terça-feira, 15 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17672: Manuscrito(s) (Luís Graça) (121): poema à minha igreja do Castelo, Lourinhã, setembro de 1964...



Jornal "Alvorada", quinzenário regionalista, Lourinhã, 13 de setembro de 1964.


1. Um poema meu, publicado aos 17 anos... Foi aqui, no jornal "Alvorada",  que comecei a publicar os meus primeiros poemas. Foi aqui que tive a minha primeira atividade remunerada como jornalista, embora sem carteira profissional.  Foi, aliás,  esta a  profissão que dei para a  tropa, quando aos 18 anos fui à inspeção militar.

Comecei por estar ligado, à criação de uma secção, ou de uma página, a que chamámos "Alvorada Juvenil", com outros jovens da terra, estudantes e outros, com destaque para os meus amigos e colegas de escola, Álvaro Andrade de Carvalho, hoje psiquiatra, e o saudoso Rui Tovar de Carvalho (Lourinhã, 1948-Lisboa, 2014), que haveria,  depois, de  fazer carreira no jornalismo desportivo.

Criámos a seguir um secção dedicada ao correio dos soldados do ultramar, e mais outra onde demos voz aos nossos emigrantes. No "Alvorada Juvenil", abrimos um inquérito aos jovens lourinhanenses e alimentámos o "cantinho dos poetas"...

Havia da nossa parte alguma irreverência e inquietação, próprias da idade e das circunstâncias da época. Acabei por exercer as funções de redator coordenador deste jornal, quinzenário regionalista,  que ainda hoje se publica. Foi fundado ao em 1960, pelo padre António Pereira Escudeiro (Tomar, 1917-Lisboa, 1994), um homem a quem a Lourinhã muito deve e que fez uma aposta forte na formação das elites locais, ou seja, na educação, para além do apostolado e do mister sacerdotal. Foi o  fundador e o primeiro diretor do Externato Dom Lourenço, que permitiu aos jovens do concelho da Lourinhã prosseguir os seus estudos depois do ensino obrigatório (que era apenas de 4 anos no meu tempo)-

O padre António Escudeiro fora igualmente fundador do jornal "Redes e Moinhos" (1954-1960). Antes de vir para a Lourinhã como pároco, em 1953, estivera  em Alcanena, terra da indústria dos curtumes, onde fundara o jornal quinzenário "O Alviela", entretanto supenso pela censura por ousar publicar um artigo sob o título "A fome em Alcanena" (onde se critica a banca pelos juros usurárips que levavam à falência das empresas locais, ao desemprego e à fome)... Estava-se em plena campanha eleitoral do general Norton de Matos. "O Alviela" retomaria  a publicação depois de,  mediante requerimento,  ser expressamente autorizado a versar também "assuntos sociais"...

À frente do "Alvorada", como redator-coordenador, de 1964 a 1966, "fiz-me esquecido" e deixei de mandar o jornal à censura... A entrada de jovens fora uma pedrada do charco da pasmaceira e do conformismo em que se vivia nesta terra do oeste estremenho. Estava-se em plena guerra colonial mas já na fase de fim de ciclo da história..."Cadáver adiado", o regime do Estado Novo ainda estrebuchava e metia medo a muitos. Não admira que o diretor do jornal tenha recebido um intimidatório ofício da direcção geral de censura a perguntar por que é que se permitia o luxo de ultrapassar a lei...

Metade do ofício, que era apenas de duas linhas, correspondia a uma assinatura em letra garrafal, símbolo máximo da arrogância totalitária quem se sentia dono e senhor deste país... A assinatura, ilegível, seguia-se à fórmula, obrigatória, no tempo do Estado Novo (1926.1974),  "A bem da Nação, com que terminavam todos os ofícios (e todas as demais comunicações escritas, internas, incluindo discursos, requerimentos, petições, etc.)

O pobre do vigário geral, já com ficha na PIDE (por causa do "Alviela"), lá teve que arranjar uma desculpa esfarrapada aos senhores coronéis da censura e, a mim, puxou-me as orelhas... Doravante, tínhamos que mandar os artigos em duplicado para a tipografia, sita em Torres Novas, que por sua vez mandava uma cópia para a censura... E no entanto nunca nenhum de nós escreveu o que que fosse  que pudesse pôr em  causa a sagrada tríade "Deus, Pátria e Família"!...

Eu acho que os censores embirraram sobretudo com os nossos jovens poetas. Não entendiam nada da poesia moderna e receavam à brava que os jovens lourinhanenses e outros, que colaboravam connosco, escrevessem também nas "entrelinhas", mandassem em código, entre si, perigosas, subversivas e dissolventes mensagens...

Nunca se sabe o que se passa no coração dos poetas nem muito menos na cabeça dos censores...


Lourinhã > Igreja do Castelo > Escadaria de acesso > 13 de agosto de 2017 > Muito provavelmente, este templo gótico do séc. XIV foi construído sob uma igreja românica, depois da conquista aos mouros em 1147. O primeiro senhor, cristão, destas foi um cavaleiro franco, Jourdain, ao que parece proveniente da cidade do norte de França, Lorient. Os "francos", cavaleiros cristãos que vinham de regiões transpirenaicas, ajudar os reinos cristãos da península ibérica na chamada "reconquista",  eram aquilo a que podíamos chamar hoje, com propriedades, verdadeiros mercenários. A fé cristã escondia outras motivações mais terrenas... Na altura, esta localidade era banhada por um braço de mar, e era fortificada com muralhas.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. A Igreja do Castelo, antiga igreja matriz da Lourinhã,  monumento nacional, é um belíssimo tempo de arquitetura gótica do dos finais do séc. XIX. Os seus capitéis, de motivos vegetalistas, são verdadeiras obras-primas.  

É obrigatória uma visita a esta jóia do nosso património arquitetónico que, ao longo dos séculos, sofreu muitos maus tratos, incluindo a sua reconstrução e restauro no tempo do Estado Novo, pela Direção Geral dos Monumentos Nacionais...

Foi nela que fui batizado, em 1947... Fica na minha rua, a rua onde nasci, a rua do Castelo (ou rua dos Valados, hoje rua Dr. Adriano Franco),  no alto da pequena elevação que domina a vila da Lourinhã, conquistada aos mouros por Dom Afonso Henriques, em 1147. É um dos ex-libris da Lourinhã.
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17572: Manuscrito(s) (Luís Graça) (120): A notícia da morte do Zé Belo, comido por uma úrsula menor quando ia à pesca do salmão lá na Lapónia... foi um bocado exagerada!

5 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro amigo Luís Graça

Hoje é feriado, dia apropriado para passeios e coisas assim....
Então resolvi dar um passeio a este nosso espaço, o Blogue, e deparei com este teu regresso, melhor dizendo, reencontro, com as memórias e o passado.
E gostei do que vi e do que li.
Gostei da gravura da Igreja, de aspecto fortificado.
Gostei da história dos homens (e dos jovens) que se aplicaram em iniciativas que 'puxavam' pelo crescimento. Pessoal, individual, humano, social, etc.
A história de vida do Padre António Escudeiro, com iniciativas várias que capitalizaram energias e ajudaram as pessoas da região.
A história de jovens, generosos, que se empenharam e desmultiplicaram em actividades que ajudarem a melhor entender os tempos e as circunstâncias que se viviam.
E, já agora, para os 17 generosos aninhos, o poema até que tem ritmo, é bem conseguido.
Portanto, parabéns por trazeres estas recordações, de tempos e de acções que também me foram familiares.

Abraço
Ah, quase que me esquecia...
"A Bem da Nação"!
Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Hélder, obrigado pelo teu precioso tempo e pela atenção que dedicaste ao meu texto, aparentemente desligado da temática dominante, "as nossas coisas da Guiné"... Na realidade, aos 17 anos eu já sabia, ou tinha uma premonição, de que ia parar à Guiné... Pode parecer estranho, mas desde os meus 14 anos, desde o início da guerra, em Angola, que eu tinha um estranho pressentimento: "Vou parar com os quatro costados a África, como o meu pai em 1941... Esta maldita guerra ainda vai sobrar para mim"... Sobrou para mim e para todos nós...

Hélder Valério disse...

Olá Luís

O "apelo de África" também em mim se fez sentir.
Via sempre com curiosidade e interesse as fotos que o meu pai tinha (e de que enviei quase todas) dos seus tempos de Cabo Verde e ouvia com atenção as conversas que ele tinha referindo esses tempos.
Aquando dos tempos da Escola Primária e da Catequese obrigatória (na minha Escola era assim) meti na cabeça que o que queria ser "quando fosse grande" era ir "para África catequisar os pretinhos" e o meu interesse recaia em Moçambique. Não sei explicar: talvez o nome, Moçambique, talvez por causa do Mouzinho e do Gungunhana, mas a verdade é que era para aí que me "via" em adulto... e nesse tempo não tinha "guerra nem rumores de guerra".
Mais tarde, 'por outros motivos', andei por Paris, Bruxelas e Londres e decidi que teria e que deveria 'ir a África', pelo que quando me saiu a Guiné, a terrível, a mítica, a indesejada, nem sequer me atemorizei, preferi apenas sublimar as 'vantagens' de que estando mais perto poderia fazer férias duas vezes, o que de facto aconteceu.
Histórias de vida....
Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Hélder, acho que há um pequeno missionário em embrião em todos os portugueses... "Expandir a fé e o império" está no nosso "ADN cultural" desde há séculos... Quem,em criança, não sonhou, pelo menos uma noite febril, com pretinhos, missionários e canibais ?...

Havia uma revista das missões católicas, "ALém Mar", que nos ajudava a "incendiar o imaginário"... Era vendida à porta da igreja, em troca dava-se uma esmola para os nossos missionários, de sotaina branca e longas barbas... TIve um primo, do meu clã Maçarico,
missionário em Moçambique... Fui em 1959n à sua "missa nova"...

Essa revista ainda hoje se publica!

http://www.alem-mar.org/index.shtml

Antº Rosinha disse...

Havia mais missionários protestantes em Angola, de origem alemã, e americana ou inglesa, aqui eu não sabia distinguir nem para aí estava interessado, (hoje é que remomoro com interesse histórico bloguista), do que missões católicas de portugueses ou italianos.

Esses "sonhos" evangélicos contra os pretinhos núsinhos junto a palhotas de colmo que nem as dos nossos pastores cheinhos de frio no inverno, eram mais intensos na Alemanha e na Inglaterra, nós apenas, como em tudo, íamos atrás, imitando, a partir de 1880.

Essa tarefa evangélica"europeia" incompleta, assim como a colonização "europeia"também incompleta, nunca deveria ter sido iniciada?

Curioso que os africanos das colónias portuguesas, cristianizados, acreditaram de tal maneira, que agora são eles que vêm cá à metrópole, preencher o vazio da falta de padres brancos, nas nossas aldeias do interior, nas procissões de verão das festas dos emigrantes.

Parece que na África Oriental e na Índia, Afonso de Albuquerque, com a graça-de-deus, tentou muitas vezes "evangelizar" hindús a comer vaca, e mussulmanos a comer torresmos, à espada, com o mesmo (in)sucesso que São Francisco Xavier com a cruz.

Há quem diga que hoje se está a "virar o feitiço contra o feiticeiro".

Cumprimentos