segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16800: Inquérito 'on line' (93): "Batota no mato" ... ou no blogue ?... Esperávamos 100 respostas, obtivemos apenas 45... Resultados: as três formas mais frequentes de batota: (i) emboscar-se perto do quartel (37%); (ii) começar a “cortar-se", com o fim da comissão à vista (37%); e (iii) “acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo (24%)... Só não fazíamos batota era com o Natal no mato...






Lisboa > Praça do Comércio > 4 de dezembro de 2016 > Iluminações de Natal... Mais de meio século depois da guerra colonial, aquela que foi a praça mais emblemática da encenação imperial na época do Estado Novo (*)... Era aqui que se condecoravam, alguns a  título póstumo, os nossos heróis... 

Batota? Todos fizemos batota: a grande batota que  os políticos e os generais faziam na capital do império, a pequena batota que nós, soldados de Portugal, fazíamos, a nível operacional, no TO da Guiné... E batota que todos fazemos hoje, negando a pés juntos que nunca fizemos batota (no mato, na secretaria, no gabinete de planeamento de operações, no quartel-general em Bissau, nos ministérios da Praça do Comércio, e por aí fora)... A batota que ainda hoje fazemos autocensurando-nos, negando, branqueando, esquecendo... muita coisa de que fomos atores ou testemunhas...

Fotos (e legenda): © Luís Graça  (2016). Todos os direitos reservados.



Lisboa > 6 de outubro de 2013 > Praça do Comércio / Terreiro do Paço > Estátua equestre de D. José, com o Cais das Colunas e o estuário do Rio Tejo, ao fundo... Vista panorâmica a partir do topo do Arco da Rua Augusta.(*)

Foto (e leenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.




I. Inquérito 'on line' (**):



"A BATOTA QUE FAZÍAMOS NA GUERRA"... 

ASSINALAR UMA OU MAIS FORMAS


Resultados definitivos: total de respostas > 45



As formas mais frequentes de 'batota'...

2. Emboscar-se perto do quartel > 17 (37%)

17. Começar a “cortar-se", c/ o fim da comissão à vista > 17 (37%)

1. “Acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo >  11 (24%)
14. Simular problemas de saúde  > 10 (22%)
18. Outras formas  > 10 (22%)
3. “Andar às voltas” para fazer tempo  > 9 (20%)
16. Falsificar o relatório da ação  > 9 (20%)
10. Falsas justificações para perda de material  > 9 (20%)
4. Evitar o contacto com o IN (não abrindo fogo)  > 8 (17%)
11. Reportar “enganos” do guia nos trilhos  > 6 (13%)


As formas menos frequentes de 'batota'...


6. Alegar dificuldades de ligação com o PCV  > 5 (11%)
9. Sobrevalorizar o nº de baixas causadas ao IN>   5 (11%)
15. Regresso antecipado p/alegados problemas de saúde  > 5 (11%)
7. Enganar o PCV sobre a posição das NT > 4 (8%)
5. Provocar o silêncio-rádio  > 3 (6%)
8. Outros problemas de transmissões  > 3 (6%)



As formas de 'batota' ainda não referidas...


12. Deixar fugir o guia-prisioneiro  > 0 (0%)
13. Liquidar o guia-prisioneiro  > 0 (0%)


A sondagem encerrou no dia 4/12/2016, às 18h42.


II. Comentário do editor:


Estamos a falar de "batota no mato"... Afinal, "pequena batota", da arraia miúda, os filhos do povo que fizeram a guerra (e a paz)... Treze anos de "sangue, suor e lágrimas".. Um milhão de homens, portugueses e africanos,,,

Nunca vi um oficial superior, de G3 na mão, oito carregadores, e dois cantis de água, a meu lado, em operações a nível de batalhão (!)... Falo de oficiais de posto superior a capitão,  majores ou tenentes coronéis !... 

Onde estavam os nossos comandantes, os nossos líderes ? Não passavam de burocratas, chefes de secretaria, alguns deles!... E no máximo, andavam lá em cima, de DO-27, no chamado PCV, a quem tínhamos, nós, os infantes,  um ódio de morte! 

Acredito que, pelo menos no TO da Guiné, eles já eram demasiados velhos para alinhar no mato connosco!... Tinham idade para ser nossos pais!... 

Só conheci um, que foi comigo, connosco (CCAÇ 12),  explorar as "imediações" do famiegrado inferno do Xime, no início de 1971, quando já estávamos em fim de comissão: chamava-se Polidoro Monteiro, era tenente coronel de infantaria, oficial da confiança de Spínola, e honrou-nos a todos, honrou as melhores tradições do exército português!.. 

Já morreu há muito: que descanse em paz!

Pois é, ficam de fora do âmbito deste inquérito, as outras formas mais ou menos "engenhosas" que encontrávamos para "resolver" problemas, típicos da tropa ou da burocrcia militar: por ex, material em falta, que estava "à carga", e que por qualquer razão deu sumiço, foi desviada, estragou-se, danificou-se...

Nada como um ataque ao quartel (ou a explosão de uma mina numa coluna de reabastecimentos) para o 1º cabo quarteleira, o furriel vaguemestre, o 1º sargento e o capitão "atualizarem" os inventários...Essa era a pequena batota de secretaria, a que eu não dou muita importância...

Todos sabemos que, no mato, em operações (mas também em ataques ao quartel ou ao destacamento) havia material e equipamento que podia ficar destruido ou danificado ou ser extraviado: armas, granadas de morteiro e de bazuca, viaturas, sacas de arroz, caixas de uísque e outras bebibas espirituosas, importadas, etc. As vezes, uma minazinha na picada vinha mesmo a calhar, desde que não matasse ou não ferisse ninguém.,..

Não sei se essas práticas se podiam classificar como "batota"... Batota era, para todos os efeitos,  viciar as regras do jogo, violar impunemente o RDM,  quebrar a unidade  comando controlo e o espírito de corpo, perder a confiança no comando, não cumprir as normas, não seguir os procedimentos, etc. O patamar acima de batota, esse, já era crime... Mas não  é de crime que estamos a falar...Referimo-nos, ao fim e ao cabo, aos pequenos trques da autogestão do esforço de guerra...
.
Pode ser que alguém, entretanto,  tenha histórias para contar sobre estas diversas formas de batota que estava ao nosso alcance: (1) batota no mato, (ii)  batota no quartel; (iiii) batota  na secretaria; (iv) batota na arrecadação; (v) batota na caserna...

Este inquérito sobre a "batota no mato" não provocou grande entusiasmo, nem emoção, nem controvérsia, nem muito menos surpresas... Nada de novo, na guerra da Guiné, a norte, a sul, a centro, a leste ou a oeste... 

Em contrapartida, as respostas parecem-nos verosímeis, consistentes... Por exemplo, ninguém assinalou as hipóteses 12 (deixar fugir o guia-prisioneiro) e 13 (liquidar o guia-prisioneiro). 

Simplesmente não eram prática corrente, pelo menos no meu tempo... E eu que fiz diversas operações com guias-prisioneiros, nos medonhos matos do Xime, estou aqui para confirmar que nunca deixámos fugir (muito menos liquidar) nenhum guia-prisioneiro...Não quer dizer que vontade não nos faltasse, às vezes...

Simplesmente isso não aconteceu, embora possa ter ocorrido episodicamente noutros tempos e lugares... E, pelo menos, até agora, ao fim de 13 anos de blogue (!), ninguém até agora teve a coragem ou a frontalidade de confessar que liquidou um prisioneiro no mato!... Nem era expectável que algum camarada nosso viesse, publicamente, confessar ter liquidado um prisioneiro ou um guia-prisioneiro, no mato, em operações, por sua iniciatuva ou por ordem hierárquica... Temos conhecimentos de alguns casos, mas que são contados "off record", nas nossas longas e inytermináveis conversas e inconfidências... Muitas dessas conversas e inconfidências morrerão connsosco... O blogue não é o confessionário do padre nem o divã do psiquiatra... Tentámos abrir uma série "O segredo de...", mas foi um fracasso, um desastre....

A época (natalícia) não ajuda nada à participação bloguística... Andamos já todos com o stresse natalício, com a lista das compras na cabeça e no bolso, com a claustrofobia dos centros comerciais, com a musiquinha do Pai Natal e das renas a azucrinar-nos de manhã à noite,,, E, os mais privilegiados, assoberbados com os preparativos para a passagem de ano no "bem bom" dos hoteis, cá dentro ou lá fora, nos "resorts" de luxo, com vista para o fogo de artifício... Afinal, só o fogo e que nos purifica, simbolicamente falando...

Queimemos mais um ano de vida, camaradas, que este ano já está a chegar ao fim!...  

Os editores, tirando ilações da aparente fraca resposta a este inquérito (45 respostas contra as habituais 100 ou mais), prometem não vos maçar mais com estes passatempos bloguísticos, pelo menos até ao fim do ano... Esta é a boa notícia... (Não nos falte o bacalhau especial à mesa de Natal!)

A má notícia é a de que aí vem um novo ano, o ano de 2017...Como sói dizer-se o novo ano é sempre uma incógnita,  uma "black box", uma "caixa negra", uma verdadeira caixinha de Pandora... Cuidado ao abrir!... Mas, como os nossos leitores já deram conta, os nossos editores, ou pelo menos eu, já começam a dar o tom festivaleiro da quadra natalícia... 

Ontem como hoje, o Natal não se pode/não se podia contornar, adiar, protelar... Aqui é que não se  pode mesmo fazer batota... Quem disse que o Natal é quando um homem quiser ? O tanas!... Por favor, não façam batota!... Desde que nascemos. o Natal é a noite de 24 para 25 de dezembro, e todos queremos lá estar, nessa noite mágica, bem vivinhos da costa, de boa saúde, e com muito sede e muito apetite... LG
_________________

Notas do editor:

(*) Vd .poste de 14 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14027: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Maresias, Lisboa, Tejo, memórias, amnésias... Parte II: O Terreiro do Paço e a(s) cenografia(s) do poder

(**) Último poste da série > 2 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16793: Inquérito 'on line' (92): A "batota no mato": Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo"... (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

Vd. postes anteriores:


2 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16790: Inquérito 'on line' (90): A "batota" que fazíamos (ou não....) quando em operações, no mato: a votação termina no domingo, dia 4, às 18h42... Só temos até hoje de manha 37 respostas, o que é pouco... Por lapso, não se incluiu a hipótese de resposta 19: "Não, não se fazia batota"...

9 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Creio que os tipos e a quantidade de respostas obtidas tem de ter uma leitura. É daqueles casos em que se impõe uma leitura por especialistas. Corajosa, claro.
Por mim, acho que ou não nos apercebemos que havia "batota" e qual ou, se nos apercebemos temos pudor em confessá-lo. É desprestigiante. Os valentes, os heróis também fazem batota?
Se calhar fizeram...
Aproveito para chamar a atenção para a complexidade do momento histórico que vivíamos.
Parece que não há momentos históricos fáceis... A culpa é duma gaja que todos conhecemos: a Dialéctica. O nome não é bonito nem tem diminutivo, mas temos que a aturar.

Ora digam...
Um Ab.
António J. P. Costa

Carlos Vinhal disse...

Em conversa privada tida com o "meu" editor, também lhe dei a minha opinião, que segundo alguns comentadores das nossas TVs, vai "de" encontro, mas eu digo vai ao encontro da ideia do camarada Pereira da Costa. Todos sabíamos que se fazia batota na guerra, quer quanto ao número de munições gastas nos encontros com o IN, ataques aos aquartelamentos, nos consumos de combustíveis, equipamentos diversos: cantis, facas de mato, peças de fardamento, material de saúde, etc.
Estas maroscas mais não eram que precaver necessidades futuras, tipo saco azul. Enganavam-se as Reps, mas por uma boa causa. Digo eu.
Pior eram as de carácter financeiro, desvio de dinheiro, essas sim, designo eu de falta de honestidade, muitas vezes prejudicando as necessidades básicas das tropas em quadrícula.
Isto não quer dizer que eu pudesse em consciência dizer que na minha Companhia se fazia isto e aquilo.
Aqui deixo o meu segredo. Tinha distribuída uma faca de mato que deixei numa operação com o Cap Mil Jorge Picado, e para não ter chatices, entreguei uma que tinha levado comigo, comprada no Casão do Porto. Burrice, talvez.
Quanto ao fazer "acampamento" fora das zonas indicadas, que me lembre, comigo aconteceu duas vezes, uma delas da minha responsabilidade e outra sob o comando de quem já esqueci, mas isto não quer dizer que fosse prática corrente. Ambas tiveram justificação para quem as ordenou. Se bem se lembram, marcar operações pelo mapa é uma coisa, progredir no terreno é outra.
Carlos Vinhal

Cherno AB disse...

Caros amigos,

A "batota" da tropa vista de fora, isto eh da populacao, resulta que, nos ultimos anos (talvez a partir de 1973?), era bastante visivel em Fajonquito e penso que um pouco por todo o CTIG, pois nao raras vezes as pessoas (mulheres que iam a bolanha ou homens que iam ao mato) informavam ter visto ou encontrado sinais/vestigios de tropas acampadas nao longe dos seus campos de cultivo/bolanhas que, como se sabe, nao se distavam muito dos aquartelamentos por causa da Guerra.

A conclusao a que eu cheguei eh que antes desse periodo (ate 1969, pelo menos), era muito dificil fazer batota, pois se a tropa nao os fosse buscar/emboscar de certeza que eles vinham acampar junto dos arames farpados, era a fase da expansao da Guerra e conquista de espacos de manobra/infiltracao.

A meu ver, quase em igualdade de condicoes, a Guerra tinha mudado de contornos tacticos e sobretudo estrategicos a partir de 1973, transformando-se quase numa Guerra convencional onde o IN ja nao praticava tanto a tactica de bate-foge.

Com um abraco amigo,

Cherno Balde


Hélder Valério disse...

Caros amigos e camaradas

Desta vez não participei no inquérito.
Não por qualquer reserva mental ou discordância.
Apenas porque a minha situação no CTIG (rendição individual), o meu enquadramento 'operacional' (enquanto no 'mato' dependente da Direcção de Bissau e depois em actividade tipo repartição funcionando em turnos) e o próprio tipo de acção (centro de escuta e guerra electrónica) não configuravam nenhuma das opções para escolha.
Também não iria entrar aqui pela porta do 'ouvi dizer' ou do 'houve uma vez um camarada que me disse que...'
Portanto, aguardei as conclusões do inquérito e o meu comentário não foge muito ao que os antecessores disseram.
O que o Carlos Vinhal diz é muito justo, "marcar operações pelo mapa é uma coisa, progredir no terreno é outra", pelo que admito que algumas vezes fosse bastante ajuizado não cumprir à risca as determinações abstractas. Seria isso 'balda'? depende da forma se abordar. Se se tratou de uma acção deliberada do género "quero que as ordens se lixem, eu quero é defender a integridade da pele", sem qualquer outro tipo de situação que em certa medida justificasse esse 'contorno' das ordens, pois certamente que seria 'balda'. Caso contrário pode ser enquadrado numa atitude de sensatez de comando no local, em função das circunstâncias.
Claro que não faltarão os 'vigilantes', almas boas zelosas do cumprimento cego dos regulamentos, que apontarão o dedo acusador a tais camaradas e sentenciarão "cobardes, traidores" e outros mimos.
Como de costume, há de tudo!
Lembro-me de ter relatado aqui o que me aconteceu ainda não teriam decorrido duas semanas (nem tenho já a certeza de não ter sido mesmo ao fim de uma semana) em que fui incumbido de acompanhar um dos dois elementos da Racal que estavam em Bissau a promover a venda de um dos seus equipamentos. Como disse na altura, um era um Oficial do exército da África do Sul e o outro engenheiro da Rodésia (ou vice versa, para o caso isso agora é irrelevante) e eu com meia dúzia de dias acompanhei no interior fechado duma viatura das transmissões o Oficial e o rádio lá instalado e ia-se fazendo comunicações em vários locais à volta de Bissau para o 'posto director' onde estava o Engenheiro com o outro aparelho de rádio instalado numa tenda no pátio do STM. Durante o dia correu tudo normalmente. Foi necessário fazer também as experiência à noite para verificar quanto as interferências nocturnas seriam, ou não significativas. Como disse, estava há duas semanas, no máximo, na Guiné, apenas em Bissau, de onde ainda não tinha saído, pouco ou nada conhecia para além dela e para além das notícias e deturpações que se costumavam contar (havia também os ecos dos embrulhanços do outro lado do Geba) e estava dentro do espaço fechado da viatura. Na cabina de condução, para além do condutor ia também um outro Furriel, periquito como eu, totalmente desconhecedor dos procedimentos, dos perigos e dos mitos. Em certa altura do processo apercebi-me que se andava para a frente e para trás, no mesmo percurso, e depois que se andava em círculos. O Oficial também percebeu, procurámos saber o que se passava e o condutor disse que assim era melhor, mais seguro, pois para onde nos estavam a mandar ir não era seguro à noite.
Relatei isto e logo os 'vigilantes' caíram em cima com observações de exacerbado patrioteirismo... não tiveram em conta o enquadramento, só tinham como alvo a crítica.

Portanto, formas de 'tornear ordens' houve muitas. O que eu relatei, que se passou comigo, será, ou não, uma delas.

Hélder Sousa


Antº Rosinha disse...

A guerra só durou tantos anos, 6 a mais do que era exigido, porque as populações nativas, assim "exigiam", estes, seguravam-nos pela aba do casaco.

Já nós estavamos "atraiçoando" os velhos régulos, flechas e comandos africanos quando em 1968 o Botas caíu da cadeira.

Presenciei várias batotas nos meus treze anos de guerra em Angola.

Podia contar as minhas batotas, pois como furriel (18 meses) no início e com pouca tropa branca, poucos oficiais, o comandante era eu.

Delegava sempre no primeiro cabo que tivesse mais à mão e correu sempre tudo bem, eu nunca soube dar ordens em condições.

Mas a batota que vi mais hilariante, de uma companhia no sudeste de Angola, com um capitão miliciano, foi esta:

A UNITA atacou por vingança uma sanzala, pequena, muito rudimentar, a pontapé e à morteirada mais ou menos a 15 Klm, da sede da tal Companhia e a 3 Klm de um acampamento da Junta de Estradas onde eu trabalhava.

Pretos e brancos, comunicámos imediatamente à companhia e heroicamente em menos de uma hora, a companhia pôs-se em marcha exactamente no sentido contrário à tal sanzala, e em menos de 2 Klm, a companhia estava quase toda em fato de banho num maravilhoso rio que por ali passava, alheio à guerra.

Estas coisas às vezes davam para o torto, mas ali acabou tudo bem.

Cumprimentos

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Considero oportuno repetir aqui, na parte que interessa, um comentário que fiz a outro post:
...o homem que está no terreno é o último decisor e tem maior sensibilidade para apreciar a situação concreta que se vive. Se ele é o primeiro responsável pelo que suceder, dê-se-lhe o fundo de maneio para a decisão final, muitas vezes tomada sozinho e sem apoio ou sem possibilidades de consulta a mais ninguém.
... uma tese que já vi aqui defendida de que "éramos todos muinta valentes, mas muinta mal comandados"...
Não tenho memória de uma situação de desobediência em que a tropa se lançou avidamente sobre o In, apesar de ter recebido ordens para retirar. E dessas eu gostava de saber...

Um Ab.
António J. P. Costa

José Botelho Colaço disse...

Não participei neste inquérito porque desconheço as situações apresentadas, nós no inicio da guerra fazendo voz na nossa superioridade e valentia os nossos comandantes no terreno o tema era avançar e ir mais além do que estava programado e isso só não acontecia quando nos recontros havia mortes e feridos, mas com os anos de guerra é possível que ganhem alguma estaleca e façam uso de certas estratagemas apresentados como disse desconheço totalmente, a preparação da minha companhia foi dada pelo 7º destacamento de fuzileiros e pelo seu grande estratega e comandante o ex-1º tenente Ribeiro Pacheco em plena operação tridente.
Um abraço Colaço soldado de transmissões da C.caç.557 1963/65.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé:

Todos nós, que aqui escrevemos, e que passámos pelo TO da Guiné,temos uma visão limitada, parcelar, dos acontecimentos e dos problemas... Tu foste comandante operacional (alferes e depois capitão), tiveste uma formação que eu não tive, tiveste aliás um longa e seguramente excelente formação numa grande escola que era a Academia Militar...

Eu não queria pôr aqui as coisas em termos, digamos, "corporativos", praças, milicanos e oficiais QP... Só conheci, no TO da Guiné, dois batalhões, com quem convivi, trabalhei, cooperei... Eu e os meus camaradas da CCAÇ 12, todos "nharros", usnd e 1ª e outros de 2ª...

Por azar, foram dois batalhões, um de infantaria e outro de artilharia, cujos comandos nunca foram bem queridos pelo Com-chefe. Os dois tenentes coroneis de origem foram substituídos... Penso que o mesmo se terá passado com outras unidades, noutros setores, no meu tempo...

Em resumo, havia ou houve problemas de "liderança" a vários níveis... Do topo à base, nas unidades de quadrícula, também havia uma qualidade desigual dos graduados... Julgo que todos tentámos fazer o nosso melhor, mas o "moral" das tropas nunca foi o melhor no meu tempo...Xime, Mansambo, Xitole... não eram subsetores fáceis, pelo menos no meu tempo, em que a agressividade do PAIGC era grande e a nossa atividade operacional intensa...

A "desmoralização" ia passando de "geração em geração", de batalhão para batalhão, de rendição individual em rendição individual... Confesso que não fixei nem o nome nem a cara do meu "pira".... Todos queríamos passar o testemunho no "gosse gosse"... Já ninguém acreditava em nada, éramos levados pelo instinto da sobrevivência... E estávamos em "burnout", em exaustão física e emocional, em menos de um ano...

Nalguns casos, poder-se-ia aplicar a velha máxima do nosso bardo Luís de Camões, "Os Lusíadas", canto III, 138: "O fraco rei faz fraca a forte gente"... Esta máxima não se poderia aplicar ao Spínola, mesmo não aimpatizando com ele... Nem oficiais superiores que eu admirei (,. mesmo com reservas...) como o Polidoro Monteiro...

Mas passemos do nível estratégico (general) e do nível tático (oficial superior) para o operacional (companhia / grupo de combate)... Para mim, a liderança é uma relação, não é um atributo, não depende das divisas ou galões... E é sempre uma relação concreta, em situação, contingente... Não vejo, de um lado, os valentões, herdeiros dos viriatos, dos palmeirins, dos albuquerques..., e do outro, o fraco comandante...

Não, não vejo as coisas em termos dicotómicos... Seria demasiado simplista jogar com essa dicotomia.-.. Tivemos grandes soldados e grandes oficiais, como tivemos gente mais fraca, impreparada, desmotivada, cética, para não falar dos que, em consciência, se opunham à guerra, àquela guerra... Que significado podia ter: "e no fim, regressámos todos"... Para regressarmos todos, alguém tinha que fazer batota... Aos 21 meses cai uma mina anticarro pro que estava de piquete erea socorrer malta nossa que tinha acabado de cair numa mina, e tinha 1 morto, e v+arios graves... Nessas e noutras situações, ninguém podia fazer batota!...Comko eu costumo, nessas situações é que fomos todos heróis, mais do que homens,m menos do que deuses...

Tu e eu e todos nós conhececemos de tudo um pouco no TO da Guiné... As variáveis em jogo eram muitas e complexas, o jogo da guerra, daquela guerra, não era como os nossos jogos de infância e de adolescência, uma simples e alegre batalha naval...

Quando regressei a casa, em março de 1971, esqueci completamente a Guiné... Por largos anos!...Hoje estou a revivê-la... Estamos a revivê-la... Abraço grande....

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Também não me parece, pelos resultados do inquérito (a analisar sempre com muita prudência) que a malta "brincasse" com as transmissões.. Era a nossa ligação com o "mundo", não se brincava com coisas sérias...

O que acontecia em operações era, nalguns caos, improviso, incompetência, falta de "ckeck-lists" de segurança, excesso de confiança, falta de manutenção e depreciação dos equipamentos, etc.


Íamos para op mato e só depois é que dávamos conta dps problemas com as transmissões... Cito um excerto do relatório da trágica Operação Abencerragem Candente [25-26 de novembro de 1970, envovendo 3 agrupamentos ou destacamentos, A (CART 2714, Mansambo), B (CART 2715, Xime) e C (CCAÇ 12, Bambadinca), +/~250 homens em armas)]...


(...) "Em Madina Colhido experimentaram-se os rádios verificando-se que o do Agr B [CCAÇ 12] só ligava com Bambadinca, e o do Agr C [CART 2715] com o Xime, não havendo ligações entre eles.

Por outro lado, tentando-se também entrar em ligação com o PCV, não se conseguiu, uma vez que a frequência terra /ar que fora atribuída à operação não estava dentro das gamas de frequência da FA [Força Aérea]. Em virtude disso, os 2 Agr foram obrigados a seguir juntos" (...).

Claro que a culpa nestes casos morria sempre solteira...