segunda-feira, 13 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25518: Notas de leitura (1691): BART 3873 - História da Unidade - CART 3492 / CART 3493 / CART 3494 - O Sector L1 de 1972 a 1974, e as minhas lembranças de 1968 a 1970 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
O ter finalmente lido por inteiro a história do BART 3873 sacolejou-me algumas memórias, daí este meu atrevimento em comparar, sem fazer juízos de valor, o que era o setor de Bambadinca entre 1968 e 1970, onde combati e este período correspondente aos últimos anos da guerra. Que houve mais dinheiro houve para intensificar a africanização da guerra, a formação de milícias em Bambadinca, surpreendeu-me o descontentamento da população civil em Madina e a sua aproximação ao Enxalé, dei mesmo comigo a pensar os ralhetes que recebi quando insistia na aproximação entre Enxalé e o regulado do Cuor, a minha área de missão, tínhamos a mesma força hostil, ainda por cima o Enxalé não tinha condições para fazer qualquer dissuasão à travessia do Geba pelas forças do PAIGC, entre São Belchior e o Enxalé. 

PMais escolas, mais mesquitas, mais assistência, os grupos de milícias a crescer como cogumelos e recordo o que me era dado e arregaçado, a pedincha permanente para ter materiais de construção civil, pagar a dois professores; e quartel em Mato de Cão, evitando as deslocações diárias de Missirá, com o ponto curioso de que o Pel Caç Nat 52, de que fui comandante, ter ido para Mato de Cão para ser flagelado e ouvir, não muito longe, as embarcações civis a ser flageladas em Ponta Varela.

 Outros tempos, gostei muito de ler esta história de unidade e reviver o que passei através do que outros passaram, uns anos mais tarde. Como o Luís Graça participou nesta história, entre 1969 e 1971, seria bom que também nos desse umas dicas sobre o tempo que viveu e este tempo do BART 3873.

Um abraço do
Mário



O Setor L1 de 1972 a 1974, e as minhas lembranças de 1968 a 1970

Mário Beja Santos

Tive finalmente acesso à história do BART 3873, ativo no chamado Setor L1, onde também vivi 2 anos em cheio, leitura que me foi facultada pela Biblioteca da Liga dos Combatentes. Muito se tem escrito no blogue à volta desta história de unidade, pretendo exclusivamente, e de memória, comparar o setor ao tempo em que ali vivi.

 O Geba já era crucial como via de transporte, não se circulava por estrada de Jugudul até Bambadinca, circulação interrompida, em anos anteriores a atividade do PAIGC limitara a circulação para Porto Gole e Enxalé, passei 17 meses no regulado do Cuor, só em expedição militar é que podia ir até ao Enxalé, municiava-me e abastecia-me de Bambadinca para a bolanha de Finete, cerca de 4 quilómetros de montanha-russa até à povoação, mais 15 ou 16 até Missirá; quando tudo estava alagado, entre Sansão e Canturé, socorríamo-nos de um Sintex entre Bambadinca e Gã Gémeos, havia um arremedo de porto aqui; não havia destacamento em Mato de Cão, para evitar minas e sobretudo emboscadas foram delineados 6 itinerários tudo a pé, com sol ou chuva, minas não houve nem emboscadas, fez-se constar no mercado de Bambadinca que só por bambúrrio da sorte é que seriamos encontrados; Mero era então local de abastecimento do PAIGC, vinham de Madina/Belel habitualmente colunas civis, com armamento rudimentar (espingarda Simonov), atravessavam o Geba mais ou menos entre Canturé e a norte de Finete, usavam o bombolom para se anunciar, deixavam indícios, desde as bostas de vaca, granadas, carregadores, pegadas, aí sim, tivemos vários recontros; patrulhava-se o regulado até perto de Queba Jilã, nas primícias do corredor do Oio, cedo aprendi que qualquer confronto podia trazer feridos, vivi uma experiência muito amarga dentro de Chicri, num caminho que dava a Madina, um apontador de dilagrama acidentou-se, houve muito sofrimento, muita angústia; mas a população de Madina também atravessava para os Nhabijões, apanhámos várias embarcações escondidas no tarrafo, e quando fomos transferidos para Bambadinca, nos patrulhamentos na região de Samba Silate também encontrámos canoas, destruíamos e eles faziam outras; nunca houve qualquer ataque a barcos em Mato de Cão, alguns em Ponta Varela, já em Bambadinca perguntei ao comandante e ao major de operações por que é que não se queria repensar a quadricula, sugeri dois pelotões no Xime, um destacamento em Ponta Varela e outro na Ponta do Inglês, o PAIGC estava estrategicamente implantado num ponto pouco acessível entre Baio e Burontoni, no Poidom, na Ponta Luís Dias, em Mina, Galo Corubal e Tabacutá, eram bolanhas muito férteis, indispensáveis para o abastecimento civil e militar do PAIGC, íamos, fazíamos uma destruição, o PAIGC reconstruía, nunca largou mão deste extenso território que foi ocupado no segundo semestre de 1963 por Domingos Ramos, que irá morrer em Madina do Boé; iniciou-se no meu tempo a construção do ordenamento dos Nhabijões, construção modelar, exigia patrulhamento, só mais tarde apareceram minas e incursões do PAIGC; Amedalai já tinha milícia, que dava segurança até na linha de tabancas Taibatá-Demba Taco-Moricanhe, é do meu tempo o abandono de Moricanhe, que veio a ter reflexos na região do Xitole.

Havia uma imensidade de tabancas com predomínio de população Fula, lembro Bricama e Santa Helena, já na margem esquerda do Geba, íamos regularmente a Galomaro, Madina Xaquili, ao regulado de Badora, onde pontificava o régulo Mamadú Bonco Sanhá, deslocava-se de Madina Bonco até Bambadinca numa motocicleta, fardado a rigor, os seus galões de tenente a luzir, sempre de óculos escuros e muito cortês.

Lendo cuidadosamente a história do BART 3873, no essencial eram as mesmas povoações de 4 anos antes, creio que Galomaro mudou de setor. Os efetivos de Bambadinca são os mesmos, havia rotatividade nos Nhabijões bem como na ponte do rio Undunduma, um pelotão em Fá Mandinga, no meu tempo ainda não havia instrução de milícias em Bambadinca, fiquei satisfeito quando vi Enxalé no Setor L1, tinha toda a lógica, bem perto do Xime, o mesmo dispositivo do PAIGC que afetava o Cuor, argumentei, sem êxito, a aproximação entre o Cuor e Enxalé, respondiam-me sempre que eu me metesse na minha vida. 

Observo da leitura da história da unidade que as coisas tinham mudado em Madina, a população sob alçada do PAIGC mostrava descontentamento e apresentava-se no Enxalé; a descrição de minas antipessoal e anticarro é impressionante, o PAIGC usava-as em todos os pontos do setor; Mero terá igualmente mudado de posição, vejo neste documento que já havia um pelotão de milícias, a população estava contente com a presença das nossas tropas; apareceu um elevado número de forças de milícia, posso constatar que se intensificou no setor a africanização das nossas Forças Armadas; deve ter havido mais dinheiro para todo este processo da africanização que levou também a reocupação de posições como Samba Silate, que era considerada a bolanha mais fértil de todo o leste da Guiné; vejo com estranheza muitos recontros perto do Xime, na região de Gundaguê Beafada – Madina Colhido, o que significa que a força instalada em Baio/Burontoni tinha elevada capacidade ofensiva, das vezes que me coube sair do Xime para a Ponta do Inglês, flanqueava pelas matas próximas do Corubal, cheguei mesmo a aproveitar os caminhos de terra batida frequentados assiduamente pela população do Poidom.

Dou igualmente comigo a pensar como é lamentável não podermos trocar informação com os dispositivos efetivos do PAIGC na região. Os arrozais eram fundamentais para o sustento de civis e de tropa, no fundo do Corubal o PAIGC movimentava-se com imensa facilidade, dava os seus sinais de vida flagelando Mansambo e o Xitole e mesmo a ponte do rio Pulon, mas só para provar que estava ativo. 

Quando se desencadeou a operação Grande Empresa, ou seja, a ocupação do Cantanhez, houve deslocação de efetivos do PAIGC, nessa altura já estavam a posicionar-se na região do Boé (completamente desocupada pelas nossas tropas desde fevereiro de 1969), terão vindo efetivos de outros lugares, questiono, de acordo com a leitura que faço desta história de unidade que as operações abaixo do Poidom, a Mina e Galo Corubal foram quase passeios, recordo o estendal de tropas para a operação Lança Afiada, Hélio Felgas congeminara a limpeza de toda aquela margem do Corubal, 12 dias de inferno e a tropa de rastos, apanharam os velhotes e uns canhangulos.

Não surpreende não ter havido ataques a Bambadinca, só seria possível passando o rio de Undunduma, era essa a missão destinada ao pelotão de vigilância. Mas surpreende-me a intensidade de ataques em Ponta Varela, parece-me um contrassenso quando se escreve que havia patrulhamentos regulares nesta região.

Não estou habilitado a tirar conclusões se a situação melhorou ou piorou no setor, deu-se a africanização, construíram-se infraestruturas, aumentou o apoio às populações civis, vejo que Finete sofreu uma grande flagelação. 

Pode dizer-se que o BART 3873 regressa pouco tempo antes do 25 de Abril, foi substituído pelo BCAÇ 4616, que terá tido uma guerra de sonho. E que havia mais dinheiro havia, vejo que no Natal de 1973 se pagou o 13º mês. E acompanhei com muito carinho o itinerário do Pel Caç Nat 52, combativo até ao fim, em dezembro de 1973 travou contacto com um grupo de 15 elementos.

Volto a questionar-me se virá a ser possível um dia juntarmos a nossa documentação com a do PAIGC para que a guerra ganhe mais clareza para as futuras gerações destes dois países.

A dimensão aproximada do Setor L1, onde atuou o BART 3873
Confraternização no Xime na messe de sargentos, CART 3494, ao fundo à esquerda o nosso confrade António José Pereira da Costa, então capitão, outubro de 1972
Os CTT de Bambadinca, quando visitei a povoação, em 2010, já estava em grande degradação
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Nota do editor

Último post da série de 10 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (2) (Mário Beja Santos)

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

"Tigre de Missirá", obrigado por este refrescamento de memória(s) do "nosso" sector L1 por onde penámos com um ano de diferença (tu entre 1968/70, e eu entre 1969/71). Ambos em tropas africanas, tu o Pel Caç Nat 52, na CCAÇ 12. Sempre ao serviço dos "senhores da guerra" de Bambadinca e de Bafatá...

Temos muita malta deste batalhão, o BART 3873, na nossa Tabanca Grande. O nosso "tertuliano"
nº 2, o Sousa de Castro, era da CART 3494 (Xime).

Prometo acrescentar algo mais ao teu "briefing", mas dou aos nossos camaradas (que eu já não apanhei na Guiné) a primazia da palavra...

Conheci em 2008 um antigo guerrilheiro (creio que "comissário político") que me confirmou a deslocação de "tropas" do PAIGC para o sul, em finais de 1972/principiose de 1973... AS "áreas libertadas" ficaram desguarnecidas... Não admira por isso que este batalhão tenha conseguido "entrar" no mítico Fiofioli onde nem tu nem eu pusemos os pés... (Não vou dizer que tenha sido em "traje de passeio", ficariam ofendidos comigo, os que conseguiram chegar à margem direita do rio Corubal, onde no nosso tempo chegu a haver cerca de 5 a 6 mil habitantes e pelo menos 250/300 homens em armas, desde a Ponta do Inglês/Poindon até à Mina / Fiofioli...).

Já agora outro destaque: o PAIGC perde a cabeça com os "trânsfugas" da zona dos regulados do Enxalé / Cuor, os teus / nossos "amigos de Madina / Belel / Sarassaruol, a sudoeste do Morés... Samba Silate será reocupada pelos balantas saudosos da sua grande e fértil bolanha abandonada desde o início da guerra...Serão flagelados já em 1974 tal como Nhabijões..
Quem diria!... Os "belicistas" do PAIGC não eram nada meigos para os "desertores" (fossem civis fossem combatentes)...

Fico, para já, por aqui, em complemento da "nota de leitura"... Um alfabravo, Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) tem 222 referências no nosso blogue:

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BART%203873

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O António Duarte, um histórico do nosso blogue, que veio de Mansambo (CART 3493) para Bambadinca e depois Xime (CCAÇ 12) (1972/74), publicou 27 postes na série "A história do BART 3873"... Creio que este é o último...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2015/11/guine-6374-p15349-historia-do-bart-3873.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

DE entre os comandantes operacionais, comandantes de companhia, temos na nossa Tabanca Grande, para além do António J. Pereira da Costa (CART 3494), o Manuel Cruz, cap mil (CART 3493)... (Esta companhia foi bater com os costados no Cantanhez, Cobumba)...Contriamente ao nosso tempo (1968/71), Mansambo deixou de interessar ao PAIGC...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Manuel%20Cruz

https://cart3494guine.blogspot.com/ disse...

Boas,
Não sei onde o Beja Santos desencantou a História do meu Batalhão (BART3873), sei que ofereci 1 à Tabanca Grande e outro à Liga dos Combatentes. Muito bem, parabéns pelo texto.