domingo, 17 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15625: Atlanticando-me (Tony Borié) (2): Nunca é tarde (2)

Segundo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - 2 

Nesta viajem que fizemos à Califórnia não pudemos ouvir o nosso interlocutor, mas prosseguimos com a história, não sei se estão lembrados, o Nico regressa da segunda safra, lá na Terra Nova, cá vai a continuação.

Depois de mais esta “safra”, regressa de novo, a Dina e os pais esperam-no na entrada da barra, mais beijos, lágrimas e risos de contentamento, em terra continua aprendendo inglês no liceu da cidade de Aveiro, namorando com a Dina e exercendo funções no seu trabalho temporário. Embarca para a terceira “safra”, o mesmo se segue, abraços à Dina, com beijos e promessas de fidelidade até à morte, a bordo, todos o conhecem, qualquer coisa que não funcione bem, é ao Nico que se dirigem, às vezes ignorando o capitão. Vêm de novo a terra, ao porto de St. John’s, no mar da Terra Nova, abastecerem-se, entre outras coisas, de água fresca e isca, o Nico já fala inglês com alguma facilidade, conhece outros mecânicos, pessoal de outros barcos, de outras nacionalidades. Há um capitão de um barco, de nacionalidade americana, que falando com ele, tomando conhecimento da sua especialidade a bordo, vendo nele um homem robusto e novo, oferece-lhe um contrato para trabalhar num barco de pesca nos Estados Unidos, no sul da Califórnia. O Nico, não lhe diz que sim, nem que não, mas ficam com o contacto um do outro. Regressa a bordo, é quase meia noite, mas no lugar do globo onde se encontra, ainda é dia, cá fora, no convés, escreve mais uma carta apaixonada à Dina, com promessas de amor que, quem sabe, talvez nunca virá a cumprir. Põe essa carta no correio, no porto de St. John’s, no mar da Terra Nova.

Quando veio pôr a carta no correio para a Dina, vai de novo ao local onde se encontrava o tal capitão que lhe tinha feito a oferta, falam de novo, vão ao barco desse tal capitão, acertam tudo, quanto iria ganhar, quais as condições, como ia decorrer o processo, assina algumas folhas que eram só futuras promessas. Regressa a bordo, não sabe porquê, está confiante, sente-se um homem, apesar de ser um jovem ainda, pensa só para si: Há um ditado que diz que o comboio não passa duas vezes, portanto vou apanhar este, pode ser que seja o meu.

Regressou de mais uma “safra”, lá estava a Dina e os pais a espera na entrada da barra, mais beijos, abraços e lágrimas, no regresso a casa, o pai diz-lhe:
- Ó Nico, chegou há dias uma carta dos Estados Unidos para ti, está lá em casa para tu veres.

O Nico, fazendo-se despercebido, disse:
- Deve de ser algum amigo que eu conheci no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova.

Depois disto chegaram mais cinco cartas, o Nico, abriu-as, algumas continham documentos para preencher e assinar, outras eram pedidos de diversos certificados. Deu aviamento a tudo, sempre com desculpas de que eram amigos a escreverem-lhe, como ninguém compreendia inglês, a não ser ele, foi fácil enganar os pais e a Dina. A sua vida continuou a correr normalmente em terra, os beijos à Dina, o liceu, continuando a aprender inglês e o trabalho temporário na cidade de Aveiro.

Embarca para uma quarta safra, tudo normal, a bordo continua a ser uma pessoa popular, mesmo o capitão João o chama muitas vezes para que lhe traduza algumas cartas em inglês ou para ouvir e responder às pessoas que avisam naquela zona do globo como está o tempo. Pouco a pouco vai-se inteirando de todas as tarefas a bordo, ganha experiência, vai resolvendo muitos problemas. Quando vêm meter isca a terra, fala e convive com pessoas de outras nacionalidades, em inglês, quase sem dificuldade, escreve cartas à luz do dia, embora seja meia-noite, com juras de amor eterno à Dina que, mais uma vez, não sabe se vai cumprir.


Regressa, lá está a Dina e os pais, acenando-lhe na entrada da barra, mais beijos, lágrimas e risos de alegria, no regresso a casa, o pai diz-lhe:

Ó Nico, estão lá, mais umas tantas cartas para ti. E o Nico, fazendo-se despercebido, disse:
- Deve de ser de algum amigo que eu conheci, no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova.

Uma dessas cartas era do consulado dos Estados Unidos, para tratar de uns tantos documentos e apresentar-se para receber um visto e ir trabalhar para uma empresa marítima na Califórnia. Arranjou todos os documentos, o governo de Portugal, nesses tempos, depois de cumprir quatro anos na safra do bacalhau, não lhe pôs qualquer dificuldade.

Vai ao consulado, é entrevistado, recebe um visto para emigrar para os Estados Unidos, regressando a casa, com alguma coragem, diz ao pai e à mãe:
- Vou emigrar para os Estados Unidos.

Contando-lhes toda a história desde o princípio, agora tinha que dizer à Dina. Foi vê-la, olhando-a nos olhos, explicou-lhe:
- Dina, meu amor, não podemos perder esta oportunidade... Explicou-lhe tudo desde o princípio, com a promessa de que iria na frente para ver como as coisas iriam correr, logo viria casar, levando-a para junto de si. Outra promessa, que não sabia se iria cumprir. O Nico, mais uma vez se despede com beijos, abraços e algumas lágrimas e embarca num navio de origem italiana, rumo aos Estados Unidos, desembarcando em Nova Iorque. Recebe nova documentação, toma o comboio, ao fim de uns dias sai na estação de caminhos de ferro “Santa Fé”, na cidade de São Diego, no estado da Califórnia, dirigindo-se à empresa marítima que lhe ofereceu emprego, que imediatamente lhe proporcionou alojamento, sendo uns dias depois, colocado em determinado barco de pesca, começando o seu trabalho.

Sabendo o idioma inglês, conhecendo todo o sistema das máquinas da embarcação melhor do que ninguém, novo e sempre disponível para ajudar, em pouco tempo começou a ganhar a confiança dos colegas, que o convidavam para frequentes festas, que se realizavam nas redondezas. Numa dessas festas conhece uma rapariga que falava algumas palavras em português, pois os avós eram oriundos dos Açores, mas tanto ela como os pais já tinham nascido na Califórnia, chamava-se Diane, já era a segunda vez que se cruzava com ela, pois a primeira foi no parque de estacionamento da empresa marítima, viu-a chegar de carro, ele ia entrando para o barco, pois iriam sair para o mar dentro de minutos, viu-a, despertou-lhe a atenção, pois ela fechou a porta do carro, com o pé, quase com um pontapé.

E pensou para si, na altura: Porra, mulher duma figa. Só na América.

Este foi tema de começarem a conversar, entendiam-se, ela queria falar português, ele não se importava da companhia dela, tinha cabelo preto, um pouco acastanhado, era da altura dele, usava saia curta, um pouco abaixo dos joelhos, quando ela se movimentava, podia mesmo ver-lhe os joelhos, para ele, ela parecia-lhe bonita, falava com alguma desenvoltura, como já se conhecessem há anos. Ao Nico, dava-lhe a impressão que a Diane não tinha preconceitos, tratava-o por tu, tocava-lhe nos braços ao falar com ele, pedia-lhe para falar em português e, quando o Nico falava, ela ouvia-o com atenção, não sabendo se era para aprender português ou porque estava interessada nele, enfim, deixava-o confuso e, ao mesmo tempo, ficava a pensar nela.

Quando ficava a pensar na Diane, pegava na caneta e escrevia cartas apaixonadas à Dina. Ao fim de algum tempo, já não sabia se escrevia à Dina pensando na Diane, ou se pensava na Dina e queria ver a Diane. O certo é que já não sentia tanto a necessidade de escrever à Dina.

Primeiro, começaram por encontrar-se por acaso no bar que havia junto à empresa marítima, onde em geral, todos os trabalhadores do mar se encontravam, depois já marcavam encontro, dizendo um ao outro:
- Amanhã, à mesma hora.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 10 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15602: Atlanticando-me (Tony Borié) (1): Nunca é tarde (1)

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Olá Tony!

Estive uns tempos sem poder dar muita atenção ao 'nosso Blogue', pelo que também não comentei os dois ou três últimos episódio, um deles precisamente o primeiro desta série...
Mas isso não impede que, ao ler este, me aperceba da evolução que o nosso herói da 'safra' do bacalhau tem vindo a sofrer..
E tudo por causa das cartas de "algum amigo que eu conheci no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova"... o que nos diz que isso de ter amigos no porto de St. John's pode ser 'promissor' ou 'desviante'...
Vamos ver como vão então evoluir as relações com a Dina e a Diane, sendo certo que é de esperar que se cumpra um velho ditado português (não sei se exclusivo) de que "longe da vista, longe do coração"... para mais com tanta desenvoltura por parte da Diane...

Abraço
Hélder S.