Caros camaradas
Há 44 anos estávamos nos preparativos para embarcar o que se veio a efectivar no dia 18 de Dezembro de 1971.
De madrugada, depois de andarmos toda a noite de comboio, embarcamos e é uma das fotos do nosso embarque que vos mando.
Juvenal Amado
Detesto chuva
Chuva e frio ainda mais. Se pudesse, passaria os verões em Portugal e os invernos nos brasis com caipirinhas, churrascos, banhos de mar e a ouvir aquela música maravilhosa que eles têm.
Se calhar tenho uma veia tropicalíssima, pois por lá também não gostam de chuva. Há até uma pequena estória da autoria de Juca Chaves sobre os soldados brasileiros que combateram na II Guerra Mundial, que se me dão licença passo a resumir.
Estavam os batalhões mobilizados* em parada, a ouvir o comandante-chefe enaltecer o patriotismo, a coragem, a solidariedade, a capacidade de sacrifício, a prometer que eles defenderiam o bom nome brasileiro até à última gota de sangue, quando se ouviu lá do meio das fileiras:
- Meu general e se "chovê?”
E logo perante a satisfação geral, ele respondeu no tom mais marcial possível
- Bem, se "chovê", não vamos!
O assunto ficou logo ali arrumado.
Ao contrário por cá, também tivemos grandes discursos, e alguns camaradas que iam para Angola, viram os aviões a meio da noite desviados da sua rota. Eles que iam um bocado mais descansados quanto ao destino, Angola, acordaram para sua surpresa na Guiné.
Chamou-se a isso ter o pesadelo não quando dormiam, mas quando acordaram.
O nosso embarque - Lisboa, 18 de Dezembro de 1971
Bem eu não fui enganado, diga-se de passagem, e vi aquele horizonte vermelho vir ao meu encontro lentamente.
Então passei a sofrer de uma secura que não passava de maneira nenhuma, para mais que tinha saído de cá depois de ter apanhado com alguns rigores do Inverno, que nos dá Novembro e Dezembro.
Cá andava então gelado, com os lábios gretados e frieiras até na ponta das orelhas 24 horas por dia, em especial na “colónia de férias” que era Santa Margarida, a seguir Abrantes também pouco melhor, que até fiquei satisfeito pela mobilização. Ao menos acabava-se com o frio.
Mas como diz o ditado, não há fome que não dê em fartura, durante 27 meses não dei vazão às suadelas, à micose e à lica. Passava assim da fórmula 5 para fórmula 8 e era ver quem os tinha mais em sangue na hora do tratamento.
Talvez pior que a sede fosse o nosso organismo a clamar por fresquidão. Só na fase final da comissão comecei a ter frio nas noites de cacimbo.
Voltando à chuva, um dia levantou-se um vento fortíssimo com rodopios a levantar pó, que não se via nada. Vieram as trovoadas de caminho, parecia que os céus se abriam em cascatas de água suja de pó. A malta correu para a chuva tão ansiada em cuecas, em calções alguns, até com sabão na mão, mas acabamos por ficar cheios de lama e a ter que recorrer ao famoso banho fula para a limparmos. O tempo refrescou por momentos e foi uma sensação agradável.
Depois apanhei grandes molhas nas colunas. Pior que ficar com a farda molhada era o sol abrasador que vinha a seguir, em que víamos a água a evaporar, a percentagem de humidade a dificultar-nos a respiração e um cansaço difícil de suportar.
Um amigo de Alcobaça estava no Ralis em Lisboa quando fui fazer o espólio no dia 4 de Abril de 1974. Disse-me há dias que se lembra de eu chegar e a cor que trazia era cor-de-terra. Quase não me conheceu, pois para além da cor, pelo nosso comportameno, não éramos os mesmos que tínhamos ido para lá. Trouxemos aquela terra vermelha no espírito mas na cara é que ela se via.
Um abraço
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Notas:
- A pequena estória sobre os soldados brasileiros não é de forma nenhuma menosprezá-los e considerá-los menos valentes que os demais soldados de todo o Mundo.
*- Algumas notas sobre a participação dos soldados brasileiros na II Guerra Mundial retiradas do Google.
- Desde 1939, início do conflito, o Brasil assumiu uma posição neutra na Segunda Guerra Mundial. O presidente do Brasil na época era Getúlio Vargas.
Ataques nazis e entrada do Brasil na 2.ª Guerra Mundial
Porém, esta posição de neutralidade acabou em 1942, quando algumas embarcações brasileiras foram atingidas e afundadas por submarinos alemães no Oceano Atlântico. A partir deste momento, Vargas fez um acordo com Roosevelt (Presidente dos Estados Unidos) e o Brasil entrou na guerra ao lado dos Aliados (Estados Unidos, Inglaterra, França, União Soviética, entre outros). Era importante para os Aliados que o Brasil ficasse ao lado deles, em função da posição geográfica estratégica do país e de seu vasto litoral.
Participação efectiva no conflito
A participação militar brasileira foi importante na Segunda Guerra Mundial, pois somou forças na luta contra os países do Eixo (Alemanha, Japão e Itália). O Brasil enviou para a Itália (ocupada pelas forças nazis), em Julho de 1944, 25 mil militares da FEB (Força Expedicionária Brasileira), 42 pilotos e 400 homens de apoio da FAB (Força Aérea Brasileira).
As dificuldades foram muitas, pois o clima era muito frio na região dos Montes Apeninos, além do que os soldados brasileiros não eram acostumados, com relevo montanhoso.
Vitórias
Os militares brasileiros da FEB (também conhecidos como pracinhas) conseguiram, ao lado de soldados aliados, importantes vitórias. Após duras batalhas, os militares brasileiros ajudaram na tomada de Monte Castelo, Turim, Montese e outras cidades.
Apesar das vitórias, centenas de soldados brasileiros morreram em combate. Na Batalha de Monte Castelo (a mais difícil), cerca de 400 militares brasileiros foram mortos.
Outras formas de participação
O Brasil também cedeu bases militares aéreas e navais aos aliados. A principal foi a base militar da cidade de Natal (Rio Grande do Norte) que serviu de local de abastecimento para os aviões dos Estados Unidos.
Foi importante também a participação da Marinha brasileira, que realizou o patrulhamento e a protecção do litoral do seu próprio país, fazendo também a escolta de navios mercantes brasileiros para garantir a defesa contra ataques de submarinos alemães.
Curiosidade:
Nas batalhas em que os militares brasileiros participaram na Segunda Guerra Mundial, cerca de 14 mil soldados alemães se renderam a eles.
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Nota do editor
Último poste da série de 14 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15487: Efemérides (205): Imposição de Medalhas Comemorativas aos Combatentes, dia 8 de Dezembro de 2015, no Regimento de Infantaria 13 de Vila Real (Fernando Súcio)
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