Foto da capa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010 / 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo era o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/ jul 67]
Na foto acima, da capa, o "capitão Cristo, sentado ao centro, na casa do Zé Saldanha [encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia] . Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o Zé Saldanha" (legenda, pág. 440). O cap Cristo era nem mais nem menos do que o "alter ego" do cap Aurélio Manuel Trindade, o 10º (e último) comandante da 4ª CCAÇ, desde 1jan61, e o primeiro comandante (de dez!) , a partir de 1bril de 1967, da CCAÇ 6 (Bedana, 1967/74).
1. A morte do ten gen ref, oriundo da arma de infantaria, Aurélio Manuel Trindade, foi-me confirmada por dois dos seus amigos e camaradas, e membros da nossa Tabanca Grande, o cor art ref Morais da Silva e o cor inf ref Mário Arada Pinheiro.
Este oficial general nasceu a 11 de maio de 1933 , faleceu, aos 91 anos, a 12 de junho de 2024.
Temos cerca de duas dezenas de referências ao Aurélio Trindade, que foi comandante da 4ª CCAÇ e depois CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67)...
Não o cheguei a conhecer pessoalmente, mas o Arada Pinheiro, que muito prezo (a esposa é da Lourinhã), emprestou-me o livro dele (autografado), escrito sobre pseudónimo (Manuel Andrezo), com as suas memórias de Bedanda e dos seus bravos da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, "Panteras à solta"...
Temos transcrito alguns excertos do livro, com a devida vénia, sob a forma de "notas de leituira"...
É mais do que justo fazer este "In Memoriam". Gostaria, inclusive, de lhe "dar honras de Tabanca Grande", a título póstumo (se não houver objeções da família, que não conheço, mas vou incumbir o cor Aradas Pinheiro para obter o OK do filho que lhe deu a triste notícia).
A partilha das suas memórias de guerra é importante para todos os "bedandenses" (que passaram pela 4ª CCAÇ e depois CCAÇ 6), e para os demais camaradas da Guiné.
À família, camaradas de curso )da Escola do Exército) e amigos íntimos, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné manifesta os seus mais sinceros votos de condolências. E espera poder continuar a honrar a sua memória, através deste meio (virtual) de partilha de memórias dos antigos combatentes da Guimé.
2. Na realidade, o livro "Panteras à solta" é autobiográfica. Grande parte da narrativa, que segue um fio cronológico, é constituída por episódios, entrecortados por muitos diálogos, sendo o principal protagonista o cap Cristo, "31 anos de idade, natural da Beira Alta, nascido e criado entre o duro granito da serra do Caramulo". É casado e pai de três filhos. Partiu no T/T Niassa, de Lisboa, em 30 de junho de 1965, com destino ao CTIG.
Vai em rendição individual. Tem já duas comissões no Ultramar: Índia e Moçambique (donde acabara de regressar há 10 meses). (...) "Vai triste. (...) À sua frente o desconhecido. Sabe apenas que vai para a Guiné onde a guerra é dura. " (...) (pág. 7).
Chega a Bissau a 5 de julho de 1965. E no dia seguinte, parte de imediato para Bedanda, de avioneta civil, com o cap Xáxa (a quem vai render), para tomar posse como novo comandante da 4ª CCAÇ.
O cap Xáxa (Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares ?) fará as honras da sua apresentação aos militares e aos civis de Bedanda. E rapidamente a guerrilha do PAIGC (e a populaçao sob o seu controlo) vai passar a conhecê-lo e a temê-lo.
As primeiras impressões não foram favoráveis: "Os alferes não gostaram do novo capitão. Acharam-no com cara de poucos amigos. Nem se sequer se atreveram a praxá-lo, uma tradição muito cara à companhia" (...) (pág. 13).
De acordo com o portal UTW - Dos Veteranos a Guerra da Guiné, o cap inf Aurélio Manuel Trindade comandou, em Moçambique, a CCAÇ Esp 312, antes de ser mobilizado para o CTIG (Onde foi condcorada com a Cruz de Guerra de 2ª classe). Em Angola, e já como major de infantaria, seria o 2º comandante do BCAÇ 3856.
3. De um inquérito que o jornalista Adelino Gomes fez a "13 generais de Abril" (e publicado no "Público", em 2007), selecionámos as seguintes respostas dada pelo general Aurélio Trindade (nascido em 11 de maio de 1933, em Viseu; foi condecorado com 1985 com a Ordem da Liberdade):
(i) tinha 41 anos e era major de infantaria à data do 25 de Abril de 1974, encontrando-se colocado na EPI, Mafra.
(i) tinha 41 anos e era major de infantaria à data do 25 de Abril de 1974, encontrando-se colocado na EPI, Mafra.
(ii) tinha feito 4 comissões de serviço no ultramar (Índia, Moçambique, Guiné, Angola);
(iii) resposta à pergunta sobre o seu apoio ao MFA:
(iii) resposta à pergunta sobre o seu apoio ao MFA:
"A maior parte de nós estávamos metidos no movimento desde longa data. Majores só estávamos dois, eu era um deles". No 25 de Abirl, a sua atividade operacional foi a de "comandante da unidade" (EPI)
(iv) sobre os protagonistas do 25 de Abril que acabaram por ser prejudicados nas suas carreiras, respondeu:
(iv) sobre os protagonistas do 25 de Abril que acabaram por ser prejudicados nas suas carreiras, respondeu:
"Todos os militares mesmo os que chegaram a generais como eu e o Jorge Silvério [também do Movimento, na EPI] pagam um preço por terem feito o 25de Abril. O preço, foi não me darem o comando de unidades. A mim, que na guerra tive uma companhia condecorada colectivamente por feitos em campanha (há no máximo uma dúzia, em centenas que lá andaram)."
(v) respondendo à pergunta do jornalista: "Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?"... Resposta:
"Gertrudes da Silva. É o nº 1 do curso e ainda hoje lhe têm respeito. Pegou numa companhia do RI 14 na noite de 24 e veio por aí abaixo esses 300 quilómetros, até Lisboa, onde tinha uma missão a cumprir e cumpriu-a. Pagou a factura. Dizem que ele é gonçalvista? E os que estiveram ligados ao Mário Soares e ao Sá Carneiro? E à extrema-esquerda? Outro nome a quem não deram comando: Rui Rodrigues. Um homem que é capaz de arrancar com uma companhia e tomar o aeroporto, não pode comandar a Escola? Nos 300 que fizeram o 25 de Abril havias dos melhores oficiais do Exército. Por isso foram capazes de planear e executar aquela missão. O domínio da máquina militar pouco depois do 25 de Abril ficou nas mãos de militares que chamavam 'libertários' aos do 25 de Abril."
(v) respondendo à pergunta do jornalista: "Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?"... Resposta:
"Gertrudes da Silva. É o nº 1 do curso e ainda hoje lhe têm respeito. Pegou numa companhia do RI 14 na noite de 24 e veio por aí abaixo esses 300 quilómetros, até Lisboa, onde tinha uma missão a cumprir e cumpriu-a. Pagou a factura. Dizem que ele é gonçalvista? E os que estiveram ligados ao Mário Soares e ao Sá Carneiro? E à extrema-esquerda? Outro nome a quem não deram comando: Rui Rodrigues. Um homem que é capaz de arrancar com uma companhia e tomar o aeroporto, não pode comandar a Escola? Nos 300 que fizeram o 25 de Abril havias dos melhores oficiais do Exército. Por isso foram capazes de planear e executar aquela missão. O domínio da máquina militar pouco depois do 25 de Abril ficou nas mãos de militares que chamavam 'libertários' aos do 25 de Abril."
(vi) Sobre o antigos combatentes, Aurélio Triandade, fez questão de manifestar ao jornalista "a sua indignação pela forma como têm sido tratado":
(...) Como “oficial, ex-combatente e homem do 25 de Abril”... Todos os governos têm dito que querem defender os ex-combatentes, “mas não fazem o essencial”, limitando-se a dar-lhes “uma esmola, e a esmola desonra o Estado português”. (...) “Os ex-combatentes nunca pediram ao estado uma pensão. O que pediram foi tratamento igual [em relação à contagem do tempo de serviço, quer militares quer os jovens do serviço militar obrigatório que foram para a actividade privada]. Dá-se 150 euros - trinta contos por ano - a um ex-combatente? É uma miséria. É indigno. Ou davam qualquer coisa decente ou não davam nada. Vem agora este governo dizer que só dá aos que precisam. Mas o ex-combatente não precisa de esmolas. Se querem dá-la, façam-no pela Segurança Social, por exemplo. Por ser combatente, não”. (...)
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Nota do editor:
Último poste da série > 26 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25564: In Memoriam (503): Lino Bicari (1935-2024) foi a sepultar ontem, no Alvito, Alentejo... "Senti a partida deste bom amigo, que encontrei na Guiné, e desejo-lhe o descanso eterno" (Arsénio Puim, ex-alf grad capelão, BART 2917, Bambadinca, mai 70/mai71)
3 comentários:
Bom dia.
As memórias do recém-finado sr. TGen Aurélio Manuel Trindade - o qual em 2010 as terá feito publicar sob pseudónimo "Manuel Andrezo" -, pecam por uma imprecisão fáctica, porquanto nunca poderia ter embarcado no NTT 'Niassa' a 30Jun1965 no Cais da Rocha Conde de Óbidos rumo ao estuário do Geba, sendo indubitavelmente certo que aquele mesmo navio desde 22Jun1965 até 15Jul1965 se encontrava em viagem oceânica desde o porto moçambicano da Beira até à cidade de Lisboa.
Note-se que entre o final da Primavera e o início do Verão de 1965, o NTT 'Niassa' apenas efectuou viagens Lisboa-Bissau nos dias 21-26Mai1965 e 31Jul-06Ago1965.
Cpts
Meu caros Arada Pinheiro e Morais Silva (by email),com data de hoje:
O vosso amigo e camarada Aurélio Trindade acaba de se juntar, no Olimpo dos bravos, a muitos outros antigos combatentes que passaram pelo TO da Guiné, e que eram (e continuam a ser) membros da nossa Tabanca Grande.
Na impossibilidade de falar com alguém da família (e em especial dos seus filhos Luís Aurélio e Isabel Cristina, que o ajudaram no processo de imressão do sue livor...na Alemanha ), tenho o OK do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, seu camarada dos tempos da Escola do Exército (há mais de 70 anos!), para lhe prestar "honras de Tabanca Grande".
Julgo que o Morais da Silva, também seu bom amigo (embora mais novo, mas beirão como ele), terá o mesmo entendimento: tendo sido comandante operacional na Guiné em 1965/67, e tendo escrito um notável livro de memórias ("Panteras à solta"), o Aurélio Trindade, e por tudo o mais que foi em vida como português, cidadão e militar, não pode ficar inumado na "vala comum do esquecimento"...
Sei, pela dedicatória que ele escreveu no livro que ofereceu ao Mário Arafa Pinheiro(um dos comandantes do Comando Geral de Milícias, em 1973), que Bedanda (e a Guiné) lhe ficaram para sempre no coração.
Infelizmente, não chequei a conhecê-lo pessoalmente, ao ten gen Aurélio Trimdade (não estive no convívio de 2012, na Mealhada, dos "Onças Negras"), mas conheço (e tenho convivido com) alguns dos bravos "Onças Negras", ainda do tempo da 4ª CCAÇ e depois da CCAÇ 6 (de que o Trindade foi, como se sabe, o último e o primeiro comandante, respetivamente).
O Trindade tem 20 referências no nosso blogue. "Apadrinhado" pelo cor inf ref Arada Pinheiro, passa agora a sentar-se simbolicamente no lugar nº 891 à sombra do nosso fraterno poilão.
É a nossa pequena, modesta mas sincera homenagem a um dos nossos melhores. Aproveitei para dar conhecimento, em BBC, a alguns dos "bedandenses" da Tabanca Grande.( Poderão escrever também o que bem entenderem na caixa de comentários ao poste P25709, de hoje.)
Um alfabravo, Luís Graça.
Antonio Morais Silva (by email)
3 jul 2024 13:20
Caro Luís
Muito obrigado.
Abração
MS
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