradável ramo de flores bem frescas sobre a cama; com batom fizeram uns desenhos “esquisitos” no espelho e beijaram-no, deixando ali as marcas do baton dos seus lábios. Não satisfeitas, colocaram “um das caldas”, imponente, sobre a mesa-de-cabeceira; penduraram, ainda na face interior da porta, uma enorme fotografia pornográfica. Adorei! Adorei! Adorei! Estava tudo muito engraçado! Mas vou vingar-me delas! Não imaginam o que vai acontecer-lhes! Isto tudo, porém, é uma prova do enorme carinho que elas nutrem por mim! Mas não posso deixar de retribuir acrescentando uma boa dose de juros.

2º Ato

Mesmo ao lado do balcão da receção encontrava-se um senhor brasileiro, nosso cliente havia vários anos; vinha 3 ou 4 vezes por ano a Portugal e passava no hotel cerca de um mês de cada vez. Saía do hotel, apenas, três ou quatro vezes, durante a sua estada; um dia ia a Figueiró dos Vinhos visitar uns familiares, noutro dia ia a Fátima; uma noite ou outra saia para jantar com uns amigos… e mais nada. Este cliente entrava, deliberadamente, em todos (quase) os recantos do hotel; por vezes tomava o pequeno almoço no meu gabinete (para não pagar uns telefonemas) e frequentemente “invadia” o refeitório do pessoal onde petiscava e jogava lá uma “suecada” ou disputava uma partida de xadrez.

Eu disse várias vezes:
- Este cliente já está à carga! Já faz parte da mobília.

O sr. Maneco (o cliente de quem se fala,) é ainda nosso cliente, mas menos assíduo… a velhice é uma treta”) ouviu toda aquela conversa e pediu desculpa por se intrometer no diálogo; perguntou se podia contar o que acontecera a um casal seu amigo na comemoração duma data semelhante… mas com outros números… mais uns anos. A cliente acedeu delicadamente àquela solicitação e acrescentou que adorava ouvir estórias engraçadas… e, se com pimenta… tanto melhor.

Ele começou:
- Uns amigos meus iam comemorar 40 anos de casados; decidiram passar aquela noite no mesmo hotel onde pernoitaram na noite de núpcias e que iriam repetir (tentar) tudo o que haviam feito naquela noite muito especial.
Jantaram no restaurante do hotel. De mãos dadas olhavam-se muito ternurentos; sorriam por tuno e por nada.
O empregado serviu a sopa! Pouco depois, com voz trémula de emoção, ela sussurrou ao ouvido do marido:
- Estou a sentir os mesmos calores de há 40 anos! - Mas desta vez – respondeu o marido “derretido de amor” – meteste o seio no prato da sopa.

Acabado o jantar, passearam um pouco no jardim fronteiro ao hotel; quando entenderam, reentraram e dirigiram-se ao mesmo quarto onde haviam passado a noite de núpcias havia 40 anos. Ao entrar no aposento a esposa lembrou ao companheiro o que haviam acordado: deveriam fazer tudo tal como na primeira noite de casados; eu vou em primeiro lugar mudar de roupa, na casa de banho e depois vais tu! Foi assim que procedemos na outra vez.

Quando o marido saiu do banheiro, ela já na cama, comentou, sorridente:
- Está tudo a decorrer como da outra vez! Até a tua gargalhada na casa de banho! - Mas da outra vez – respondeu ele preocupado – eu ri-me porque urinei para o nariz;… hoje… molhei os chinelos!

A matéria húmida… seria semelhante… o modus faciendi era diametralmente oposto. Coisas que acontecem… quando menos se espera!

No meu tempo de tropa, os soldados diziam: “Na tropa, a velhice é um posto”! Hoje virando o disco, afirmamos: “a velhice… é uma treta”!

Lisboa, Agosto de 2012
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10342: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (25): "O Aguardente"

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Pois é caro Belmiro, é isso mesmo, a velhice é uma treta mas mesmo assim há que vivê-la e se não puder ser com a saúde toda que seja com boa disposição.

Abraço
Hélder S.

M@rtin'5 disse...

Like