segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23750: Tabanca Grande (538): João Silva (1950-2022), ex-Fur Mil At Inf, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973) e CIM Bolama (1973/74), grã-tabanqueiro n.º 866, a título póstumo


João Pedro Candeias da Silva (1950-2022)


João Silva, fur mil at inf, de rendição individual, CCAV 3404 (Cabuca, 1972), CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973) e CIM Bolama (1973/74)


O João Silva e o Abibo Jau, o "gigante" da CCAÇ 12, mais tarde fuzilado em Madina Colhido, em 1975,  como já foi referido no Blogue. (Fuzilado com o ten 'comando' graduado Jamanca, ambos então da CCÇ 21).


O 2º sargento Vital (ajudava na secretaria), o João Silva, de t-shirt preta, e o Abibo Jau


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1973 > Os 4 furriéis da foto são da CCAÇ 12 e estamos sentados em Bambadinca, junto à nossa messe... Da esquerda para a direita: o Morgado, o Garrido, eu (António Duarte) e o Candeias da Silva.


Guiné > Ilha de Bolama > CIM de Bolama (c. 1973/74) > O João Candeias da Silva é o segundo a contar da direita em Bolama no CIM. O furriel de bigode foi citado há pouco tempo num poste e/ou fotos do CIM atual. Tinha nome de "Roupa Velha" (?)... ou "Curta (?)...



Guiné> Ilha de Bolama > CIM de Bolama (c. 1973/74) > Numa praia em Bolama. O João é o segundo a contar da direita.


Guiné> Ilha de Bolama > CIM de Bolama > Natal de 1973 > Foto de grupo, cada militar segura uma garrafa de espumante que, se presume, foi-lhe oferecida.

Fotos (e legendas): © João Candeias da Silva / António Duarte  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Faleceu no passado dia 14, o nosso camarada João Silva, um dos últimos soldados do império (*). Aos 72 anos. Vivia em Santiago do Cacém. Furriel Miliciano Atirador de  Infantaria, passou por Cabuca (CCAV 3404, 1972), Bambadinca e Xime (CCAÇ 12, 1973) e Bolama (CIM, 1973/74). 

Entra agora, a título póstumo, na nossa Tabanca Grande, apadrinhado pelo seu grande amigo e camarada António Duarte. E por mim próprio, editor do blogue. Nós, os três,  fomos furriéis milicianos da CCAÇ 12, eu da "1.ª geração", a dos fundadores (Contuboel e Bambadinca, junho 1969 / março 1971), eles da "3.ª (e última) geração" (Bambadinca e Xime, 1973/74).

Não o cheguei a conhecer pessoalmente, muito menos na Guiné: eu regressei a casa em março de 1971, ele foi para a CCAV 3404, em Cabuca, em janeiro de 1972. Era de rendição individual. Mas ele tem um dúzia de referências no blogue, e sempre que intervinha, em geral sob a forma de comentários, fazia-o para falar da sua condição de graduado da CCAÇ 12, subunidade de guarnição normal, constituída por graduados e especialistas metropolitanos e praças do recrutamento local, de que muito se orgulhava. 

Esteve 7 meses na CCAÇ 12, antes de ser colocado no CIM de Bolama com a missão de dar instrução a militares do recrutamento local. Já passou o Natal de 1973 em Bolama. E em maio de 1974, regressou à metrópole, pagando, do seu próprio bolso, a viagem na TAP.

Passou, desde anteontem, a ser o grã-tabanqueiro n.º 866. Prometemos honrar a sua memória (**). E republicar, em próximos postes, alguns dos seus valiosos e sempre oportunos comentários (**). Tem 13 referências no nosso blogue.

2. Comentário do António Duarte, de 29/10/2022, 18:12

Boa tarde Luís.

Sugeri a  entrada do João Silva na Tabanca Grande atendendo a que ele acompanhava o blogue e participava, embora através de comentários a postes. Inclusivamente, e com alguma frequência, mostrava ao filho e à filha textos do blogue, conforme os dois me contaram no dia do funeral.

Não formalizou o pedido por mero "deixa andar".

No entanto, decide como melhor te parecer, mas penso que se justifica, precisamente face ao acompanhamento do blogue e às participações nos comentários.

Se necessário posso fazer a pesquisa de mais comentários. (...)
 
Se necessitares de algo que eu possa ajudar apita sff
Abraço
Duarte


3. Dois comentários do João Silva 

(i) CISMI, Tavira. Terceiro turno de 1971.

Depois da recruta no Hotel das Caldas, rumámos a sul até Tavira para fazermos a especialidade de atirador de infantaria.

A viagem longa e demorada foi feita sem paragens em vilas onde pudéssemos dar ao dente, a excepção era para fazer xixi no meio do mato.

Em Tavira, no CISMI, destaco 3 personagens:

(a) Tenente Moleiro, que no primeiro dia apareceu no campo da feira, conhecido por Atalaia. O pelotão formou e depois do blá, blá da retórica, tirou o quico e disse: "é este o corte de cabelo da companhia";

(b) Caifás, o barbeiro onde nos iríamos apresentar e dizer "corte à tenente Moleiro":

(c) O capitão capelão que dava palestras aos sábados ao fim da manhã no refeitório.

O pessoal estava exausto, sentado e com o queixo apoiado ao cano da G3, não tardava em adormecer. A palestra que alertava para o "respeito" pelas meninas e ameaçava que,  quando tal não acontecia,  terminava em casamento na parada. E dava como exemplo o que, na recruta / especialidade anterior, tinha acontecido.

Depois era ouvi-lo: "tu aí ao fundo,  levanta-te e castiga-te a ti próprio".... "Sim tu que estavas a dormir"...

A malta como não sabia a quem ele se dirigia, levantavam-se dois ou três. Então dizia: "não és tu, ele sabe quem é". À segunda ou terceira acertava.

A malta que sabia tocar e cantar e fosse "actuar" na missa de domingo,  tinha tratamento VIP. Também havia outros VIP por serem futebolistas, destaco o Vaqueiro, um dos chamados bebés do Varzim. Havia mais.

A salina era onde os mais tesos eram humilhados por resistirem onde não havia hipótese de vencer. Terminava quando todos estávamos encharcados de água podre e mal cheirosa. O cheiro ficava presente por dias.

Na Guiné, onde fui dos primeiros a chegar por ir em rendição individual, encontrei vários camaradas. Destaco o Penedos, que tocava trompete e em Tavira já tinha um Renault.

João Silva, terceiro turno de 1971, com passagem por Beja, Depósito de Adidos e Guiné. (***)


(ii) Quem não entrou na equação do 25 de Abril foram os africanos que juraram bandeira e a defenderam ao nosso lado.

Camarada Luís Mourato: Ao ler o teu testemunho das lágrimas que viste nos olhos do militar que servia a bandeira portuguesa na Guiné,  trouxe-me à memória um episódio que recentemente foi aflorado aqui a insubordinação da 12 em Bambadinca em Março de 1973.

Hoje acredito que eram os primeiros sinais do fim da capitulação do exército português naquela longa e desgastante guerra.

A Bambadinca, na companhia de Spínola, chegaram para "resolver o assunto" 3 oficiais africanos garbosamente fardados de camuflado e galões reluzentes, que vieram para credibilizar o empenho do Governador e Comandante
-Chefe.

Depois da CCAÇ 12,  o meu destino foi Bolama e lá, entre os oficiais subalternos, era evidente o tema do livro "Portugal e o Futuro",  Spínola vem a Lisboa e não regressa. Almeida Bruno e Otelo já tinham regressado. No final de 73 regressam Salgueiro Maia e Luís Moura, meu capitão na CCAV 3404 em Cabuca,  e pouco conhecido, mas foi ele que veio de Estremoz a comandar a coluna que se juntou no Carmo na rendição de Marcelo.

Tudo bem pensado e organizado e o correcto. Fazer, o que tinha que ser feito, o Golpe de Estado. Quem não entrou na equação foram os africanos que juram bandeira e a defenderam ao nosso lado.

Foram, sem o mínimo pudor, depois de desarmados, deixados ao Deus Dará para serem vítimas de violenta chacina.

Quando será que todos nós nos retratamos por termos assistido de braços caídos e em silêncio?

João Silva
Ex-furriel mil at inf
Cabuca, Bambadinca, Xime, Bolama, Abril de 72 a Maio de 74. (****)
___________


(**) Último poste da série > 13 de outubro de  2022 > Guiné 61/74 - P23704: Tabanca Grande (537): José Moreira de Castro Neves, ex-Fur Mil Arm Pes Inf da CCAÇ 1551 / BCAÇ 1888 (Bambadinca, Fá Mandinga e Xitole, 1966/68)... Natural de Valongo, senta-se no lugar n.º 865, sob o nosso poilão

(***) Vd. poste de 31 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21719: (Ex)citações (382): Tavira, CISMI, por quem nenhum de nós morreu de amores... (João Candeias da Silva / Carlos Silva / Luís Graça)

(****) Vd. poste de 23 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21679: (In)citações (174): Apesar de agnóstico, ainda conservo, na cabeceira, um crucifico-talismã que alguém deixou na tabanca onde eu pernoitava: Ká pudi larga mezinho qui pudi salvar kurpu (Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, 1973/74)

5 comentários:

Valdemar Silva disse...

Bem, no tempo que passei no CI de Contuboel não tínhamos praia mas tínhamos rio.
Também não nos foi oferecido garrafas de bioxene com fitinhas de Natal, mas foram igualmente tempos que nem parecia que estávamos na guerra da Guiné, como nestas fotos se pode observar.
E a propósito de garrafas de bioxene com fitinha de Natal que aparecem na fotografia, não parecem ser de espumante que seriam maiores e de rolha bem diferente, e nota-se não serem todas da mesma marca.
Vale uma carica a quem descobrir de que bioxene se trata, 'bora lá.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Ao olhar de lince do Valdemar não escapa nada. As garrafas parecem ser de "espumante" JB, Drambuie, VAT69, etc.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, parece estar certo o teu "olho clínico", formatado por muitos anos a fazer os passatempos dos jornais, do tipo "Descubra a Diferença" (coisa a que os coronéis da censura do antigamente não ligavam muito..., já o memso não acontecia com as "palavras cruzadas").

A legenda é da minha responsabilidade, não do António Duarte, que me mandou as fotos, extraídas do álbum do nosso já saudoso João Candeias da Silva: " "Foto de grupo, cada militar segura uma garrafa de espumante que, se presume, foi-lhe oferecida"...

Vendo bem, em detalhe, também concordo que o "bioxene" não devia ser "espumante"...

Cesar Dias disse...

É como diz o António Duarte, só não aderiu ao nosso blogue pelo deixa andar, falávamos muito sobre o que se publicava, mas nunca formalizou a aderência.Foi o nosso gosto pela prática do futebol que nos juntou quando por motivos profissionais vim para Sines trabalhar.Tornámo-nos amigos, e como tinhamos em comum a Guiné, o futebol incluindo o SLB,e ainda o facto de sermos vizinhos não foi dificil que esse afecto se mantivesse até que recebi essa triste noticia. Na sua despedida conheci o António Duarte com quem teria uma forte amizade desde pelo menos o inicio do serviço militar. A toda a sua familia e amigos reitero os meus sentidos pêsames na esperanç que o João esteja em paz.Ver-nos-emos companheiro.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tenho pena de não ter conhecido pessoalmente o João Silva... Dos graduados (metropolitanos) da CCAÇ 12 que me/nos sucederam (a nós, os da "1ª geração") só tenho o grato prazer de conhecer o António Duarte, veterano da Tabanca Grande... Conheci também o Victor Alves (ex-fur mil SAM, CCAÇ 12, 1971/72), e o Celestino Ferreira da Costa Major inf ref (2º Capitão da CCAÇ 12, 1971/72)... Infelizmente já falecidos os dois...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2020/12/guine-6174-p21639-in-memoriam-377.html

Também conheci, em Monte Real, nos nossos encontros, o António Manuel Sucena Rodriguees, igualmente já falecido (1951-2018)... O Victor Alves e o Sucena Rodrigues eram/são nossos "grã-tabanqueiros"...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2018/10/guine-6174-p19064-in-memoriam-327.html

Mas há outros camaradas da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1969/74) que eu gostaria de os ver aqui...