sábado, 3 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21412: Os nossos seres, saberes e lazeres (413): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Em Viana do Castelo, lamento profundamente só lhe ter dedicado um dia nesta itinerância em homenagem ao meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo que aqui estudou e viveu por um bom período. Acompanhei anos a fio a vida da cidade, lia-lhe impreterivelmente o Aurora do Lima, até mesmo a necrologia. Viana é um deslumbramento. Algumas destas imagens abonam a fruição que a cidade oferece, o património é riquíssimo, e duvido que haja alguma panorâmica que rivalize com o que se avista no Alto de Santa Luzia. A fama das gentes de Viana vem de longe e não se circunscreve nem aos seus festejos, ao seu gosto pelo oiro, ao seu valioso casario. São as suas gentes.
Atenda-se ao que Frei Luís de Sousa escreveu na vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, uma das figuras icónicas da terra, a propósito das mulheres: "Não vivem em ociosidade, mas são daquele humor que a Escritura gaba na que chama forte, aplicadas ao governo da sua casa e a granjear com o trabalho e indústria, das portas adentro, como os homens fora de casa. Assim, há matronas de muito preço e bom exemplo e tão inclinadas a encaminhar as filhas a serem mulheres de casa e governo que, assim como em outras terras é ordinário, na tenra idade, mandá-las a casa das mestras com almofadas e agulhas, assim nesta as vemos ir às escolas com papel e tinta, e aprender a ler e a escrever e a contar".
E fiquemos por aqui, ainda há muito que ver em Viana.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (8)

Mário Beja Santos

Impensável que a peregrinação em homenagem ao meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo não passasse pela cidade princesa do Lima, a Viana do Castelo onde ele estudou e fez amizades, como a que manteve com o poeta António Manuel Couto Viana, amizade que sobrou para mim, e daí a oferta que fiz de um conjunto de desenhos dele, com o especial pedido à autarquia, a quem entreguei este património, que ele ficasse numa sala da Biblioteca Municipal de Viana de Castelo que tem o seu nome. Lamento só ter gizado um programa para um dia, Viana e os seus arrabaldes precisam de muito mais tempo. E o paradoxo é que eu lia com absoluta regularidade a imprensa local, durante muitos anos deve ter havido poucos leitores que leram de alto a baixo o Aurora do Lima, como eu. Adiante. Muni-me do que Carlos Ferreira de Almeida sobre Viana escreveu no livro Alto Minho, atenção que a obra é de 1987, há uma expansão urbana e uma requalificação do casco histórico que não consta deste relato exultativo às belezas de uma cidade cheia de História. Logo nos alvores da nacionalidade, a Viana da Foz do Lima era fundamental para a segurança da orla costeira nortenha, a população ia crescendo à volta de uma enseada depois desaparecida. A antiga vila rural de Átrio passou a partir de D. Afonso III a chamar Viana da Foz do Lima, na época moderna acrescentou-se-lhe o epíteto de “notável”. E escreve Ferreira de Almeida que a sua fidelidade à política de D. Maria II e a resistência do seu castelo à revolta da Patuleia levaram a rainha a conceder-lhe a categoria de cidade, com o nome Viana do Castelo. Ferreira de Almeida desenha um itinerário que não será aquele que preparei para o dia de hoje. Mas é importante o que ele escreve sobre o crescimento de Viana, a desenvolver-se na direção do cais, a Sul, e na banda da Ribeira, a Oeste. Refere as quatro portas, creio que só restam vestígios, propícios a expedições arqueológicas, a do Campo do Forno, depois chamada de Santiago, a Norte, a das Atafonas, ou de S. Pedro, para Nascente, a do Postigo, para Sul, e a da Ribeira, no lado Oeste. Detenho-me aqui, a cidade portuária, que muito cedo recebeu o caminho-de-ferro, daqui se partiu para o Brasil e para a pesca do bacalhau, e ofereceu a Portugal nomes sonantes, como D. Frei Bartolomeu dos Mártires.
Desse tempo da pesca do bacalhau, na zona portuária, espera-nos, de cara lavada, o Gil Eanes, o símbolo de uma epopeia que felizmente não está esquecida.
Agora sim, vou embrenhar-me em ruas velhas, não procuro restos da cerca amuralhada, houvesse tempo e até iria à Torre da Roqueta, isolada e à semelhança da Torre de Belém, a defensora do rio, mas não, meto-me ao caminho até à Praça da República, viajo por vários tempos, são aqui frontarias que nos falam do passado. Uma coisa fixei, para jamais esquecer, o nome de certas ruas e certas casas, a Rua de Mateus Barbosa, onde está a casa dos Pimenta da Gama, a Casa dos Barbosa e Silva, esta ligada à vida de Camilo Castelo Branco, e a Casa dos Pedra Palácio, de bonitas varandas, com sóbrios ferros. Como não se pode esquecer a Casa da Praça, pertença dos Malheiro Reimão, aqui já vemos a influência do dinheiro do Brasil. Numa das divagações, já de cabeça perdida porque não atinava com certas ruas, irei encontrar na Rua da Carreira o Paço dos Melo e Alvim, e ainda não consegui apurar se aquele governador da Guiné dos anos 1950, homem da Armada, de nome Diogo António José Leite Pereira de Melo e Alvim, reza a lenda e consta da hagiografia de Amílcar Cabral que tiveram uma desavença, que teria sido a razão do regresso do pai fundador da Guiné-Bissau a Lisboa, não passa de atoarda, Amílcar Cabral e a mulher regressaram a Lisboa devido a doença, carregados de paludismo. Mas ainda assim é a hagiografia que permanece…
Aqui foi delegação do Banco de Portugal, hoje é o Museu do Traje, estamos já em plena Praça da República, foi visita de médico, um outro amigo nosso ofereceu a este museu uma extraordinária coleção de leques que pertencia à sua mãe, o lugar é ajustado, o museu alberga um relevante espólio de trajes e de ourivesaria tradicional. Tem um conjunto de núcleos museológicos, tudo visto a correr. Ficou-me um ressaibo na boca, de amargura, devia ter ido ao Museu de Artes Decorativas, instalado numa mansão do século XVIII, imperdoável porque estão aqui valiosas coleções de faiança antiga, importantes peças da famosa Fábrica de Loiça de Viana, isto para além de pintura, arte-sacra e mobiliário indo-português do século XVIII. Outro motivo para regressar.
Esta Praça da República é, para mais de quinhentos anos, o centro cívico de Viana do Castelo, estão aqui alguns dos seus edifícios mais emblemáticos, como os antigos Paços do Concelho, cuja construção teve lugar na primeira metade do século XVI, um elegantíssimo chafariz e o edifício da Misericórdia onde se incrusta uma joia do Barroco que é a sua igreja, monumento nacional, mais adiante se falará dela, em visita a preceito.
Chegou a hora de amesendar e definir exatamente o que é possível ver durante a tarde. Haverá Santa Luzia e o funicular, a Praça da Liberdade e aquela preciosa peça de arquitetura de Siza Vieira que é a biblioteca e o Centro Cultural traçado por Souto Moura, confesso que fiquei por ali de boca à banda com aquele desmedido arrojo arquitetónico. Enquanto mordisco leio que o navio Gil Eanes foi construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo em 1955, tinha por missão apoiar a frota bacalhoeira nos mares da Terra Nova e Gronelândia. Hoje tem lá instalado o Centro de Mar e outros serviços. Pois bem, olhando esta fachada de edifício que pertenceu aos Távoras, preparo os itinerários da tarde, folheei publicações e apercebo-me que há muitíssimo mais a ver, teimarei em voltar.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21393: Os nossos seres, saberes e lazeres (412): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (8) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Valdemar Silva disse...

Beja Santos, obrigado por ter fotografado e publicado no blogue o conjunto de edifícios que fazem parte da Misericórdia de Viana do Castelo.
Provavelmente, em 30 de Março de 1945, ouviu-se por essas paredes uma grande gritaria. Foi no dia em que a minha mãe chegou aflita de Afife para eu nascer no Hospital da Misericórdia.

E ainda cá ando.

Um abraço
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Se o Beja Santos começar a fazer a descrição de tudo o que há para ver em Viana do Castelo, vamos ter blogue até ao século XXII, pelo menos!

O edifício do antigo Hospital da Misericórdia é um belíssimo exemplar renascentista, tal como o é o chafariz que está ali ao lado e que é semelhante ao que existe na praça principal de Caminha. O edifício dos antigos Paços do Concelho é contemporâneo e, contudo, é gótico. Ali naquela Praça da República estão, portanto, lado a lado, o antigo e o moderno do século XVI.

Valdemar Silva disse...

Fernando Ribeiro, o Chafariz de Caminha, o do Largo da Porta Nova, em Barcelos, o do Largo Camões, em Ponte do Lima, e este da Pç. da República são semelhantes, pelo que devem ser contemporâneos. E julgo que haverá outros mais na região.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz