quinta-feira, 28 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21017: Manuscrito(s) (Luís Graça) (183): Paimogo, poema para dizer em voz alta à janela ou à varanda, uma boa terapia contra os "irãs maus" que infestam agora os poilões das nossas tabancas, em tempos de COVID-19


Lourinhã > Praia de Paimogo > 19 de maio de 2020 > Fim de tarde > Enseada, pequeno porto piscatório e forte militar do séc. XVII (ao alto) (*)


Lourinhã > Praia do Caniçal, contígua à Praia de Paimogo, a sul > 19 de maio de 2020, fim de tarde >



Lourinhã > Praias de Paimogo e Caniçal > 12 de maio de 2020 > Ao fundo, em primeiro plano, à direita, antigos viveiros de lagosta, agora em ruina.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Praia de Paimogo (*)


À memória de Ruy Belo (Rio Maior, 1933 - Queluz, 1978),  

poeta maior da língua portuguesa, vitima do Portugal mesquinho, 

e que nunca aqui esteve, em Paimogo, 

mesmo sendo meu vizinho da praia da Consolação



Oh!, quem me dera que tu fosses o meu berço,
Praia de Paimogo da minha infância,
Trocaria por ti a transumância
Dos passos perdidos pelo universo.

Do alto das tuas jurássicas muralhas,
Questiono a vida e as suas origens,
E o que sinto são apenas vertigens
De barcos naufragados em batalhas.

Quantos dos teus filhos, soldados, marinheiros,
Deram p’lo teu chão as suas vidas,
Que a morte é de todas as medidas
A mais crua, relógio sem ponteiros.

Gostava de subir, um a um, os degraus
Da escadaria do teu velho forte,
Agora abandonado à sua sorte,
E aí ver passar as últimas naus.

Fosse a vida uma ciência, dura ou mole,
Mais do que arte, com os seus horrores,
Não se mataria por mal d’ amores,
A filha do capitão, ao pôr de sol.

Falésias que são lições de geologia,
E extensos, de fósseis,  cemitérios…
E que sei eu da evolução ? Mistérios
Que nem o Darwin desvendaria.

Gosto de perscrutar o sol, o sal, o sul,
Ao fim de tarde, contando as traineiras,
Que à sardinha vêm, lambareiras,
Entre tons de vermelho e de azul.

Lourinhã, Praia de Paimogo, 19 de maio de 2020,
no desconfinamento da pandemia de COVID-19
_________

Vd também postes de:

18 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11950: Manuscrito(s) (Luís Graça) (8): Périplo amoroso pelas praias da Lourinhã, no nosso querido mês de agosto de todos os aniversários...



18 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16398: Manuscrito(s) (Luís Graça) (91): A ilha da praia do Caniçal...

20 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16405: Manuscrito(s) (Luís Graça) (92): Praia do Caniçal: memórias

(**) Sobre o Forte no Lugar de Paimogo / Forte de Nossa Senhora dos Anjos de Paimogo IPA.00006327. Portugal, Lisboa, Lourinhã, União das freguesias de Lourinhã e Atalaia.

Arquitectura militar, barroca. De planta regular compõe-se de um único corpo com casa forte de planta rectangular, terreiro lajeado e terraço e no interior por corpo principal constituído por 3 divisões maiores, onde seriam os quartéis e por 2 outras dependências onde eram utlizadas ou como casernas ou como paióis. 

O corpo principal do Forte é semelhante ao Forte de Milreu na Ericeira (v. PT031109060052 ) edificado na mesma altura. Constitui o 2º ponto fortificado a S. de Peniche e integra-se na 2ª linha fortificada, de Peniche a Cascais e à barra do Tejo. 

Exemplar quase único de fortificações posteriores à Restauração sem alterações arquitectónicas. Faz parte de um conjunto de fortes constituídos no reinado de D. João IV para defesa da costa contra possíveis investidas de barcos espanhóis. 

Está ligado à história militar porque a pequena enseada protegida pelos seus fogos, serviu de desembarque às tropas inglesas que vieram reforçar as forças anglo-lusas do comando do marechal Wellington que tomaram parte no combate da Roliça e Batalha do Vimeiro *5, aquando da 1ª invasão francesa em 1808. 

Situando-se no limiar do barroco, constitui um valioso exemplar de arquitectura militar do séc. 17 do tipo abaluartado, chamado "obra corna"

12 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A pensar (que os poetas também pensam...) em os/as amigos(as e amantes do mar português, em geral, e de Paimogo, em particular... que tem um forte setecentista, com um dos mais belos miradouros da nossa costa... Enfim, um dos mais belos sitios da nossa terra, na ponta mais acidemtal da Europa para se dizer poesia em voz alta...nestes tempos de pandemia.. E, para quem não conhece, a enseada de Paimogo é um dos recantos maravilhosos da nossa costa atlântica...

Desconfinem.se mas não se descuidem... E leiam poesia, de preferência em voz alta, à beira mar...LG

antonio graça de abreu disse...

No ano 1984/85 estive a dar aulas a 7º.s e 8º.anos na Secundária da Lourinhã.
Descobri o Paimogo, embalei-me no antiquíssimo jogo e arte do quarto de dormir, amando uma colega do grupo de Inglês,no alto do Forte do Paimogo. Escrevi então:

As pedras carcomidas penduradas na falésia,
as ilhas encantadas dispersas pela bruma,
céu e mar azul unidos como um só.
Outrora, piratas de sabre, trepassando as águas,
e soldadados de vigia, golpeando o vento.
Hoje, no terraço em ruínas, a carícia do sol,
a festa, o prazer, o assombro suave,
o castelo mágico flutuando no ar.

O poema está no meu livro China de Jade, Sacavém, Fundamentos Ed., 1997, pag.46.
As coisas que um homem faz, depois da Guiné...Até no forte do Paimogo...

Abraço,

Antonio Graça de Abreu

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

"Nem uma só pegada nos deixaste entre as areias desta praia
que em dias e barcos nos é dada...."


(Ruy Belo)

Fernando Ribeiro disse...

Quem foi leitor de Ruy Belo durante a sua comissão militar, foi Fernando Assis Pacheco (1937-1995), que terá sido um dos primeiros escritores a publicar um livro sobre a guerra colonial, ainda antes do 25 de Abril. O livro tinha um título "vietnamita" para enganar a censura, "Câu Kiên, um Resumo". Depois da Revolução dos Cravos o mesmo livro voltou a ser publicado, mas com os topónimos originais e o título "Catalabanza, Quilolo e Volta".

Fernando Assis Pacheco foi alferes miliciano de cavalaria em Nambuangongo, Angola, no ano de 1963. Entre os poemas que escreveu durante essa sua experiência de vida, há um em que ele diz a dada altura:

(...)
Por ironia, eu estava lendo
um romance de Cardoso Pires
ou talvez poemas de Ruy Belo
sobre a cidade na Camioneta Vermelha.
(...)

O poema chama-se, ele mesmo, "Camioneta Vermelha", é do livro "Catalabanza, Quilolo e Volta", e convém esclarecer que espécie de "Camioneta Vermelha" é esta. Por aquilo que consegui apurar, "Camioneta Vermelha" era o nome de um local existente na picada que ligava Nambuangongo a Zala, uma picada particularmente propensa a emboscadas. Eu nunca passei por essa picada, nem sequer estive alguma vez em Nambuangongo. Estive duas vezes em Zala, ido de avião, e numa das ocasiões em que lá estive encontrei o pessoal muito abalado porque no dia anterior tinha sido morto em combate um alferes dos comandos.

Fernando Assis Pacheco esteve, portanto, em plena zona de guerra e terá sido nessa zona que ele escreveu:

CAMIONETA VERMELHA

Se há lugar na vossa geografia
para um friável coração de adobe
digo-vos que não trouxe muito mais
dos tiros da Camioneta Vermelha.

A coluna de Zala vinha vindo
tarda como sempre e não se ouviram
durante muitas horas os motores
nesse alto da Camioneta Vermelha.

A gente deitava-se nos abrigos,
deitava-se no silêncio e respondia
somente alguma grita de macacos
ali perto da Camioneta Vermelha.

Por ironia, eu estava lendo
um romance de Cardoso Pires
ou talvez poemas de Ruy Belo
sobre a cidade na Camioneta Vermelha.

Digo-vos que não trouxe muito mais
dos tiros cruzados de arma fina
quando o adobe começou a estalar
no meu peito na Camioneta Vermelha.

Queria contar tanta coisa veloz
então acontecida mas não posso
recordar senão esse estampido
caindo súbito na Camioneta Vermelha.

Sou um desgraçado poeta da província
com um rio que no Verão é areia,
algumas casas, algumas flores belíssimas
despropositadas na Camioneta Vermelha.

O meu modo é cantar e eu canto
mesmo que apeteça mandar um balázio
no peito de adobe, o mesmo peito
que estremecia na Camioneta Vermelha.

Por isso aqui estou eu para nuns versos
dizer que o mundo acaba e não acaba
quando a massa de um coração frágil
lembra a cidade entrevista ao longe

longe do alto da Camioneta Vermelha.


No arquivo da RTP, encontrei um programa de 1976 sobre Fernando Assis Pacheco e Ruy Belo, nem mais. O programa merece ser visto e ouvido (acho eu) e está disponível em https://arquivos.rtp.pt/conteudos/fernando-assis-pacheco-e-ruy-belo/.

Anónimo disse...

O humor de Assis Pacheco.

Sem recordar detalhes exatos,li o livro há umas boas décadas creio que se intitulava “Walt”,nele era apresentada uma Senhora idosa,verdadeira figura de romance de Eça de Queiroz.
Mui distinta Senhora,profundamente religiosa,vivendo um dia a dia de piedade,solidária com todos os necessitados,de pureza extrema,humilde,e sempre em contacto muito íntimo com os seus Santos protetores através da oração.
Esta Senhora emanava verdadeira paz celestial.
Depois de imergir totalmente o leitor nesta ambiente sacro-santo,chega a altura em que a Senhora aquando das suas orações noturnas se dirige ao seu Santo favorito pedindo proteção para as tentações do diabo.
Mas,e ao chegar à palavra “satanás “,a pura,delicada,piedosa e crente Senhora,perdia completamente o controle de si mesma.
Irada,tremendo e gritando,dizia sempre:
-E atira sempre o sacana,o merdas, o grande filho da puta do satanás...para as profundezas do inferno!
Depois desta tirada o escritor continua a sua elegante e suave descrição dos acontecimentos.

Era o humor tão típico de Assis Pacheco.

Repetindo-me,não recordo os pormenores exatos e procuro unicamente recriar “o inesperado” humor tão característico do escritor
Quando se abandona definitivamente o nosso querido Portugal acompanhado de uma única mala de mão será compreensível que “Walt” não seja o livro que vai nela.

Um abraço
J.Belo

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

'Tás a melhorar, mas tens de continuar a "ir aos treinos".
Sobre o forte de Paimmogo sugiro que consultes a Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar da DIE. Pode ser que tenham plantas dele e certamente de boa qualidade e produzida por grandes desenhadores.
Podes consultar Luís Serrão Pimentel (Método Lusitânico de Fortificar) e Manuela Azevedo Fortes (O Engenheiro Português II - Volume) que trazem tudo e explicam tudo sobre fortificação dos Séc XVII e XVIII em Portugal.

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

O interessante poema seguido de imediato por romântico comentário (ou será antes romântico poema seguido de interessante comentário?) tudo a propósito da praia de Paimogo e de todos os que tiveram a sorte de a encontrar no preciso momento em que a densa neblina,tão típica daquela costa em algumas manhãs de verão ,por magia desaparece ,acaba inexoravelmente por nos fazer regressar a Ruy Belo.
O poeta que não só escreve sobre o mar e a mulher “Há o mar há a mulher.Quer um quer outro me chegam em acessíveis baías “ como “As casas que vestem os silêncios da noite”, e não menos sobre as árvores e os pássaros.
“Os pássaros que nascem na ponta das árvores “;”As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros “;”Os pássaros começam onde as árvores acabam”;”Os pássaros fazem cantar as árvores “.

Um abraço
J.Belo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro Tó Zé:

Estes versos sõ à moda do Cesário Verde, um dos meus poetas de cabeceira (, O Rui Belo também sabia rimar, mas é preferia a poesia "livre", mas nem por isso menos..."bela"):

No caso do poema "Paimogo", são quadras, a primeira estrofe com 12 sílabas métricas, as restantes com 10... A primeira rima com a 4ª ( e útima), a 2ª e 3ª rimam entre si...

Em geral os sonetos teêm 10 sílbras métricas: também faºo sonetos, a pedido de várias famílias, para casamentos, enterros e batizados...Obrugado pelo teu conselho: é preciso treinar, e muito, A poesia, como soi dizer-se, é 10% de inspiração e 90% de transpiração...

Obrigado a todos os meus críticos literários... É um privilégio ler os vossos comentários.

Luís Graça

António J. P. Costa disse...

Certo Camarada

Os versos branco fazem-me lembrar as rajadas curtas. Um bocado de paleio seguido de pausa.
Ratatata! ponto final Ratatatata! ponto final.
Se há coisas para dizer nada melhor que um bom texto em prosa, com períodos curtos, longos ou nem por isso.
Substibrutos, substitutos ou sucedâneos não valem...
Um ab.

PS: Começa a ler Antero, João de Deus, Camilo Pessanha e outros desse tempo e vais ver se não te andam a vender gato (magricela) por lebre. E Florbela Espanca que é a maior!
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Sincera saudade de alguns Amigos.

Alguns dos meus Amigos mais próximos pertenciam à Arma de Artilharia.
Tanto na Guiné como nos “movimentados” anos de 74/75, e mesmo quando já definitivamente a viver no estrangeiro.
Alguns mais poetas que outros, mas todos verdadeiros exemplos de comando,camaradagem,e lealdade profunda para com os seus ideais.
Todos eles acabaram por pagar “preços” proficionais pela sua frontalidade.
Mas tenho que admitir ainda hoje que ao escrever as palavras “Artilheiro “ e “Poeta” de um só fôlego abre-se para mim verdadeira página de...poesia.
Estranhamente,na sua crua simplicidade,a ordem das mesmas é indiferente.
“Artilheiro-Poeta” ou “Poeta-Artilheiro” são por si só um infindável capítulo de um Fernando Pessoa,Ruy Belo,ou mesmo ensaios de Junqueiro ou Antero.
Duas tão simples palavras que criam verdadeiro turbilhão dialético.

As estranhas e melancólicas reflexões dos velhos que hoje somos quando sentados à lareira.

Um abraço do J.Belo

antonio graça de abreu disse...

Um poema recente, para a minha Senhora.
Este tem rima, e métrica certa.
Para o António J. P. Costa ler, ele que só gosta de poesia rimada.

Abraço,

António Graça de Abreu



A maravilha de te beber,
no respirar da ternura embevecer.
Afago após afago
trago após trago.
Até ao sublime orgasmo do encanto,
na via da loucura e do espanto.