Camarada e amigo Carlos Vinhal:
Com os meus cumprimentos, envio-te em anexo um texto, ilustrado com algumas fotografias, alusivo ao encontro dos ex-combatentes da 2.ª Companhia do Batalhão 4512, a que eu pertencia, que esteve sediada em Jumbembém, Farim, Guiné,de 1972 a 1974, que teve lugar no passado dia 1 de Junho em Fátima.
É uma espécie de acta do evento que põe em evidência emoções fortes desse dia, num misto de alegria e alguma tristeza, atentas as circunstâncias ali expressas.
Coisas de ex-combatentes!
Um abraço
Manuel Sousa
“AMARGOS” CHOCOLATES!
SENTIMENTOS DE EX-COMBATENTES!
Volvido todo este tempo, cerca de quarenta anos depois, após a guerra colonial, é ver os ex-combatentes, ano após ano, a percorrerem quilómetros a partir das mais diversas localidades do país, e mesmo do estrangeiro, a convergirem para um ponto de encontro, ávidos de se encontrarem e confraternizarem com companheiros de armas, movidos por esses sentimentos recíprocos de afectividade que perduram no tempo tantos anos depois.
É aí que recordam, entre efusivos cumprimentos, bom repasto e alguns copos bem bebidos, as peripécias de guerra em que se viram envolvidos em campanha, ao serviço da Pátria.
Recordam também os episódios colaterais à guerra colonial, como, por exemplo, o seu relacionamento com as bajudas, no caso da Guiné, com as crianças e a população nativa em geral e, ainda, dos bons momentos, apesar de tudo, passados entre companheiros de luta.
Em suma, recordam esses instantes que lhes absorveram parte dos verdes anos da juventude, em que, pela irreverência própria da idade, e alguma irracionalidade até, se consideravam imortais, por paradoxal que pareça, mesmo sabendo que a todo o momento uma bala lhes poderia trespassar o corpo ou uma mina poderia explodir debaixo dos pés, fazendo-os desaparecer.
Impelidos por esses laços de amizade que nos unem, vincados, portanto, por essas adversidades em que nos vimos envolvidos, no passado dia 1 de Junho teve lugar o nosso encontro anual, da 2.ª Companhia do Batalhão 4512 que esteve em campanha em Jumbembém, Farim, Guiné, de 1972 a 1974.
Este ano o local escolhido foi Fátima.
Acompanhem-me nas emoções deste dia:
Depois da concentração da maior parte dos ex-combatentes, os do norte, no parque de estacionamento do Jumbo da Maia, segui-se a viagem de autocarro, rumo a Fátima.
Fizémo-nos à estrada, de autocarro, em direção a Fátima.
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)
O encontro com os ex-combatentes do centro e sul do país foi junto à Capelinha das Aparições, sendo um pouco perturbado o silêncio daquele local de oração com os efusivos cumprimentos entre todos pelas saudades acumuladas ao longo do ano, e durante quarenta anos em relação a alguns que pela primeira vez se juntaram a nós.
Ponto de encontro junto à capelinha das aparições em Fátima, onde se nota a presença de alguns ex-combatentes.
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)
Seguiu-se a homilia na Capelinha das Aparições pelas intenções da multidão habitual presente e em especial pelos ex-combatentes já falecidos, quer em relação aos nossos companheiros, quer quanto a outro contingente que combateu em Moçambique.
Depois da missa, retomámos o autocarro em direcção ao restaurante “Truão” situado nos arredores de Fátima.
Entremos pois e vejamos o que o dia nos reservou neste local.
À entrada do restaurante “Truão”.
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)
Uma vez já instalados à mesa, já a petiscar as “entradas”, o nosso anfitrião António Bastos, pediu-nos que nos levantássemos e que ficássemos em silêncio em homenagem aos nossos companheiros falecidos. As emoções ficaram ao rubro, com o derramamento de algumas lágrimas aqui e ali, quando, surpreendentemente, através da instalação sonora do restaurante, ecoaram os acordes do “toque de silêncio” que se prolongaram durante cerca de três minutos.
Seguiu-se em uníssono a reza de um “Pai Nosso” por alma desse nossos companheiros nesse momento solene e de pesar.
Todos em silêncio, durante cerca de três minutos, enquanto se ouviam os acordes do “toque de silêncio” através da instalação sonora do restaurante.
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)
- Uma salva de palmas para todos (os falecidos). - Bradou o nosso “Rio Mau” após a oração.
A salva de palmas pedida não se fez esperar e soou por toda a sala.
Ainda tomados pela comoção do momento, retomámos então as “entradas” e as hostes iam ficando animadas, como é habitual nestas alturas, em são convívio, entre a jantarada e uns copos bem bebidos ao longo da tarde.
Momentos do convívio.
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)
No final do dia, ao microfone, o nosso anfitrião António Bastos preparava-se para dar por terminado o convívio, altura em que eu interferi, quebrando o guião que estava estabelecido, para transmitir uma mensagem que era, no fundo, dar-lhes conta, a todos os companheiros, de um texto que enviei aqui para o blogue, onde tinha sido publicado poucos dias antes (P11626)*.
Tomei então a palavra, fiz uma pequena introdução saudando todos os camaradas, especialmente aqueles que, quarenta anos depois, pela primeira vez, se tinham juntado a nós, e saudei também, particularmente, duas pessoas especiais que se encontravam na sala.
Feita esta introdução, fiz a alocução da mesma mensagem, uma espécie de acta que lavrei sobre o convívio do ano anterior, por razões excepcionais que podereis verificar, cujo texto a seguir transcrevo no essencial:
“À MEMÓRIA DE UM COMPANHEIRO EX-COMBATENTE
No dia 26 de Maio de 2012, teve lugar o último encontro de ex-combatentes, relacionado com a minha 2.ª Companhia do Batalhão 4512, cuja comissão decorreu nos anos de 1973 e 1974 em Jumbembém, Farim, na Guiné.
O evento teve lugar na freguesia de Ruivães, Vila Nova de Famalicão. O ponto marcado para a concentração da maior parte do pessoal, para seguir depois todo junto até Ruivães, foi no parque de estacionamento do Jumbo da Maia.
À medida que uns e outros iam chegando, sucediam-se os efusivos cumprimentos entre todos os companheiros de luta, uns pela saudade acumulada durante o último ano, outros, pelo menos um, por ter sido a primeira vez que se juntavam a nós.
Nestas alturas é incontornável falar-se de episódios de guerra, e não só, que nos marcaram durante a nossa comissão em campanha durante dois anos da nossa juventude…
…Depois da concentração, à hora marcada, partimos para Ruivães, onde fomos recebidos pelo anfitrião organizador da festa, na sua própria vivenda, o também ex-combatente, nosso companheiro, José Carvalho de Sousa.
Este nosso companheiro era emigrante na Suíça que, juntamente com a esposa e a filha, D. Goretti e Alzira, respectivamente, ao longo de vários anos em que estes encontros se têm vindo a suceder, viajava expressamente daquele pais para Portugal e vice-versa para se juntar a nós nestes dias.
Era um companheiro alegre e bem disposto que nos brindava e mimava com os chocolates da Suíça que com satisfação nos distribuía, ora no autocarro em viagem para o local previamente estabelecido, ora já no restaurante da festa.
No ano anterior, em 2011, no decorrer do encontro na Mealhada, o nosso amigo José Carvalho de Sousa manifestou o desejo de ser ele o organizador da festa de 2012. E assim foi.
Esperava-nos então em Ruivães um encontro inesquecível:
A recepção aos ex-combatentes foi feita com a contagiante alegria deste nosso anfitrião na sua bonita vivenda que construíra com as suas poupanças de emigrante em local nobre da freguesia de Ruivães, ali junto ao adro da igreja paroquial.
Seguiu-se a homilia habitual naquela igreja em homenagem aos nossos companheiros já falecidos e, à saída, para nossa surpresa, assistimos à exibição da fanfarra dos Bombeiros Voluntários locais.
Entrámos depois no salão paroquial, paredes-meias com a mesma vivenda, onde nos foi fornecido um lauto banquete por uma empresa de restauração, abrilhantado, para mais uma surpresa nossa, por um conjunto musical lá da terra.
Seguiram-se algumas intervenções de camaradas que, invariavelmente, aludiam à excepcional organização da festa por este nosso companheiro, perante a sua esfuziante alegria e alguma emoção que nos contagiou a todos.
Eu próprio intervim, revelando a todos o projecto em curso do meu livro PRECE DE UM COMBATENTE, prestes a ser concluída a sua edição, cujas histórias ali relatadas eram comuns a todos nós.
O nosso amigo anfitrião comeu, falou, dançou, transpirou, emocionou-se, distribuiu os habituais chocolates, ofereceu lembranças, entre as quais umas garrafas de bom vinho.
Enfim, era manifesta a felicidade que lhe ia na alma pela festa que nos proporcionou, totalmente a expensas suas, pois não aceitou um cêntimo que fosse de ninguém.
Terminada a festa, nos dias imediatos, regressou à Suíça com a família de onde tinha vindo propositadamente para organizar a festa, embora com o apoio de dois camaradas, o Bastos e o Carneiro.
Volvidos cerca de dois meses, nos primeiros dias do mês de Agosto, voltávamos a Ruivães em circunstâncias bem diferentes!:
Fomos despedir-nos do nosso inesquecível camarada José Carvalho de Sousa que acabava de ser “mobilizado”, desta vez para integrar o exército de Deus lá no Céu.
Ele tinha-se despedido de nós, de facto, conscientemente ou não, há dois meses atrás quando, rejubilando de alegria, nos recebeu.
Já não tive oportunidade de lhe oferecer um livro, visto que o primeiro que recebi foi precisamente no dia do seu funeral, quando regressei a casa.
Fiz questão de o oferecer mais tarde à família.
A sua figura ficará gravada de forma indelével nas nossas memórias enquanto por cá andarmos.
Até um dia companheiro. Maio de 2013”
Terminada a minha mensagem, dados os seus contornos, espontaneamente atroou pela sala uma longa salva de palmas em homenagem ao nosso amigo José Carvalho de Sousa, entre soluços e algumas lágrimas, mais evidentes nas duas pessoas especiais que, como disse, se encontravam no local. O silêncio caiu novamente na sala no meio de toda a comoção, em contraste com a animação que se sentia naquele final de convívio.
Depois da morte deste nosso companheiro ficou em nós a tristeza de, nos futuros convívios, nunca mais sermos mimados pelos chocolates com que ele sempre nos brindava.
O mesmo era dizer que ele nos tinha deixado para sempre.
Recuando um pouco, ao momento da concentração no princípio do dia, no Jumbo da Maia, eis a minha primeira emoção do dia que me tocou particularmente:
Ali chegavam também, para minha grande surpresa, a esposa e a filha do nosso saudoso companheiro, vindas expressamente da Suiça para se juntarem a nós neste dia, as duas pessoas especiais que estavam na sala a que antes me referi.
Com elas traziam, imaginem, o que me sensibilizou ainda mais, além de admirar a sua coragem em terem vindo, a cestinha dos chocolates com que aquele saudoso camarada sempre nos brindou ano após ano.
Para terminar, e era aqui que eu queria chegar, além de vos apresentar a “acta” do convívio deste ano, a presença deste nosso companheiro, enquanto esteve entre nós, era indissociável dos chocolates com que habitualmente nos brindava.
Porém, a simpática oferta desta guloseima por parte da esposa e da filha este ano não esteve associada à sua presença, para tristeza de todos nós.
Atentas estas circunstâncias, “amargos” chocolates aqueles!
Terminado o convívio, em que foi patente ao longo de todo o dia a alternância de momentos de alegria e de tristeza, a que estive atento e aqui tentei reproduzir, finalmente a fotografia de família para a posteridade e, depois, o regresso a casa.
Foto de família no final do convívio para a posteridade.
(Foto de Eduardo Augusto da Silva)
Foi um dia de emoções fortes!
Coisas de ex-combatentes!
Junho de 2013
Manuel Sousa
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Notas do editor
(*) Vd. poste de 25 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11626: In Memoriam (151): À memória do meu companheiro ex-combatente José Carvalho de Sousa do 4.º Pelotão/2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 (Manuel Luís R. Sousa)
Último poste da série de 25 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11761: Convívios (516): Último lembrete para o 3.º Encontro dos Bedandenses, a levar a efeito no dia 29 de Junho de 2013 na Mealhada (António Teixeira)
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