sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26238: Os felupes que eu conheci (1): O valente soldado Dudu: Bolama, 1969 (Carlos Fortunato)

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Guiné > Arquipélago Bolama - Bijagós > Bolama > Centro de Instrução Militar > 1969 > O Carlos Fortunato, fur mil, CCAÇ 2591 / CCAÇ 13, e o recruta felupe Duda.


Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2003). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Seria uma pena o fabuloso "baú" do Carlos Fortunato, com as coisas & loisas da Guiné, se perder... Referimo-nos nomeadamente à página na Net, Guiné - Os Leões Negros, que esteve alojada no Sapo, até há uma dúzia de anos. Foi depois descontinuada (o "Sapo" tirou o tapete a quem "viajava" de borla...), mas felizmente foi salva, sendo capturada pelo  Arquivo.pt. 

De vez em quando eu  gosto de a revisitar e vou lá repescar algumas das "pérolas literárias" do Carlos  (fizemos juntos a viagem para a Guiné no T/T Niassa, em 24 de maio de 1969, ele foi para a futura CCAÇ 13, Bissorã, e eu para a CCAÇ 12, Bambadinca; regressámos, de novo, juntos, no T/T Uíge, em 17 de março de 1971; "sãos e salvos", e com o "bichinho" da Guiné; "Guiné - Os Leões Negros", uma página ou porta, que não é um blogue, criada em 2003, é, cronologicamente, mais antiga que o nosso blogue, de 2004).

Mas dos felupes eu não sei nada. Só conheci um, na 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga e Bambadinca, o João Uloma. Em boa verdade, era o felupe mais famoso do meu tempo. E poucos de nós andaram lá pelo seu chão, no noroeste da Guiné (São Domingos, Varela, Susana...). Está na altura de juntar alguns escritos sobre esta mítica etnia da Guiné, mal conhecida (e mal amada), que nos tempos que correm está seriamente ameaçada, pelas alterações climáticas e pela pressão demográfica, na sua identidade, modo de vida e território (*).

Há cerca de um centena de referências no nosso blogue aos Felupes.



Carlos Fortunato, em Bissau, 2006.   
Foto: Arquivo do Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné



Os felupes que eu conheci (1) > O recruta Dudu, em Bolama, 1969




O recruta africano que surge na foto é Dudu, 2º comandante de um pelotão de milícias felupes, o 1º comandante chamava-se Ampánoa. 

Foram enviados para Bolama, para serem treinados por nós e integrado nas forças regulares, mas não irão integrar a nossa companhia, a CCAÇ 13, pois regressarão à sua região em Varela (região de Cacheu).

Adversários temíveis os felupes, possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que guardam ou entregam ao feiticeiro, e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.

 

Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das árvores, e dançando debaixo delas.

O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.

Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-os, empolga-os, constituindo o mais desejado espectáculo.

Este grupo de felupes é famoso pela sua combatividade, a qual não conhece fronteiras, fazendo incursões frequentes no Senegal.

O felupe da foto, Duda, ficaria gravemente ferido após o seu regressos a Varela, segundo me contou num encontro que tive com ele em Bissau. Um estilhaço de roquete entrou-lhe na cabeça pela testa, num inesperado encontro frente a frente e a curta distância com uma patrulha do PAIGC, em que se atirou para o chão para evitar o disparo do guerrilheiro que lhe apareceu pela frente. Apesar de atingido pelo estilhaço, não falhou o tiro com a sua bazuca, acertando em cheio no guerrilheiro.

Disse-me que já sabia que lhe ia acontecer algo mau, pois dias antes alguém tinha colocado sal no chão à saída da sua porta, e ele tinha-o pisado quando saiu.

As notícias que chegaram depois da independência é que foram todos mortos pelo PAIGC.

[ página que foi descontinuada, por estar alojada no "Sapo", tendo sido "capturada" e "salva" pelo Arquivo.pt; era administrada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-fur mil, CCAÇ 2591 / CCAÇ 13 (Bissorã, 1969/71). 

Texto publicado originalmente
publicado em 24/02/2003, e revisto em 21/07/2006 por Carlos Fortunato. ]


(Seleção, revisão/ fixação de texto, título: LG)


____________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 29 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26211: S(C)em Comentários (53): O drama dos felupes, que estão a perder o seu chão e a sua identidade, afetados pelas alterações climáticas (Cherno Baldé)... E que agora perderam uma grande amiga, a antropólogia Lúcia Bayan , falecida no passado dia 26

5 comentários:

Eduardo Estrela disse...

O nosso querido amigo Carlos Fortunato talvez não saiba mas o Dudu veio para Portugal, ou na sequência dos ferimentos recebidos em combate e/ou após a sua recuperação. Tinha uma placa metálica a reforçar a zona craniana a qual lhe alterava ligeiramente a face.
Tive o privilégio de privar com ele e o Ampanoa na Guiné pois foram connosco Ccaç 14 para a zona operacional de Cuntima. Posteriormente foram para o chão Felipe. Com o Dudu, que vivia na zona de torres Vedras, ainda estive em vários almoços.
Conseguiu a nacionalidade portuguesa e tinha uma pensão de pouco mais de mil euros resultante das sequelas que transportava
Eram muito boa gente.
Abraço. Eduardo Estrela

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eduardo, é caso para dizer... o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Pois é, Eduardo, já me esquecia que vocês, CCAÇ 2592, tinham pessoal natural das etnias Mandinga e Manjaca e ainda um pelotão da etnia Felupe (a que pertenciam o Duda e o Ampanoa).

A 2ª fase da instrução de formação foi no CIM de Bolama, mas o pelotão Mandinga foi no CIM de Contubooel, juntamente com os soldados das futuras CART 11 e CCAÇ 12 (a minha CCAÇ 2590)... Lembro-me do nosso camarada António Bartolomeu, furriel, de resto nosso grão-tabanqueiro. Nunca percebi por que é que houve esta segregação étnica, manjacos e felupes para um lado (Bolama), mandingas para outro (Contubole)... Os mandingas eram do Leste, ficavam mais ao pé de casa ?

Aquele abraço. Luis

Eduardo Estrela disse...

Tudo gento boaLuís!
Algarvios , beirões, alentejanos, fulas, mandingas, manjacos tra no smontanos felupes, gente doutra cultura costumes e forma de comunicar.
Amigos!
Com eles aprendemos coisas que nos prendem à vida.
Com eles aprendemos o r no mundo e na sociedade mas mentes obtusas aniquilaramespeito.
A guerra para que?
Puta que pariu a guerra.
Pódiamos ter escrito uma brilhantehistoria de humanismo

Anónimo disse...


Eduardo Estrela (by email)
26 dez 2024, 21:25

Assunto - A terra e as gentes que continuamos a amar

Luís!!
Tenho cada vez mais, dificuldades em tecer comentários aos posts do blogue.
Acabei de dar um ( OK ) ao que se refere ao Dudu e ao Ampanoa com a certeza de que algo foi mal executado.

Abomino estas merdas das denominadas novas tecnologias. Viva a comunicação oral, escrita, por sinais de fumo, por sons, por movimentos, por formas de andar e de sorrir, por entendimento e respeito pela condição humana.

Não sei como vai surgir no blogue da memória que tu e quem te tem acompanhado continuam a manter com esforço, dedicação e entrega de momentos que podiam ser só de vocês, mas que preferem partilhar com quem continua a ter , como vocês, os sons os cheiros as cores, a PARTILHA, duma terra e dumas gentes que havemos de transportar no nosso coração.

Ainda não consegui aceder ao teu convite de comentador de aprendizagem.

Abraço e que Deus nosso senhor, os bons irans, Buda, Maomé, os homens e as mulheres te protejam a ti e a quem te vai acompanhando neste luta incessante que é a rebeldia racional.
Abraço.
Eduardo Estrela