segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1497: Tertúlia: uma especial saudação ao Amaral Bernardo (Paulo Salgado)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > 15 de Outubro de 2005 > O Paulo Salgado na velha ponte do tempo colonial, contemplando os rápidos do Saltinho no Rio Corubal. Uma paisagem sempre deslumbrante,um dos pontos mais turísticos da Guiné-Bissau (1).

Fotro: Paulo Salgado (2005). Direitos reservados

Mensagem do Paulo Salgado (administrador hospitalar, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho; ex- alf mil, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72).


Luís,

Por favor, não sei se isto tem interesse em colocar no Blogue, mas acho que sim, pois ajuda-nos a compreender os outros.

Fico sempre contente com a chegada de novos tertulianos - mesmo daqueles que só lêem as coisas dos outros. Vai crescendo a roda de Camaradas (não tenhamos medo das palavras - a semântica não tem nada a ver com outras conotações e, tendo para alguns, tudo é de respeitar, aliás dentro dos nossos princípios). Pois fiquei agradavelmente surpreendido com a presença do Amaral Bernardo (oh, Prof, viva!?) (2).

Tenho a comunicar-vos, queridos tertulianos, que tive o privilégio de estar com o Amaral Bernardo em Bissau por várias vezes, em 1997, 1998, 2004, 2005 e 2006 - lá, onde deixámos um pouco (ou muito de nós). E tenho esse privilégio porque ele - o Amaral Bernardo - acabou por reviver muitas coisas, como alguns que lá foram mais tarde. Trabalhou como médico, coordenador da formação de médicos em Bissau, localmente, dando o exemplo e a sua sabedoria e capacidade de organização.

Tenho que recordar duas pequenas histórias, porque é justo:

Primeira: Em 1997 fomos ao Saltinho, ou melhor, a Cusselinta, por uma picada mal batida. Ele ainda não tinha feito a catarse. Iamos num carro alugado e eu, que já tinha estado dois anos na Guiné, em 1990-1992, pensei que para ele seria fácil. Pois, meus Caros, o Amaral Bernardo perguntou-me com a sua franqueza habitual:
- Onde é que você me leva? - E eu:
- Não há problemas! - E ele:
- E as minas, já não há problema?

Ainda hoje estou arrependido de não ter feito as coisas com serenidade.

Segunda: O Amaral Bernardo coloca sempre um entusiasmo grande nas sua actividades. Pois, na formação de Médicos Guinenenses, onde se deslocou por várias vezes, um dia, virou-se para um dos médicos faltosos e frontalmente atirou-lhe:
- Ou cumpre, ou você chumba. - Sem rodeios, mas com disciplina e com modos decentes.

Para todos: este nosso tertuliano fez um belo trabalho na guerra e nos últimos tempos. Tem uma costela de Guineense. E como ele gosta de apreciar a beleza das paisagens, do que é mau e do que é belo (é ou não, Prof.?)

Para o Amaral Bernardo: paraéens por ter esta aparição. Agora é só contar as estórias - eu sei que são muitas. E fotos também. Antigas e recentes. Fica o desafio.

Paulo Salgado
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Notas de L.G.:


(1) Vd. post de 19 de utubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (3) (...)

"Hoje, sábado, fomos até ao Saltinho, com os cooperantes da Saúde que chegaram ontem no avião (já agora: a Dra. Adelaide, ginecologista; o Dr. Justiça, hematologista e que também fez a guerra em Angola) e ainda o João Faria, engenheiro hospitalar (que já cá está há oito dias… Manga di tempu! , que esteve em Angola, e que se está a aguentar com brio e companheirismo nas lides do Hospital Civil... Todos eles emprestaram à viagem de 350 km um sabor especial)" (...).


(2) Vd. post de 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1489: Tertúlia: Formalizo o meu pedido de entrada (Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930)

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1496: PAIGC - Propaganda (2): Notícia da deserção de três fuzileiros navais (Fernando Barata)

Senegal > PAIGC> Panfleto do PAIGC > s/d > Três fuzileiros portugueses que desertaram da base naval de Ganturé, na região do Cacheu. Legenda: "A satisfação dos fuzileiros navais Pinto, Alfaiate e Sentieiro, fotografados em lugar seguro, após terem abandonado a base fluvial de Ganturé". Documento digitalizado que nos chega por mão do Fernando Barata, ex-alf mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72).

Não consigo localizar o ano em que terá ocorrido a deserção destes três militares portugueses, nem a obter a confirmação do facto por parte das autoridades portuguesas da época ... Pode ser que algum dos membros da nossa tertúlia, e em especial dos pertencentes à Marinha, nos possa dar uma ajuda...(LG).


Fotos :© Fernando Barata (2007). Direitos reservados.

Série PAIGC > Propaganda (1)



Photobucket - Video and Image Hosting
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P1495: Turismo militar, uma ideia a apoiar (Fernando Barata)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Vista área do aquartelamento e tabanca de Dulombi.


Foto:© Fernando Barata (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Fernando Barata ( ex-alf mil, CCAÇ 2700, Dulombi, 1970/72):


Caro Luís Graça

Acredita é um enorme prazer passar a pertencer à tertúlia. Ate por que não é todos os dias que se pode tratar, e ser tratado, por tu um Professor Doutor (sorrisos...).

Quanto aos elementos que me pedes, em tempos fiz uma pequena história da Companhia. Aproveito para ta enviar, parcelarmente, por attachment, agradecendo que escalpelizes o que tenha interesse colocando, depois, no blogue.

Terei muito gosto em estar presente no próximo encontro a realizar em Pombal. Acompanhar-me-á o Estado-Maior da 2700, bem como alguns furriéis. Apesar de eles não serem blogueiros, presumo que não esteja vedada a sua presença, isn't true?

Pelo que tens feito através do blogue, penso que serás a pessoa ideal para pôr em prática uma ideia que frequentemente me invade. Há o turismo das mais diversas espécies: de neve, de praia, sexual, rural, etc.. Por que não o turismo militar (não sei se o nome é feliz o que interessa é ideia). Penso que a maioria esmagadora dos indivíduos que cumpriram o serviço militar nas, então, províncias ultramarinas sentem uma sede em voltar ao local do crime.

Existe, pois este nicho de mercado que ainda não foi suficientemente explorado pelas agências de viagens. Sei que, em relação à nossa Guiné, o problema é complicado não só pela falta de instalações hoteleiras mas, principalmente, pela falta de segurança que se poderá sentir atendendo às recorrentes convulsões internas.

Até que ponto (estarei a ser lírico?) não poderíamos dar um contributo valioso, por um lado passando a sermos catalisadores do comércio local, por outro, por exemplo, promovendo conferências, debates, programas de apoio (tenho óptimas relações com o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Prof. João Cravinho, que foi meu professor na Faculdade e que nos ouviria) criando, assim, algumas condições para o entendimento.

Estas coisas são feitas através de pequenos passos. É a tal pequena mancha de óleo que, ao cair na água, parece insignificante mas que vai alastrando e contagiando. Há um outro aspecto. Pelo que me conta a malta que lá vai, eles continuam a gostar de nós, estando de braços abertos para nos receber. Pensa nisto, OK?

Quanto a mim. Vivo em Coimbra (pontualmente encontro-me com o Vítor David), estou a tratar da reforma e o que de significativo haja a referir do tempo da Guiné, certamente estará condensado nos anexos que te envio. Aproveito para referir que os anexos vou enviá-los através do gmail, já que o hotmail só permite ficheiros até 1 Mega.

Peço-te que aceites um grande abraço do



2. Pequena nota autobiográfica do novo membro da nossa tertúlia (1):


Fernando Barata nasceu a 10 de Dezembro de 1948, em Canas de Senhorim, (Canas a Concelho!!!).


É pai de duas filhas, e reside em Coimbra, cidade onde se radicou pouco tempo após o regresso do Ultramar.


É licenciado em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.


Trabalha no Gabinete de Relações Externas e Iniciativas Transfronteiriças da Comissão de Coordenação da Região Centro.
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P1494: Tabanca Grande (5): Fernando Barata, ex-Alf Mil da CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912

Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > Dulombi > 1970 > O Alf Mil Barata


Coimbra > 2007 > O Fernando Barata, novo membro da nossa tertúlia.


Fotos: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de 25 de Janeiro último, enviada por Fernando Barata, que reside em Coimbra:

Caro Doutor Luís Graça:

Teria imenso gosto em pertencer ao grupo tertuliano. Deste, já fazem parte dois colegas de Batalhão (BCAÇ 2912), o Martins Julião [, CCAÇ 2701] e o Paulo Santiago [,Pel Caç Nat 53, ] e também três camaradas da Companhia que eu fui render (Raposo, Felício e Vitor David - CCAÇ 2405).

Através do Blogue foi-me também possível localizar um amigo de juventude do qual já não tinha contacto há mais de 40 anos. Mais que não fosse, só por isto, já valeu a pena.

Passo a transmitir os meus dados pessoais:
Fernando Barata >

(a) ex-Alferes Miliciano, pertencente à CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912,

(b) estive na Guiné entre Maio de 1970 e Abril 1972, no Dulombi.

Permita-me que lhe dê os parabéns não só pela ideia da constituição do blogue, mas também pela sua estrutura.

Cordiais cumprimentos
Fernando Barata

2. Resposta do editor do blogue:

Fernando:

(i) Estás em casa. Somos quase da mesma época. Eu pertenci à independente CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12, africana) (Maio de 1969/Março de 1971). Estivemos como unidade de intervenção em Bambadinca, às ordens dos BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72). A CCAÇ 2405 que tu foste render (Alf Rijo, Felício, David e Raposo - os quatro fazem parte ds nossa tertúlia) pertencia à BCAÇ 2852;

(ii) Já conheces as nossas regras. Podes consultar a página respectiva;

(iii) A ideia é cada um de nós ir alimentado o blogue com imagens e pequenas estórias… Há quem se abalance a fazer coisas de maior fôlego. Por exemplo, já publicámos as memórias do Paulo Raposo e de outros camaradas. Escreve, quando te apetecer. De qualquer modo, gostaríamos de saber um pouco mais sobre ti (onde vives, o que fazes…), a tua CCAÇ 2700 e o teu BCAÇ 2912, e os sítios por onde vocês andaram. Se tiveres fotos com interesse documental, manda… digitalizadas.

(iv) Como já percebeste, o tratamento por tu é uma regra com que nos temos dado bem, na nossa tertúlia… Esbate diferenças e quebra barreiras na nossa comunicação;

Já nos encontrámos na Ameira, em Montemor-O-Novo, em Outubro passado (Estiveram lá o Julião e o Santiago). Não nos conhecíamos a não ser de fotografia. Pessoalmente, só alguns. Não imaginas quanto foi mágico (podes ver o respectivo post) (1): ao fim de cinco minutos, estávamos todos a falar como velhos camaradas de há 40 anos…

Eu sei que para alguns de nós, por defeito de educação, o tratamento por tu é artificial, é desconfortável… Nascemos todos no Portugal de Vossa Excelência, tão bem caricaturado por poetas e romancistas do nosso tempo como o Alexandre O’Neil ou o José Cardoso Pires… A Guiné aproximou-nos a todos… e a Internet veio reforçá-los… A prova disso é este blogue…

(v) Vou apresentar-te à malta da nossa tertúlia… Ficas com os nossos endereços. E nós com o teu. Temos duas vias de comunicação: internamente, por email; ou através dos posts, publicados no blogue.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça).

Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira


Emblema do Grupo de Comandos Os Fantasmas (1965/66).

Foto: Tantas Vidas, blogue de Virgínio Briote (com a devida vénia).





Guiné > Bissau > Fins de Fevereiro de 1965 > O Furriel Miliciano Comando João Parreira, do Grupo de Comandos Os Fantasmas... "Esta foto foi tirada numa esplanada em frente ao Hotel Portugal, creio que se chamava Café Universal".

Foto: © João Parreira (2005). Direitos reservados.


Mensagem de 3 de Janeiro de 2007, enviada pelo António Pinto ao João Parreira:

Amigo João Parreira:

Pelas datas que apontaste nas duas últimas conversas, é muito natural que nós nos tivéssemos conhecido em Madina (1).

Já não consigo precisar quando fui para Beli, mas recuando no tempo e partindo do princípio que o ataque em Beli foi em Maio de 65 e eu já lá estava há algum tempo e a tragédia em Madina com os nossos Camaradas, que faziam parte da minha equipa, foi - segundo mo recordas - em Fevereiro do mesmo ano, tudo indica que nos devíamos ter encontrado.

Francamente não me lembro e não tive a mesma ideia que tiveste de ir apontando numa agenda notas do dia a dia. O que me tem valido são as fotos que mandava para a minha Mulher onde anotava, na parte de trás, a data o local e as pessoas que comigo estavam.

O que não me posso esquecer jamais é daqueles que deixaram este mundo, alguns nos meus braços, balbuciando a última palavra: MÃE.

Já lá vão 42 anos e ainda hoje sonho muitas vezes com este e outros factos, que, inevitavelmente, deixaram muitas marcas (2).

Amigo João Parreira, até breve. Sou dos mais novos, se não o mais novo na Tertúlia e não quero ser aborrecido. Mas a verdade é que apetece estar constantemente a falar com Camaradas, que parece já conhecer há muito tempo.

Passo os meus tempos livres, que agora são muitos, a visitar o site do Amigo Luís Graça.

Um grande abraço do

Pinto

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Notas de L.G.:

(1) vd. post de:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

(2) O grupo de Comandos Fantasmas perderam 9 homens na região de Madina do Boé, antes de serem extintos: 8 homens em 28 de Novembro de 1964 (junto do Rio Gobije, na estrada Madina do Boé para Contabane, a oeste); 1 homem em 8 de Dezembro de 1965:

Vd. post de 15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

Infelizmente, não temos 'on line' a carta de Gobije, contínua à de Madina do Boé.

Grupo Comandos Os Fantasmas

• António Joaquim Vieira Pereira, 1º Cabo Corneteiro Comando, natural de Santa Leocádia / Baião, inumado no cemitério de Santa Leocádia, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;

• Artur Pereira Pires, Furriel Miliciano Comando, natural de S. Sebastião da Pedreira / Lisboa, inumado no cemitério da Ajuda em Lisboa, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;

• Braima Seidi, 1º Cabo Comando natural de Buba / Fulacunda, inumado no Cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;

• Eugénio Campos Ferreira, Soldado Condutor Auto Comando, natural de Vila Frescaínha (São Pedro) / Barcelos, e inumado no cemitério de Vila Frescaínha, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;

• João Ramos Godinho, Soldado Condutor Auto Comando, natural de Valverde / Coruche, e inumado no cemitério de Coruche, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;

• José da Rocha Moreira, Soldado Condutor Auto Comendo, natural de Arcozelo 7/7 Vila Nova de Gaia, inumado no cemitério de Arcozelo, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;

• Manuel Couto Narciso, Soldado Condutor Auto Comendo, natural de Santa Catarina / Caldas da Rainha, inumado no cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;

• Ramiro de Jesus Silva, 1º Cabo Condutor Auto Comando, natural de Valongo (Colmeias) / Leiria, inumado no cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;

• Artur Mateus Martins, Soldado Cozinheiro Comando, natural de Olhão, inumado no cemitério do Alto de S. João - Lisboa, faleceu, no Hospital Militar Principal (Lisboa), vítima de ferimentos recebidos em combate em 28 de Novembro de 1964, no contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em
8 de Dezembro de 1965;

Guiné 63/74 - P1492: Álbum das Glórias (7): Eu, o Mário Soares, o grande cantautor de Coimbra, Luiz Goes, e o Spencer (António Pinto)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: O Alf Mil António Pinto, o Mário Soares, comerciante de Pirada, o Alf Médico (e hoje conhecido como o grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes (1) e o Alf Mil Spencer.

Série Álbum das Glórias (2)


Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados (3).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. sítio Coimbra XXI, Gestão e Promoção Cultural > Sobre Luiz Goes (Reprodução do texto, com a devida vénia):

"Luiz Fernando de Sousa Pires de Goes

"Coimbra, 5 de Janeiro de 1933

"Licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, em 1958, exerceu a profissão de médico estomatologista, em Lisboa, até 2003. Prestou serviço militar na Guiné como Tenente-médico, entre 1963 e 1965 [, BCAÇ 506].

"Iniciou-se no Fado de Coimbra por influência do seu tio, Armando Goes, um dos grandes cantores e compositores dos anos vinte, contemporâneo de Edmundo Bettencourt, António Menano, Lucas Junot e Paradela de Oliveira.

"Cantou pela primeira vez em público com apenas 14 anos de idade, numa festa do Liceu D. João III, em Coimbra, interpretando a Feiticeira, de autoria de Ângelo de Araújo. Já anteriormente tinha tido o privilégio de ser acompanhado, em convívios de antigos estudantes, por Artur Paredes, Afonso de Sousa e Francisco Menano, irmão mais velho de António Menano. Fez as primeiras gravações em 1953 com José Afonso, António Brojo e António Portugal.

"Enquanto estudante, integrou o Orfeon Académico, onde foi solista, e o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), sob a direcção do Prof. Paulo Quintela. Colaborou ainda com outros organismos académicos como o Coral da Faculdade de Letras e a Tuna Académica.

"Com José Afonso, Fernando Rolim e Machado Soares participou na gravação de discos de setenta e oito rotações, os primeiros depois da geração de oiro dos anos vinte, acompanhado por António Brojo, António Portugal, Mário de Castro e Aurélio Reis. ´

"Luiz Goes tem desenvolvido uma actividade artística regular enquanto cantor, compositor e poeta, sendo unanimemente reconhecido como o maior intérprete da segunda metade do século XX da Canção de Coimbra. Gravou vários LP´s sendo de destacar: Serenata de Coimbra (Coimbra Quintet), Coimbra de ontem e de hoje, Canções do mar e da vida, Canções de amor e esperança e Canções para quase todos.

"É Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e recebeu a Medalha de Oiro da Cidade de Coimbra e a medalha de Mérito Cultural do Município de Cascais.

"Carlos Carranca disse, a 4 de Julho de 1998, aquando da cerimónia de entrega da Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra a Luiz Goes:

"Dizia Teixeira de Pascoaes que a voz de Hilário "subia nas noites de Coimbra até se ouvir na lua". Ele era o primeiro grande cantor das inesquecíveis noites de luar da Velha Alta. Hoje, no dealbar do novo milénio, cem anos depois de Hilário, a voz de Luiz Goes enche a noite, universalizando a toada coimbrã, penetrando fundo na cósmica inquietação do Futuro. A alma de Coimbra é a voz de Luiz Goes e a voz de Luiz Goes é a voz telúrica e trágica da condição humana. A sua obra é um monumento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma visão plural da vida.
"- É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe. Vai ao encontro de quem sonha, do homem só, adquire sangue novo. Chega mais longe porque tu lhe insuflaste a tua própria vida, lhe deste a tua inteligência e a tua criatividade inacessíveis aos que de Coimbra se contentam em imitar o estilo, a exibir erudição, a contabilizar louvores.

"Com Luiz Goes o canto de Coimbra rompe com a 'lamechice', desce às raízes, ganha autenticidade e sensualidade. Luiz Goes não só canta, como escreve sobre nós, e fá-lo apaixonadamente. Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as nossas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos. Seus versos pedem canto. E o que é cantar? É talvez o meio de sermos por fora o que somos por dentro. É escancarar o que nos vai na alma reduzindo a distância que nos separa. E não há forma mais perfeita de estar com os outros.

"Em Luiz Goes habitam as múltiplas influências do trovador inquieto e intemporal, do poeta, do respeitador da tradição no que ela possui de essencial, rejeitando exibicionismos vocais, poéticos saudosismos serôdios e intransigências reaccionárias. Luiz Goes é um cantor da Saudade. Mas de uma saudade que nos faz compreender que todos nós participamos num ser universal".

(2) Vd. post de 30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1473: O álbum das glórias (6): A 'dolce vita' de Bolama (Joaquim Mexia Alves, CART 3492)

(3) Vd. post de 3 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1491: Gabu: Fotos com legenda (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (2): Nova Lamego, Pirada, Buruntuma, Senegal

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1491: Gabu: Fotos com legenda (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (2): Nova Lamego, Pirada, Buruntuma, Senegal













Fotos: António Pinto (2007). Direitos reservados.

Mensagem do António Pinto, com data de 3 de Janeiro último, enivada ao José Martins:

Caro José Martins:

Permito-me enviar mais algumas fotos (1), que legendei, esperando que sejam recebidas em boas condições. Ainda não são de Madina e Beli pois ainda não as encontrei.

Como diz o teu neto, temos que ser os escritores da nossa história, para que ele, bem como as minhas netas (tenho 4) e também todos os netos dos nossos camaradas, percebam um pouco do que foi a nossa passagem por terras da Guiné.

Um abraço do

António Pinto
(ex- Alf Mil, BCAÇ 506 e 512,
Nova Lamego, Pirada, Madina do Boé, Beli,
1963/65)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1456: Gabu: Fotos com legendas (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (1): Pirada e Piche

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

Guiné 63/74 - P1490: Favores sexuais furtivos em Mampatá (Paulo Santiago)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > À noite na Pousada do Saltinho: o Abdu, de gorro vermelho, o Paulo Santiago e Sado (1)

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.

Texto do Paulo Santiago (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53, SPM 3948, Satinho, 1970/72):

Luís:

Após ter lido o excelente post do Vitor Junqueira sobre a Fanta Baldé (2), não resisto, tenho de contar o meu primeiro encontro sexual, ocorrido na Guiné.

Estava há seis/sete meses sem saber o que era mulher. Tinha uma lavadeira, mas essa tratava-a com muito respeito, era mulher do meu soldado Fodé Sané, um dos meus
militares condecorados com Cruz de Guerra. Mulheres de soldados do 53 eram minhas irmãs, ninguém lhes tocava (Hei-de contar, um dia destes, um problema grave havido com um militar da CCAÇ 2701,quando tentou violentar uma dessas minhas irmãs).

Uma tarde, o Abdu, mandinga, chefe de tabanca do Saltinho, diz-me, meio em segredo, ter uma bajuda para descarregares baterias (3), nessa noite, na tabanca de Mampatá, onde ele esperaria por mim para me indicar a morança.

Claro,a partir desta conversa, a cabeça,propriamente dita, deixou de funcionar, passando os neurónios para a cabeça da... piça. Mal jantei, dando a desculpa de uma indisposição e de que iria dar uma volta até à tabanca do meu pessoal, que ficava no exterior do arame farpado do quartel.
Mampatá distava uns 2 kms do quartel, percorridos em marcha acelerada, levando como única arma a faca de mato no cinturão. Estava uma escuridão que mal dava para lobrigar a picada.

À entrada da tabanca, estava o Abdu, à minha espera e foi-me conduzindo pelo meio das moranças,até chegar a uma onde me indicou para entrar,tendo-se ele afastado. Entrei, meio encurvado, a porta era baixa, há uma mão que me puxa, não dizemos qualquer palavra, não consigo ver a cara da mulher, se era nova ou velha. Falando portuguesmente foi uma foda à coelho.

Após consumação do coito, dou por mim meio aterrorizado. Puxo as calças para cima, agarro no cinturão e raspo-me dali para fora.Chego ao quartel ofegante.

Andei montes de tempo sem contar esta cena a ninguém, arrepiava-me só de pensar nela. Poderiam ter-me cortado a cabeça, a de cima, a que pensa,ou poderiam apanhar-me à mão. Nenhum outro militar sabia onde tinha ido naquela noite.

Após a independência vim a saber que o Abdu era o homem do PAIGC na zona. Em Fevereiro de 2005, tentei sacar-lhe se a intenção daquele convite não seria para ter outro resultado. Disse já não se lembrar do acontecido.

Putas, só mais tarde, quando estava em Bambadinca e aos Sábados lá ía, com o amigo Vacas de Carvalho, a Bafatá. Histórias para outra altura.

Abraço
Paulo Santiago

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

(...) "Vem o Rui, encarregado da pousada, chamar-me pois anda o homem grande à minha procura- era o Abdu, mandinga, chefe de tabanca do Saltinho, negociante de vacas e magarefe de serviço na 2701, e, soubemo-lo mais tarde, homem do PAIGC na zona... Abraçamo-nos fortemente e, penso, que consegue estar mais emocionado que eu própio. Sentamo-nos a lembrar o arroz à Abdu que ele fazia de forma magistral. Pergunta-me por muitos ex-militares da 2701, por alguns dos meus furriéis do 53, falamos de vários assuntos, até sobre canhotos, aqueles cachimbos tradicionais" (...).

(2) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)

(3) Expressões equivalentes, no nosso jargão porno-militar, machista e sexista, da Guiné: dar uma cambalhota, mudar o óleo, partir catota, dar uma penachada... Não se pense, no entanto, que no nosso tempo nos comportávamos como tropa ocupante: na generalidade dos casos, e pelo menos no consulado de Spínola, as relações com a população que estava do nosso lado pautavam-se por regras (mínimas) de civilidade, de decoro e até de respeito pelas suas tradições e pela sua cultura...

Depois do primeiro choque cultural com comunidades e grupos humanos com valores e práticas sociais muito diferentes da nossa sociedade de origem, o soldado português rapidamente se adaptava e, nalguns casos, até sabia tirar partido das situações - por exemplo, em termos de favores sexuais por parte das mulheres ...

Não se pense que a prostituição - geralmente associada à presença de um ocupante estrangeiro ou de um forte contingente militar, em situação de guerra - estava generalizado a toda a Guiné... Na zona leste, por exemplo, Bafatá, sede de concelho e centro da máquina de guerra, era praticamente o único sítio onde o comércio do sexo funcionava segundo as leis da oferta e da procura... É claro que em Bambadinca (ou em Nova Lamego) também havia mulheres que faziam favores sexuais ou alinhavam em farras, mas o controlo social da comunidade era maior... Em Bafatá bastavam os pesos; em Bambadinca, o tuga tinha que saber também tirar partido da sua capacidade de sedução...

E é bom que se diga que, na Guiné, no nosso tempo, lavadeira não era sinónimo de criada para todo o serviço... A maior parte das mulheres e bajudas da Guiné que trabalhavam para a tropa, nomeadamente na zona leste - como lavadeiras, por exemplo - , deram provas de grande dignidade e humanidade, apesar da sua pobreza e do assédio sexual a que estavam sujeitas...

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1489: Tabanca Grande (5): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930

Guiné > Região e Tobali > Catió > CCS do BCAÇ 2930 (1970/72) > O Alf Mil Médico Amaral Bernardo.



Porto > 2007 > Amaral Bernardo, Professor Catedrático Convidado no ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; responsável do Departamento de Ensino Pré Graduado do HGSA - Hospital Geral de Santo António, Porto.

Fotos: © Amaral Bernardo (2007). Direitos reservados.

Luís:

Com este e-mail e estas fotografias formalizo a minha entrada para a família da guerra da Guiné que faz deste Blogue (propositadamente com maiúscula) o seu ponto de encontro para partilha de vivências que, de outro modo, teriam que continuar a ser ruminadas e recalcadas na solidão da nossa angústia - as boas e as péssimas.

Foi pela mão do Paulo Salgado, meu amigo, que diariamente, quase desde o princípio, aqui venho - com atenção e muita emoção, como já disse. E desde o princípio me senti sempre em família.

Aceito, pois, o teu convite e prometo cumprir as regras e partilhar... mesmo as minhas críticas frontais e abertas (se as houver).

Neste momento não posso fugir ao lugar comum de te felicitar por esta iniciativa cujos resultados estão à vista. Mesmo quande se discorda ocasinalmente.

Cumprimento também todos os que já fazem parte desta família.

Abraço

Amaral Bernardo

(CCS / BCAÇ 2930, Catió, 197o/72)

2. Comentário de L.G.:

Reiterando o que já te disse, em privado, estás triplamente em casa, neste nosso blogue: és um camarada da Guiné e um homem da saúde, além de professor, formador de médicos e outros profissionais de saúde. São três características que temos em comum: se lhe juntarmos o facto de termos um amigo em comum que se chama Paulo Salgado, já são quatro. Se te disser que tenho uma costela nortenha pela via do casamento (a minha mulher é do Marco de Canaveses e tenho numerosa e fantástica família no Porto), então já são demasiadas coincidências... Mas tu estás, por mérito próprio, nesta grande família que são os amigos e camaradas da Guiné... Ficamos honrados com o teu pedido (formal) de adesão à tertúlia. Já reparaste que é gente do melhor, amiga do seu amigo, camarada do seu camarada... Terás de arranjar algum tempo para nos contares as tuas estórias de médico no martirizado sul da Guiné... LG

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1474: O capelão Mário Oliveira, de Catió, que ia a Bedanda (Mário Bravo)

29 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1471: O tenente miliciano capelão Mário Oliveira, Catió. BCAÇ 2930 (Amaral Bernardo)

12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1363: Questões politicamente (in)correctas (13): Combatentes e desertores não cabem no mesmo saco (Amaral Bernardo)

Guiné 63/74 - P1488: Vídeos (1): Reportagem da RTP sobre os talhões e cemitérios militares no Ultramar (Jorge Santos)

Informação que nos chega, amavelmente, pelo nosso camarada Jorge Santos, membro da nossa tertúlia e editor do sítio Guerra Colonial Portuguesa:


EM REPORTAGEM - DOR ADORMECIDA

Programa da RTP, de 20 de Setembro de 2006, sobre os talhões e cemitérios militares em Angola, Guiné e Moçambique.

Trinta anos depois do fim da guerra colonial, existem famílias que estão interessadas em transladar os restos mortais dos seus parentes e pretendem pedir ajuda ao Governo português. A última trasladação dos restos mortais de um militar falecido nas ex-colónias ocorreu em 2003 (1).

Entrem no link abaixo indicado e vejam a reportagem na íntegra (em vídeo de 15 m). Inclui imagens dos cemitérios militares de Bissau e Bambadinca (este completamente abandonado):

http://www.rtp.pt/wportal/informacao/reportagem/

Cumprimentos
Jorge Santos

___________

Nota de L.G.:

(1) Sobre este dossiê (doloroso) , vd. os seguintes posts:

28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

26 de Setembro de 2006 > né 63/74 - P1117: Reabilitação de talhões e cemitérios militares nas antigas colónias (Jorge Santos)

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1108: Cemitérios militares: chocado com o programa da RTP1 (Paulo Santiago)

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1106: A ubiquidade dos nossos mortos (Zélia)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

20 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1093: Programa da RTP1, hoje, às 21h, sobre as campas abandonadas dos nossos mortos (José Martins)

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P1487: Blogoterapia (17): As nossas leituras em tempo de guerra (Beja Santos)

Mensagem do Beja Santos, com data de 11/1/2007:

Caro Luís:
Como é bom revisitar as leituras de juventude, textos que foram importantes no teatro de guerra.

Agradeço-te sempre com alegria o bem que representa agora na minha vida escrever o que julgava tão íntimo e intransmissível.

Teu,
Mário.

Guiné 63/74 - P1486: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (31): Abelhas africanas assassinas

Guiné > Zona Leste > SEctor L1 > Pel Caç Nat 52 > Outubro de 1968 > Operação Meia Onça > Em primeiro plano, o Alf Mil Beja Santos a caminho de Amedalai e Taibatá... "As minhas filhas descobriram esta foto que alguém me tirou naquele dia 13 de Outubro. Da Meia Onça já se falou no blogue: um fiasco que serviu para nos mortificar, sobretudo a CART 2339 [, Mansambo, 1968/69]. Eu usava estes óculos que ficaram destruídos pela mina anticarro de Canturé, em Outubro de 1969" (BS)

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Texto enviado em 10 de Janeiro de 2007. Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).

Caro Luís, aqui vai o texto da semana. Farei a referência a duas obras literárias que seguirão pelo correio, e confesso-te que são graficamente muito belas. Como igualmente faço referência aos bilhetes postais que a família e os entes queridos mandavam, tu farás o registo dos que entenderes. Se me permites alguma sugestão para fotografias, tens aí apontamentos sobre Missirá, seja os recentemente chegados por via do Luis Casanova seja daqueles que te tenho vindo enviar (por exemplo, a dar escola aos milícias). As minhas filhas descobriram uma fotografia a cores, quando eu ia a caminho do Xime para a Operação Meria Onça. Vou digitalizar-te e enviar-te para a semana. Recebe um grande abraço do Mário.


Aquelas abelhas eram sempre assassinas!
por Beja Santos

Os dois tiros rasgaram a noite exactamente quando eu lia o aerograma do Pedro Abranches, dando notícias do estado de saúde do Paulo Ribeiro Semedo. O Pedro Abranches era médico de análises clínicas no HM 241, casado com uma enfermeira colega da minha irmã, e fora visitar o sinistrado do presépio de Chicri. O Paulo acabara de ser evacuado para a metrópole para o Hospital da Estrela e estava fora de perigo. Nessa altura o diagnóstico, segundo o Pedro Abranches, ainda era favorável: "Da vista conseguirá recuperar, depois de um período de expectativa em que parecia que a ia perder. Tem o membro superior esquerdo completamente paralisado devido a estilhaços que lhe cortaram nervos fundamentais. Com fisioterapia poderá recuperar parcialmente".


A honra de macho lava-se aos tiros

Aos dois tiros sucedeu-se uma algazarra, da algazarra passou-se a um formidável coro de tragédia grega, abro a porta da cubata onde se forma um ajuntamento e Trilene Camará, um soldado que os camaradas chamavam "homem curto" (homem baixo) avança para mim com o rosto congestionado:
-Alfero, apanhei a Sali a dormir com o Mamasamba, venha ver a cama!

Perguntei de quem eram os tiros e a resposta do amante enganado foi de que procurara atingir os adúlteros, em vão. Chamo o régulo, a quem entrego a administração desta justiça, e avançamos para a cubata de Trilene, não sem eu ter dito ao Cherno para procurar encontrar Mamasamba e escondê-lo no armazém dos víveres.

O coro grego seguia-nos, vistoriámos um catre com roupa desarrumada, procurei, com o beneplácito de Malã Soncó, tranquilizar o desditoso marido que dentro em pouco nos acompanharia na Operação Andorra. Pedi ao Trilene que não se esquecesse que era soldado, todo o julgamento desta situação ficaria a cargo do régulo, tudo seria apreciado e decidido dentro de dois dias. O desconsolado a tudo dizia que sim de cabeça baixa mas rematou de cabeça erguida:
-Eu quero é que a família dela me dê uma vaca mais 3200 escudos que foi quanto me custou

Pedi a alguns soldados, e sobretudo ao Domingos Silva, que vigiassem Trilene até de madrugada, para evitar disparates e mais tiroteio avulso.


Operação Andorra e a memória de elefante do Quetá Baldé

Voltei para a cubata e pedi para me chamarem Quebá Soncó, o nosso picador. Sentámo-nos e terei dito algo como isto:
- Quebá, está a chegar um pelotão que ficará em Missirá enquanto nós partimos com toda a milícia para fazer um grande reconhecimento nas lalas de Paté Gidé, descer por Sancorlã em direcção ao rio de Biassa e cerca de 12 Km à frente contornar o rio de Ganturandim , atravessar para Salaquinhé e sair em Chicri, acima de Mato de Cão. Prevejo cerca de 40 horas de marcha, dormiremos uma noite muito perto de Madina. Peço-lhe para ir com os olhos muito abertos. Pretendo saber exactamente quantos caminhos saem de Madina até ao Geba. Num deles emboscaremos até um dia. Seja franco comigo, fale sempre verdade comigo, sempre que houver trilhos novos, vestígios da passagem recente de gente que vai aos Nhabijões ou para Santa Helena ou Mero, diga-me logo.

A Operação Andorra deixou marcas em nossas vidas de combatentes: foi penosa, pôs-nos os nervos à prova e terá sido provavelmente a gota de água da luta feroz que a partir daí Madina nos vai desencadear. Pessoalmente, aprendi que existia um inimigo oculto na mata, tão ou mais letal que o fogo: as abelhas. Não há relatório da Andorra e por essa razão recorri à memória prodigiosa de Queta Baldé:
-Lembro que saímos ainda de noite, o capim todo molhado, era capim de época seca, muito alto, molhava até ao pescoço. Havia lua, tínhamos dois cajueiros à direita, frente à porta de armas, e virámos para Cancumba, onde nosso alfero gostava de ver as árvores do pau de sangue. Como sou de Amedelai, negociava muito com a ponta de Sancorlã. Vendiam ali aguardente e amendoim. Fizemos bem o caminho porque eu conhecia os trilhos velhos e indiquei-os ao Quebá. Fomos de Cancumba até Paté Gidé, não havia nada a não ser floresta fechada, à volta da ponta tínhamos laranjeiras, eu conhecia aqueles campos onde antes da guerra se plantava milho, mandioca e arroz. Caminhámos com as fardas molhadas, metemo-nos na lama, depois veio o Sol e depois choveu, e a seguir voltou o sol. Em Sancorlã, também nada. Nosso alfero disse ao Quebá para descer ao rio de Biassa, passando por Tumaná. Se até aí não tínhamos avistado nada, quando saímos para Biassa encontrámos um trilho que tinha usado há algum tempo. Uma hora depois, entrámos no velho trilho onde antes da guerra eu fora fazer comércio a Madina. Mas estava tudo abandonado, só íamos encontrando javalis, cabras de mato e porcos espinhos. Quando eu era menino ia com o meu paizinho por este caminho até Sarauol, que durante a guerra passou a ser um local terrível onde as tropas não iam. Lembro-me também que Cibo Indjai me substituiu nesta altura a orientar Quebá Soncó. À volta de Madina, nas bolanhas, havia sentinelas permanentes e pedimos a nosso alfero para descermos dentro do mato fechado como se fôssemos em direcção a S. Belchior. Caminhávamos para o fim do dia, quando se descobriu um trilho fresco perto de Iaricunda. Atravessámos em direcção a Sinchã Corubal e aí jantámos e montámos emboscada junto do trilho. Foi uma noite sossegada e ao amanhecer subimos para o interior, era um trilho que avançava para Chicri. Foi aí que nosso alfero, quando viu marcas no chão mandou montar nova emboscada.

Abelha, abelha!!!...

Eu olho banzado para este homem a quem só falta perguntar o nome de todos aqueles que ali estavam... na verdade, é acima de um palmeiral em Mato de Cão que usamos a convencional meia lua e no pressuposto que iríamos surpreender um contigente que viesse dos Nhabijões com sal, tabaco e outros produtos necessários à vida em Madina/Belel. As horas passam, as fardas ensopam, a vigilância perigosamente quebra. Eis então que levo uma cotovelada do José Jamanca que cicia ao meu ouvido direito:
-Vem um grupo mas de Madina para Chicri!
-Manda todo o grupo emboscado inverter a posição - respondo-lhe - e passa a palavra de que serei o primeiro a disparar, orientando o fogo de dilagrama e morteiros. Até nova ordem os bazuqueiros não trabalharão dentro daquela mata densa.

É um trilho enorme, bem sulcado e eu avisto à distância de centenas de metros. E quando vários vultos entram na minha mira mando despejar os morteiros sobre a coluna de Madina e disparo uma rajada para o interior da picada, onde avançam vultos em marcha apressada. Mas a coluna vinha preparada para reagir e reagiu desta vez. A floresta é um clamor de descargas, a folhagem desfaz-se, os ramos partem-se, os gritos de fúria e pesadelo misturam-se. Peço a dois apontadores de dilagrama para responderem aos RPG2 que não param de trabalhar.

Respondem e segue-se o alívio de um silêncio sepulcral. Grito para avançarmos e avançamos centenas de metros, até onde estava a cabeça da coluna. Como um mês atrás, encontrámos esteiras, sacos de comida, carregadores e uma arma semiautomática. Chamam-me a atenção para vestígios de sangue, há quem se prepare para uma caça ao homem. Mas a coluna inimiga fincara-se talvez um quilómetro atrás e despejou fogo na nossa direcção. Escondidos atrás das árvores, procuramos ver onde disparam as kalash e as bazucas. É nesse preciso instante se ouvem vozes estridentes que semeiam o pânico:
- Abelha, abelha, toca a fugir!.

É um espectáculo assombroso o que se segue e vejo de pé, impotente, incapaz de qualquer reacção: à distância, os guerrilheiros de Madina gritam e fogem, correndo por mim em pânico, os soldados de Missirá fogem. Fogem sacudindo-se batendo com as mãos no peito e nas pernas. Fogem com uivos de dor. Aquela indecifrável cena apocalíptica levanta-me o ânimo e por pura imitação desato a correr. É mais à frente que consigo que o Quebá me explique o que se está a passar: os tiros destruíram os favos, as abelhas atacam. As abelhas podem matar, irei aprender.

Mais tarde, em Março, quando entrar no HM 241 para ser operado assistirei à chegada de uma companhia de fuzileiros que caíra debaixo de um enxame de abelhas, entraram com o corpo todo inchado, alguns em estado de profundo choque, urrando com aquele sofrimento inusitado de abelhas que atacam quando se sentem perseguidas ou sentem o cheiro do suor ou do sangue.

É nesta atmosfera de dilúvio e derrocada que o soldado Sadibi Camará larga duas granadas e ouve-se uma explosão e a seguir um clamor de sofrimento: Sadjo Seidi tem as duas pernas estilhaçadas por uma granada ofensiva que se desencavilhou. Exactamente como um mês atrás retiramos com um ferido (felizmente menos grave), seguimos de Chicri para Gambaná, atravessamos em passo estugado para Malandim e ficamos em Finete a aguardar um helicóptero que o Teixeira chamara entretanto. Sadjo irá recuperar de uma das pernas, a outra deixou-a coxear para todo o sempre, devido a ferimentos no joelho e calcâneo.


Os livros do mês

Aprendi muito com as abelhas. Elas irão reaparecer no próximo mês, na Operação Anda Cá, onde seremos obrigados a regressar ao local do acidente para recuperar bazucas e morteiros, e também a Mansambo e na região do Xime, como aqui se irá contar. O lastimável disto tudo é que íamos tendo, todos nós, um saber de experiência feito, sem nenhuma indicação, sem sabermos quais as reacções mais adequadas perante esta fúria biológica. Quem diz abelhas diz macaréu, diz travessias de riachos, tornados e até doenças cuja existência nos era completamente desconhecida.


Capa do romance policial de SS. Van Dine, A Série Sangrenta. Lsiboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Vampiro, 30). Capa de Cândido Costa Pinto.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Volto para Missirá, onde nos esperam as obras, as aulas, um quotidiano fervente. No regresso ouvimos as explosões das morteiradas com que em Madina se espera um inimigo que já está longe. Em Missirá espera-nos o aconchego do banho e uma carne assada preparada por Jobo Baldé. Com o corpo moído e a convicção que amanhã regressaremos a Mato de Cão, vou para a minha cubata ler o correio que me foi entregue em Finete.

Capa da novela de Ernest Hemingway, O Velho e o Mar. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Miniatura, 41). Capa (falubosa) de Bernardo Marques.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Os postais ilustrados dos nossos amigos e familiares

Já vos falei dos bihetes postais que enviei sobretudo a partir de Bissau e Bafatá. Uma palavra para os bilhetes postais que vinham de Portugal até este ponto obscuro da floresta silenciosa:

A Cristina manda-me um marco do correio e insinuações que apontam para um casal de namorados. Se era verdade que suspirávamos pelo correio, convém agora relembrar que as nossas notícias, quando faltavam, ou se atrasavam, quebravam o ânimo dos nossos entes queridos. A minha irmã dá-nos notícias da família e manda-me um avião da TAP a sobrevoar impossivelmente o velho Aeroporto da Portela, como a recordar-me que eu era bem vindo a qualquer momento. O meu irmão agradece lembranças do Natal através do Palácio da Pena, com as pinturas da época. E a minha mãe escreve-me de S. Pedro do Sul com uma panorâmica de Vouzela e um velho comboio a atravessar a ponte. Espero que os historiadores do séc. XXI cuidem da função determinante que estes bilhetes postais tiveram nos nosso ânimos, substituindo palavras, acentuando sentimentos, gritando ausências.

Portugal > Bilhete postal > Edição Lifer - Porto, s/d. Colecção Postales Escudo de Oro > Impresso en España / Print in Spain, Barcelona / Nº 516 > Vouzela (Portugal) > Vista panorâmcia / Panoramic view / Vue panoramique...

Enviado ao Alf Mil Mário Beja Santos, SPM 3778, por sua mãe: "S. Pedro do Sul, 27/8/1969: Meu estimado e querido filho: Estou sem notícias tuas há uma semana. Mas possivelmente [há] atrasos na correspondência... De Lisboa, escrever-te-ei uma longa carta. Peço que rezes pelas minhas melhoras e que as águas produzam o seu efeito na minha saúde. Sigo com o Rudolfo para casa. Estive aqui 15 dias. Vês como é lindo, este sítio ? Muito tenho pensado em ti, meu querido filho. Como estarás de saúde ? (...).

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Há entradas e saída no nosso contigente militar. Chegou o Benjamim Lopes da Costa que veio substituir o Paulo. O Benjamim será um camarada inesquecível, mesmo quando, cheio de sofrimento, lhe darei voz de prisão após uma emboscada em que ele perdeu a cabeça e me chamou assassino. Cimentámos uma grande amizade que durou até 1990, ano da sua morte num estúpido acidente. E leio, leio desalmadamente. Primeiro, o épico que é O Velho e o Mar, por Ernest Hemingway. Nunca me cansarei desta narrativa em que um velho marinheiro, de nome Santiago, lá para Cuba, persegue um espadarte com 5 metros de comprimento, ganhando a luta mas perdendo a carne da presa, devorada por tubarões. Luta metafórica da nossa vida, vitória sobre o silêncio e sobre a solidão no alto mar: "Mesmo no alto mar, um homem nunca está só", escreve Hemingway. O herói policial do escritor S. S. Van Dine é o fleumático, super chique e super intelectual Philo Vance. O romance que devorei em duas horas livres é A Série Sangrenta, a tragédia dos Greene, um clã de multimilionários de Nova Iorque que vão sendo abatidos em casa, contrariando toda a lógica, graças a um génio diabólico que se vai revelar impotente perante os dotes de análise desse investigador gastrófilo, amante de porcelanas chinesas, mestre de esgrima e profundo conhecedor da música renascentista. Estes livros suavizam as asperezas do barro do quotidiano, uma roda que não pára de dançar.

Vem aí Fevereiro, mês em que vou ser punido, irei a Quebá Jilã donde traremos um prisioneiro, segue-se a tragédia da Anda Cá e temos por fim a Operação Fado Hilário, uma ida à base de Galoiel, salvo erro na companhia do Torcato Mendonça, e numa operação capitaneada por Laranjeira Henriques, de quem tenho saudades. Vamos então contar.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá

Guiné 63/74 - P1485: Bambadinca revisitada... ou os azares de um operador cripto em fim de carreira (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região)

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste).

Vê-se ainda uma nesga do heliporto (2) e o campo de futebol (3), assinalado também cum círculo a vermelho.

A CCAÇ 12 começou também a construir um campo de futebol de salão (4), com cimento roubado à engenharia nas colunas logísticas para o Xitole.

De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão (5) e as instalações de oficiais (6) e sargentos (8), para além da messe e bar dos oficiais (8) e dos sargentos (9).

Apesar do apartheid (leia-se: segregação sócio-espacial) que vigorava, não só na sede dos batalhões, como em muitas unidades de quadrícula, uns e outros, oficiais e sargentos, tinham uma cozinha comum (19).

Do lado direito, ao fundo, a menos de um quilómetro corria o Rio Geba, o chamado Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. O aquartelamento de Bambadinca situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste). São visíveis as valas de protecção (22), abertas ao longo do perímetro do aquartelamento que era todo, ele, cercado de arame farpado e de holofotes (24). A luz eléctrica era produzida por gerador...

Junto ao arame farpado, ficavam vários abrigos (26), o espaldão de morteiro (23), o abrigo da metralhadora pesada Browning (25). Em 1969/71, na altura em que lá estivemos, ainda não havia artilharia (obuses 14).

A caserna das praças da CCS (11) ficava do lado oeste, junto ao campo de futebol (3). Julgava-se que o pessoal do pelotão de morteiros e/ou do pelotão Daimler ficava instalado no edifício (12), que ficava do outro lado da parada, em frente ao edifício em U. Mais à direita, situava-se a capela (13) e a secretaria da CCAÇ 12 (14). Creio que por detrás ficava o refeitório das praças.

Em frente havia um complexo de edifícios de que é possível identificar o depósito de engenharia (15) e as oficinas auto (16); à esquerda da secretaria, eram as oficinas de rádio (17).Do lado leste do aquartelamento, tínhamos o armazém de víveres (20), a parada e os memoriais (18), a escola primária antiga (19) e depósito da água (de que se vê apenas uma nesga).

Ainda mais para esquerda, o edifício dos correios, a casa do administrador de posto, e outras instalações que chegaram a ser utilizadas por camaradas nossos que trouxeram as esposas para Bambadinca (foi o caso, por exemplo, do Alf Mil Carlão, nosso camarada da CCAÇ 12).

Esta reconstituição foi feita pelo Humberto Reis, completada por mim (LG) e, mais recentemente, pelo Gabriel Gonçalves (GG), que identificou novos sítios: cantina (27), posto de rádio (28), refeitório das praças (29) e centro cripto (assinalado com uma seta no topo do edifício 5).


Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


Mensagem do Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71):

Caro Henriques:

Junto devolvo a imagem (que me pediste para ver, comentar e corrigir), com a identificação da cantina (27), posto de rádio (28), refeitório das praças (29) e centro cripto (assinadado com uma seta no topo do edifício 5).

Como tu dizes, realmente eu estive trancado no quartel, mas foi durante 22 meses, porque o meu periquito não chegou e, segundo me constou, o rapaz era sobrinho de um tenente-coronel e deu baixa ao hospital. Quando deram nota da ocorrência para a repartição de sargentos e praças, o responsável que recepcionou a nota esqueceu-se de nomear um substituto e lá fiquei eu a ver-vos partir e a gramar mais dois meses daquela merda.

Aqueles dois meses foram os piores da minha vida... de tal maneira que em dada altura resolvi deixar de alinhar na escala de serviço, com a anuência dos meus superiores, passando apenas a dar apoio aos periquitos.

Como tinha mais tempo disponível passei estupidamente a dedicar-me às bazucas [, garrafas de cerveja de 0,6 ], e dessa forma andava anestesiado o que me trouxe alguns dissabores. Um dia, estava eu sentado na cantina a saborear uma bazuca, quando apareceu o cripto do Xime que me convenceu a ir na coluna que ia para o Xime, porque os gajos tinham lá um grande petisco, tratava-se de um belo cabrito assado com batatinhas.

E lá fui eu todo contente, mas como estava anestesiado esqueci-me de avisar a malta de Bambadinca, que andaram toda a noite à minha procura. Ao fim da manhã do dia seguinte, como eu não aparecia, resolveram comunicar o meu desaparecimento aos superiores, pensando que eu tinha sido apanhado à mão. Quando já iam na direcção do edifício do comando, entrou pelo quartel dentro a coluna do Xime, com o belo do GG ainda não refeito da noitada. Quando os gajos me viram, foram direitos a mim, chamaram-me todos os nomes que lhes veio à cabeça (podes imaginar que nomes é que me chamaram) e o Chaves, o cripto do BCAÇ 2917, pregou-me uma pera na tromba que ainda hoje me doi.

Se os gajos tivessem ido comunicar o meu desaparecimento, as consequência para mim teriam sido bastante graves, pois com o meu desaparecimento todos os PSRT (*) de toda a Guiné teriam de ser destruídos e substituídos e eu, no mínimo, ia de cana com uma valente porrada e em vez de 22 meses ficava a apodrecer na prisa.

Um grande abraço
Gabriel

(*) Publicações do Serviço de Reconhecimento das Transmissões.

Comentário: GG: Não te conheci essa faceta...Sempre foste um gajo muito aprumado e disciplinado. Imagino o inferno que terão mais esses dois meses de Guiné - Março e Abril de 1971, não ? ... Olha, já não me lembrava que lá tinhas ficado à espera do desgraçado teu periquito... Obrigado, por esta revisitação de Bambadinca onde, para o bem e para o mal, passámos um grande bocado dos nossos verdes anos... Um abraço, camarada!

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores do GG:

26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1464: Oficiais, sargentos e praças: tropa é tropa, uísque é uísque (Gabriel Gonçalves / Luís Graça)

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1377: CCAÇ 2590/CCAÇ 12: Apresenta-se o 1º Cabo Operador Cripto Gabriel Gonçalves

Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > Bajuda Balanta > Série de postais ilustrados do tempo da Guiné Portuguesa, s/d nem editor... Colecção do nosso amigo e camarada José Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1973/74).

Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados.


Um estória do Albano Costa (ex-1º cabo da CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74), que já está em arquivo há uns dois ou três meses... Ele vive e trabalha hoje em Guifões, Matosinhos. Se lá forem perguntem pela FotoGuifões... O Albano é a gentileza em pessoa.

Caro Luís:

Quando cheguei à Guiné, fomos logo directos para o Cumeré. Lembro-me de termos chegado a um sábado de manhã. Tudo era diferente, tudo era estranho. Fomos em coluna militar, mas nada parecido com as que fazíamos no mato. A viagem foi feita numa Berliet, íamos acomodados como os porcos, todos a monte. A população local fez uma grande festa no trajecto de Bissau até Safim, a chamar piu-piu, periquito vai pró mato...Para mim tudo era novidade.

Depois de acomodado no Cumeré, uma das minhas primeiras prioridades era vir à cidade encontrar-me com um colega que tinha a informação de estar na Manutenção Militar. E então, quando me encontrei com o velhinho, meu amigo, pedi-lhe para me levar ao Pilão, às bajudas...

Então lá fomos os dois, e no caminho fui avisado sobre os preços que na altura eram praticados:
- Se for guineense, são 50 pesos; se for caboverdiana, são 100 pesos.

E lá fui eu, cheio de vontade. Quando lá cheguei, o meu amigo foi dar a volta dele e eu fiquei um pouco à deriva, sem saber o que fazer...

É que eu estava há 24 horas na Guiné e num sítio que era sempre preciso ter cuidado e, para mais, dava para perceber que era periquito... Então esperei pelo meu amigo, até que ele entretanto chegou e eu falei do que estava a ver, nenhuma me interessava a não ser aquela com quem ele foi mas essa, eu não a queria naquele momento, por razões óbvias...

Fomos a outro bar e aí eu acabei por escolher uma guineense que parecia mais caboverdiana do guineense, mas como o meu amigo me tinha dito que guinenese era só 50 pesos, eu ao puxar pelo dinheiro, lembro-me que não tinha ainda pesos mas sim escudos... Só que, como o apetite era grande, eu não me importava nada de pagar em escudos, mesmo sabendo que valia mais qualquer coisinha...

Guiné > 1971 > Cópia de nota de 50 escudos (pesos) da Guiné. Frente. Banco emissor: BNU. Imagem gentilmente enviada pelo Sousa de Castro (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74):
Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.



Entretanto, a companheira furtiva, ao ver notas de 50 e 100 escudos, vendo que eu era periquito, pede-me 100 escudos... Aí eu disse:
- Não, se quiseres são 50 escudos; se não quiseres, vou-me embora.

Ela disse que não, e aí eu vim embora a seco.O meu amigo. quando chego à beira dele tão rápido ficou admirado, e disse
- Já ?! ... Nem deu tempo para tirar a roupa!...

Então, eu contei-lhe o sucedido e ele disse-me:
- Fizeste bem, vamos a outro bar.

Ora bares era o que não faltava no Pilão ou Cupilon... Eu respondi-lhe:
- Agora já perdi a vontade, amanhã eu venho cá outra vez para saciar o desejo... - E assim aconteceu.

Cambiei os escudos por pesos, a diferença não era assim muito mas era alguma coisa, e lá fui com a caboverdiana por cem pesos.

Depois fui para Guidaje, não havia nada, era como já disse uma terra de ningém, só lá existíamos nós e a população civil quase toda ligada aos militares da CCAÇ 19. Era um pouco difícil, não se passava nada, uma autêntica pasmaceira. Mas eu, como fotógrafo, consegui arranjar uma lavadeira, e para todo o serviço. Nunca lhe paguei propriamente os favores sexuais, embora me tivesse ficado mais cara... Julgo que era também por prazer que ela vinha ter comigo ao meu quarto...

Estava só com um colega, ele já sabia, pelo que quando ela vinha buscar a roupa ele ia dar uma volta. E por isso todo o tempo que estive em Guidaje, foi sempre a mesma. Ela era casada. O marido tinha mais de uma mulher e, por motivos de saúde, esteve um tempo ausente, e aí eu estive sempre à vontade.

Quanto ao pré, sei que, como 1º cabo, recebia 750$00, os outros 500$00 ficavam na metrópole, mas eu tinha mais dinheiro que ganhava a tirar fotografias, e dava para tudo, só não deu foi para trazer para casa, mas isso já é outra estória.

Um abraço, Albano Costa

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1483: Blogoterapia (16): Males de amores ou... Tenho um lenço da minha lavadeira ali guardado na gaveta (David Guimarães)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 > 1973 > O Fur Mil de Operações Especiais Casimiro Carvalho com duas bajudas da tabanca.

Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector l1 > Xitole > CART 2716 > 1970 > O Guimarães e a Helena, a sua lavadeira. O Xitole era, tal como Bambadinca, um posto administrativo, pertencente ao concelho de Bafatá. A povoação que lá vivia era, no entanto, menos numerosa do que a de Bambadinca, sede do BART 2917 (1970/72) .
Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.

A história das relações das NT com a população em geral, e com as mulheres, em particular, está por contar. Em muitos casos, a presença de centenas de homens, europeus, brancos, jovens, solteiros, combatentes, a milhares quilómetros de casa e com muitos pesos no bolso, terá tido um impacto considerável na desestruturação social de algumas comunidades tradicionais...

"Tenho um lenço da minha lavadeira, ali guardado na gaveta" (DG) podia ser o título de uma bela estória sobre os (im)possíveis amores em tempo de guerra... Ou sobre os nossos males de amores, que era muitas vezes o preço que se passava por uma noite (suada) de sexo...

O post do Vitor Junqueira (1) já obteve vários comentários, do pessoal da tertúlia, a começar pelo Torcato Mendonça (2). Publicam-se a seguir outros, que já nos chegaram. Devo acrescentar que as estórias de homens e de mulheres em tempo de guerra - muito desiguais em termos de estatuto e de poder, e vindos, se não dos antípodas, pelo menos de culturas muito diferentes - não têm abundado no nosso blogue (3)... Amores de soldados e de marinheiros são levados pouco a sério, e rapidamente esquecidos... Evocá-los, décadas depois, é complicado e é preciso talento, além de bom senso e bom gosto... É difícil contá-las, para mais em público, em grupo, na caserna virtual que é o nosso blogue... Por pudor ? Por preconceito ? Por autocensura ? E, no entanto, erotismo, exotismo e guerra andam muitas vezes de mãos dadas... E tudo indica que, como a do Junqueira, há belíssimas estórias por contar... (LG).

1. Amaral Bernardo (CCS / BCAÇ 2930, Catió, 197o/72):

Acabo de ler o escrito por Vitor Junqueira... Impressionante. É belo e envolve-nos a todos, de um modo ou outro, numa mesma cumplicidade. Lindo!!!

2. Fernando Franco (BIG, Bissau, 1973/74):

Para além de fazer meus, os comentários do Amaral Bernardo, tenho a acrescentar que me revi na mesma situação, só que estava na zona nobre de Bissau, o Pilão. Como nós, devem estar centenas, para não dizer milhares, que viveram a mesma situação, ou de maneira diferente. Quero deixar aqui um agradecimento ao Vitor Junqueira, por me relembrar esses momentos e dar-lhe os parabéns pela forma como escreveu ao pormenor essa situação.

3. David Guimarães (CART 2716, Xitole, 1970/72):

Esta, diria eu.... é a verdadeira história de amor que aconteceu com o Junqueira .... E eu que nem sou piegas - só sou velho - até as lágrimas me vieram aos olhos de emocionado ao lê-la....

Tenho um lenço dado pela minha lavadeira, ali guardado na gaveta, mas decerto que quereria ter vivido uma história de amor como o Junqueira.... Porque pelo que ele escreve, houve sim muito para além do sexo. E isso é lindo...

Um abraço e obrigado, Vitor, deste-me uma lição de humanidade.

Nota - Já li várias vezes o post do Vitor. Lerei mais, pois apetece ler e reler, faz-me bem...

4. Sousa de Castro (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74):

Linda Estória!... Real, verdadeira, estória mais ou menos igual a tantas outras vividas por ex- combatentes, sentimentos de saudade que muitos de nós não conseguimos relatar, passar para o papel o que nos vai na alma, embora pessoalmente não tenha passado pela experiência do Junqueira (quem me dera!...).

Lembro-me, com saudade, da pele macia, aveludada, as mamas apetitosas e o cheiro característico do perfume que elas usavam. Lembro-me em determina altura no Xime uma Badjuda (minha lavadeira) que, a troco de algum pão e marmelada, me agradeceu com um apetitoso beijo nos lábios que me deixou sem fala... e outras recordações.
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Notas de L.G.:

(3) Em tempos eu já aqui tinha evocado a Helena de Bafatá, que sucessivas levas de batalhões conheceram, no sentido bíblico do termo... Ela foi, avant la lettre, uma verdadeira profissional do sexo, e eu ainda hoje acho que lhe devíamos ter erigido, por gratdão, uma estátuta na sua terra natal... Vd. post de 12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá (Luís Graça)

(...) "Amorosa Helena, pequena fula dengosa, ‘salva das garras do Islão’ (sic) por zelosos missionários católicos – mas não da faca da fanateca, que te extirpou, na festa do fanado, o clitóris – para se tornar o colchão de todas as camas, a Vénus negra de batalhões inteiros, a iniciadora sexual de mancebos que as sortes vieram arrancar às saias da mamã, a alegre e traquinas companheira de muitas farras de caserna, correndo nua e lasciva do regaço de tropas bêbedos que nem cachos, para o abrigo mais próximo quando às tantas da madrugada soava o canhão sem recuo!...

"Bela Helena de Bafatá que sabias pôr na ordem os arruaceiros paraquedistas de Galomaro que te batiam à porta a pontapé quando eu estava contigo, deitado na tua liteira, e me dispensavas pequenas gentilezas – um ronco de missangas, vermelhas, ou uma talhada de papaia que trazias do mercado – sempre que eu ia a Bafatá e procurava a tua companhia, na melhor das hipóteses, uma vez por mês, no dia de folga dos guerreiros… Tu e as tuas amigas de Bafatá que tanto trabalho deram que fazer ao competentíssimo furriel enfermeiro Martins, que nunca punha os pés fora da sua enfermaria e que eu duvido que alguma vez tenha ido a Bafatá, o nosso querido Pastilhas que vivia 24 horas dentro do arame farpado, trabalhando incansavelmente, de bata branca, em prol de uma Guiné Melhor, que nos aturou mil e um travessuras, partidas de mau gosto, brincadeiras estúpidas, bebedeiras de caixão à cova e sobretudo nos curou de alguns valentes esquentamentos……

"Destes e doutros males de amores, estás perdoada, Helena. Afinal, quem vai à guerra, dá e leva… Tu curavas-nos dos males da alma, o Pastilhas dos males do corpo… Entretanto, quando a guerra acabar, para mim e para os meus camaradas da CCAÇ 12, não terei tido tempo de te devolver a pulseira de missangas vermelhas nem de te dizer um 'Adeus, até sempre', um adeus sem regresso… Guardarei de ti a doce lembrança das tuas estridentes e saudáveis gargalhadas, do cheiro exótico do teu corpo, das tuas sagradas funções de sacerdotiza do amor em tempo de guerra… Imagino que a tua vida não tenha sido fácil depois da independência, se é que lá chegaste com vida e saúde… Nunca mais tive notícias tuas, mas hoje, revendo a minha primeira viagem, por terra, no interior da Guiné, do Xime até Contuboel onde me esperavam os meus queridos 'nharros', ao longo do interminável dia de 2 de Junho de 1969, o teu nome, o teu rosto e as tuas gargalhadas vieram-me à lembrança...

"Lembrei-te de ti em Ponta Coli, frente à vasta bolanha, agora seara inútil de capim alto, com o cadáver do furriel vagomestre nos braços; lembrei-te de ti e das minhas escapadelas a Bafatá… Também foste, à tua maneira, uma heroína daquela guerra, minha impossível amiga, separada pelos papéis que nos obrigaram a representar na tragicomédia da guerra colonial da Guiné… Daí figurares, contra a toda a ortodoxia (do teu povo fula, dos teus missionários católicos, dos 'tugas' que apenas queriam o teu corpo, dos revolucionários do PAIGC que não te terão perdoado o colaboracionismo com os colonialistas, para mais sendo tu conterrâneo do pai da Pátria, o Amílcar Cabral), daí figurares, dizia eu, na minha galeria de heróis e de heroínas… Com todo o direito, com o direito que ganharam as mulheres do teu país, ofendidas e humilhadas, violentadas pelo sistema, pela guerra, pela dominância dos machos, pelo imperativo da sobrevivência… Aceita esta pequena homenagem da minha parte, onde quer que estejas, na terra, no céu ou no inferno!

Guiné 63/74 - P1482: Guidaje: os mortos da CCAÇ 3518 (A. Marques Lopes / Daniel Matos)

Mensagem do A. Marques Lopes:

Hoje, o Daniel de Matos disse-me mais sobre a sua estadia em Guidaje. Apesar de eu lhe ter dito para ser ele a contar (1).

"Estiveram 2 pelotões da Companhia [, a CCAÇ 3518,] durante cerca de 20 dias trancados em Guidaje na altura da crise. Com efeito, a Companhia tinha vindo de Gadamael para o COMBIS (Bissau), passando a fazer colunas regulares para Farim.

"Uma delas foi prolongada até Guidaje e os dois pelotões por lá ficaram esse tempo, durante o qual tivemos 4 mortos e diversos feridos. Morreram no abrigo de artilharia referido pelo Capitão Salgueiro Maia no seu livro (2), dentro do qual também me encontrava (estávamos 16 lá dentro quando a morteirada o destruiu).

"Elaborei um croquis da localização e da ordem por que ficaram enterrados e entreguei-o no COMBIS, quando regressámos a Bissau. Por meu intermédio, o Notícias da Amadora publicou então os nomes desses 4 camaradas (metade dos que viríamos a enterrar em Guidaje, dado o estado de decomposição em que se encontravam, e em virtude de não haver mais urnas disponíveis e de não termos conseguido efectuar colunas de evacuação até Binta/Farim, - fomos emboscados no Cufeu e tivemos de regressar a Guidaje.

"Os nomes desses militares mortos constam obviamente na Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1974, do Estado-Maior do Exército."

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1480: Guidaje e Gadamael: os marados da CCAÇ 3518 (A. Marques Lopes / Daniel Matos)

(2) MAIA, Salgueiro - Capitão de Abril: Histórias da Guerra do Ultramar e do 25 de Abril. Depoimentos, 3ª ed. Lisboa: Editorial Notícias. 1995. Vd. pp. 59-72 ("Crónica dos feitos por Guidage").