domingo, 19 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14489: Libertando-me (Tony Borié) (13): Era mesmo ele, o Vítor Carvalho

Décimo terceiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Já passava da meia-noite, como a nossa mente é jovem, pois agora pouco dormimos, sentamo-nos em frente ao computador, abrimos a página das mensagens e, um tal Vítor Carvalho, procura companheiros criptos do ano de 1964\66, e mais, quem tivesse passado pelo aquartelamento da Trafaria.

Era demais, será que... será ele... aquele companheiro inteligente, magro, muito bom em tudo o que fazia, mas sobretudo na disciplina de ginástica, parecia que tinha sido treinado para fazer parte dos atletas que naquele tempo iam aos “Jogos Olimpicos”, tal era a desenvoltura com que nos deliciava naquelas acrobacias, pois o instrutor dizia, dez exercícios deste modo, todos acabavam cansados, o Vítor continuava naquelas corridas desgastantes para a Costa da Caparica, por vezes levava a minha espingarda e, mesmo assim, chegava na frente. Era mesmo ele, e responde-me em seguida, dizendo: “...quanto eu adorava apanhar mais alguns como te apanhei a ti, deu-me uma alegria enorme, tenho esperanças de apanhar ainda mais algum”.

“...lembras-te quando íamos fazer os crosses até à Costa da Caparica, e o nosso amigo alferes Coutinho nos levava para a praia e para um café no centro da vila, onde bebíamos o nosso cafezinho e o grande Coutinho pagava a despesa?”.

“...também tinha o melhor pelotão, éramos famosos, éramos o 2.º pelotão. Tivemos coisas giras, tais como duas que me recordo bem, uma foi na parada, estávamos a marchar mas numa agradável cavaqueira e o oficial de dia, o Capitão Oliveirinha mandou parar o pelotão, cujo "comandante” era o instruendo Brandoa, que dava umas vozes em idioma “marroquino”, muito à maneira dele, e o dito capitão fez-nos marchar em ala, não sei se te recordas, era marchar em frente com as duas filas, e fizemos isso impecavelmente e o Oliveirinha disse-nos que realmente estava rendido ao 2.º pelotão”.

“...outra vez foi alguém que foi dizer que o 2.º pelotão ia para a mata contar anedotas e o comandante ordenou ao Coutinho que ficássemos no quartel a fazer ginástica com arma, pois nem isso nos tirou a nossa disciplina, e mesmo com o comandante na janela estivemos impecáveis”.

Pois, do companheiro “Brandoa”, cujo apelido era Lourenço, era da Brandoa, agora até nos lembramos muito bem, falava “marroquino”, “apache”, “cheyenne”, “Cherokee”, “Sioux”, “Navajo” e, talvez um pouquinho de “Balanta”, oxalá esteja vivo, leia esta mensagem e também apareça por aí.

O nosso companheiro Vítor, defendendo a bandeira do seu País, sem culpa absolutamente nenhuma, que uma tal personagem, que dava pelo nome de Luís Mendes de Vasconcelos, por volta do ano de 1617, após aquelas incursões portuguesas na África Austral, invadisse a aldeia de N’Dongo, em Luanda, território de Angola, e tivesse carregado 60 cativos a bordo do navio negreiro “São João Baptista”, enviando-os para o porto de Vera Cruz, no México. Ninguém ao certo sabe se o negócio era rendoso, houve alguns séculos de história, talvez maior que a “espada de D. Afonso Henriques”, mas o companheiro Vítor, tal como nós, num daqueles anos de guerra no Ultramar, não no navio negreiro “São João Baptista”, não indo para o porto de Vera Cruz, mas sim no navio português “Vera Cruz”, indo talvez para a aldeia de N’Dongo, em Luanda, território de Angola.


Este trocadilho faz alguma confusão, mas bate quase certo, qualquer dia vamos contar a continuação da viajem do navio negreiro “São João Baptista”, mas agora falemos do companheiro Vítor, que ia fardado, equipado, mentalizado e treinado para combate, tal como nós, para defender o seu País, a sua bandeira, a tal mãe Pátria, que muitos jovens, hoje, não sabem o que isso é, passou lá dois anos, sobreviveu e regressou, seguiu a sua vida, completou os seus estudos, que a guerra interrompeu, criou a sua família e, está aí a dar notícias, passado mais de cinquenta anos.

Isto não é absolutamente maravilhoso!
É mais um dos nossos, anda por aí, procura mais companheiros do curso da Trafaria, dos Criptos do ano de 1964.

Tony Borie, Abril de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14460: Libertando-me (Tony Borié) (12): Quatro da madrugada. Estou acordado

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro Tony

Aqui nos contas mais uma feliz história de reencontros.

Ainda bem que foi possível.
Nesta época da nossa vida, estas situações são como que injecções de vitaminas.
Carregamos as nossas lembranças, recuamos um bocadinho no tempo e logo se chega à conclusão que "valeu a pena", principalmente quando os afectos nos vêm a aquecer o coração.

Deves perceber e calcular como foi então agradável o X Encontro que tivemos em Monte Real.

Abraço
Hélder S.